domingo, 30 de abril de 2017

Um até breve



Viver de morte e morrer de vida. Abriu-se a porta da gaiola e o pássaro ganhou as alturas sem medo nem alucinação nas asas do infinito. Ah a vida, este cansaço implorando pelo sono, fazer uma ave abatida em pleno voo! Partiu no sábado, um menestrel que mesmo tendo razões para viver teve a sublime coragem de correr o risco de morrer!

Vim, não sei de onde; todavia eu vim. E vi diante de mim um caminho. E caminhei. E continuarei indo, quer queira quer não. De onde vim? Como vi meu caminho? Não sei. Sou novo, sou antigo no seio desta existência? Sou livre de entraves ou prisioneiro de invisíveis laços? Dirijo-me a mim mesmo, ou sou dirigido? E o caminho, o que é? É longo, é curto? Almejaria saber 

... E, contudo, não sei. Vi a formiga trabalhar, como eu, para viver. Tem ela, na vida, alvos e direitos iguais aos meus? Tem seu silêncio, ao ver do tempo, o mesmo valor que minha fala? E aonde vai cada um de nós? Não sei. Antes de tornar-me homem, eu era inexistência total, ou já era alguma coisa? Este enigma será resolvido um dia, ou permanecerá assim para sempre? Não sei. E por que afinal não sei? (Ilia Abul – Madi) 

Era um cidadão comum como esses que se vê na rua/falava de negócios, ria, via show de mulher nua/vivia o dia e não o sol ,  a noite e não lua /acordava sempre cedo( era um passarinho urbano)/embarcava no metrô, o nosso metropolitano/era um homem de bons modos : “ com licença , foi engano”/era feito aquela gente honesta, voa e comovida/que tem no fim da tarde a sensação da missão cumprida/acreditava em Deus e em outras coisas invisíveis/dizia sempre sim aos senhores infalíveis/pois é; tendo dinheiro não há coisas impossíveis/mas o anjo do Senhor (de quem nos fala o Livro Santo) desceu do céu para uma cerveja, junto dele, no seu canto e a morte o carregou, feito um pacote, no seu manto – que a morte lhe breve. " Pequeno Perfil de um Cidadão Comum " letra de 

Belchior (1946 – 2017)

Boa viagem, Belchior, boa viagem!

sábado, 29 de abril de 2017

SARCOPENIA: AINDA FALTAM PEÇAS


O envelhecimento humano trata-se de um fenômeno universal correspondendo a oito por cento da população mundial ou cerca de quinhentos milhões de idosos. Acredita-se que o aparecimento dos primeiros sinais do envelhecer possa se apresentar por volta da terceira década da vida, como algo muito sutil. 

O envelhecimento humano trata-se de um processo dinâmico, progressivo e do qual ninguém pode fugir. O tão desejado “ elixir da juventude” permanece inacessível ao ser humano até a presente data. Os mecanismos que ocasionam o envelhecer ainda não foram totalmente desvendados, mas sabe-se que é uma condição inexorável. 

O gradual declínio das capacidades do indivíduo engloba mudanças anatômicas, fisiológicas, bioquímicas e hormonais.
Em 1989, Irwin Rosenberg fez menção à perda da massa muscular do idoso, criando o termo sarcopenia, oriundo do grego sarkos (carne, músculo) e penia (perda ou desgaste), para daí num salto aparecer a tal “ síndrome do ancião frágil “. A distinção entre a perda fisiológica da força muscular, com o passar da idade, de uma nova condição patológica, tem limites pouco precisos.

Fatores que podem contribuir para a instalação da sarcopenia:
Fatores humorais: redução dos níveis de estrogênio, de testosterona, de hormônio do crescimento, de deidroepiandrosterona (DHEA) e de vitamina D.

Fatores musculares: atrofia muscular por falta de exercício.
Fatores do sistema nervoso central: unidades motoras da medula espinal vão se perdendo, favorecendo a atrofia muscular.
 Fatores nutricionais: redução do consumo proteico e dos alimentos de um modo geral contribuem para a redução da massa muscular.

O processo da sarcopenia tende a evoluir lentamente. Uma avaliação clínica buscará demonstrar a força muscular, o rendimento físico e a quantidade de massa muscular dos distintos segmentos do corpo.

Exames laboratoriais disponíveis que podem ajudar numa avaliação mais acurada da sarcopenia são:
 Tomografia Computadorizada; Ressonância Nuclear Magnética; Densitometria e Bioimpedância.
Na atualidade, a atividade física adequada e a ingesta nutricional correta representam as formas mais seguras de contornar os riscos futuros decorrentes da sarcopenia. 

Até a presente data nenhuma intervenção farmacológica foi desenhada especificamente para resolver o problema da sarcopenia.

Diversos estudos foram feitos com os seguintes fármacos disponíveis no mercado e que aguardam resultados a longo prazo:
  Testosterona, Deidroepiandrosterona (DHEA), Nandrolona, Estrogênio, Tibolona, Hormônio do crescimento (GH), Vitamina D, Creatina e Inibidores da enzima de conversão da angiotensina (EACA).

Ainda falta um bom caminho a percorrer com vistas a aspectos práticos como definição clínica, aplicação de propedêutica laboratorial e formas adequadas de tratamento para o novel problema da sarcopenia. Aguardemos.






sexta-feira, 28 de abril de 2017

POEIRA DAS ESTRELAS/EU SOU O MUNDO



Faz 13,7 bilhões de anos que irrompeu um ponto de inimaginável densidade prenhe de imensa energia, com o tamanho trilhões e trilhões de vezes menor que a cabeça de um alfinete, explodindo no Big Bang (Fred Hoyle ,1949). Aí emergiu o espaço- tempo e suas partículas primordiais da qual fazemos parte como simples poeiras das estrelas. Ordem e desordem, caos e cosmos, criação e destruição até o fim dos tempos.

“ Vi a gota cair piedosa do ar/cair pequenina sobre o chão sedento/para depois ser o rio turbulento/indo morrer nas convulsões do mar/mas ficou tão saudosa a terra viúva/ardendo em sede, suspirando em mágoa/que o mar lhe devolveu a gota d’água/feita de novo em lágrimas de chuva/assim se impõe uma vontade ignota:/o rio rugidor nasce da gota/para que nasça o mar dos seus caudais/e do mar nascem nuvens inconstantes/que caem de novo em gotas fecundantes/em efêmeras gotas imortais/eu vi a flor vaidosa e a brisa amena/bebendo o orvalho da manhã serena/num idílio sem fim de brisa e flor/mas soprou o tufão depois da aragem/despetalando a rosa na passagem/esmagando-a num sopro arrasador/porém, a terra, a mãe que nunca enjeita/colhe no seio a triste flor desfeita/e clama pelas águas da amplidão/assim renasce a flor, para que um dia/novamente a sacuda a ventania/lançando suas pétalas no chão/alegria que nasce de um pavor!/visão de paz que nasce de uma guerra!/quando ventou, a flor desfez-se em terra!/quando choveu, a terra fez-se em flor!/vi homens junto a um berço de criança!/um murmurava debulhando um terço/outro sorria cheio de esperança -/eram crianças que não tinham berço/vi homens diante de uma catacumba!/estava cada qual mais triste e absorto/choravam todos em redor de um morto/ e eram mortos que não tinham tumba/quantas vezes nasceram e morreram/indo cegos do berço à sepultura!/pois morreram assim como nasceram/na mesma eterna incompreensão obscura!/do Mundo para o Além se dissolveram/cegos a tudo o que aproxima os dois/portanto, não viveram nem morreram/porque jamais seus olhos perceberam/o mistério do Antes de Depois!/sou gota e caio; sou torrente e corro/sou berço e túmulo; em mim nasço e morro/das minhas trevas surge meu clarão/do meu hoje, o amanhã sereno e forte/ ao nascer, ouço ecos de outra morte/ e ao morrer, ecos de outra geração/eu não conheço ausência nem degredo/se, um dia, eu tiver medo, será medo/de mim mesmo, do enigma que sou/ e, se eu fugir de um pavor terrível/será de mim...mas como? É impossível/porque sou tudo e em toda parte estou/eu sou o Mundo!

 Quando vier meu fim/como nasci, eu morrerei em mim/”. (Nemê Kazan ,poeta libanês)


quarta-feira, 26 de abril de 2017

ÁCIDO ACETILSALICÍLICO, UM QUASE MILAGRE


A casca do salgueiro – branco (Salix alba) rica em salicina foi amplamente empregada desde a antiguidade por egípcios, sumérios e gregos para sanar diversos males como estado febril, dores e malária.  A síntese industrial que resultou na descoberta do ácido acetilsalicílico ocorreu nos fins do século XIX (1894) quando o químico Felix Hoffman (1868- 1946) trabalhando para a empresa Bayer da Alemanha, obteve uma forma acetilada do ácido salicílico menos agressiva para a mucosa do estômago e com propriedade analgésica, antitérmica e anti-inflamatória. O emprego inicial deste fármaco , denominado aspirina, deu-se no tratamento de diversas patologias e espalhou-se pelo mundo inteiro.

 A prescrição do ácido acetilsalicílico na prevenção secundária para reduzir o risco de aparecimento de novos eventos como Angina do Peito, Infarto do Miocárdio e Acidente Vascular Cerebral vem ocorrendo desde a segunda metade do século XX com comprovado sucesso. Seu uso na prevenção primária, ou seja, em quem nunca teve eventos como os acima citados, encontra-se em ferrenha discussão, especialmente, devido aos riscos de hemorragia e na formação de úlcera de estômago. Grupos de estudiosos defendem o emprego do ácido acetilsalicílico em baixa dose (81 mg) na prevenção de doenças cardiovasculares (Infarto do Miocárdio e Acidente Vascular Cerebral) e de Câncer de Cólon em pessoas normais de 50 a 69 anos de idade que demonstrem baixo risco de sangramento. Tem-se como certo que a ingestão de 2 comprimidos de ácido acetilsalicílico, imediatamente, após o início de um ataque cardíaco isquêmico, reduz pela metade o risco de morte ou da ocorrência de um segundo infarto.

Há relatos que as estatinas empregadas em pacientes com alterações de colesterol elevado (dislipidemia) possuem ação semelhante as da aspirina na prevenção de eventos cardiovasculares, sem entretanto, favorecerem a sangramentos. Em contrapartida, as estatinas são mais onerosas e podem promover sérios para-efeitos.
Na atualidade, a prevenção primária da pré-eclâmpsia e da eclampsia é apenas possível evitando-se a gravidez. A prescrição de aspirina, cálcio, zinco, magnésio, óleo de peixe, vitaminas C e E não devem ser utilizadas para prevenção de pré-eclâmpsia em primigestas. A utilização de ácido acetilsalicílico na dose de 81mg /dia tem serventia em grávidas portadoras da Síndrome do Anticorpo Antifosfolípide (SAAF) ou naquelas gestantes que no passado tiveram pré-eclâmpsia grave ou eclampsia.

Deste modo, o ácido acetilsalicílico continua sua saga como um fármaco com múltiplas utilidades na profilaxia e tratamento de várias entidades mórbidas há mais de uma centúria e ainda mostrando bastante fôlego.



domingo, 23 de abril de 2017

ECO E NARCISO EM PINDORAMA



Nestes dias turbulentos que não acabam nunca, em Pindorama, a mídia, cruamente, mostrou a foto de um político preso, por provável crime de corrupção, onde se vislumbra, deprimente, um pobre homem com o olhar baço, perdido, triste caçando o chão, com os cabelos tintos de neve, bastante envelhecido para sua idade. 

“ O homem não deve poder ver a sua própria cara. Isto é o que há de mais terrível. A natureza deu-lhe o dom de não a poder ver, assim como de não fitar os seus próprios olhos. Só na água dos rios e dos lagos ele podia fitar seu rosto. E a postura, mesmo, que tinha de tomar, era simbólica. 
Tinha de se curvar, de se baixar para cometer a ignomínia de se ver. O criador do espelho envenenou a alma humana “. 

(Fernando Pessoa, Livro do Desassossego)

A Mitologia Grega desenha as figuras de Eco e de Narciso:
Eco era uma bela virgem que vivia nas margens do rio Cefiso, filha do Ar e da Terra. Foi educada pelas ninfas nas artes do canto e da flauta. Amiga da solidão, fugia da companhia dos deuses e dos homens e se negava a toda proposição de amor. Um dia o deus Pã, por não poder curtir o amor de Eco, promoveu seu esquartejamento brutal. A partir de então, os restos da jovem sem residência fixa, apenas podia “repetir os últimos sons da voz que ouvia“

Narciso era um jovem de extrema beleza, filho do rio Cefiso e da ninfa Liriope nascido em Thepsis de Beocia. Certa feita, Eco em companhia das ninfas das águas viu Narciso e ficou perdida de amor pelo jovem. Ele rejeitou toda aproximação com a virgem Eco que, com pesar, recolheu- se às profundidades das grutas e das cavernas, onde ainda responde a todos que a chamam.
Narciso um dia viu sua fantástica imagem refletida nas águas límpidas de uma fonte. Extasiado, se inclinou docemente, introduzindo os braços para colher tão bela criatura. Nada conseguiu, a não ser um pouco de água a lhe escorrer pelas mãos nuas. 

Repetiu o ritual, dia após dia, definhando até morrer. Enfim, transformou-se numa flor de nome Narciso.
Queira Zeus que na penitenciária onde o “pobre” político de Pindorama passa uma temporada sob os auspícios do governo, não seja permitido o uso de espelhos.
 Caso contrário, o choque pode ser fatal, mostrando uma figura opaca, bem diferente daquele alegre e jovial homem público, de guardanapo na cabeça, na presença do deus Baco, num país do Velho Mundo.



sexta-feira, 21 de abril de 2017

                                  CHIKUNGUNYA NO CEARÁ EM 2017



A Chikungunya (CHIKV) constitui uma virose causada por um vírus RNA da família Togaviridae, gênero Alfavirus transmitida pela picada dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, os mesmos vetores que transmitem a dengue. O nome Chikungunya origina-se de uma palavra do idioma Makondo falado na Tanzânia que significa “ aquele que se encurva “, descrevendo a aparência das pessoas que padecem da doença por conta de dores articulares lancinantes. Diferente do vírus da dengue que tem quatro subtipos, o vírus da Chikungunya é único, daí uma vez adquirida, a doença gera imunidade permanente.

A Chikungunya pode se apresentar uma doença aguda, subaguda ou crônica e caracteriza-se por: febre alta de início súbito, contínua ou intermitente; dores articulares severas e incapacitantes (bilaterais e simétricas); cefaleia; mialgia; vômito; conjuntivite; eritema maculopapular incluindo tronco e extremidades, podendo incluir palmas das mãos e planta dos pés.
Manifestações atípicas da doença são: convulsões; síndrome de Guillain- Barré; neuropatia; neurite óptica; uveíte; miocardite; insuficiência cardíaca; insuficiência renal aguda; hepatite; hemorragia; pneumonia.

O Ceará, situado no Nordeste brasileiro é o Estado com maior índice de Chikungunya no Brasil. Até meados de março de 2017 a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (SESA) registrou 4833 casos prováveis da doença. Lideram a lista os municípios de Fortaleza, Caucaia e Baturité.  Durante todo o ano de 2016 contabilizou-se apenas 912 casos de Chikungunya no Ceará.
Na gravidez há que se fazer uma avaliação clínica para descartar qualquer patologia que esteja relacionada a febre x gravidez: dengue, Zika, influenza e infecção urinária, dentre outras. Realizar exames hematológicos completos, incluindo sorologias para viroses (IgG e IgM); exame sumário de urina e cultura com antibiograma; avaliação da saúde fetal com ultrassonografia e cardiotocografia.
Sintomas de alarme da doença: febre elevada, persistente (mais que cinco dias); dor abdominal aguda; vômitos incoercíveis; hemorragia subcutânea ou de mucosas; mudanças no estado de consciência; extremidades frias e redução significativa da produção de urina.

Não há evidência epidemiológica de que a Chikungunya na gravidez promova incremento de abortamento ou de malformações. Existem relatos ocasionais de morte fetal no último trimestre da gravidez. A doença desencadeada por ocasião do parto acarreta a possibilidade de transmissão vertical em elevado percentual para o concepto. A realização de cesárea, de modo geral não influi na melhora da sobrevida fetal. A doença do recém-nascido aparece por volta de quatro dias de vida com febre, eritema difuso e edema dos membros. Casos graves podem cursar com encefalite, hemorragia e disfunção de múltiplos órgãos do recém-nascido.

O uso sistemático de repelentes pela gestante faz-se necessário como medida preventiva, além da utilização de blusas de mangas compridas. O Governo do Estado tem utilizado o “ fumacê “ em bairros de Fortaleza com grandes concentrações do mosquito como Mondubim e Joaquim Távora. Tal prática com veneno atua sobre as formas adultas do Aedes.

O tratamento da Chikungunya é fundamentalmente sintomático. Recomenda-se uma hidratação oral rigorosa e prescreve-se Paracetamol para dores e febre. A Loratadina pode ser utilizada como antialérgico.


segunda-feira, 17 de abril de 2017

PARQUE ESTADUAL DO COCÓ EM FORTALEZA



Nesta manhã de sol, adentro na floresta do Parque Estadual do Cocó, em Fortaleza, vivenciando a fronteira entre o conhecido e o desconhecido. 
É uma terra de ninguém, um espaço mágico habitado por espíritos, duendes e bruxos, representando o simbolismo do inconsciente. Encontro em dois momentos diferentes a figura do inimigo natural das serpentes - o gato - outrora um animal sagrado do deus- sol Hélios. A carruagem de Freia – deusa da fertilidade, da guerra e da riqueza – cabe lembrar, era conduzida por dois gatos. Carregam, os gatos, um simbolismo contraditório: apreciam o convívio humano mas mostram uma completa independência dele.

 Frios, com poses de lordes, frequentam ambientes aristocráticos em companhia de poetas e filósofos mundo afora. Constroem, contudo, uma vida misteriosa longe de casa, especialmente à noite. Diferente dos cães, que são escolhidos pelos donos, os gatos é que buscam a quem acompanhar.
Ali em meu campo de visão no parque, curtem a ensolarada manhã dois pachorrentos exemplares de felinos, um branco e um negro, como as duas forças opostas do Yin e do Yang, porém complementares, que integram o qi , a energia primordial do multiverso.
 O Yang: masculino, iluminado, firme, seco, quente e ativo.


O Yin: feminino, escuro, úmido, frio e inativo.
A simbiose Yin – Yang, cada uma parte carregando uma pequena parte de outra, traz o verão, a estação do Yang, que depois se transforma em inverno, estação do Yin. É o aprendizado ordenado pela natureza, de perceber o tao, mas não interferir nele, deixa-lo seguir o fluxo do qi como forma de alcançar a harmonia e a ordem da vida .
E a presença naquele ambiente etéreo do bicho-homem a reverenciar a mãe- natureza e nossos irmãos, na voz maviosa do mago poeta mexicano Octavio Paz (1914 - 1998) , em Pedra de Sol :
“A vida não é de ninguém, todos somos a vida/- pão de sol para os outros/os outros todos que somos nós -/sou outro quando sou/os atos meus são mais meus se são também de todos/para que possa ser hei de ser outro/sair de mim, buscar-me entre os outros/os outros que não são se eu não existo/os outros que me dão plena existência/não sou, não há eu, sempre somos nós “








quinta-feira, 13 de abril de 2017

FORTALEZA DE NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO


Querida Vila de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção instalada a 13 de abril de 1726, hoje uma metrópole deitada à beira mar vivendo uma verdadeira epopeia cantada em prosa e verso pelos seus eternos menestréis enamorados. Ciro Colares (1923 - 2002) e Artur Eduardo Benevides (1923-2014), dois magos cearenses na arte de versejar, confeitam o bolo de aniversário hoje em homenagem à Loura Desposada do Sol:

Rio Pajeú (Ciro Colares)

“ Há serestas antigas nestas águas/do velho Pajeú, bêbado e lento/a correr sob as sombras seculares/de árvores velhas, e a cantarolar/cantos de guerra com sotaque indígena/entre tombos e quedas e risadas/num acalanto a Soares e Iracema/que Alencar viu também num amor passado/neste rio eu revejo a minha infância/molhada de saudades e lembranças/de tudo que se foi e não vem mais/que se foi como o rio que se vai/e se perde no mar, feito o menino/que se perdeu no turbilhão do mundo/o rio Pajeú é um fio líquido/lavando a face da cidade adulta/esguio e frágil, lírico e minúsculo/que até parece um riacho de lapinha/ele leva quintais na correnteza/e segredos domésticos, sussurros/de amores que ficaram-lhe nas margens/sussurros que com os seus se misturaram/pelo alto, os cubos de cimento armado/trucam e humilham, quase sufocando/a serpentina que valente luta/contra o progresso, em vão inutilmente/como um Quixote a enfrentar moinhos/como a pobreza a desejar justiça/vistas de longe as pobres lavadeiras/são pássaros batendo as asas longas/mas mesmo assim, batendo as longas asas/não alçam voo porque adoram o rio/e contam que lhe guarda os seus mistérios :/ o jacaré de prata, a mulher virgem/a vagar por ali , muda, tristonha/como se fosse um manequim de loja/que fugira( quem sabe ?) para vê-lo/ à noite, canta uma cantiga triste/que bem traduz o pranto da cidade/e na manhã que nasce, entre arvoredos/o velho Pajeú volta saudando/a minha Fortaleza que renasce/mas os gritos do rio se afogando/sobre pedras e ferros e maldades/foram SOS nos ouvidos/do povo, com exceções de vereanças/e ele ri pelo riso do Prefeito/o salvo e o salvador sonhando agora (1)/com tudo que virá, como um milagre/na beleza do Parque Pajeú/mais cimento, mais pedra, mais asfalto/mas muito mais carinho/para o pulmão do rio da cidade/e em breve, o rio, o meu , o nosso rio/cantará nos soluços do passado/ a saudade moderna do presente “
1.       Na administração do prefeito Evandro Aires de Moura, o Rio Pajeú , que corta o ventre de Fortaleza , foi drenado e protegido, emergindo no quintal do antigo Palácio do Bispo , na Praça da Sé , entre jardins e ornamentos .

Canto de Amor a Fortaleza (Artur Eduardo Benevides)

“ Não tens Capibaribe ao luar/não tens ilhas defronte/não tens pontes/não tens ventos terríveis, minuanos/não tens brumas, montanhas nem fortins/és pobre, Cidade/mas és bela/tens mistérios e muita adolescência/se contemplo teu vulto penso em rosas/tenho pétalas em mim se te murmuro/quanto és mansa, e bucólica, e pura /e bela, e jovem, ó grande flor atlântica/plantada mais em nós do que no chão! /cidade das velhas serenatas/das doces pastorinhas e fandangos/das retretas românticas, das valsas/de usanças que o tempo já não traz/quem foi que sepultou teus violões/tuas cirandas, modinhas e quermesses/tuas festas de Reis, tuas lanternas/teus sobrados, serões e bandolins ?/quanto sofro por ti, pois te desnudam/ e perdes teu antigo coração/já não ouvindo os sinos que te chamam/para Nossa Senhora da Assunção/cidade de lagoas circundantes/e de becos solitários e cruéis!/Lagoa de Mondubim/ Lagoa de Pirocaia/Lagoa de Maraponga/Lagoa da Onça/Lagoa Feia/Lagoa do Tauape !/na Praça do Ferreira – desvairada -/teu coração se encontra palpitando/e sofre as tuas dores e retém/a memória gentil da infância/cidade essencial/cidade marítima/eu sempre te amei/tenho versos que um dia cantarei/ às tuas praias amplas , ao teu mar/onde pousam jangadas  e canções/Praia de Iracema/Praia do Mucuripe/Praia do Meireles/Volta da Jurema/Praia Formosa/Praia do Futuro/Praia do Pirambu!/oh, os teus bairros tão doces e tranquilos/que recordam as canções dos seresteiros :/Aldeota, Benfica, Alagadiço/Piedade, Prainha ,

 Navegantes/Jacarecanga, Porangabuçu !/Cidade de meus filhos , minhas lutas/meus exílios, desejos, solidões/cidade onde é possível o amor de outrora/chegar ao nosso olhar, claro e esquivo/e em nós ser como foi nos velhos tempos/profundo é o meu amor, ó Fortaleza/ é grávido de ti, tão vasto como/teus grandes céus escampos em setembro/em ti me guardo, guarda- te em mim/minha pobre edelweiss, barco ancorado/minha guitarra se eu fosse português !/


quarta-feira, 12 de abril de 2017

DIA DO OBSTETRA



Na intimidade dos lares, nas caladas da noite, não raro, um telefonema interrompe o sono reparador de um obstetra. Hora de assistir a mais um milagre do cotidiano, o belo ato da parturição. Todo dia é dia, toda hora é hora. Como tirar férias quem diuturnamente labuta sem olhar para a passagem irreversível da ampulheta do tempo? Há um compromisso tácito a ser cumprido e que se fortalece ao longo de nove meses de conversas enriquecedoras, entre quatro paredes, onde se assiste a real transformação de um casal grávido cheio de dúvidas, em amigos fraternos. O fruto deste trabalho nobre consuma-se com o nascimento de mais um ser para iluminar e enriquecer a grande família humana.
 E o maior prêmio, um régio pagamento equivalente a uma verdadeira barra de ouro, brota simples, haurido do fundo do peito: “ – Obrigado, doutor, sob a orientação de Deus, sua ajuda foi fundamental! ”
Agradecimento esse, extensivo, claro, aos nossos irmãos de trabalho: enfermeiras, auxiliares de enfermagem, doulas, psicólogas, nutricionistas, fisioterapeutas, dentre outros.
Aos queridos mestres que nos ofertaram, gratuitamente seus ricos saberes, hoje nossa mais importante ferramenta de trabalho, recebam nossa benção e a gratidão eterna:
José Galba Araújo , José Anastácio Magalhães , Francisco das Chagas Oliveira, José Carlos Ribeiro , José Gerardo Ponte, Luiz Dias, Antônio Ciríaco de Holanda Neto, Juarez de Sousa Carvalho ,Mário Noleto Guimarães, Francisco Tavares Teixeira, Ormando Rodrigues Campos, Onildo Gusmão, Wilson Moreira, Francisco Pereira dos Santos, Arnaldo Afonso Alves de Carvalho , Laerte Colares , João Alberto Gurgel do Amaral, Juraci Jesuíno da Silva, José Aluísio Soares, Silvia Bomfim Hipóllyto, Francisco Manuelito Lima , Luciano Silveira Pinheiro , Marcelo Ponte Rocha , Helvécio Neves Feitosa, Carlos Augusto Alencar Júnior , Francisco Edson Feitosa Lucena, Silas Monguba, Norma Colares , Maria Lúcia Rego, dentre outros . Parabéns, nobres mestres, extensivo a todos os nossos irmãos obstetras. 

Que Deus os ilumine e guarde!


domingo, 9 de abril de 2017

O APANHADOR DE POEMAS / POEMINHA DO CONTRA


O velho bibliófilo cabeça-chata, de juízo, vista e passos curtos, adentra naquela catedral de livros usados no centro da cidade de Fortaleza. Puxa do bolso de sua casaca puída uma lista de “ amigos de papel” a serem buscados em meio ao anárquico ambiente. Ali vagueiam senhores portando máscaras de proteção contra alergias e uns dois bichanos a se esfregarem pachorrentos nos clientes. Ouve- se não raro, um perdido espirro, logo acompanhado de “ – saúde! ” 

É o Pneuma (espírito vital) a fugir do corpo e logo sendo chamado de volta.
Naquela confraria habita todo tipo de autor: o clássico, engalanado em capa dura, circunspecto, tendo ao lado uma brochura humilde, que mal se põe em pé, de um autor anônimo, mirrado, fruto de uma teimosia instigada por amigos ou familiares. Nos fundos da comprida casa, um senhor de idade, meio cego, curva- se sobre um velho livro, operando-lhe as entranhas, tentando a todo custo um milagre: recompor e dar a vida àquela joia de papel. 

Nas prateleiras, em meio aos livros que se amparam uns nos outros para não cair, como na vida real, um exemplar chama a atenção do velho garimpeiro: o poeta Mário Quintana (1906 – 1994), em volume único, obra completa e em bom estado de conservação. Autêntico ouro em meio ao cascalho:

O Apanhador de Poemas:

“ Um poema sempre me pareceu algo assim como um pássaro engaiolado...E que, para apanhá-lo vivo, era preciso um trabalho infinito. Um poema não se pega a tiro. Nem a laço. Nem a grito. Não, o grito é o que mais o espanta. Um poema, é preciso espera-lo com paciência e silenciosamente como um gato. É preciso que lhe armemos ciladas; com rimas, que são o seu alpiste; há poemas que só se deixam apanhar com isto. 

Outros que só ficam presos atrás das quatorze grades de um soneto. É preciso esperá-lo com assonâncias e aliterações, para que ele cante. É preciso recebê-lo com ritmo, para que ele comece a dançar. E há os poemas livres, imprevisíveis. Para esses é preciso inventar, na hora, armadilhas imprevistas”.

Poeminha do Contra:
“ Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão...

Eu passarinho”.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA


A expectativa de vida ao nascer, no Brasil mais que dobrou em um século, passando de 30 para 70 anos, entre o início do século XX e o atual século XXI. Tal resultado deve- se a um grupo de fatores, tais como, melhorias das condições econômicas, culturais, sociais, ambientais e, claro, em decorrência de intervenções salutares como vacinação, uso de antibióticos, cirurgias limpas, além da modernização de hospitais, de exames laboratoriais e da indústria farmacêutica, de um modo geral.
Eventos fisiológicos que fazem parte da vida normal das pessoas, ao longo da história passam hoje por impactantes mudanças provocadas pelo cambiante saber médico e pela força emergente das indústrias de medicamentos e de aparelhos tecnológicos. No universo feminino basta tomar como exemplos a menstruação, a gravidez, o climatério e o envelhecimento. Na antiguidade as mulheres menstruavam menos por conta de gravidezes seguidas e por longo período de amamentação. E viviam bem menos. A intervenção médica em tais oportunidades era pontual respeitando as ordens advindas da natureza: “ primeiro a palavra, depois as ervas e, por último, os ferros “.


Nos dias de hoje a mulher começa a menstruar mais cedo e termina mais tarde, pois engravida menos e vive bem mais. Alguns especialistas chegam a propalar a menstruação como algo inútil, suprimindo-a com remédios ou aliviando alguns achaques, por ventura presentes com fármacos e conferindo o afastamento de trabalho para tais pessoas – a licença menstruação -. Nada mais justo, quando necessário, porém deve-se levar em conta que em grande parte, o período menstrual transcorre sem maiores óbices. O mesmo se dá com o ciclo gravídico que não necessita, obrigatoriamente, da prescrição de fármacos, posto que, gestações de alto risco respondem por cerca de, apenas, dez por cento das gravidezes. Já o climatério, um fenômeno fisiológico pode ser vivenciado sem maiores interferências, com a atuação farmacológica restrita a casos pontuais e com os devidos cuidados. Por fim, o envelhecimento natural deve ser acompanhado de perto ofertando-se medidas preventivas e corretivas de alterações que possam proporcionar uma vida plena, com prazer e independência a essas criaturas, de preferência, fugindo da múltipla medicação. A medicina preventiva nos eventos citados como, menstruação, gravidez, climatério e envelhecimento, possui primordial importância na vida saudável das pessoas proporcionando mais vida aos anos e mais anos à vida.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Oração de um místico do século XIII, quando a noite cai : domingo em Fortaleza!


"Eu pedia notícias Tuas a todos os que encontrava./mas então eu Te vi- através de mim mesmo, /e descobri que éramos idênticos. /agora enrubesço ao pensar que só procurei sinais Teus. /O' tu que és tão insuportavelmente belo, de quem és o Bem - amado? ,perguntei. /de mim mesmo,Ele respondeu /pois eu sou um e só um- /amor,amante, amado,espelho, beleza,olho..../se és tudo,e se não sou nada,por que está confusão toda?/tu és a totalidade;combinado!/então, tudo o que é "outro senão Tu"/outro que é? /outro, de fato eu sei,nada existe a não ser Tu..../ouve, ralé : tu queres ser TUDO? Então vai- vai e torna - te nada !"

sábado, 1 de abril de 2017

PRIMEIRO DE ABRIL: AH! SE NÃO FOSSE VERDADE



Numa terra longínqua, imensa, quase um continente, situada ao sul da linha do equador medra uma gente bizarra. Vejamos:
 Um gestor máximo, mudo e desconfiado, com a popularidade em queda livre
Agentes integrantes dos três poderes, irmanados, com lama até o pescoço, prontos para despencarem num medonho despenhadeiro

Uma operação lava- lento que faz anos prende apenas pobres bagres, deixando ao largo os grandes e perigosos cetáceos
 Uma nação do faturo, que porta na bandeira, o verde da esperança e o amarelo da vergonha
Enquanto vingar uma justiça cega, surda e manca do tipo serpente que abocanha, apenas, os “pés- descalços” sempre haverá a possibilidade, mesmo que remota, de resolução através da força bruta como acontece com alguns nossos vizinhos vermelhos, amantes da foice e do martelo. Cruz, credo!

Foi deste modo que Mané, desnutrido, desdentado e lívido, acordou caído no frio chão do “meu casebre, minha vida de pobre” depois de um pesadelo horroroso, com a desempregada patroa lhe trazendo para a realidade:

 “- Bora, Mané, para a rua, apurar algum trocado no Jogo do Bicho, que os nossos cabritinhos comedores de rapadura, com a barriga roncando, estão morrendo de fome no barraco “.
 Primeiro de abril: Ah! Se não fosse verdade este sonho louco de Mané e vivêssemos num país justo, com educação, saúde, transporte, moradia, emprego, saneamento, previdência e segurança para todos. 
E claro, livre do cancro da corrupção e dos mazelentos políticos que teriam suspensos “ad aeternum “ seus direitos às famigeradas “ impunidade e previdência parlamentares “ Aí sim, seríamos uma democracia de vergonha, plena, um paraíso terreal verdadeiro e não de mentirinha!

“ Dei uma carreira num cabra que mexeu com a Maroquinha/começou na Mata Grande e acabou na Lagoinha/corri mais de sete léguas, carregado como eu vinha/pois trazia na cabeça um balaio cheio de galinha/ oh, oh, oh!/ que mentira , que lorota boa/que mentira , que lorota boa/certa noite muito escura atirei de brincadeira/espalhei dezesseis chumbos com a minha atiradeira/no momento ia passando quinze patos no terreiro/ que caíram fulminados, olhe que tiro mais certeiro/oh, oh, oh!/que mentira que lorota boa/que mentira, que lorota boa/uma coisa aqui no Rio que me chamou atenção/foi ver a facilidade que se toma condução/todo mundo confortável , seja no trem ou lotação/e os tais dos trocadores, que amáveis que eles são/oh, oh, oh!/que mentira , que lorota boa/que mentira, que lorota boa/vou contar agora um caso que outro dia aconteceu/minha sogra tá de prova que tal fato sucedeu/uma cobra venenosa viu a “velha” e mordeu/mas ao invés da minha sogra, foi a cobra que morreu/oh, oh, oh !/que mentira , que lorota boa/que mentira, que lorota boa/o meu primo Zé Potoca mente tanto que faz dó/ me contou que pegou água, enrolou e deu um nó/que mentira mais danada, que lorota mais a- toa/ dar nó n’água não é possível , é potoca e das boas/ oh, oh , oh !/ que mentira , que lorota boa/ que mentira , que lorota boa !”           

Lorota Boa, de Luiz Gonzaga (1912- 1989)