sábado, 29 de outubro de 2016

O GATO E O PREDADOR

Para Rosali



“O gato. Se o gato fosse gente, seria Oscar Wilde... Displicente. Cético. Gozador. Um gato, se é angorá, gato de luxo, cor de chumbo, preto ou branco, como um arminho ou um pompom ; um gato, se é ordinário , parecido com uma jacutinga ou como um maracajá – um gato é sempre um boêmio nostálgico e sensual...

Na quentura de uma almofada de seda; com a cabeça entre as patas de veludo róseo, ou nos telhados, junto às chaminés, serenata à lua, o gato é a síntese da vagabundagem inteligente; o gozo sem sacrifício ; a vida sem os compêndios da moral; o amor do próprio bem estar; a despreocupação, quanto aos princípios de gratidão e gentilezas banais – a unha que arranha , quando o contrariam; a carícia que ele ama quando o aconchegam ; o abandono do afeto, quando este afeto importa no alienar o seu prazer . Foi isso tudo que deu ao gato aquele cantor que foi Baudelaire.

O gato é um requintado. E vivia tranquilo, porque não andando em bandos, nem perturbando a ordem pública, ficou livre (ao contrário do cachorro), das leis da polícia e das posturas municipais.

Epicurista; dormindo de dia e saindo de noite; andando cautelosamente pelos passeios das avenidas e praças; preferindo as alturas dos bangalôs e dos arranha- céus; fazendo das telhas das casas, os recintos de seus cabarés, gatas bailarinas e gatos tenores, nos delírios mais arrepiados do amor, contra o gato só existia a raiva dos neurastênicos, dos que se julgam lesados com o gozo alheio , seja dos gatos , seja de semelhantes racionais...

Mas veio o samba. E com o samba a cuíca. E para a cuíca, o malandro descobriu que o couro mais forte e mais harmonioso é o do gato. Assim são trágicas as caçadas noturnas nos arrabaldes e nos subúrbios da capital. O malandro anda pelos telhados e coradouros alçando laços de arame no enforcamento do simpático animal. Laçado o gato, fazem-lhe dois cortes nas patas dianteiras. Sopram-lhes os cortes com canudos de mamoeiro. E o gato, morto e cheio de vento  fica como uma bola . Então é só dar um talho reto da goela ao fim do ventre, e o couro sai todo. Dentro de oito dias é uma cuíca vibrando surda no samba de tão singular emoção.

Aquele couro facilmente retirado e posto ao sol, com a cinza do fogão que foi leito amável do animal encantador, continua a nostalgia do bicho trucidado que vem formar na melodia dos que se divertem, líricos como ele, e talvez nostálgicos também, tirando sons da barrica musical, sem pensar na matéria prima emocional , que era aquele companheiro contemplativo , e também cantor nas horas mortas , quanto o amor e o luar dos abajures fazem suas conspirações “

Texto retirado do livro “Samba: sua história, seus poetas, seus músicos e seus cantores “do poeta, jornalista, radialista, cronista, cantor e compositor Orestes Barbosa (1893 – 1966) publicado em 1933 pela Livraria Educadora do Rio de Janeiro . Na crônica o coração do poeta põe a nu o caráter anormal do maior bicho predador da natureza!

Orestes Barbosa construiu uma bela jornada nos campos do jornalismo, da poesia e da música popular brasileira. Deixou sete livros de crônicas; dois de poesia; um de ensaio ; dezenas de músicas , dentre elas a eterna “ Chão de Estrelas “ com a mimosa passagem “  A porta do barraco era sem trinco/ mas a lua furando nosso zinco / salpicava de estrelas o nosso chão / tu pisavas os astros distraída/ sem saber que a ventura desta vida / é a cabrocha , o luar e o violão “



quinta-feira, 27 de outubro de 2016

BORORÓ , DA COR DO PECADO


Alberto de Castro Simoens da Silva, ou melhor, Bororó (15.10. 1898 /7.6.1986 ) compositor e instrumentista nascido no bairro de Botafogo , no Rio de Janeiro .Desde cedo tomou contato com o violão através de seu pai , Alberto Simoens da Silva , boêmio e seresteiro , conhecido como Sinhozinho .Quando estudante do Colégio Santo Inácio recebeu de um professor o apelido de Bororó em decorrência de um fato insólito : a visita em sua residência de um grupo de índios Bororos . Em 1920, o jovem Bororó inicia a produção de músicas para grupos carnavalescos , nada de maior significância .

Em 1939 lança sua primeira pérola, a música “Da Cor do Pecado“ com letra brejeira e levemente maliciosa , gravada por Silvio Caldas (1908- 1998 ) , O Caboclinho , também conhecido por “ Cantor das Multidinhas “ para diferenciar , de maneira jocosa , de Orlando Silva (1915 -1978 )  o célebre “ Cantor das Multidões “ :

“ Este corpo moreno cheiroso e gostoso que você tem /é um corpo delgado da cor do pecado que faz tão bem /este beijo molhado , escandalizado que você deu /tem sabor diferente que a boca da gente jamais esqueceu /e quando você me responde umas coisas sem graça/ a vergonha se esconde/ porque se revela a maldade da raça/este corpo de fato tem cheiro de mato/saudade , tristeza ,essa simples beleza/esse corpo moreno, morena enlouquece /eu não sei bem por que /só sinto na vida o que vem de você “

No ano seguinte , em 1940 , Bororó, afagou o ego de Orlando Silva, que havia recusado a gravação de “ Da Cor do Pecado “ , com um mimoso e definitivo choro, “ Curare “ :
“Você tem boniteza / e a natureza foi que agiu /com esses olhos de índia/ curare no corpo que é bem 

Brasil/tu és toda Bahia /é a flor do mocambo/da gente de cor /faz do amor confusão /numa misturação /vem banzeira , inzoneira / que tem raça e tradição /quebra , machuca / minha dor / nega , neguinha /tudo , tudinho /meu amorzinho / com essa boquinha vermelhinha , rasgadinha /que tem veneno como o que /conta tristeza e alegria pro seu bem/tudo o que quer dizer/ que você é diferente / dessa gente que finge querer “

Bastaram estes dois mimos para colocar Bororó no altar junto aos grandes compositores da Moderna Música Popular Brasileira, deixando claro o excelso valor da qualidade quando confrontado com a quantidade.




segunda-feira, 24 de outubro de 2016

CADÊ A CARA DE MAU?


Em tempos pregressos fazia parte das condições para ostentar a fama de um “ Tira “ de respeito em Pindorama , portar uma cara de mau , mesmo que intimamente isso não representasse a fiel realidade 

. O estereótipo clássico  do Tira constava ,dentre outras ,das seguintes características: estatura elevada, peso excessivo, contorno quadrado como um guarda - roupa , bigode volumoso do tipo Bievenido  Granda (1915- 1983) - um cantor brega cubano apelidado de “  um bigode que canta “. A presença de um óculos escuro Ray –Ban comumente utilizado por caminhoneiros fazia-se indispensável . A abordagem civilizada do elemento suspeito, invariavelmente, começava com a aplicação de uma voadora seguida duma gravata para deixar o distinto com meio- palmo de língua para fora. Pronto, agora dava - se início ao esperado interrogatório.

Num mundo pós- moderno virado de ponta- cabeça não se faz mais “Tira” como antigamente.  O policial agora, à paisana, com uma camisa Polo, portando um colar de  falsas pérolas no pescoço , pejado de tatuagens pelo corpo inteiro , cabelo longo preso por um coque , sobrancelhas bem desenhadas e com visíveis traços de rímel .
 Cadê a cara de mau? O gato comeu!                                                                                                                  
Um agente da lei deste feitio, na atual folclórica Pindorama,  só tem serventia  para prender , cheio de salamaleques , um político com olhos injetados , arquejante  ou um daqueles de gravata branca oriundo das elites de quatrocentos anos.
 Bom, depois é partir fagueiro para curtir os cinco minutos de glória  nas famigeradas  redes sociais. E viva Pindorama !
Saudades da Jovem – Guarda com o “ Tremendão “ Erasmo Carlos:

“ Meu bem às vezes diz que deseja ir ao cinema / eu olho e vejo bem que não há nenhum problema / e digo não, por favor , não insista e faça pista /não quero torturar meu coração /garota ir ao cinema é uma coisa normal /mas é que eu tenho que manter a minha fama de mau/meu bem , chora , chora  e diz que vai embora/exige que eu lhe peça desculpas sem demora /e digo não , por favor , não insista e faça pista /não quero torturar meu coração /perdão a namorada é uma coisa normal /mas é que eu tenho que manter a minha fama de mau /e digo não , digo não , digo não,  não , não , perdão a namorada é uma coisa normal , mas é que eu tenho que manter a minha fama de mau “  
  
Letra de Erasmo Carlos em  Minha Fama de Mau .



sábado, 22 de outubro de 2016

PIXINGUINHA E ROSAS MUSICAIS


Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897-1973) ou Pixinguinha , nasceu no dia 23 de abril de 1897 no subúrbio da Piedade no estado do Rio de Janeiro. Foi um compositor, arranjador, flautista, saxofonista e maestro. Seu pai, Alfredo da Rocha Viana era funcionário dos correios e flautista.

Desde cedo, sua avó, de origem africana, o chamava de “ Pizindim” que significava “ menino bom “ . Por ter contraído varíola, doença conhecida popularmente por bexiga, alguns lhe apelidaram de “ Bexiguinha “ . Dai foi um pulo para chegar ao neologismo Pixinguinha.
Pixinguinha e seus 13 irmãos desde cedo viveram rodeados de músicos e chorões. Aos 9 anos de idade Pixinguinha tocava cavaquinho acompanhando seu pai em festinhas pelo bairro no Catumbi . 

Teve o garoto uma breve passagem no Liceu de Santa Teresa e no colégio do Mosteiro de São Bento. Em 1911 tendo contato formal com professores de flauta  surgiu uma composição sua chamada Lata de Leite. No ano seguinte fez sua estreia  como músico profissional no La Concha , uma casa de chope na Lapa , onde tomou lições da mais legítima boemia . Em 1917, contando com 20 anos de idade Pixinguinha lança, inicialmente  sem letra a música Carinhoso que duas décadas depois receberia uns mimosos versos de um bamba , João de Barro ou Braguinha ( 1907 -2006 ) :

“ Meu coração , não sei por que / bate feliz quando te vê / e os meus olhos ficam sorrindo/ e pelas ruas vão te seguindo /mas mesmo assim /foges de mim/ah se tu soubesses como sou tão carinhoso/e o muito, muito que te quero /e como é sincero o meu amor /eu sei que tu não fugirias mais de mim/vem, vem ,vem/vem sentir o calor dos lábios meus a procura dos teus/vem matar essa paixão que me devora o coração /e só assim então serei feliz/bem feliz !”

 Em 1919 estreia com uma orquestra ( Oito Batutas ) formada por Donga ( violão ), China ( vocal , violão e piano) ,Nelson Alves ( cavaquinho ), Luís de Oliveira( bandola e reco-reco ), Raul Palmieri ( violão ) , Jacó Palmieri (pandeiro ) , José Alves (bandolim e ganzá ) e Pixinguinha (flauta) . Na década de 30,Pixinguinha foi contratado como arranjador pela gravadora RCA Vitor e tempos depois foi substituído pelo , também genial maestro Radamés Gnattali ( 1906 – 1988) .
Em 1928 surge a música Lamentos que em 1962 recebeu versos do poetinha Vinicius de Moraes ( 1913- 1980 ):

“ Morena ,tem pena /mas ouve o meu lamento/ tento em vão te esquecer /mas , ai ,o meu tormento é tanto/ que eu vivo em prantos, sou tão infeliz /não há coisa mais triste meu benzinho /que esse chorinho que eu te fiz/sozinho, morena /você não tem mais pena/ai, meu bem, fiquei tão só/tem dó ,tem dó de mim/porque eu estou triste assim por amor de você /não há coisa mais linda neste mundo /que o meu carinho por você/morena , tem pena /mas ouve o meu lamento /tento em vão te esquecer/mas, ai, o meu tormento é tanto/que eu vivo em prantos, sou tão infeliz/não há coisa mais triste meu benzinho/ que esse chorinho que eu te fiz /sozinho , morena/você não tem mais pena/ai, meu bem, fiquei tão só/tem  dó, tem dó de mim/porque eu estou triste assim de amor por você /não há coisa mais linda neste mundo / que o meu carinho por você “
Em 1933, diplomou-se em teoria musical no Instituto Nacional de Música.
Na década de 40 Pixinguinha  passou a integrar o regional de Benedito Lacerda (1903 – 1958 ) onde executava solos com o saxofone tenor. Por essa época a produção musical de Pixinguinha foi extensa e nos anos 50 e 60 os prêmios começaram a surgir confirmando  sua genialidade patente .
Orlando Silva ( 1915 – 1978 ), o Cantor das Multidões deu vida eterna a composição “ Rosa “ de Pixinguinha e Otávio de Souza :

“ Tu és divina e graciosa /estátua majestosa do amor /por Deus esculturada /e formada com ardor /da alma da mais linda flor / de mais ativo olor/que na vida é preferida pelo beija- flor/ se Deus me fora tão clemente/ aqui nesse ambiente de luz/ formada numa tela deslumbrante e bela / o teu coração junto ao meu lanceado/pregado e crucificado sobre a rósea cruz/ do arfante peito teu/tu és a forma ideal/estátua magistral , oh, alma perenal/ do meu primeiro amor , sublime amor/tu és de Deus a soberana flor/ tu és de Deus a criação / que em todo coração sepultas o amor/ o riso , a fé, a dor/ em sândalos olentes cheios de sabor/em vozes tão dolentes como um sonho em flor/és láctea estrela /és mãe da realeza/ és tudo enfim que tem de belo/em todo resplendor da santa natureza/perdão se ouso confessar-te / eu hei de sempre amar-te/oh flor , meu peito não resiste/ oh meu Deus , o quanto é triste / a incerteza de um amor / que mais me faz penar em esperar/ em conduzir –te um dia / ao pé do altar/jurar , aos pés do onipotente/ em preces comoventes de dor/ e receber a unção da tua gratidão / depois de remir meus desejos/ em nuvens de beijos/ hei de envolver –te até meu padecer / de todo fenecer “

Em 1972 Pixinguinha fica viúvo e no ano seguinte, em 17 de fevereiro de 1973 vitimado por um infarto do miocárdio falece na Igreja Nossa Senhora da Paz, durante uma cerimônia de um batizado.
 Em 1974, a Escola de Samba Portela desfila com o enredo “ O mundo melhor de Pixinguinha “ de autoria de Jair Amorim (1915–1993) e Evaldo Gouveia (1928) :

“ Lá vem Portela /com Pixinguinha em seu altar/e o altar da escola é samba/que a gente faz/e na rua vem cantar/Portela , seu carinhoso tema é oração/pra falar quem ficou com devoção/em nosso coração/Pizindim, Pizindim, Pizindim /era assim que a vovó Pixinguinha chamava /menino bom  em sua língua natal / menino bom que se tornou imortal / a roseira dá rosa em botão / Pixinguinha dá rosa canção /e a canção bonita é como a flor/que tem perfume e cor/ e ele que era um poema de ternura e paz /fez um buquê que não se esquece mais /de rosas musicais “


terça-feira, 18 de outubro de 2016

AOS QUERIDOS FILHOS DE HIPÓCRATES



Do poeta e prosador português  Fernando Pessoa , uma bela prece a todos filhos de Hipócrates e irmãos de caminhada :

“Senhor, que és o céu e a terra, que és vida e morte! o sol és Tu e o vento és Tu. Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és Tu também. Onde nada está , Tu habitas e onde tudo está eis o Teu corpo. Dá-me alma para Te servir e alma para Te amar . Dá-me vista para Te ver sempre no céu e na terra , ouvidos para Te ouvir no vento e no mar , e mãos para trabalhar em Teu nome . Torna-me puro como a água e alto como o céu .

Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos, nem folhas mortas nas lagoas de meus propósitos. Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-Te como um pai. Minha vida seja digna de Tua presença. Meu corpo seja da Tua terra, Tua cama. Minha alma possa aparecer diante de Ti como um filho que volta ao lar. Torna-me grande como o sol, para que eu Te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu Te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia, para que eu Te possa ver sempre em mim e rezar-Te e  adorar -Te.
Senhor,  protege-me a ampara-me. Dá-me que eu me sinta Teu!“

Feliz Dia dos Médicos para todos!

sábado, 15 de outubro de 2016




O DIA DO PROFESSOR , UMA LEMBRANÇA

“ Vem cá , filho meu, disse-me minha mãe um dia. Quero que respondas com honestidade uma questão importante que vou lhe arguir . Quero saber neste momento se algo justifica que tenhas desejado ser professor . Diz- me , filho : se Deus te dera a ventura de voltar a nascer novamente , o que gostarias de ser ?



- Então, engenheiro?


Também, não, mãe, creio que jamais tenha pensado em laborar transformando matérias inertes em possíveis  Torres de Babel . Engenheiro, jamais!


- Agora, se bem atinares, serias poeta, não?
- Serias  sacerdote?


- Creio em Deus, mãe, não nego sua existência, porém minha forma de sentir é tão débil que prefiro ser outra coisa.


- Provavelmente serias  um médico?


 - Os doutores, mãe, são seres que escolheram a missão mais difícil na vida, cuidar e preservar a vida humana .Bela profissão, porém não a desejo .

- Que mais quisera eu, querida mãe, porém meu pensamento é tão torpe e minha pena tão débil que as musas do parnaso de mim fugiriam!


- Então, advogado?


-  Para ser advogado necessitaria a obstinação de um Quixote e a sensatez de um Sancho Pança . Ser advogado seria demais para mim. Se Deus me dera a dádiva de nascer novamente, tornaria a beber para aplacar a minha sede , a água de um regato, tornaria a dormir sob a copa de uma árvore , cansado , mas feliz ,com um livro debaixo do braço. Voltaria a escutar vozes infantis, respondendo presente a minha chamada. Sim, mãe, ainda que houvesse mil e uma profissões, se Deus me dera a ventura de voltar tudo de novo, não duvides, mãe, eu tornaria a ser um simples professor “ .

Com um naco de luz, agarrando-me à vida com as unhas, mostrando um rosto riscado pelo tempo, desço eu, médico menor e aprendiz de mestre, solitário, como soe acontecer nestas horas, as escarpas da montanha onde, por mais de quatro décadas, permaneci  como curador e , humilde professor , no topo de meu pequeno mundo . Na íngreme descida com o olhar baço, pelo cansaço dos dias e pela tola lágrima que teima em rolar, vejo vocês, queridos alunos , banhados em luz , como que bailando , subindo na merecida busca de um lugar no ápice da montanha . Isto me apraz e conforta, pois sei que algo de mim e de seus queridos mestres da vida permanecerão em vocês. Jamais esquecerei  de suas doces presenças,  verdadeiros bálsamos para minha solidão .


“Excertos de uma despedida de meus amados alunos da UECE “ .
 Saudades e, parabéns a todos os professores!

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O PIONEIRO EUCLYDES PINTO MARTINS


Euclydes Pinto Martins (1892 – 1924) nasceu na cidade de Camocim , no interior do Ceará , em 15 de abril de 1892 . Seus pais foram Antônio Pinto Martins e Maria do Carmo Araújo Martins. Euclydes foi o primogênito de um casal que gerou 15 rebentos, algo comum para a época e local de ocorrência ( Nordeste brasileiro ). Cedo a família transfere-se para a vizinha cidade de Macau, no Rio Grande do Norte onde Euclydes toma contato com as primeiras letras na Escola Pública e em seguida, na cidade de Natal frequenta os colégios Americano e Atheneu Norte- Rio-Grandense . Em 1909 segue o jovem cearense a sina de  “judeu errante “ migrando no paquete “ Rio de Janeiro “ rumo aos Estados Unidos da América , estabelecendo- se em Nova Iorque. Estuda e trabalha como estagiário na Baldwin Locomotive Works, uma fábrica de vagões. Em 1911 gradua-se em Engenharia Mecânica e logo regressa ao Brasil, já casado com uma americana, Maria Gertrudes McMullan . Faz um pouso rápido em Fortaleza e segue para Natal, no Rio Grande do Norte, para trabalhar como engenheiro da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Euclydes torna-se pai de uma garota, Ceres, no ano de 1914, que mais adiante, em 1945 perderia a vida , junto com o esposo em um desastre ade avião em Porto Rico. No ano de 1918 Euclydes fica viúvo e retorna para a América do Norte.  Dois anos depois contrai matrimônio com Adelaide Sullivan que lhe presenteia com uma filha, Adelaide Lillian.
Euclydes Pinto Martins sonha percorrer a mesma saga de outros aventureiros brasileiros : Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685- 1724 ) , o “ padre voador “ que alçou voo num balão , no século XVIII ; e Alberto Santos Dumont (1873- 1932 ) que em 1906 com o seu aparelho “ 14 Bis “ contornou a Torre Eiffel , em Paris .
Em 1922, o Almirante Gago Coutinho ( 1869 -1959 ) e o Capitão- de -Fragata Sacadura Cabral( 1881 -1924 )  fazem a travessia no hidroavião “ Lusitânia “,  de Portugal ao Brasil  em 19 dias . Nesta época , o cearense Euclydes Pinto Martins planeja realizar  um“ Raid New York – Rio de Janeiro “ com um hidroavião denominado Sampaio Correia . Decola o voo em 17 de agosto de 1922 , sendo interrompido por queda , próximo a ilha de Cuba , cinco dias depois . Nova partida em 04 de setembro de 1922 e chegada em 01 de dezembro  ao estado do Pará e finalmente em Camocim , terra natal de Euclydes  . Apenas em 9 de fevereiro de 1923 o hidroavião sobrevoa a Baía de Guanabara .  A tripulação assim era constituída: piloto ( Walter Hinton ) , co-piloto ( Euclydes Pinto Martins ) , mecânico (John Edward Wilshusen ) , jornalista ( George Thomas Bye ) e cinegrafista  (John Thomas Baltzell ). A recepção aos heróis argonautas foi apoteótica contando com diversas autoridades, incluindo o mítico Alberto Santos Dumont.
Pouco depois do retumbante sucesso , instalou-se uma brutal ressaca e um incômodo esquecimento deste heroico feito. Euclydes bandeou-se para a iniciante prospecção de petróleo e nada conseguiu de proveito.
Em 12 de abril de 1924, Euclydes Pinto Martins, em meio a um quadro de tenaz depressão foi encontrado morto com um tiro na cabeça, aos 31 anos de idade. Em 1932, Santos  Dumont, também vivenciando a mesma morbidade psiquiátrica, pôs fim a sua existência através de enforcamento.



segunda-feira, 3 de outubro de 2016

ENCONTROS PROSAICOS COM A MORTE

Para o Dr. Francisco Pessoa


O motor que move a humanidade, invariavelmente, chama - se sonho. A busca da felicidade, da eterna juventude e da imortalidade permeiam as aspirações do bicho homem. Ninguém imagina um encontro, nem de brincadeira, com a “indesejada das gentes“, a velha ceifadeira.
No ano da graça de 1954 no Balneário Pirapora na Serra de Maranguape, nos arredores de Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, um garoto de 4 anos de idade , gorducho e dentuço curtia numa boia as delícias de um banho de piscina . Um adulto desastrado mergulhou próximo ao garoto que desequilibrado foi como uma pedra parar no fundo da piscina. Uma alma bondosa puxou pelos cabelos um ser arroxeado, nocauteado e que foi prontamente atendido com respiração boca-a – boca. O indigitado garoto escapou daquele furdunço sem máculas. O segundo encontro com a ceifadeira deu-se numa madrugada chuvosa em Fortaleza quando o , agora parteiro, indo atender uma emergência, ao cruzar a linha férrea na avenida Antônio Sales , sentiu o bafo morno da morte quando uma locomotiva , de luz apagada e sem sirene , por um segundo não atropelou o carro do sortudo doutor . O garoto que nasceu depois de alguns minutos pelas mãos do tal obstetra, no vizinho Hospital Batista Memorial, recebeu o nome de Francisco, como uma sincera homenagem. O doutor alardeava a todos que, a partir daquele dia, nascera novamente. O último encontro com a morte, agora mais sério, deu-se com o indigitado homem de branco, partejando, e que súbito, após um episódio de arritmia cardíaca desembocou  numa grave parada cardíaca. Reanimado  a tempo, tomou pouso numa Unidade de Tratamento Intensivo ( UTI ) . No dia seguinte ao acordar, em meio a fios e monitores barulhentos, o parteiro velho, agora um anônimo paciente, acenou para uma bela morena cor de chocolate, que se apresentou como “-  Judite , muito prazer , sua auxiliar de enfermagem “ .
 “ – Preciso de um bom banho para dar continuidade a minha vida de velho asseado e cheiroso que nem filho de barbeiro “
“ – Seu Francisco , o banho é aqui mesmo no leito . Vou lhe despir e  ensaboar gostoso  com direito a uma massagem revigorante que desperta até defunto ! “
“ – Judite , meu doce de coco , neste quesito , só minha velha, o meu bibelô de penteadeira , com suas divinas mãos, consegue tal façanha. Com você , cabritinha , isto pode terminar numa real refrega ! “
“Seu Francisco,  eu lhe entendo , perfeitamente: os velhos são crianças duas vezes“
 Que balde d’ água fria, meu Deus! “
Só a grande dama Cecília Meireles ( 1901 – 1964 ) para acalentar , com uma “ Canção Quase Inquieta “ :
“ De um lado , a eterna estrela /e do outro a vaga incerta/meu pé dançando pela/extremidade da espuma /e meu cabelo por uma planície de luz deserta /sempre assim:/de um lado , estandartes do vento.../-do outro , sepulcros fechados /e eu me partindo, dentro de mim/para estar no mesmo momento/ de ambos os lados/se existe a tua Figura/ se és o Sentido do Mundo /deixo- me , fujo por ti /nunca mais quero ser minha !/( mas neste espelho, no fundo/desta fria luz marinha/como dois baços peixes/ nadam meus olhos à minha procura /ando contigo – e sozinha / vivo longe- e acham – me aqui )/fazedor da minha vida/ não me deixes!/entende a minha canção!/tem pena do meu murmúrio/ reúne –me em tua mão!/que eu sou gota de mercúrio/dividida/desmanchada pelo chão ../