quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

LEONARDO MOTA: MISSIONÁRIO DA LIRA PLEBÉIA

“ Era ele mesmo o sertão. Um toro de aroeira, ardendo ao sol do Ceará, povoado de violeiros e sonoro de estridência desafiante das pelejas cantadeiras. Baixo , grosso, impetuoso, a máscara risonha, irradiante de simpatia , irresistível de comunicabilidade, espalhando a musicalidade das recordações na técnica infalível do anedotário incomparável .Ouvi-lo era ver o sertão inteiro, tradicional e eterno , paisagem horizontal dos tabuleiros , candelabros de mandacarus, vulto imóvel das serras misteriosas , ondulação verde do panasco na babugem das primeiras águas ; vozes , cantos, benditos , aboios , feiras , cangaceiros, cantadores , assombrações, chefes políticos, analfabetos imortais , populares , soldados, comboieiros, luares, entardecer ... “ , assim falava o folclorista Luis da Câmara Cascudo acerca de Leonardo Mota .
Leonardo Ferreira da Mota Filho (1891- 1948) veio ao mundo no município de Pedra Branca no interior do Ceará. Seus pais foram Leonardo Ferreira da Mota e Maria Cristina da Silva Mota. Recebeu as primeiras letras na sua cidade natal e em Quixadá. Prosseguiu seus estudos em Fortaleza no tradicional Colégio Liceu do Ceará, no Seminário da Prainha e no Colégio São José ,  no Mosteiro de São Bento na Serra do Estevão . Bacharelou- se em 1916 na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Foi Notário Público por um breve período e seguiu sua sina nômade nos braços das Letras, da boemia, da Fé, tornando- se um ícone do folclore brasileiro, mestre na pesquisa e divulgação da cultura popular. Pertenceu ao Instituto do Ceará , a Academia Cearense de Letras e faleceu no dia 2 de janeiro de 1948, aos 57 anos, em sua residência em Fortaleza.
Publicou: Cantadores (1921); Violeiros do Norte (1925); Sertão Alegre (1928); No Tempo de Lampião (1930); Prosa Vadia (1932) ;Padaria Espiritual (1938 ) ; e Adagiário Brasileiro , uma obra póstuma lançada em 1982 por seus filhos Orlando Mota e Moacir Mota .
“ A Casa de Minha Mãe “ de Murilo Mota publicado em 1991 pela Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará constitui uma amorosa homenagem por ocasião do centenário do nascimento de Leonardo Mota.
Gordo, com uma centena de quilos, Leonardo aumentou nas carnes e diminuiu no nome, como se vê: Leonardo Ferreira da Mota Filho; Leonardo Ferreira da Mota; Leonardo Mota Filho; Leonardo Mota; Leon. Mota; Leotta e, finalmente, Leota, era segundo suas próprias palavras “ O último boêmio do Ceará “.
Leonardo Mota exerceu com humor e picardia uma prosa cheia de repentes como mostra o episódio com o magistral Quintino Cunha. Leota havia recebido uma promessa de participação do aludido poeta num livro a ser lançado. Num encontro fortuito na Praça do Ferreira, Leota , meio zangado fez a cobrança . Quintino, de pronto respondeu: “ -  Mas Leota , por causa de umas quadras , aqui nesta quina , você quer fazer uma cena comigo ? “ .
Certa feita Leota estava sendo cobrado por um albergueiro de Minas Gerais chamado “ Maleta “ uma hospedagem por aquelas paragens. A resposta foi feita através de uma carta versificada em rimas terminadas em ata, eta, ita, ota e uta:
“ Meu caro amigo Maleta,
Tenha pena do poeta.
Eu vejo a coisa tão preta
Que não quero ser profeta
Posso lá dizer-lhe a data,
Em que terei a dita,
De pagar-lhe esta maldita
Conta que a tanto me mata?
Eu não sou homem de fita
E por isso evito a rata
De dizer-lhe a data exata,
Em que esta conta se quita.
Veja bem a minha luta,
A paciência se esgota.
Que vida filha da puta!
Saudações, Leonardo Mota”.
Quanto ao livro“ No Tempo de Lampião “, Leota relata casos verídicos ou não, dissecando a realidade brutal e, às vezes, jocosa, da vida destas tristes criaturas do cangaço:
“ Numa fazenda no município de Princesa, na Paraíba, Lampião riscou com um punhal as costas de um velho dono da casa para descobrir o paradeiro do Tenente Mané Benício. A mulher e um filho do fazendeiro rogavam piedade ao bruto cangaceiro. Lampião tira do bolso um maço de cigarro e oferece ao velho que tremia assustado:
- Fuma?
O fazendeiro não conseguia falar. Lampião repete a pergunta, desta vez berrando aos ouvidos do pobre homem:
- Fuma?
Aí, todo obsequioso, o infeliz responde:
- Fumo, mas se vosmicê quiser, eu largo o vício “.
No “ Adagiário Brasileiro, Leota com a ajuda dos dois filhos Moacir e Murilo gravou para sempre a filosofia matuta ou popular para a eternidade:
“ Sapo não pula por boniteza e sim por precisão “
“ Ferida pequena é que dói “
“ Mulher, cachaça e bolacha, em toda parte se acha “
“ Sogro e sogra, milho e feijão, só dá resultado debaixo do chão “
“ A mão na dor e o olho no amor “
“ Todo mundo inveja o vinho que eu bebo, mas ninguém sabe as quedas que eu levo “

“ Mais tem Deus pra dar que diabo pra vender “

sábado, 26 de dezembro de 2015

TEMPO DE OUTONO DA FAMÍLIA UFC 73

Tempo de outono, tempo de colheita, tempo de parar para tirar do bolso nacos de lembranças, tempo de catar sonhos nas nuvens e retomar esperanças. Amparados uns nos outros, seguimos, os queridos irmãos da Turma de 73 da Faculdade de Medicina da UFC, quase todos ainda, ouvindo, sanando, enxugando lágrimas e mitigando dores de nossos semelhantes, em nome do Senhor. Sintam-se igualmente acarinhados neste instante nossos eternos mestres, amigos e queridos familiares. Almejamos no Ano Novo que se aproxima continuar nosso peregrinar lado a lado, plenos de amor e graça. Amém!
“Não te rendas, ainda é tempo
De alcançar e começar de novo,
Aceitar suas sombras,
Enterrar teus medos,
Liberar o lastro,
Retomar o voo.
Não te rendas que a vida é isso,
Continuar a viagem,
Perseguir teus sonhos,
Destravar o tempo,
Afastar os escombros
E destapar o céu.
Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio queime,
Ainda que o medo morda,
Ainda que o sol se esconda,
E o vento se cale,
Ainda existe fogo na tua alma.
Ainda existe vida nos teus sonhos.
Porque a vida é tua e teu também o desejo
Porque o tens querido e porque eu te quero
Porque existe o vinho e o amor, é certo.
Porque não existem feridas que o tempo não cure.
Abrir as portas,
Tirar as trancas,
Abandonar as muralhas que te protegeram,
Viver a vida e aceitar o desafio,
Recuperar o sorriso,
Ensaiar um canto,
Baixar a guarda e estender as mãos
Abrir as asas
E tentar de novo
Celebrar a vida e se apossar dos céus.
Não te rendas, por favor não cedas,
Ainda que o frio te queime,
Ainda que o medo te morda,
Ainda que o sol se ponha e cale o vento,
Ainda existe fogo na tua alma,
Ainda existe vida nos teus sonhos
Porque cada dia é um novo começo,
Porque esta é a hora e o melhor momento
Porque não estás sozinha, porque eu te amo “.
Tradução livre do poema “ No Te Rindas “ de Mário Benedetti (1920- 2009).






quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

NATAL DE LUZES 2015

Acordei ontem com uma nostalgia batendo forte no peito e a saudade pedindo passagem. Calcei meu fonabor branco, limpo com alvaiade, vesti minha calça faroeste, uma supimpa camisa Ban- Lon vermelha com a gola levantada e caprichada cabeleira com a trunfa segura por brilhantina glostora. Pronto parti para um cavaco maneiro na Praça do Ferreira onde me afoguei naquele mágico mar de luzes e de lembranças. Sentei-me num tosco banco, quieto, antes de correr a vista estropiada caçando um agora inexistente Abrigo Central. Um fofo coro de anjinhos levitava nas sacadas do velho Excelsior Hotel. O cheiro do povo exalava naquele doce perfume de Água de Colônia provindo de algumas jovens senhoras com blusas justas coladas ao corpo deixando saltar largos pneus pelas cinturas balouçantes e suarentas. Acordei daquele sonho e parti em busca das lapinhas perdidas nos bairros distantes de Fortaleza, como no Cocorote ou Matadouro Modelo, mas servia, também, encarar os pastoris dos partidos azul e encarnado. Perdi-me em meio a nomes de logradouros que engoliram os originais e prosaicos: Rua da Palha, Rua da Cadeia, Rua de Cima, Rua do Pocinho, Rua das almas e Rua Formosa. Voltei sozinho, cantando o amor febril, mas não triste, pelejando com a memória um poema que marcou minha doce infância, já tão distante e que eu sabia de cor e salteado:
“ Eu não gosto de você, Papai Noel!
Também não gosto desse seu papel
De vender ilusão à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade
Soubessem de seu ódio a humildade,
Jogavam pedra nessa fantasia.
Talvez você não se recorde mais.
Cresci depressa, me tornei rapaz,
Sem esquecer, no entanto, o que passou.
Fiz-lhe um bilhete pedindo um presente
E a noite inteira eu esperei, contente.
Chegou o sol e você não chegou.
Dias depois, meu pobre pai, cansado,
Trouxe um trenzinho velho, empoeirado,
Que me entregou com certa apreensão.
Fechou os olhos e balbuciou:
“É para você, Papai Noel mandou “.
E se esquivou, contendo a emoção.
Alegre e inocente nesse caso,
Eu pensei que meu bilhete com atraso,
Chegara às suas mãos, no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda,
Ele partiu dando muitas voltas,
Meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez.
O resto eu só pude compreender quando cresci
E comecei a ver todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a seco:
“ Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro na cidade “.
Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar,
E como quem não quer abandonar
Um mimo que nos deu, quem nos quer bem,
Disse medroso: “senhor vai trocar ele?
Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele.
E por favor, não vá levar meu trem”.
Meu pai calou-se e pelo rosto veio
Descendo um pranto que, eu ainda creio
Tanto e tão santo, só Jesus chorou!  
Bateu a porta com muito ruído,
Mamãe gritou ele não deu ouvidos,
Saiu correndo e nunca mais voltou.

Você, Papai Noel, me transformou num homem
Que a infância arruinou, sem pai sem brinquedos.
Afinal, dos meus presentes não há um que sobre
Para a riqueza de um menino pobre,
Que sonha o ano inteiro com o Natal!
Meu pobre pai doente ,mal vestido,
Para não me ver assim desiludido,
Foi longe para trazer-me um lenitivo,
Roubando o trem do filho do patrão.
Pensei que viajara,
No entanto depois de grande,
Minha mãe, em prantos,
Contou-me que fora preso
E como réu, ninguém a absolve-lo se atrevia.
Foi definhando, até que Deus, um dia,
Entrou na cela e o libertou pro céu.
Porque você fez isso, porque, Papai Noel?“.
Monólogo do Natal, do poeta, jornalista, cordelista, compositor e publicitário alagoano Aldemar Buarque de Paiva (20.07.1925 – 04.11.2014).

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

UMA BREVE PARADA DE FINAL DE ANO

“ O momento mais importante é sempre o presente; a pessoa mais importante é a que agora está frente a ti; a tarefa mais importante é sempre amar”. São palavras de Mestre Eckhart, um místico alemão do século XIII. Preparando os cueiros para o ano novo que se anuncia, trago à tona uns pequenos lembretes como:
Parar um pouco para suprimir de mansinho de nossa agenda tudo aquilo que algum dano nos causou;
Limpar com água e sabão toda mancha deixada ao tirar a pesada máscara que fomos obrigados a usar;
Aparar com delicadas tesouras tudo aquilo que impede nosso livre crescer;
Empregar agulhas tênues para tecer muitos sonhos e ilusões;
Usar uns sapatos de ética e moral para facilitar um caminhar firme e seguro por todas as sendas;
E, por um segundo apenas segurar um módico espelho para observar de perto uma das obras mais perfeitas de Deus e recolher com as mãos, de nosso íntimo, o néctar da felicidade que habita todos nós.  Basta isso!
Encerro com um mimo da bela poeta Lya Luft, através da “ Canção na Plenitude “:
“ Não tenho mais os olhos de menina
Nem corpo adolescente, e a pele
Translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
Agrandada pelos anos e o peso dos fardos
Bons ou ruins.
(carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia)
O que te posso dar é mais que tudo
O que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
Quando em outros tempos choraria.
Busca te agradar
Quando antigamente quereria
Apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais que beleza
E juventude agora: esses dourados anos
Me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
E não menos ardor, a entender-te
Se precisas, a aguardar-te quando vais,
E dar-te regaço de amante e colo de amiga,
E sobretudo força – que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
Cujas marés – mesmo se fogem – retornam,
Cujas correntes ocultas não levam destroços
Mas o sonho interminável das sereias “.
Um Feliz Natal para todos!


domingo, 20 de dezembro de 2015

UMA TÊMIS ULTRAJADA

Antiga divindade grega filha de Urano (céu) e Geia (terra), portanto, originada do Espírito e da Matéria com uma dualidade divina e humana . Assim era Têmis. Ela representava a justiça, como uma abstração moral personificada. Têmis, no Olimpo , assistia à deliberações dos deuses abrigada junto ao trono de Zeus , a quem ela ajudava com seus conselhos hauridos na prudência e no amor da justiça . Ela deveria proteger os oprimidos e encarnar mais a lei que a justiça.
A fábula reza que Têmis a despeito de querer resguardar sua virgindade foi instigada a desposar Zeus e com ele gerou, segundo Hesíodo : Diké ( a Equidade ) , Eunomia ( a Boa Ordem ) e Eirene ( a Paz ) .
Hoje, num país do futuro incerto situado onde o cão perdeu as esporas , em meio a um lamaçal de dar medo , já bem distante da fabulosa Grécia de antanho , figuras soturnas trajando luto fechado , de sobrenomes estrambóticos e descendentes tortos de Têmis , aventuram-se a arrancar a venda dos olhos da deusa , a quebrar no joelho sua espada e a desequilibrar , matreiramente , com um calço a balança da justiça , tudo de uma só vez . Que afronta infamante, meu Zeus! .
Trocando em miúdos, lavam as mãos como Pilatos , entregando aos Vendilhões do Templo as grandes querelas que afligem o pobre país, fazendo-o perder, uma vez mais ,uma derradeira chance de sair do lodaçal em que se esvai . A insólita atitude de colocar toda a decisão nos ombros de um Senado subserviente, jogado às cordas, apenas esperando o soar do gongo ,atinge o povo por inteiro pelas costas , sem o mínimo direito de defesa .
Eis um triste retrato de Pindorama beirando um incômodo precipício! Só de uma coisa podemos ter certeza, foi ultrapassado o limite de tolerância. Aí fica na casa do sem jeito e a cobra vai fumar. Quem viver, verá!.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

UM BELO POEMA DE RUDYARD KIPLING

O poema “ IF “ de Rudyard Kipling (1865-1936), Prêmio Nobel de Literatura (1907) ganhou o mundo, merecidamente, em variadas versões. Em bicudos tempos vividos em Pindorama, a tal singela mensagem pode afagar, ou abrir mentes de Reis, Vice-Reis, Parlamentares ou simples plebeus. Seu rico conteúdo faz-se universal e atemporal. Neste mágico momento de ano que finda, volvo meu cansado olhar para ti, meu estimado filho Andrei, e vejo que já és, com as bênçãos de Deus, um reto ser humano, pleno em virtudes!
“ Se consegues manter a calma
Quando à tua volta todos a perdem
E te culpam por isso.
Se consegues ter confiança em ti
Quando todos duvidam de ti
E aceitas as suas dúvidas
Se consegues esperar sem te cansares por esperar
Ou caluniado não responderes com calúnias
Ou odiado não dares espaço ao ódio
Sem porém te fazeres demasiado bom
Ou falares cheio de conhecimentos
Se consegues sonhar
Sem fazeres dos sonhos teus mestres
Se consegues pensar
Sem fazeres dos pensamentos teus objetivos
Se consegues encontrar-te com o Triunfo e a Derrota
E tratares esses dois impostores do mesmo modo
Se consegues suportar
A escuta das verdades que dizes
Distorcidas pelos que te querem ver
Cair em armadilhas
Ou encarar tudo aquilo pelo qual lutaste na vida
Ficar destruído
E reconstruíres tudo de novo
Com instrumentos gastos pelo tempo

Se consegues num único passo
Arriscar tudo o que conquistaste
Num lançamento de cara ou coroa,
Perderes e recomeçares de novo
Sem nunca suspirares palavras da tua perda,
Se conseguires constringir o teu coração,
Nervos e força
Para te servirem na tua vez
Já depois de não existirem,
E aguentares
Quando já nada tens em ti
A não ser a vontade que te diz:
“Aguenta –te! “
Se consegues falar para multidões
E permaneceres com as tuas virtudes
Ou andares entre reis e pobres
E agires naturalmente
Se nem inimigos
Ou amigos queridos
Te conseguirem ofender
Se todas as pessoas contam contigo
Mas nenhuma demasiado
Se conseguires preencher cada minuto
Dando valor
A todos os segundos que passam
Tua é a terra
E tudo o que nela existe
E mais ainda,
Tu serás um Homem, meu filho !”
Boas Festas para todos e um venturoso ano de 2016 pleno de paz e luz!