segunda-feira, 25 de novembro de 2019



Vossa Excelência
Um famoso antropólogo, escritor e político mineiro foi contemplado com a admissão para a vetusta Academia Brasileira de Letras, a Casa de Machado de Assis , o querido Bruxo do Cosme Velho. No aguardado dia de sua posse naquele silogeu, o novo confrade , engalanado com vistosa indumentária dos imortais , acenou para um táxi.
Um motorista grisalho , com um riso aberto de poucos dentes , exclamou :
" - Vossa Majestade quer se dirigir para qual palácio?"
" - Olhe o respeito , meu velho !" , esbravejou a pomposa autoridade.
" - Desculpe , Majestade", retorquiu o humilde taxista .
" - Com toda esta pompa , imaginei tratar - se de um Rei ou de um Imperador ! "
Hoje em Pindorama , onze senhores de pesados trajes negros determinaram que só podem ser nominados pelos cidadãos comuns por "Vossa Excelência " , sob pena de arcar com prisão aqueles que ferirem tal norma.
Ah , Vaidade das vaidades !
Não sabem estes arrogantes senhores que todos somos filhos da terra , dela retiramos nosso sustento e no fim , nela dormiremos até o despertar de um novo tempo !
" Não fala com pobre , não dá mão a preto
Não carrega embrulho
Pra que tanta pose , doutor
Pra que esse orgulho.
A bruxa que é cega esbarra na gente
E a vida estanca
O enfarte lhe pega , doutor
E acaba essa banca.
A vaidade é assim, põe o bobo no alto
E retira a escada
Mas fica por perto esperando sentada
Mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão
Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco afinal
Todo mundo é igual quando a vida termina
Com a terra em cima e na horizontal "
Composição musical " A Banca Do Distinto " , da autoria do paraense Billy Blanco (1924 - 2011).

sábado, 16 de novembro de 2019



O Poeta/Médico Laurindo Rabelo

"O que fazes, ó minha alma !/coração porque te agitas?/coração, porque palpitas?/porque palpitas em vão ?/se aquele que tanto adoras/te despreza, como ingrato, /coração, sê mais sensato,/busca outro coração!/
Corre o ribeiro suave/pela terra brandamente/se o plano condescendente/ dele se deixa regar;/mas , se encontra algum tropeço/que o leve curso lhe prive,/busca logo outro declive,/vai correr noutro lugar.
Segue o exemplo das águas;/coração, porque te agitas?/coração, porque palpitas?/porque palpitas em vão?/se aquele que tanto adoras/ te despreza, como ingrato,/coração, sê mais sensato,/busca outro coração!/
Nasce a planta, a planta cresce,/vai contente vegetando,/só por onde vai achando/terra própria a seu viver;/mas , se acaso a terra estéril/ as raizes lhe é veneno ,/ela vai noutro terreno/ as raízes esconder.
Segue o exemplo da planta;/coração, porque te agitas?/coração, porque palpitas?/porque palpitas em vão?/se aquele que tanto adoras/te despreza, como ingrato/coração, sê mais sensato,/busca outro coração!
Saiba a ingrata que punir/também sei tamanho agravo/se me trata como escravo,/mostrarei que sou senhor;/como as águas, como a planta,/fugirei dessa homicida;/quero dar a um'alma fida/ minha vida e meu amor "
Poema " A Minha Resolução " , da autoria de Laurindo Rabelo.
Laurindo José da Silva Rabelo ( 1826 - 1864 ), nasceu e morreu no Rio de Janeiro. De origem humilde , mestiço, teve uma vida prenhe de sacrifícios. Cursou o Seminário São José e a Escola Militar . Ingressou , posteriormente na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro e graduou - se na Bahia. Casou - se com a Sra. Adelaide Luiza Cordeiro e não deixou descendentes.Faleceu aos 38 anos de idade em decorrência de uma doença cardíaca.
Foi um médico, professor , boêmio e poeta popular , de cunho amargo e pessimista. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras , Cadeira 26.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Saudades de Capistrano de Abreu

João Capistrano de Abreu, historiador e geógrafo brasileiro, nasceu a 23 de outubro de 1853, no município de Maranguape, no Ceará, e faleceu a 13 de agosto de 1927, no Rio de Janeiro. Filho primogênito do casal Jerônimo Honório de Abreu e Antônia Vieira de Abreu.
Cumpriu seus estudos em Fortaleza e Recife , e depois migrou para o Rio de Janeiro, onde triunfou com galhardia num rigoroso concurso para lente do tradicional Colégio Pedro II, na disciplina de História, no ano de 1883.
Bem moço ainda , dotado de notável inteligência e inveterado estudioso, logo despontou nos estudos da Historiografia , Corografia e Etnografia. Foi , com efeito, o maior historiador brasileiro, intérprete arguto e crítico penetrante dos fatos de nossa formação histórica. Na sua opulenta bibliografia cabe destacar :
O Descobrimento do Brasil (1929 ),
Capítulos da História Colonial ( 1934 ),
Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil ( 1930 ),
Ensaios e Estudos ( 1931 ),
Correspondências ( 1938 ).
Capistrano de Abreu , uma vez convidado para fazer parte da Academia Brasileira de Letras, declarou, escusando - se, que a única sociedade de que fazia parte era o gênero humano, e isso mesmo porque não podia demitir - se. Os livros que deixou constituíram para ele , simples notas de uso pessoal, de que , pode - se dizer , os amigos se apossaram . Ele, por sua vontade, os teria destruído a todos, para que não ficasse na terra vestígio algum de sua passagem .
" Eu proporia que se substituíssem todos os capítulos da Constituição por : - Artigo Único: todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara !" , vaticinou certa feita o nobre cearense.
Em Pindorama , nos nebulosos dias hodiernos , um dos pilares fundamentais da Democracia , soçobra sob a batuta de vetustos senhores que em nome de uma deusa , ora cega, surda e manca, impõem duras penas aos pobres e desvalidos cidadãos. Em contrapartida , acariciam com mimos uma corja de ricos malfeitores , a troco de um aliciante tilintar de moedas de ouro.
O povo pacato e ordeiro assiste, bovinamente , o afundamento de Pindorama num mar de lama e petróleo, já ouvindo o rufar dos tambores da Batalha Final do Armagedom !
Acorda , Pindorama !

segunda-feira, 4 de novembro de 2019


Não possuímos a vida ; ela nos possui
Nossa mente / corpo e toda a parafernália da tecnologia disponível não controlam tudo na Natureza. A única certeza é que não temos certeza nesse " mundo flutuante " dos antigos e no " mundo líquido " de Zygmunt Bauman ( 1925 - 2017 ).
" Aquele que deseja tomar o mundo e assim age, eu já vejo, não o conseguirá. O mundo é um recipiente espiritual , nada se pode fazer ! Quem age , ele o derrota.
Quem agarra, perde - o. Portanto, o Sábio nada faz, por isso nada o derrota, Nada agarra e por isso nada perde.
Por essa razão, as coisas pode ser que caminhem, pode ser que acompanhem ; pode ser que suspirem , pode ser que soprem seco; pode ser que sejam poderosas, pode ser que sejam frágeis; pode ser que sejam subjugadas, pode ser que sejam destrutivas. Portanto , o Sábio remove o muito, remove a extravagância, remove o extremo " ( Tao- Te- Ching).
Viver é mudar , adaptar - se , aproveitar cada etapa da vida e não ir contra as leis da Natureza !

Vejo o manto desta noite de domingo de novembro, iluminado por artefatos humanos, num raio de luminosas lágrimas, comemorando a chegada de Papai Noel num certo recanto de Fortaleza. Aqui no meu pequeno mundo fico a cismar condoído com pequenas crianças seminuas , deitadas em calçadas ou debaixo viadutos, exatamente , como o Menino Jesus na sua manjedoura de Belém.
"Dos berços de linho e seda/aos ninhos de palha podre,/onde houver uma criança ou um coração de criança/aí será o meu Natal./ Não no coração dos ricos que me exploram /que me ofendem, que me ignoram/ que me vendem quando aos pobres fazem mal;/não nas mesas dos tiranos, dos perversos, dos falsários,/ dos que matam, dos que enganam/ dos que abusam dos ingênuos para os fins mais desumanos/ como as guerras que se tramam com as armas mais letais;
Não nos corações malditos que me compram , que me escambam, / que me afligem nos aflitos/ e perseguem aos que eu amo: estes não terão Natal./ Meu Natal é dos humildes, é o Natal das lavadeiras,/dos porteiros, dos mendigos/dos policiais, dos serventes,/dos garis ,dos faxineiros, das enfermeiras que velam, / das professoras que educam, dos salva - vidas que salvam/dos que criam, dos que zelam pelos velhos que caducam:/ estes sim , terão Natal. Meu Natal é dos que sofrem; / dos doentes incuráveis; das amadas esquecidas; dos loucos irresponsáveis e das crianças perdidas.
Meu Natal é dos que lutam para viver nas cidades,/nos sertões despovoados , nas casas e nos casebres,/ nos abrigos e orfanatos, nas pocilgas e masmorras, / nos hospícios e hospitais, nos porões e albergues, / nas celas dos condenados, nas celas dos consagrados/nos berçários, nas igrejas, nas falas dos namorados/ nos presentes , nos brinquedos, mas sobretudo no homem, sim, nos filhos das mulheres.
Onde houver uma criança ou um coração de criança, /aí será meu Natal. Estarei por toda parte : nas penas dos que trabalham,/ nas portas das que se vendem, nas lágrimas dos que choram,/nos corações dos que cantam, nos olhares dos dementes./nos beliches e nas redes, nas esteiras e nas camas,/ sob os tetos, sob as pontes, sob as pedras, sob as luas /nos seios das que amamentam, nos ventres das que me esperam,/ na angústia das que me abortam, / no esquife das que morreram , onde houver uma criança,
Aí será meu Natal "
Meu Natal ( Paulo Gomide - 1912 - 1982 ).