Adeus 2016
Tudo passa e tudo fica ,
Porém o nosso é passar,
Passar abrindo caminhos ,
Caminhos sobre o mar.
Nunca persegui a glória,
Nem deixar na memória
Dos homens minha canção;
Amo os mundos sutis,
Tênues e gentis,
Como bolhas de sabão.
Admira-me ver-los pintar - se
De sol e rubro, voar
Sob o céu azul, tremer
Subitamente e quebrar - se. ..
Nunca persegui a glória.
Caminhante , são tuas pegadas
O caminho e nada mais ;
Caminhante , não há caminho ,
Se faz caminho o andar.
O andar se faz caminho
E ao voltar a vista atrás
Se vê a senda que nunca
Se há de tornar a pisar.
Caminhante não há caminho
Senão estrelas no mar...
Faz algum tempo neste lugar
Onde hoje os bosques se vestem de espinhos
Se ouvia a voz de um poeta gritar
"Caminhante não há caminho , se faz caminho ao andar ..."
Golpe a golpe , verso a verso...
Morreu o poeta longe de casa.
Lhe cobre o pó de um país vizinho.
Ao afastar - se lhe viram chorar.
" caminhante não há caminho,
Se faz caminho ao andar
..."
Golpe a golpe , verso a verso ...
Quando o passarinho não pode cantar.
Quando o poeta é um peregrino,
Quando de nada nos serve rezar.
" caminhante não há caminho ,
Se faz caminho ao andar ..."
Golpe a golpe , verso a verso .
Poema Cantares de Antonio Machado (1875-1939 ).
Desejo a todos um 2017 pleno de graças!
sábado, 31 de dezembro de 2016
quarta-feira, 28 de dezembro de 2016
O TEMPO FOGE
“Tempus fugit “ (o tempo foge, o tempo se escapa, o tempo
voa), é uma referência à passagem rápida do tempo, a vida num piscar d’olhos, em
um verso de autoria do poeta latino Virgílio (70 a.C.– 19 a.C.) e que traz
alguma semelhança com o “ Carpe diem “ (aproveita o tempo) do também poeta
latino Horácio (65 a.C.-- 8 a.C.).
“ O ser oscila ao toque da luz. Ao meio-dia o céu é um lago
– espelho de ágata azul. Nada se move. O tempo não existe. Tudo é eterno. Ao
crepúsculo, entretanto, o lago imóvel se transforma num rio. Rapidamente as
cores se sucedem, o azul vira amarelo, o amarelo passa ao verde, ao rosa , ao
laranja, ao vermelho, ao roxo para, finalmente, mergulhar em cachoeira no negro
da noite. Tempus fugit “. Rubem
Alves (1933 – 2014)
“ Eternidade não é tempo sem fim. Tempo sem fim é
insuportável. Já imaginaram uma música sem fim, um beijo sem fim, um livro sem
fim? Tudo o que é belo tem de morrer. Beleza e morte andam sempre de mãos dadas
“. Rubem Alves (1933 – 2014)
O estar vivo sempre representa um perigo, ou dito de outro
modo, viver implica correr riscos. Nesta jornada de longo calibre alguns
afoitos formam um pelotão destacado dos demais, daqueles mais mansos que sorvem
aos poucos os prazeres das pequeninas alegrias. O lema para os apressados reza
que “ a vida é ousada, ou nada “, sendo válido atropelar a ordem natural dos
eventos onde pai morre, filho morre e neto morre.
Uma infindável lista de figuras públicas afinadas “ com esta pressa de viver e
arriscar tudo de novo com paixão. Andar caminho errado pela simples alegria de
ser “ (Belchior, em Coração Selvagem), a toda hora se adensa, lá e cá:
Janis Joplin (27 anos); Jimmy Hendrix (27 anos); James Dean
(24 anos); Marilyn Monroe (36 anos); Brian Jones (27 anos); Jim Morrison (27
anos); Bruce Lee (32 anos); Michael Jackson (51 anos); Prince (58 anos); Ian
Curtis (23 anos); John Lennon (40 anos) ; Kurt Cobain (27 anos); George Michael
(53 anos).
Ellis Regina (36 anos); Dolores Duran (29 anos); Cazuza (36
anos); Renato Russo (36 anos); Maysa Matarazzo (40 anos); Cássia Eller (39
anos); Raul Seixas (44 anos).
Do maluco beleza, Raul Seixas , em parceria com Paulo Coelho
segue um melancólico “ Canto para a minha morte “:
“ Eu sei que determinada rua que eu já passei / não tornará
a ouvir o som dos meus passos /tem uma revista que eu guardo há muitos anos / e
que nunca mais vou abrir ./ cada vez que eu me despeço de uma pessoa / pode ser
que essa pessoa esteja me vendo pela última vez /a morte, surda , caminha a meu
lado /e eu não sei em que esquina ela vai me beijar / com que rosto ela virá
?/
será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer ?/ou será que ela
vai me pegar no meio do copo de uísque ?/na música que deixei para compor
amanhã ?/será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro ?/ virá antes
de eu encontrar a mulher , a mulher que me foi destinada ,/ e que está em algum
lugar me esperando / embora eu ainda não a conheça ?/vou te encontrar vestida
de cetim,/pois em qualquer lugar esperas só por mim/e no teu beijo provar o
gosto estranho/ que eu quero e não desejo , mas tenho que encontrar/vem , mas
demore a chegar/eu detesto e amo morte , morte , morte / que talvez seja o
segredo desta vida /morte , morte , morte que talvez seja o segredo desta vida /qual
será a forma da minha morte ?/uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida
/existem tantas.. um acidente de carro./ o coração que se recusa a bater no
próximo minuto/ a anestesia mal aplicada ,/a vida mal vivida , a ferida mal
curada , a dor já envelhecida/o câncer já espalhado e ainda escondido ou até
quem sabe,/um escorregão idiota , num dia de sol, a cabeça no meio-fio.../oh
morte!, tu que és tão forte ,/que matas o gato , o rato e o homem/ vista- se
com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar/que meu corpo seja cremado/e
que minhas cinzas alimentem a erva/ e que a erva alimente outro homem como eu
/porque eu continuarei neste homem,/nos meus filhos, na palavra rude/ que eu
disse para alguém que não gostava/e até no uísque que eu não terminei de beber
aquela noite.../vou te encontrar vestida de cetim ,/pois em qualquer lugar
esperas só por mim / e no teu beijo provar o gosto estranho/ que eu quero e não
desejo , mas tenho que encontrar / vem , mas demore a chegar./eu te detesto e
amo , morte, morte ,/ que talvez seja o segredo desta vida /morte , morte,
morte que talvez seja o segredo desta vida “
domingo, 25 de dezembro de 2016
JOEL SILVEIRA, A
VÍBORA
Joel Silveira (1918 – 2007), Jornalista, cronista,
memorialista e poeta bissexto, nasceu na cidade de Lagarto, no estado de
Sergipe. Filho da professora primária Jovita Ribeiro e do comerciante Ismael
Silveira. Em 1937 seguiu para o Rio de Janeiro com fins de estudar Direito.
Largou os estudos quando cursava o segundo ano da dita faculdade. Trabalhou
inicialmente no semanário esquerdista Dom Casmurro (1937 - 1946) de propriedade
de Brício de Abreu e Álvaro Moreyra, e, em Diretrizes (1940 – 1944). Ensaiava
então os primeiros passos para colaborar em grandes jornais e revistas da época
como Diários Associados, O Estado de São Paulo, Última Hora, Correio da Manhã e
Manchete.
Fez companhia a gigantes da imprensa como David Nasser, O Turco;
Edgar Morel; Carlos Lacerda, O Corvo; Assis Chateaubriand, Chatô; e Samuel
Wainer.
Joel Silveira foi escolhido por Assis Chateaubriand para
acompanhar a Força Expedicionária Brasileira (FEB) à Itália nos estertores da
Segunda Guerra Mundial. Chateaubriand lhe advertia, enfático e patético: “ – Vá
para a Itália matar alemães e me faça um favor, seu Silveira: não me morra, seu
Silveira, se não lhe boto no olho da rua “.
Escrevia deste modo, Joel Silveira numa crônica de Natal numa
Itália em guerra:
“ Esta é a história
de um Natal brasileiro na frente de batalha. Um Natal diferente, gelado,
traiçoeiro, de horas se ouvindo numa terra varejada pelos morteiros e
metralhadoras.
Este ano, na noite do Senhor, eles manejam suas metralhadoras,
jogam granadas de mão, fazem feridos ou mortos. Mataram e feriram, porque assim
é a guerra “.
Joel Silveira ficou no palco da guerra até 29 de abril de
1945, data da rendição das tropas alemãs frente ao contingente brasileiro.
Segundo suas próprias palavras “ chegara na Itália com 27 anos e voltara depois
de 11 meses de guerra com 40 anos de idade, tamanho o sofrimento “.
Em 1952 fundou com o auxílio de Rubem Braga e Rafael Corrêa
de Oliveira, o jornal de curta duração, O Comício, com a colaboração de feras
como Millôr Fernandes, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Carlos Castelo
Branco, Hélio Pellegrino, Thiago de Mello, Fernando Sabino, Sérgio Porto e
Clarice Lispector. A partir de 1964, por conta do Movimento Militar, dedicou-se
à tradução de obras de escritores como Gabriel Garcia Marques, Manuel Puig e
Ítalo Calvino.
Neste período puxou cadeia em três ocasiões em decorrência de
sua militância de esquerda.
Ao longo de sua extensa carreira, Joel Silveira foi
agraciado com vários prêmios como, Machado de Assis, da Academia Brasileira de
Letras; Líbero Badaró; Prêmio Esso Especial; Prêmio Jaboti e Golfinho de Ouro.
Com mais de cinquenta anos de militância na imprensa brasileira, Joel publicou
cerca de 40 livros, entre memórias, autobiografias, cartas e diários.
“ Não quero ser pretencioso, mas acho que eu merecia uma
velhice mais tranquila, num país que não tivesse feito do sobressalto uma
rotina e do pânico um estilo de vida “.
“ Casei com 19 anos e agora tenho 88 anos. Já fiz bodas de
tudo, falta só de Urânio, Césio ou Plutônio “.
Em sua longa trajetória conviveu com importantes figuras da
política brasileira como Getúlio Vargas, João Goulart, Juscelino Kubitschek,
Jânio Quadros e Marechal Castelo Branco , dentre outros .
Ótimo feitor de frases de efeito, com um estilo parecido ao
de Nelson Rodrigues:
“ Para ajudar o homem, basta Deus . Já para desajudar não é
preciso nem o diabo. O próprio homem se desajuda “
“ Na velhice todo cuidado é pouco: o ridículo está nos
vigiando vinte e quatro horas por dia “
“ Já está cientificamente provado que o dono de um iate de
200 pés, não tem qualquer necessidade de saber com quantos paus se faz uma
canoa e muito menos uma jangada “
“ – Fulano está com um pé no Ministério. Só falta botar os
outros três “.
“ Vulcão e mulher nunca estão definitivamente extintos “
“ De todas as armas brancas a mais letal é a língua, que por
sinal é vermelha “
“ Pobre que vota em rico não é digno de ser pobre “
“ O que me conforta é saber que quando eu for para o céu lá
não encontrarei nenhum desses furiosos e vorazes pastores evangélicos “
“ A gente sente que está ficando velho quando começa a
gostar mais de carne- de -sol do que de mulher “
“ Gosto de todas as cores, são todas muito bonitas, mas no
fundo só confio em duas: no preto e no branco. São as únicas que não trapaceiam
ou enganam “
Em 15 de agosto de 2007, aos 88 anos de idade falece no Rio
de Janeiro, Joel Silveira, maldosamente apelidado de “ A Víbora “ pelo também
jornalista ferino e polêmico Assis Chateaubriand.
Assim desapareceu um dos
ícones do verdadeiro jornalismo brasileiro do século XX.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
UM SIMPLES OLHAR
SOBRE A VELHICE
“ O que há de interessante numa vela? Não é a cera nem o
pavio. É a chama. Quer a vela seja nova ou esteja se acabando, a chama é a
mesma, produz o mesmo calor e a mesma luz. Assim, também o que importa no ser
humano não é apenas o seu corpo, perecível e mortal, mas sua inteligência, seu
ser, o mesmo do nascimento à morte.
A capacidade, o desejo de viver, alteram-se
conforme a idade, mas não tem idade “.
Pierre Guillet.
Por favor, não tenha pressa, pois um dia ela se desnuda, sorrateira,
como uma maré, lentamente lambendo a areia da praia, ou de forma súbita na voz
de um petiz num semáforo: - “ Vá lá, vovô, descola aí um trocado para matar
minha fome “; ou, simplesmente uma mão salvadora sendo ofertada para ajudar na
travessia de uma movimentada avenida. O xeque mate fica por conta do indiscreto
espelho do banheiro desenhando rugas e cinzelando sulcos num surpreso rosto que
nunca se mostrou daquele jeito. Pura crueldade, triste verdade? Não. Se achegue
e ponha -se à mesa, companheira velhice!
Ademais aparecem os
velhos clichês de sempre: “ Um dos privilégios da velhice é ter, fora da
própria idade, todas as idades “; “ Envelhecer aborrece, mas é o único meio
para viver um longo tempo “; “ Todos querem viver muito tempo, mas ninguém quer
envelhecer “.
“ Envelheço, Senhor, e é penoso envelhecer!
Não posso mais correr, nem andar depressa.
Não posso mais carregar peso
E subir depressa a escada de casa ...
Minha memória fraqueja e, rebelde, oculta - me
Datas e nomes que, contudo conhece.
Cada dia mais, Senhor, vejo - me só,
Só com minhas lembranças e meus antigos dissabores
Que no meu coração sempre continuam vivos,
Enquanto as alegrias muitas vezes ficam esquecidas ...
Senhor, como acreditar que o tempo de hoje
Seja o mesmo de ontem que corria tão veloz,
Certos dias, certos meses, tão velozes
Que não conseguia alcançá - los, fugiam de mim
Antes que eu pudesse enchê -los de vida?
Hoje tenho tempo, Senhor. Tempo demais.
Tempo que se amontoa a meu lado, sem serventia.
Eu estou aí, imóvel, inútil.
Envelheço, Senhor, e é penoso envelhecer,
Tanto que alguns dos meus amigos te pedem amiúde
O fim desta vida que se torna, pensam, agora inútil.
- Estão enganados, meu pequeno – diz o Senhor.
- e tu também que não o dizes, mas, às vezes, os aprovas ...
Pois um coração que bate, embora muito desgastado,
Ainda dá vida ao corpo que o habita,
E o amor neste coração pode brotar,
Muitas vezes mais intenso e mais puro
Quando o coração cansado lhe deixa enfim lugar.
Vidas transbordantes podem estar vazias de amor,
Enquanto outras, parecendo banais, irradiam até o infinito.
Vê minha mãe, Maria, chorando
Parada ao pé de minha cruz.
Estava aí. De pé, sim,
Mas também impotente, tragicamente impotente.
Nada fazia, só estava aí.
Toda recolhida, toda acolhedora, e inteiramente ofertante,
E foi também comigo que salvou o mundo,
Dando-lhe todo o amor perdido pelos homens
Nas estradas do tempo...
Acredita em mim, tua vida hoje pode ser mais rica que ontem,
Se aceitares vigiar, sentinela imóvel na tarde que se finda.
E se sofres por não teres mais nada nas mãos para me dar,
Oferece-me tua impotência. E, juntos, digo-te :
Continuaremos salvando o mundo “
Michel Quoist
“ Virá o dia em que eu hei de ser um velho experiente /
olhando as coisas através de uma filosofia sensata /e lendo os clássicos com a
afeição que a minha mocidade não permite. /Nesse dia Deus talvez tenha entrado
definitivamente em meu espírito/ ou talvez tenha saído definitivamente dele/ Então
todos os meus atos serão encaminhados no sentido do túmulo/e todas as ideias
autobiográficas da mocidade terão desaparecido :/Ficará talvez somente a ideia
do testamento bem escrito ./ Serei um
velho , não terei mocidade , nem sexo ,
nem vida /Só terei uma experiência extraordinária./ Fecharei minha alma a todos
e a tudo /Passará por mim muito longe o
ruído da vida e do mundo /Só o ruído do coração doente me avisará de uns restos
de vida em mim./Nem o cigarro da mocidade restará .
/Será um cigarro forte que
satisfará os pulmões viciados / E que dará a tudo um ar saturado de
velhice./Não escreverei mais a lápis/ E só usarei pergaminhos compridos./ Terei
um casaco de alpaca que me fechará os olhos / Serei um corpo sem mocidade ,
inútil , vazio / Cheio de irritação para com a vida / Cheio de irritação para
comigo mesmo ./Um eterno velho que nada é, nada vale, nada vive/ O velho cujo
único valor é ser o cadáver de uma mocidade criadora . “
Vinicius de Moraes
segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
O CIENTISTA CARLOS CHAGAS
Carlos Ribeiro Justiniano Chagas (1878 – 1934), ou simplesmente, Carlos Chagas, nasceu no dia 9 de julho de 1878 na Fazenda Bom Retiro, na cidade de Oliveira, Minas Gerais.
Seus pais foram José Justiniano Chagas e Mariana Cândida Ribeiro de Castro Chagas. Foi o primeiro dos quatro filhos do casal e ficou órfão de pai aos 4 anos de idade. Seus irmãos foram: Maria Rita (morta aos 3 anos de idade), Marieta e Serafim.
Em Oliveira, o garoto Carlos teve contato próximo com três tios maternos, sendo dois advogados (Cícero e Olegário) e Carlos (médico).
Em Itu (São Paulo) Carlos Chagas estudou no Colégio São Luís sob a orientação dos padres jesuítas. No ano de 1888 parte em socorro de sua mãe em Juiz de Fora (Minas Gerais) ao tomar notícia de que estariam ocorrendo depredações nas fazendas de propriedade da sua família.
Atendendo a um capricho de sua genitora, matricula-se no curso preparatório para a Escola de Minas de Ouro Preto. Através de interferência de seu tio e médico, de nome Carlos, seguiu para São Paulo com fins de estudar medicina. Aos 18 anos, no ano de 1897, enfim, matricula- se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Naquele templo hipocrático teve a felicidade de contar com feliz ajuda de duas grandes figuras da medicina da época: o clínico Miguel Couto (1865 – 1934) e o especialista em doenças tropicais, Francisco Fajardo (1864 – 1906). Em 1902 Carlos Chagas concluiu o curso de medicina quando defendeu sua tese sob orientação de Oswaldo Cruz intitulada
Estudo Hematológico do Impaludismo (1903). No ano seguinte casa-se com Íris Lobo, filha de um político, e desta união nascem dois rebentos: Evandro Chagas (1905 -1940) e Carlos Chagas Filho (1910 - 2000) que seguiram a mesma carreira paterna.
Evandro, contudo, veio a falecer moço em decorrência de um acidente, aos 35 anos de idade.
Por indicação de Oswaldo Cruz, Carlos Chagas partiu para uma missão de combate à malária que grassava no município de Itatinga em São Paulo. Em fevereiro de 1907 segue em missão com Artur Neiva (1880 – 1943) para Xerém, na Baixada Fluminense, com a mesma finalidade: o combate à malária.
Ainda neste ano desloca-se para o norte de Minas Gerais, em companhia de Belisário Penna (1868 - 1939) uma vez mais seguindo o rastro do impaludismo. Carlos Chagas nesta ocasião identificou no sangue de um sagui um protozoário do gênero Trypanosoma.
A nova espécie era um parasita habitual, não patogênico nos monos. Cornélio Homem Catarino Motta, chefe da comissão de engenheiros falou para Carlos Chagas acerca de um inseto hematófago da região, denominado barbeiro, posto que, tinha por hábito picar as vítimas no rosto enquanto elas dormiam.
Carlos Chagas, examinando o intestino do barbeiro encontrou formas flageladas de um protozoário, que de pronto encaminhou para a avaliação de Oswaldo Cruz.
Este inoculou tais parasitas em monos de laboratório que logo adoeceram. O novo tripanosoma foi denominado de T. cruzi , em justa homenagem ao grande cientista Oswaldo Cruz. Em Manguinhos, Carlos Chagas iniciou estudos rigorosos sobre o ciclo evolutivo do novo agente patológico.
Em 14 de abril de 1909 foi por intermédio de Carlos Chagas detectada no sangue de uma garota de 2 anos chamada Berenice, com severa enfermidade, a presença do Trypanosoma cruzi e a consequente descoberta de uma nova entidade mórbida nos seres humanos: a Doença de Chagas.
Fato único na história da Medicina com a descoberta de uma nova doença com agente etiológico, vetor e formas clínicas descritas em detalhes.
Em 1910, Carlos Chagas foi recebido como membro titular da Academia Nacional de Medicina. Em 1912 foi outorgado ao insigne Carlos Chagas o Prêmio Schaudinn , concedido pelo Instituto de Doenças Tropicais de Hamburgo.
Em 14 de fevereiro de 1917, três dias depois da morte de Oswaldo Cruz, nomeado pelo Presidente da República, Wenceslau Braz, assume Carlos Chagas a direção do Instituto Oswaldo Cruz, cargo que ocuparia até seu falecimento ocorrido em 1934.
Foi criado em 1918 o Hospital Oswaldo Cruz e em 1925, a cátedra de Medicina Tropical na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, sob os auspícios de Carlos Chagas. Em 1919, Carlos Chagas assume a Direção Geral de Saúde Pública do governo federal.
Em 1923, contribuiu com a fundação da Escola de Enfermagem Anna Nery e em 1926 da organização do Curso Especial de Higiene e Saúde Pública no Rio de Janeiro.
Em maio de 1925, Carlos Chagas foi nomeado titular da cátedra de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro.
No Brasil, Carlos Chagas pertenceu às seguintes instituições:
Sociedade de Medicina da Bahia (1909); Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro (1909); Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (1910); Associação
Sociedade de Medicina da Bahia (1909); Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro (1909); Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (1910); Associação
Medico – Cirúrgica de Minas Gerais (1911) ; Sociedade de Medicina e Cirurgia de Amazonas (1917) .
No exterior, Carlos Chagas foi membro de várias sociedades:
No exterior, Carlos Chagas foi membro de várias sociedades:
Sociedade de Patologia Exótica de Paris (1910) ; Sociedade Médica Argentina (1916); Sociedade Americana de Medicina Tropical (1919) ; Academia de Medicina de Peru (1922) ;Real Sociedade de Ciências Médicas e Naturais de Bruxelas (1922) ; Real Academia de Medicina de Bélgica (1923) ; Sociedade de Medicina de Montevidéu (1923) ;Academia Médica de Roma (1924) ;Real Academia Nacional de Medicina de Espanha
(1925) ;Academia de Medicina de Nova York (1926) ; Sociedade Real de Medicina Tropical e Higiene de Londres (1938) e Academia de Medicina de Paris (1930).
Merecem destaque, ainda, os títulos de doutor honoris causa recebidos pelas Universidades de Harvard (1921); de Buenos Aires (1922); de Paris (1926) e de Lima (1929).
Em 8 de novembro de 1934, aos 56 anos de idade, Carlos Chagas falece em decorrência de um insulto cardíaco agudo. Encerrava- se, prematuramente, a trajetória de um brilhante médico, professor universitário, cientista, gestor e humanista brasileiro.
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
ÁRVORES INÚTEIS
Em Pindorama, no Planalto Central, árvores gigantescas com o
miolo corroído por um cancro voraz encontram-se sendo, inapelavelmente,
dizimadas.
Comenta-se à boca miúda, que tal desastre ecológico em seu seio traz
um meritório propósito: tentar salvar uma tênue democracia em frangalhos
prestes a ruir.
De fato, tratam- se de árvores vistosas, plenas de frutos de
ouro, contudo, alimentadas por lama de um “ propinoduto “ que corre a céu
aberto, uma verdadeira pestilência.
De pé sobrevivem, apenas, as árvores ditas
inúteis.
Aquelas com galhos frágeis, cheias de nós, com seiva anêmica, sem viço
e parva em serventia.
Para sobreviver, no momento, em Pindorama, faz-se prudente,
ser uma árvore inútil, caso contrário, corre - se o iminente risco de ser
rigorosamente abatida por forças repressoras conduzidas por uns “ meninos –
velhos “ togados, oriundos de uma República de Paraná no sul de Pindorama.
Nada demais, e que se toque o barco para diante, pois é preciso
passar Pindorama a limpo, mesmo que sejam abatidas todas as árvores prenhes de
ouro falso, mas que no final sobreviva uma democracia saudável
Segue numa linguagem, de propósito, nada camoniana,
desprezando a “ última flor do Lácio, inculta e bela “:
“ A gente não sabemos escolher presidente/a gente não
sabemos tomar conta da gente /a gente não sabemos nem escovar os dente / tem
gringo pensando que nóis é indigente/inútil! / a gente somos inútil / a gente
faz carro e não sabe guiar/a gente faz trilho e não tem trem pra botar/a gente
faz filho e não consegue criar/a gente pede grana e não consegue pagar /inútil!
/ a gente somos inútil /a gente faz música e não consegue gravar/a gente
escreve livro e não consegue publicar/ a gente escreve peça e não consegue
encenar/a gente joga bola e não consegue ganhar / inútil ! a gente somos inútil
“
Letra de “ Inútil “de
autoria de Roger do conjunto Ultraje a Rigor.
sábado, 10 de dezembro de 2016
PECADO CAPITAL
Dinheiro na mão é vendaval, é vendaval/na vida de um
sonhador, de um sonhador/quanta gente se engana/ e cai da cama/com toda a
ilusão que sonhou/e agrandeza se desfaz/quando a solidão é mais/alguém já
falou.../mas é precisoviver/ e viver não é brincadeira não/quando o jeito é se
virar/cada um trata de si/irmão desconhece irmão/e aí!/dinheirona mão é
vendaval/dinheiro na mão é solução / e solidão !” Letra de Pecado Capital de autoria de
Paulinho da Viola.
Faz pouco, a mídia de Pindorama divulgou uma estrambótica
lista com o cognome ou a alcunha de certos indivíduos: Caju, Justiça, Índio,
Babel, Bitelo, Primo , Caranguejo , Polo , Ferrari , Botafogo , Las Vegas ,
Campari , Cerrado , Gripado , Todo Feio , Corredor , Gremista , Tuca , Misericórdia
,
Decrépito , Boca Mole , Kimono e Missa .
O grande filósofo do cotidiano Millôr Fernandes (1923- 2012)
disseca as palavras dinheiro e políticos com a sua verve carioca e seu típico
toque de gênio da raça:
“ O dinheiro fala. E também manda calar a boca “
“ O dinheiro não tem pátria, como dizia o sujeito depois de
vender a sua “
“ Deus fez o sol. O demônio inventou o dinheiro que brilha
muito mais “
“ O dinheiro não traz felicidade. Mas leva “
“ O dinheiro não traz felicidade. Ou melhor: o Cruzeiro não
traz felicidade. O Dólar, traz “
“ Energia nuclear? Você acha? Armas químicas? Não senhor; o
dinheiro ainda é a mais violenta das invenções humanas”
O dinheiro é tudo.Ele é a fonte de todo o bem. Faz dentes
mais claros, olho mais azul, amplia a dignidade individual, aumenta a
popularidade, produz amor e paz espiritual e, quando tudo falha, paga o
psicanalista “
“ O dinheiro é aquilo que o trabalhador ganha com o suor de
seu rosto, os estroinas esbanjam nas boates, o economista pensa que que é ciência,
os banqueiros emprestam a juros. É o que corrompe como suborno e redime como
filantropia. É o talento dos ricos, o legado dos que partem para sempre, o
objetivo dos ladrões,o poder do capitalismo. E se não traz felicidade pelo
menos não acrescenta à infelicidade a infelicidade de não ter dinheiro “
E, para finalizar, sobre os políticos:
“ A diferença entre a galinha e o político é que o político
cacareja e não bota o ovo “
“ Esses políticos todos andam tão ocupados com salvar o país
que que nem têm tempo de ser honestos “
“ Político profissional jamais tem medo do escuro. Tem medo
é da claridade “
Senhor , olhai para Pindorama, onde os Três Poderes
abraçados seguem , sem volta , rumo ao despenhadeiro !
quinta-feira, 8 de dezembro de 2016
CORA CORALINA,
PATRIMÔNIO DO BRASIL
Ana Lins dos Guimarães Peixoto (1889 – 1985) ou Cora
Coralina, nasceu em 20 de agosto de 1889 na cidade de Goiás. Seus pais foram
Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto, desembargador, e Jacintha Luiza
do Couto Brandão Peixoto. Aos 2 meses de idade Ana fica órfã de pai. Em 1895
Ana inicia o curso primário onde permanece até a terceira série.
Em 1900
escreve um conto “ Um Canto da Inhuma “, aos 11 anos de idade, e publicado em
1909.
Ana ingressa em 1905 no Clube Literário Goiano e dois anos
depois funda com outras jovens, o semanário A Rosa. Adota o pseudônimo de Cora
Coralina, algo como, coração vermelho, lembrando o nome do rio que passa em sua
cidade. Aos 20 anos estreia num livro com o conto “ Tragédia na Roça “.
Em 1911, contrariando o desejo de sua família empreende fuga
com o advogado desquitado Cantídio Tolentino de Figueiredo Brêtas, na época,
chefe de polícia na cidade, onde fixa residência em São Paulo.
Em 1912 inicia sua saga como mãe pródiga quando nasce
Paraguassu Amarillis Brêtas. Em 1914 vêm ao mundo Cantídio Bretas Filho e
Enéias Brêtas. Aos seis meses de idade morre Enéias. Em 1917 nasce Maria Ísis
Brêtas, que falece seis meses depois. E Jacintha Filomena Brêtas nasce em 1921.
Monteiro Lobato (1882- 1946) faz convite a Cora Coralina
para participar da revolucionária Semana de Arte Moderna de 1922, mas segundo
consta, esta sofreu a proibição do marido para tal.
Em 1927 nasce outra filha de Cora, desta feita, Vicência
Brêtas. Em 1934 Cantídio Brêtas morre de infecção pulmonar, deixando Cora,
viúva aos 45 anos e soltando- a no mundo com uma prole para criar. Encontramos
Cora por essa época vendendo livros para o editor José Olympio.
Nos anos
seguintes Cora Coralina colabora com vários jornais e revistas da região onde
mora.
Apenas em 1965, aos 75 anos de idade, Cora Coralina estreia
pela editora José Olympio com o livro, “ Poemas dos Becos de Goiás e Estórias
Mais “. Em 1979 inicia correspondência com Carlos Drummond de Andrade (1902 –
1987):
“ Rio de Janeiro, 14 de julho de 1979:
Cora Coralina:
Não tendo o seu
endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as deposite em
suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de graça com a poesia.
Seu livro é um encanto, seu verso é água corrente, seu lirismo tem a força e a
delicadeza das coisas naturais. Ah!, você me dá saudades de Minas , tão irmã do
seu Goiás.
Dá alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil
um ser chamado Cora Coralina.
Todo o carinho, toda a admiração do seu
Carlos Drummond de Andrade “
Em 1983 Cora Coralina publica Vintém de Cobre – Meias
Confissões de Aninha pela Editora da
Universidade de Goiás e indicada para o
prêmio Juca Pato da União Brasileira de Escritores, concorrendo com o político
Teotônio Vilela e com o poeta cearense Gerardo Mello Mourão.
No dia 10 de abril de 1985 falece, em Goiânia, em
decorrência de insuficiência respiratória.
“ Sou espiga e o grão que retornam à terra.
Minha pena (esferográfica)
é a enxada que vai cavando, é o arado milenário que sulca. Meus versos têm
relances de enxada, gume de foice e peso de machado. Cheiro de currais e gosto
de terra. “
“ Na minha alma, hoje, também corre um rio, um longo rio de
lágrimas que meus olhos fiaram uma a uma e que há de ir subindo, subindo sempre,
até afogar e submergir na tua profundez sombria a intensidade da minha dor “
“ Escuto leve batida. Levanto descalça, abro a janela
devagarinho. Alguém bateu? É a lua – luar que quer entrar “
“ Ajuntei todas as pedras que vieram sobre mim. Levantei uma
escada muito alta e no alto subi. Teci um tapete floreado e no sonho me perdi “
“ Minhas mãos doceiras ... Jamais ociosas. Fecundas. Imensas
e ocupadas. Mãos laboriosas. Abertas sempre para dar, ajudar, unir e abençoar.
Mãos de semeador ... Afeitas à sementeira do trabalho. Minhas mãos são raízes
procurando terra, semeando sempre “
“ Sozinha ... Na estrada deserta, sempre a procurar o perdido
tempo que ficou pra trás. Do perdido tempo. Do passado tempo escuto a voz das
pedras: Volta... Volta... Volta... E os morros abriam para mim imensos braços
vegetais “
“ Andei pelos caminhos da vida. Caminhei pelas ruas do
Destino – procurando meu signo. Bati na porta da Fortuna, mandou dizer que não
estava. Bati na porta da Fama, falou que não podia atender. Procurei a casa da
Felicidade, a vizinha da frente me informou que ela tinha se mudado sem deixar
novo endereço. Procurei a morada da Fortaleza. Ela me fez entrar: deu-me veste
nova, perfumou-me os cabelos, fez-me beber de seu vinho. Acertei o meu caminho
“
“ A estrada da vida é uma reta marcada de encruzilhadas.
Caminhos certos e errados, encontros e desencontros do começo ao fim. Feliz
aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina “
Ponto final !
segunda-feira, 5 de dezembro de 2016
UMA VIVA COLCHA DE
RETALHOS
Existirmos, a que será que se destina? “ Amar a mais
insignificante das criaturas como a ti mesmo. Quem não fizer isso jamais verá a
Deus face a face ... Toda a vida é sagrada, porque tudo o que vive participa de
Deus. Será que algumas gotas de água suja serão capazes de poluir o oceano
inteiro? Que força do mal poderá apagar o divino que mora em nós?
Não haverá parto se a semente não for plantada muito tempo
antes. Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas
metamorfoses “ M. Gandhi.
“ No mistério do Sem-Fim,
Equilibra- se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
E, no jardim, um canteiro:
E no canteiro, uma violeta,
E sobre ela,
O dia inteiro,
Entre o planeta e o Sem-Fim
A asa de uma borboleta “ Cecília Meireles.
“ Sejamos simples e calmos, como os regatos e as árvores /e
Deus amar-nos- á / fazendo de nós /belos como as árvores e os regatos/e
dar-nos- á verdor na sua primavera/ e um rio aonde ir ter quando acabemos “ Alberto Caeiro.
Três simples exemplos de seres humanos, divinamente humanos,
cosendo uma simples colcha de retalhos da qual todos nós somos tecidos.
O espírito natalino colorindo árvores, edifícios, corações e
mentes num verdadeiro brinde ao milagre da vida!
Feliz Natal, queridos amigos!
sexta-feira, 2 de dezembro de 2016
UM AMOR DE VERDADE
Um jovem filho de Hipócrates pousou num pequeno burgo à beira mar onde habitavam cerca de três mil almas. O novo médico pretendia fincar raízes naquele aprazível lugar. Certa feita atendeu a um chamado de urgência para assistir a um parto domiciliar que se arrastava há horas.
Nasceu um belo rebento pesando cerca de quatro quilos.
No dia seguinte chega uma infausta notícia de que o dito recém-nascido agora era um anjinho. Nunca se soube ao certo a causa de tal fatalidade. Cerca de seis meses depois retorna o mesmo casal em uma nova gestação. Uma vez mais o doutor realizou um parto domiciliar com sucesso.
O desenlace fatal novamente aconteceu com recém - nascido .
Desta feita o atordoado doutor, a muito custo, conseguiu a realização de uma necropsia, na longínqua capital. O laudo firmado por um patologista nobre e excêntrico, sugeria uma doença rara e vista apenas em casos de consanguinidade do tipo tio com sobrinha ou irmão com irmã.
O doutor com extrema cautela, colheu com minúcia a história pregressa do casal. Soube que desde a mais tenra idade eles viveram próximos, pois seus pais eram vizinhos em casas geminadas, bastante amigos e compadres. E nada mais foi perguntado e nada mais foi dito. Ponto final!
O doutor aconselhou ao indigitado casal uma salvadora adoção, algo profundamente humano e meritório. E assim foi feito.
O médico em seus raros momentos de lazer , junto com o casal de amigos e seus filhos adotivos , erguia castelos de areia ali beijando o mar e que logo seriam engolidos pela voracidade das ondas naquele eterno ir e vir. Assim, também é o torvelinho da vida onde o pai morre, o filho morre e o neto morre, de preferência nesta sequência.
“Nada do que foi será/de novo do jeito que já foi um dia/tudo passa, tudo sempre passará/a vida vem em ondas/como um mar/num indo e vindo infinito/tudo o que se vê não é/igual o que a gente viu há um segundo/tudo mudo / o tempo todo no mundo/não adianta fugir/ nem mentir pra si mesmo/agora, há tanta vida lá fora / aqui dentro, sempre/como uma onda no mar” Como Uma onda no Mar de autoria de Nelson Motta e Lulu Santos.
O dito casal do relato, de fato era formado por irmãos biológicos e que viveram as bênçãos de um amor fraterno e puro neste breve périplo terreal, evidenciando a profunda e misteriosa força do amor!
“ Um homem também chora/menina morena/também deseja colo/palavras amenas/precisa de carinho/precisa de ternura/precisa de um abraço/da própria candura/guerreiro são pessoas/tão fortes , tão frágeis/guerreiros são meninos/no fundo do peito/precisam de um descanso/precisam de um remanso/precisam de um sono/que os torne perfeitos/é triste ver um homem/ guerreiro menino/com a barra do seu tempo/por sobre seus ombros/eu vejo que ele berra/eu vejo que ele sangra/a dor que tem no peito/pois ama e ama /um homem se humilha/se castram seu sonho/seu sonho é sua vida/a vida é trabalho/e sem o seu trabalho/ um homem não tem honra/e sem a sua honra/se more, se mata/não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz” Guerreiro Menino de autoria de Gonzaguinha .
terça-feira, 29 de novembro de 2016
UM PEQUENO DRAMA
SUBURBANO
“Sempre que te pergunto/que quando, onde e como/tu sempre me
reponde / talvez, talvez, talvez/ e assim passam os dias /e eu desesperando/e
tu me contestando/ talvez, talvez, talvez/estás perdendo o tempo/pensando,
pensando/pelo que mais tu queiras/até quando?
até quando?”
Tradução livre de Quizás , Quizás , Quizás de autoria de Osvaldo Farrés .
Nos idos dos anos 60 do século passado, vizinho a residência
de Chico Barrão, habitava um casal de idosos sem filhos que possuía um bom
acervo de música latina, especialmente, por conta da turnê de
Nat King Cole
realizada naquela região do quintal da América do Norte.
Aprendeu o menino
Chico num portunhol esquisito, muito bolero na voz de veludo do dito cantor
americano. Ali naquela rua de casas simples, vez por outra passava alguns dias
com aquele solitário casal uma jovem morena de olhos verdes de nome Flor de Lis.
Cresceu o dito garoto e nas muitas voltas do mundo, mudou de endereço, ficando
colado na lousa da memória aquele divino pedaço de chão e seus dramas cotidianos.
Um belo dia, já longe no tempo, recebeu Chico Barrão em seu
local de trabalho a visita de uma nova cliente. Uma senhora de 70 anos, morena,
ainda guardando uns belos traços num rosto riscado por profundas rugas, marcas
indeléveis da vida, trajando um vestido curto, deixando à mostra belas pernas
torneadas e uma mimosa joia emoldurando seu tornozelo esquerdo. Um charme
dengoso, sem dúvida.
Na ficha de identificação da cliente constava o nome Flor de
Lis de tal. O nome de seu pai chamou minha atenção, pois tratava-se de uma
figura conhecida nos meios intelectuais e boêmios da cidade. Chico Barrão, com
pouco tato e confirmando seu curto juízo passou a relatar para a senhora
cliente, meio atordoada, um fato ocorrido em sua meninice: tarde da noite acordou
na sala de sua residência, cuja porta abria diretamente na calçada, e pelo
postigo de uma janela assistiu a uma cena insólita: a discussão de uma jovem de
nome Flor de Lis com um senhor idoso vestindo elegante terno branco.
Uma briga
de casal que deveria ser observada apenas pela lua e as estrelas. Voltou o
garoto para a rede ouvindo sentidos soluços dos dois pombinhos lá fora e caiu,
enfim, nos braços de Morfeu. Agora ao
terminar o relato no escritório, súbito, Chico Barrão viu-se abraçado, rindo e
chorando com aquela criatura que protagonizou toda a história.
Falou-me que
muito sofrera com aquele romance proibido com um homem casado e com idade de
ser seu pai. A dita senhora só veio a ter certeza que não se tratava de uma alucinação
minha quando detalhei traços de seu pai, um grande boêmio e seresteiro que eu
conhecera em sua passagem pela região onde eu morava. Como epílogo do imbróglio, Chico Barrão,
constrangido e meio sem graça, devolveu o dinheiro daquela desastrada consulta.
Bem feito!
“Foram teus olhos/que me deram o tema doce/ de minha
canção/teus olhos verdes/ claros ,serenos/olhos que tem sido minha
inspiração/aqueles olhos verdes/ de mirada serena/deixaram em minha alma/eterna
sede de amar/anseios de carícia/ de beijos e ternuras/de todas as doçuras/que
sabiam brindar/aqueles olhos verdes/serenos como um lago/em cujas quietas
águas/ um dia me mirei/não sabem a tristeza/ que em minha alma tem
deixado/aqueles olhos verdes/que eu nunca beijarei “ Tradução livre de “Aquellos ojos
verdes”
segunda-feira, 28 de novembro de 2016
POLIFARMÁCIA E
FELICIDADE
“A felicidade é como uma borboleta: quando a perseguimos,
nos escapa; quando desistimos de persegui-la, pousa em nós “ (provérbio chinês).
Numa ablução matinal rotineira, um idoso de 67 anos, em presença de Netuno,
roga alguns mimos a Zeus: vida saudável para seus neurônios e que eles
perseverem na criação de laços de amizades com seus circunvizinhos, estreitando
sinapses.
Que percorram novas sendas turbinados por fieis
neurotransmissores desbravando rotas até então virgens, pondo
para girar a tal plasticidade cerebral.
Tendo ciência dos fenômenos de apoptose ou morte programada
das células como fatos naturais esperados onde tudo que nasce, morre, o idoso
senhor clama que se ande devagar com o andor, seguindo estritamente as normas
traçadas pelo poetinha Vinicius de Moraes (1913- 1980):
“Tristeza não tem fim, felicidade sim/a felicidade é como uma gota/ de orvalho
numa pétala de flor/brilha tranquila /depois de leve oscila/ e cai como uma
lágrima de amor/a felicidade do pobre parece/a grande ilusão do carnaval/a
gente trabalha o ano inteiro/por um momento de sonho/pra fazer a fantasia/de
rei ou de pirata ou jardineira/pra tudo se acabar na quarta-feira/tristeza não
tem fim, felicidade sim/a felicidade é como uma pluma/ que o vento vai levando
pelo ar q voa tão leve/ mas tem a vida breve / precisa que haja vento sem parar
“.
Para os diletos companheiros da geração pós Segunda Guerra
Mundial (1939 – 1945) todos na faixa de setenta anos, almeja-se juízo e
redobrado cuidado com o delicado item saúde.
Procurar manter o estoque da
farmácia básica caseira e utilizar com parcimônia a aspirina infantil (para
espantar infarto e AVC), estatina (para prevenir entupimento das artérias) ,
betabloqueador ( para controlar angina e hipertensão ) , biguanida
( para
manter o diabetes sobre controle) e um diurético
( para sanar o edema ) .
Claro,
tudo isso, mantendo o calendário vacinal em dia.
Calma, nobres filhos de Hipócrates e senhores farmacêuticos,
as várias modalidades de tais fármacos citadas existem em mancheias para
aqueles clientes portadores de boa reserva financeira ou com uma aposentadoria
privada polpuda prontas para segurar o tranco dos achaques.
Os multivitamínicos com sais minerais não foram esquecidos,
mas seguindo recomendações de estudos recentes, estes devem ser consumidos com
parcimônia, apenas em presença de deficiências confirmadas destes vitais
elementos.
No mais sugere - se curtir com calma esta bendita “segunda infância“
com sabedoria e fé em Deus, praticando exercícios físicos moderados e evitando
bebidas alcoólicas e cigarros.
Convém utilizar
uma dieta mediterrânea e usufruir, se desejar, de uma salutar atividade laboral
maneira e prazerosa.
Deve-se levar em conta uma proibição absoluta e perene a um
crime grave sem direito a desculpa: vestir os ditos idosos com as famigeradas
camisetas portando ridículos dizeres como “mulheres, cheguei! “ .
Ave Maria!
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