segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Altay Veloso - 40 anos de Música e Poesia



“ São 40 anos de aventuras / desde que mãe teve a doçura / de dar a luz pra esse seu nego /e a vida cheia de candura / botou canção nesses meus dedos / e me entregou uma partitura / pra eu tocar o meu enredo/ sei que as vezes quase desatino /mas esse é meu jeito latino / meio Zumbi ,Peri , D. Pedro / me emociona um violino /mas também já chorei de medo /como chorei ouvindo o hino / quando morreu Tancredo / dos 40 anos de aventuras /só 20 são de ditadura / e eu dormi , peguei no sono /e acordei no abandono /e o país tava sem dono /e nós fora da lei / quem se apaixonou por Che Guevara / até levou tapa na cara / melhor é mudar de assunto /vamos enterrar esse defunto / melhor lembrar de “ Madalena “ / de Glauber Rocha no cinema / das cores desse mundo / Jimmy , Janis Joplin e John Lennon / meu Deus o mundo era pequeno / e eu curtia no sereno / Gonzaguinha e Nascimento / o novo renascimento / que o galo cantava / “ Ava Canoeiro , “ Travessia “ / Zumbi no “ Opinião “ sorria /de Ellis surgia uma estrela / comprei ingressos só pra vê –la / levei a minha namorada / com quem casei na “ Disparada “ /só para não perde-la /lavei com meus prantos os desatinos / pra conversar com meus meninos / sobre heróis da liberdade / de Agostinho de Luanda / a Buarque de Holanda /foram sóis na tempestade / mesmo escondendo tristes fatos / curti o tricampeonato/ meu Deus , também sou batuqueiro / pois eu nasci em fevereiro / e o carnaval está no meu sangue/ sou dos palácios , sou do mangue /enfim sou brasileiro / sou Airton Senna , eu sou Hortência / dou de lambuja a minha vidência / não conheço maior fé /que a de Chico Xavier / que para Deus já é Pelé / que é o nosso rei da bola / quem tem Raoni , tem Amazônia / se está sofrendo de insônia / é por que tem cabeça fraca / ou está deitado eternamente / em berço esplêndido ou é babaca / ou está mamando nessa vaca / o leite dos inocentes / vamos ensaiar , oh ! minha gente / botar nosso Brasil pra frente / laiá, laiá, laiá, laiá“ 

   Altay Veloso, compositor, instrumentista, cantor e teatrólogo, nascido em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, em 26 de fevereiro de 1951, filho de um jongueiro capixaba com uma sacerdotisa de religião africana. Em “40 anos “, um samba – exaltação, Altay esculpiu poesia e história juntos num estilo próprio dos enredos clássicos das escolas de samba: longos e derramados em múltiplas citações (18 pessoas) e, com nítido caráter ufanista. De início, Altay faz menção a sua negritude, sua idade (40 anos) e na candura da vida que lhe colocou “canção nos dedos “, uma alusão ao seu instrumento de trabalho – o violão. As três raças tristes formadoras de nosso Brasil brasileiro, lindo e trigueiro – o negro, o índio e o europeu – são representadas por, respectivamente, Zumbi dos Palmares; o personagem Peri do romance de José de Alencar, O Guarani; e o imperador Dom Pedro de Alcântara.
   Deste cadinho de raças foi gestado o autor- partidário desta canção com a alma emotiva do homem que chora a morte televisiva do quase Presidente Tancredo Neves (1910 – 1985), avô de outro quase Presidente, o atual senador Aécio Neves. O tempo rolando na noite longa do Movimento Militar do Brasil (1964 – 1985) com os generais Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo aparece no corpo da composição. A paixão fugaz e enganosa, própria de jovens sonhadores e inocentes acerca do médico e guerrilheiro, convenhamos, bem mais matador do que curador, o argentino Che Guevara (1928 – 1967) e companheiro do eterno déspota caribenho Fidel Castro (Ave – Maria!), aparece rápido na música. Ivan Lins, cantor e compositor carioca de vanguarda faz- se presente com a música “Madalena, aquela que fala “o meu peito percebeu que o mar é uma gota comparada ao pranto meu “.
   A seguir faz a aparição o gênio rebelde e louco de Glauber Rocha (41 anos), divulgador mor do Cinema Novo brasileiro. Jimmy Hendrix, cantor e guitarrista americano (27 anos), Janis Joplin, cantora e compositora americana (27 anos) e John Lennon (40 anos), o eterno ícone dos Beatles são mencionados. Ídolos do Rock, cometas infelizmente abatidos precocemente pela indesejada das gentes, todos, na plenitude da fama. Estes últimos, dignos representantes duma geração contaminada “por essa pressa de viver e arriscar tudo de novo com paixão “, onde tudo era permitido, como dizia o mago compositor cearense Belchior.
   Os cariocas Luiz Gonzaga Junior - Gonzaguinha - (46 anos) e Milton Nascimento, o Bituca, merecem a honra de promoverem um novo “Renascimento “como aquele que apareceu nas artes e nas ciências no fim da Idade Média. Destes faz-se menção a duas músicas “Ava Canoeiro“, pouco executada e a “Travessia “que caiu no gosto do povo. Cita – se de passagem a “pimentinha “Ellis Regina (36 anos), uma vítima a mais tragada pela parca, com a “Disparada “do hoje zumbi Geraldo Vandré. O político e poeta angolano Agostinho Neto (1922 -1979) e o historiador paulista Sérgio Buarque de Holanda (1902 – 1982) são nomeados na canção como “sóis da liberdade “.
   Por fim encerra-se o samba–enredo com menção ao médium espírita mineiro Chico Xavier (1910 - 2002), ao ídolo Airton Senna (34 anos), a jogadora de basquete Hortência, ao rei da bola Pelé e ao líder indígena caiapó Raoni. Finalizo e, de pronto, enalteço a figura do autor da canção, Altay Veloso pelo relato extenso mas agradável de um período conturbado e rico do nosso país, por ajudar poeticamente na construção da nova Música Popular Brasileira.

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