sábado, 30 de maio de 2015

SEMMELWEIS – HEROI E MÁRTIR DA MEDICINA

Ignácio Felipe Semmelweis ( 1818 – 1865 ) , nasceu no dia 01 de julho de 1818 na cidade de Buda , na Hungria ,  pertencente ao Império Austro- Húngaro . Cursou seus estudos elementares no Ginásio Católico de Buda e principiou a vida acadêmica  na área de Direito na Universidade de Pest  .  Ao assistir a realização de uma necropsia viu seus interesses  , de súbito , direcionados para o ofício de médico  . Estudou na Universidade de Viena onde graduou-se em Medicina  , tendo a sorte de conviver com mestres consagrados na arte hipocrática como , Joseph Skoda ( clínica médica ) , Carl von Rokitansky ( patologia ) e Ferdinand von Hebra ( dermatologia ) .
Após a conclusão do curso médico em 1844 fez-se aluno de Rokitansky com interesse especial no  estudo de processos infecciosos  em cirurgia . Em 1846  , Semmelweis obtém o título de Doutor em Obstetrícia . Neste período nasce a inquietação que o perseguirá pelo resto de seus dias como verdadeira obsessão  :   a morte de mulheres no puerpério em decorrência de infecção ligada ao parto  . “  tudo o que aqui se faz me parece inútil ; os falecimentos  se sucedem da forma mais simples . Se continua operando , no entanto ,sem tratar de saber verdadeiramente porque tal paciente sucumbe antes que outros em casos idênticos “ .
Até então se desconhecia a real  natureza dos processos infecciosos e utilizava - se o termo “ miasma “ para algo indefinido  como contaminação do ar ou  vapores carregados de impurezas  . Os trabalhos de Rudolf Virchow postulavam  a teoria de que  “ toda célula provém de outra célula “ . As descobertas decisivas  de Louis Pasteur  , Robert Koch e Joseph Lister  sobre a natureza etiológica dos processos infecciosos ainda demorariam  três décadas para aparecerem  e mudarem todo o panorama da história da medicina .
Na Maternidade de Viena onde passa a trabalhar Semmelweis  evidencia – se  um alto índice de mortalidade materna por conta de quadros bem desenhados clinicamente : febre , calafrios , astenia , parada de eliminação de gazes e fezes , distensão abdominal e finalmente , morte num intervalo  rápido de tempo  . As cifras de morte batiam os índices de 30 % , uma verdadeira catástrofe . A dita maternidade dispunha de duas alas distintas   ;  uma era dirigida pelo Dr. Klein e outra , por Dr. Bartch . No primeiro pavilhão  , estudantes de medicina assistiam a partos logo após fazerem necropsia no anfiteatro de  anatomia , ali  ao lado   . Na ala do Dr. Bartch , os partos eram realizados por parteiras e o índice de mortalidade fazia –se bem mais modesto . A grande sacada de Semmelweis foi imaginar que os estudantes de medicina carregavam consigo algum tipo de “ matéria putrefata “ que recolhiam dos cadáveres submetidos à necropsia . A limpeza  das mãos e dos instrumentos realizavam- se nas próprias vestimentas dos profissionais . Cumpre ser lembrado que na época não existiam luvas  cirúrgicas .
“ ...Uma vez que se identificou a causa da maior mortalidade da primeira ala da maternidade como as partículas cadavéricas aderidas às mãos dos estudantes e dos médicos   , foi fácil explicar os motivos pelo qual as mulheres que pariram em seus domicílios tinham uma menor mortalidade que as que deram a luz em maternidades “ .
Atendendo a uma recomendação de Kolletscka , um professor de medicina legal , Semmelweis parte para uma viagem de descanso em  Veneza , e na volta é surpreendido com a morte por sepse do amigo que havia indicado tal pausa no trabalho . O mesmo sofrera um corte por ocasião de uma necropsia  . Pouco tempo depois manifestara um grave quadro de sepse .
Por essa  época , Semmelweis passou a apresentar comportamento bizarro , junto à classe médica , como se pode observar em uma missiva dirigida a colega , Markusovsky :
“  Não  consigo mais dormir . O desesperador som da campainha que precede ao sacerdote portador do viático , tem penetrado para sempre na paz de minha alma . Todos os horrores, dos que diariamente sou impotente testemunha , me fazem a vida impossível .  Não posso permanecer na atual situação , onde tudo é obscuro , onde o único categórico é o número de mortos “ .
Semmelweis decide preparar uma solução de Cloreto de Cálcio e torna obrigatório seu emprego na lavagem das mãos àqueles que fossem assistir a partos  .   De pronto postou um  cartaz que afixou  na porta de entrada da sala de parto da maternidade  sob sua responsabilidade  :
“   A partir de hoje ,15 de maio de 1847 , todo estudante ou médico , é obrigado,  antes de entrar nas salas da clínica obstétrica , a lavar as mãos , com uma solução de ácido clórico , na bacia colocada na entrada . Esta disposição vigorará para todos , sem exceção “ .
 Esta simples medida fez desabar  o número de mortes maternas  ,  para espanto de  todos . Era comum se ouvir o sábio e controverso parteiro Semmelweis a gritar nos  corredores : “ Lavem as mãos , lavem as mãos “ .  Logo seus trabalhos profissionais  foram dispensados da  maternidade , posto que a comunidade médica  de uma maneira geral não apoiava tal atitude de Semmelweis  .  Desta forma passou-se a uma triste fase  atordoada na  vida  do grande obstetra húngaro inconformista .
Na Alemanha  , em Kiel , por esta época , um renomado professor de obstetrícia , Gustav Adolph Michaelis ,   pôs fim a vida atirando-se sob as rodas de um trem em movimento ao sentir-se culpado por inúmeras mortes maternas acontecidas em seu hospital em decorrência da febre puerperal .
Em novembro de  1861 ,  Semmelweis publica um livro composto de 543 páginas com o título : “ Etiologia , Conceito e Profilaxia da Febre Puerperal “ . Em caráter profético  comenta : “ Minha doutrina  não foi estabelecida para que o livro que a expõe se encha de pó em uma biblioteca ; minha doutrina tem uma missão , que é trazer benefício à vida social prática . Minha doutrina  foi produzida para ser disseminada entre os professores de obstetrícia  até que todos os que praticam a medicina , até o último médico e a última parteira do povo atuem de acordo com seus princípios ; minha doutrina foi produzida  para eliminar o terror das clínicas de maternidade , para conservar a esposa ao marido e a mãe ao filho “ .
Virchow , o pai da patologia  celular se opôs de forma veemente a Semmelweis  , pois defendia que todas as patologias tinham origem nas células do corpo humano  e nada vinha do exterior.
Atendendo a um pedido de socorro da esposa de Semmmelweis , Ferdinand von Hebra , providenciou o internamento do grande e atormentado obstetra  num manicômio , onde veio Semmelweis falecer no dia 14 de agosto de 1865 de septicemia como consequência de um ferimento numa das mãos  . Por ocasião da necropsia os achados observados  como  , peritonite , abscessos múltiplos , pneumonia e meningite , levavam as mesmas características observadas naquelas mães com infecção puerperal .

Assistimos hoje  ,  em pleno século XXI certas autoridades em saúde pública no Brasil defendendo de forma aberta e impositiva o retorno ao parto domiciliar , descartando a presença do obstetra e do neonatologista , num pacote exótico chamado  de  “ parto humanizado “ ,  um franco retorno ao medievo onde o binômio mãe – filho pode sofrer sérios agravos . O retorno ao parto normal em ambiente hospitalar seguro com uma equipe multiprofissional incluindo  obstetra , anestesista , neonatologista ,  enfermeira – obstétrica , doula e , claro , a gestante e seu cônjuge , comandando  todo o processo parturitivo , isto sim , caracteriza um parto desejado e humanizado .  O contrário é voltar a época das trevas e à barbárie   .

quinta-feira, 28 de maio de 2015



MARIA DA DÉA OU MARIA BONITA OU MARIA DE LAMPIÃO
“  Acorda , Maria Bonita / levanta ,  vai fazer o café / que o dia já vem raiando / e a polícia já está de pé / se eu soubesse que chorando / empato a tua viagem / meus olhos eram dois rios / que não te davam passagem /  cabelos pretos anelados / olhos castanhos delicados / quem não ama a cor morena / morre cego e não vê nada / “ .
Galopava no lombo do tempo o ano da graça de 1930 , tendo como  cenário o vetusto  sertão do nordeste brasileiro , região onde a miséria coabita  com a abundância , um  lugar de  pouca  chuva ,  com  uma fauna e flora que  buscam heroicamente a sobrevivência   neste adusto chão  prenhe de cabras valentes e destemidos do tipo  ,    Virgolino Ferreira da  Silva ( 1897 – 1938 ) nascido em Serra Talhada ( antiga Vila Velha ) no interior de Pernambuco no dia 07 de julho   , apelidado de  Lampião , ou ,  Governador do Nordeste  , o  maior ícone do cangaço  .
Na Fazenda  Malhada do Caiçara , próximo a Santa Brígida na Bahia ,no dia 08 de março de 1911 , nasceu  Maria Gomes de Oliveira , filha de José Gomes de Oliveira e de Maria Joaquina Conceição Oliveira ( Maria Déa ) .  Aos 15 anos de idade  , Maria Gomes , conhecida também como Maria de Déa foi dada em casamento a um simplório  sapateiro de nome José Miguel da Silva ( Zé do Neném ) . Ela era uma morena rechonchuda  , estatura meã , olhos claros e pernas bem torneadas . O casamento de Zé do Neném com Maria de Déa  mostrou-se  desde sempre  tempestuoso e ainda mais ,  infértil  . Em meio aos arranca – rabos do casal  , Maria de Déa buscava o ninho materno  como um  refúgio  para aplacar as dores de amores . Numa destas  ocasiões , Maria  cruzou o olhar com Lampião , tirando aquela mágica faísca que iria evoluir para um amor roxo .
Certa feita  fora deixado por Virgolino  uma dúzia de lenços para serem bordados   pelas sedosas mãos de  Déa . Tempos  depois Lampião resgatou suas prendas  na garupa do seu cavalo :  os ditos lenços  junto com a dama bordadeira  . Era o  ponta – pé inicial  duma aventura  marcada com sangue e barbárie , que perdurou por oito anos e que findou de maneira trágica e cruel  . Maria da Déa  , agora Maria do Capitão Virgolino foi a primeira mulher a ser permitida junto a um  bando de cangaceiros . Logo a  seguir , Mariquinha , irmã de Zé de Neném , sua cunhada , portanto , arrumou as tralhas e seguiu na companhia do cangaceiro Ângelo Roque , conhecido como Labareda , chefe de um dos sub- grupos dos cangaceiros de Lampião . Ao longo do tempo outras mulheres passaram a integrar o bando  , por vontade própria fugindo da opressão familiar  ou sob forte  coação em decorrência de um simples   rapto . Normalmente as mulheres cangaceiras não participavam dos duros  embates e não portavam armas de grosso  calibre . Adestravam –se  , contudo , no manuseio de armas brancas para os combates de  corpo- a- corpo . Elas usavam caros  vestidos de seda , carregavam vistosas  joias e muito  ouro .  Dá – se como certo que Lampião e outros facínoras do grupo confeccionavam  com brilho as indumentárias incluindo os chapéus e os embornais . Tudo muito esquisito num mundo grotesco de  bestas  – feras humanas  a praticarem um ofício relegado quase sempre às mulheres .
Uma gravidez naquelas circunstâncias gerava enormes problemas a serem contornados naquele  ambiente inóspito  . O próprio Lampião praticava o ofício de parteiro em certas ocasiões  .  Logo que nasciam  ,  as pobres  crianças seguiam de imediato   para adoção , e  entregues a padres , fazendeiros , vaqueiros ou juízes .
Expedita Ferreira  , filha de Lampião e Maria de Déa , veio ao mundo nas mãos de uma parteira de nome Rosinha no dia 13 de dezembro de 1932 sendo de imediato  entregue a um casal de vaqueiros da região . Ela teve contato com os pais verdadeiros em apenas poucas ocasiões em encontros fortuitos  .  Aquela vida nômade  , animalesca  ,  de constante perigo fugindo das volantes implacáveis não combinava com a inocente e frágil  presença de crianças .
Na madrugada do dia 28 de julho de  1938 , uma quinta – feira numa fazenda conhecida como Angico , no Município de Porto da Folha , em Sergipe , o grupo de Lampião foi atacado  de surpresa por uma volante sob o comando do Tenente João Bezerra da Silva , com o auxílio do Sargento Aniceto e do  Aspirante Ferreira , composta ao todo de quarenta e oito homens fortemente armados , inclusive com metralhadoras . O grupo de Lampião era naquela ocasião composto de trinta cangaceiros e cinco mulheres  :  Maria de Déa , Maria de Juriti , Enedina de Cajazeira , Dulce de Criança e Sila de Zé Sereno . O tiroteio desigual  durou cerca de quinze minutos  .   Morreram na ocasião duas mulheres  : Maria de Déa , degolada enquanto viva e Enedina com um tiro na cabeça . Foram chacinados nove  cangaceiros , incluindo , Lampião , Luiz Pedro , Mergulhão , Quinta – feira  e Elétrico .
Do lado da volante houve a perda de apenas  um soldado  , Adrião Pedro de Souza . O Tenente João Bezerra foi ferido levemente na coxa e na  mão . Todos os cangaceiros mortos foram decapitados e levados como troféus em triunfal  cortejo .  As cabeças de Lampião e Maria de Déa foram transferidas  para o Instituto Nina Rodrigues em  Salvador , onde permaneceram até 1969 , quando enfim foram sepultadas no Cemitério das Quintas na Bahia .
Com o aniquilamento  do grupo de Lampião findou o ciclo do cangaço no nordeste  brasileiro .
Em pleno século XXI assistimos  petrificados , fanáticos ligados as Estado Islâmico ( E.I .) martirizando inocentes cristãos através da decapitação  , fomentando o medo e a barbárie . Nada mais atual do que Plauto ( 254 – 184 a. C ) ao afirmar que  “ o homem é lobo , e não homem , para outro homem  “ , bem diferente de outros animais que não provocam mal aos da mesma espécie .
O nome de Maria Bonita foi dado pela imprensa da época para Maria de  Déa , Maria do Capitão ou Maria de Lampião . Nas feiras das cidades do interior  , no reino dos cordéis e no imaginário popular , Virgolino Ferreira da Silva , o Lampião , continua sua saga de valente , vingador , protetor dos pobres  e Governador do  Sertão . Quem sabe um dia ele  retorne para por ordem nesta sofrida região esquecida  eternamente dos poderes públicos  e aí  sim , o sertão vai virar um mar de abundância .




segunda-feira, 25 de maio de 2015


A AURORA DA MEDICINA CIENTÍFICA
Sob a égide da bondade  , a medicina é o saber da época aplicado à arte de prevenir , aliviar e curas moléstias . Para se  poder elaborar um raciocínio médico no limiar da história , a antiguidade , era preciso que os médicos se libertassem da ideia de que as enfermidades fossem resultado da intervenção direta de entidades sobrenaturais , como deuses ou demônios . No século V a. C.  acontece na Grécia um desses momentos históricos em que o pensamento toma vulto e se liberta de crenças passadas , em que , após séculos dominados pelos guerreiros e pelos portadores dos dogmas religiosos , a prosperidade econômica trazida pelo comércio com países estrangeiros estimula não apenas a procura de novos mercados como também a curiosidade intelectual , a capacidade de por em questão as ideias feitas ; tanto mais que os viajantes relatam que em todas as regiões do mundo há deuses e cultos diferentes .
O que caracteriza o “ milagre grego “ deste século V a. C. é a fé na razão ( o logos ) e a fé no homem ( o antropocentrismo ) :  “ De todas as maravilhas existentes na terra , o homem é seguramente a mais admirável “ . Inova- se em todos os domínios e floresce a civilização ocidental  . Em Atenas faz-se a construção do Partenon , representam –se as tragédias de Sófocles e Euripedes , as comédias de Aristófanes . Os filósofos  , Sócrates , Platão , Aristóteles ,  Heráclito  de Éfeso  , Parmênides , repensam o mundo ;  geômetras e matemáticos demonstram a força do espírito ; os historiadores e viajantes , Tucídides e Heródoto , dão ao mundo uma dimensão temporal e espacial ( Tubiana , M. , 1995 ) .
Como ocorreu com suas divindades ao migrarem para a mitologia  romana , assim vieram para a Grécia as criaturas do fabulário egípcio . Pelas afinidades dos seus atributos  não é difícil correlacionar Ápis , Serápis , Ísis , Osíris e Thoth , respectivamente , com Apolo , Minerva ,  Hermes , Orfeu e Asclépio . Este último  , divinizado através doa cânticos do poeta Homero , propiciou por sua fama , o surgimento de templos , os asclepiones , espalhados em várias cidades gregas como , Cnido , Cós e Epidauro e uma porção de seguidores médicos , os asclepíades .
Para Hesíodo  , a origem de Asclépio ou Esculápio para os romanos , dá –se como fruto da paixão avassaladora do deus Apolo pela bela mortal Corônis . Esta fora prometida  em casamento a seu primo Ísquis . Ao saber daquele compromisso pela voz de um corvo  , ave cujas penas até então eram brancas , Apolo o castigou tornando –o de cor negra e dando – lhe o fadário    de vulto de mau agouro . Ártemis  ,  solidária com o irmão , condenou Corônis  ao fogo . Apolo vendo Corônis ardendo na  pira , de pronto , retirou seu filho do ventre materno , logo entregando- o aos cuidados do Centauro Quíron . Deste  , Asclépio aprendeu as artes médicas , desvendou o segredo das virtudes curativas das plantas e o uso dos ferros na cirurgia. Reza a lenda que Asclépio teve vários filhos , dentre eles , Macaon ( ligado a cirurgia ) , Podalírio ( relacionado à clínica ) , Higéia ( relacionada a Higiene ) e Panacéia ( associada à cura de todos os males ) .
O caduceu ou vara de Esculápio chegou a ser o símbolo da profissão  médica . Os dicionários descrevem um símbolo como “ tudo aquilo que , por um princípio de analogia , representa alguma coisa . Aquilo que , por sua forma e natureza , evoca , representa ou substitui , algo abstrato ou ausente “ .
Assim, a balança é o símbolo da justiça ( Diké ) ; o sol ( Helios ) representa a vida ; a cruz representa o cristianismo . Consta o bastão de Esculápio de um cajado com uma serpente em sua  volta .  A serpente desde os tempos babilônicos esteve relacionada com a  cura . Esta para ocorrer exige uma transformação do doente  , tal como a mudança de pele da serpente . Não há que se confundir com o caduceu de Hermes que representa o deus Hermes ( grego ) ou Mercúrio ( romano ) , onde duas serpentes envolvem o cajado , portando duas asas .  Acresce que  , o deus Hermes representa o comércio , a contabilidade e os negociantes , o que , teoricamente nada tem a ver com o exercício da medicina . Ou será que  tem ? .  Bem  , não deveria ter ! .

sexta-feira, 22 de maio de 2015

ORAÇÃO PARA A TURMA DE FORMANDOS DE MEDICINA UECE 2014

Revivendo um momento de pleno gozo junto a um grupo de jovens cuidadores de vida humana  : um instante de saudade .
Queridos formandos
 Porque tudo tem a sua hora e vez   , chegou  , enfim  , o momento  de encarar com firmeza um novo desafio na vida dos  senhores ,  aquele  de  abraçar amplamente o mais nobre e sublime de todos os  ofícios , a ciência – arte de cuidar das pessoas .
Segundo as palavras do bardo português   Luiz Vaz de Camões  , “  Não se aprende , Senhor , na fantasia  sonhando , imaginando ou estudando ; senão vendo , tratando e pelejando “  .
A Faculdade de Medicina da Universidade Estadual do  Ceará , amorosamente os  acolheu   e participou integralmente da realização destes  seus belos  sonhos . Um longo caminho foi  percorrido , como sempre ,  permeado de  risos e lágrimas  . Deste modo   desnuda - se cruamente  a vida que assim  sempre foi  e será . Fiquem  certos , queridos  pais  , irmãos , companheiros   , filhos e amigos , presentes e  indispensáveis    , sem vocês  este  percurso teria sido   puramente em vão . Reservem  , queridos formandos ,  lhes rogo ,   um lugar  aí no lado esquerdo do peito ,  para  os seus noveis  irmãos de jaleco branco  , seus mestres e amigos que juntos ensinaram e aprenderam a arte de viver e quando foi possível ,  dividiram saberes práticos e relevantes  em medicina .
Nossa  permanente  incompletude ,  graças a Deus ,  permitiu  essa simbiose onde crescemos  juntos , amparados uns nos outros , e ,  assim seguiremos até o fim de nossos dias .  Não somos   , sinceramente ,  mestres e alunos ,  e , sim , verdadeiros  companheiros de  viagem . Parceiros e  cúmplices do cotidiano  .  Do ponto de vista físico  , podemos até não mais nos tocar , por pelejar em  lugares distintos ,  mas seremos emocionalmente unos para sempre  , ungidos pela mãos do Senhor .
Segundo  o mestre canadense William Osler  ,  há que se  desdobrar  com zelo  o evangelho da alma  :  nossa relação com os poderes invisíveis ;  o evangelho das boas obras  : a  relação nossa de homens  com nossos irmãos  ;  o evangelho do corpo : a nossa relação com a natureza .  A recompensa  virá em graça , conforto e respeito de toda a comunidade  . Que assim  seja .
Desde Hipócrates sabe – se que três ordens de motivações afetivas de natureza altruísta devem mover o médico e que se refletem na qualidade de sua  prática :
A filotecnia  ou amor à arte , aquele que deve sentir alguém pela atividade a qual dedica sua vida inteira .
A filantropia ou o amor à   humanidade , com a obrigação humana de gostar de seus semelhantes .
A filosofia ou o amor ao  conhecimento , não apenas no sentido  de curiosidade científica , mas da necessidade de saber cada vez mais e melhor para o bem de todos .
A medicina que ora se apresenta  em meio a uma sociedade enferma  onde avulta o egoísmo  ,  cada qual cuidando de si , precisa resgatar os valores humanísticos de solidariedade ao sofrimento de nossos irmãos .  O retorno  benfazejo   da importância  do ser sobre o  ter .  Aquele que  irá lhes procurar   convivendo  despreocupadamente  com um quadro de  hipertensão arterial , diabetes , obesidade  e sedentarismo  será  exatamente o mesmo  , que  excessivamente cuidadoso ,   lava religiosamente seu veículo  quatro – por – quatro  , e diante de qualquer pequena anormalidade deste  seu  objeto de adoração , manda –o rápido a uma oficina mecânica . Cumpre a cada um de nós  buscar saídas para modificar esta triste realidade .
E tenham sempre em mente que a medicina por si só não  irá conseguir as melhores performances caso não se socorra da  espiritualidade , da música , da filosofia e da literatura em geral .
Por fim  ,   com reverência   , lhes agradeço , comovido e eternamente grato ,  , a homenagem que  os senhores me prestaram , apondo  meu nome na Sétima  Turma da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual do Ceará . Compartilho  , humildemente , com todo  corpo docente e administrativo da UECE , esta  pungente  comenda .
Queridos  filhos , sejam corajosos  , íntegros , éticos , amorosos , afáveis , sensíveis , desprendidos , sonhadores  ,  livres de preconceitos  e , primordialmente ,   sanadores de corpos e almas   . E  ,   claro , nunca se curvem aos poderosos ! . Nunca  , mesmo !  . Curvem – se sim  , sempre ,  e humildemente àqueles  que lhes estendem a mão  em busca de ajuda . Deste   modo , o mundo lhes acolherá em  seu regaço e Deus lhes abençoará sempre , amenizando o peso de suas jornadas .
Um afago saudoso   e meu eterno   muito obrigado ! .

quarta-feira, 20 de maio de 2015

OS DOIS PARAISOS   :  O ANTES E O DEPOIS


Quanta dificuldade surge  quando procura – se definir  termos  como tempo , vida e morte . Não há maiores óbices em distinguir se algo irradia vida  , se evidencia sinais de morte ou se observa  a ampulheta do tempo  escorrendo . Gozo  , alegria , sofrimento e  trabalho árduo , eis em que se  resume , a meu ver ,  o nosso     rápido passeio pelo   paraíso terreal . Na primeira etapa da existência o  bicho – homem mostra  crescimento , amadurecimento e algumas vezes , a  urdidura de  uma prole  . Na trajetória derradeira da  vida , aqueles que não são ateus   buscam  organizar um plano para viver em Deus e com  Deus :  é o que chamo  ,  o antes e o depois  da vida .  
Para C.G. Jung “ a morte seria um segundo nascimento “  ;  para L. Boff  “ na morte , o corpo não é mais percebido como barreira que nos separa de nossos semelhantes e de Deus , mas como expressão radical de nossa comunhão com a total realidade da matéria imanente e com todo o cosmos “ .
Há dois dias na sequência de mais um dia de  trabalho  , fui acometido de  uma breve parada cardíaca em seguida a uma convulsão generalizada  que me  colocou em franco  nocaute , fazendo –me , literalmente , beijar humildemente o solo onde piso .  Naquele pequeno intervalo de  tempo observei   lá do  alto meu invólucro corporal inerte em aparente  gozo de paz  verdadeira . O ambiente onde minha alma flutuava  irradiava  uma suave luz  livre de  qualquer  sonoridade . Nos segundos finais da contagem do tempo para definir a refrega retomei o prumo da vida  , de forma espontânea  .  Notei em meu  derredor ,  pés ,  pernas  e ouvi  vozes  de meus  fieis anjos da guarda  que nunca tiram  , graças a Deus  , licença – prêmio .  Dali  ,  gentilmente , concederam -me um  rápido  pouso numa UTI cardiológica .
Vivenciei com paciência de Jó  o drama da luta pela vida escorrendo por entre os dedos do outro lado da trincheira  , como um cliente comum , desarmado de todo o pretenso  saber médico . Naquele ambiente asséptico de luzes e aparelhos sonoros que não param nunca vislumbrei a indesejada das gentes de vestido branco e esvoaçante perambulando invisível  entre médicos e enfermeiras . Ela sempre a conferir o  placar a seu favor  .
Pelo visto  , não fui aceito , por enquanto ,  no paraíso   “ do depois “  . Quanto a passagem de um paraíso a  outro , o breve instante ensinou- me que , definitivamente  ,  na morte não existe dor , nem medo , apenas e somente  a  mais pura e resignada  aceitação.
A mesa enfim  , creio eu ,    encontra – se quase   posta , Senhor .  Mesmo tendo consciência que ora em diante   encontro- me  no  lucro , após beijar ligeiramente a face da morte ,  humildemente  Lhe rogo um pouco mais de tempo para dar um fecho em minha pequena , mas única ,  sinfonia terreal  .  Creia – me  , contudo  , Senhor ,  que  sou todo Seu .  Minha benção e obrigado a  todos .  Obrigado a vida  ! .




domingo, 17 de maio de 2015

NOTA DE AGRADECIMENTO


Caros amigos/irmãos de sempre, aqui humildemente registro meu sincero e eterno agradecimento por proporcionarem a  bela noite de ontem no Clube do Médico. Quanta emoção rever meus amigos inesquecíveis da Rua Rodrigues Junior, do Bairro Joaquim Távora, da Faculdade de Medicina da UFC , meus queridos familiares e  alguns dos meus mentores na arte de Hipócrates e da vida. 
Obrigado a  delicada fada Cintia Lima que apresentou “O Mar de Saudades“  com o seguinte texto:

   “Boa noite e obrigado a todos os presentes. Nesta ocasião desejamos celebrar dois nobres sentimentos humanos:  a amizade e a gratidão. Para isso agregamos um mar de amigos e mestres daqueles que compartilham aventuras e emoções com a gente. Estes pequenos  fragmentos de saudades  que se instalaram nas brancas páginas deste  breve folhetim  que hoje vem a lume trazem a marca da bondade de vocês. A dádiva que Deus me concedeu na porção certa de  bens não-materiais  serviram para alumiar as múltiplas veredas de meu caminho. Nada tenho a reclamar, e tudo a agradecer: pais, irmãos, esposa, filhos, amigos, colegas, mestres, pois fui agraciado em mancheias. Nunca faltou-me a mão amiga para me erguer do rés–do-chão quando humanamente errei, nem deixou de chegar a mim o salvador consolo nas grandes perdas e nas muitas mortes que morri em vida. 
     Nasci sob as benditas mãos de uma parteira numa pequena casa na rua Rodrigues Junior na menina–moça Fortaleza nos finais dos anos 40 do século passado. Vivi a mais feliz das infâncias com direito a todos os folguedos próprios à época Na minha juventude pulei  para o bairro de Joaquim Távora e daí parti para  a  Faculdade de Medicina da querida UFC  onde agreguei  uma centena de novos irmãos. Nestes 42 anos vividos  como trabalhador na área de saúde  aprendi e ensinei  os segredos da boa vida. Acolhi mais com o coração do que com as mãos e sob as graças do Senhor, milhares de pequenas criaturas  na vigência do infinitamente belo milagre da parturição. 
     Hoje no usufruto da segunda infância do homem direciono o farol na popa do meu velho barco para pescar  fragmentos de memória  na superfície das ondas e que possam fazer parte de relatos servindo para aliviar a carga dos sentimentos  antes que a noite desça de vez“.

sábado, 9 de maio de 2015

O PARTO - UMA HISTÓRIA DE DEUSAS E GUERREIRAS 


No percurso da história da humanidade o ato da parturição sempre representou um sublime episódio de uma mescla de amor e sofrimento . Nos primórdios dos tempos a mulher dava a luz sem ajuda externa e , na solidão da natureza do mesmo modo que os outros animais .
As mulheres sempre exerceram o papel de cuidadoras e legitimamente tornaram – se as primeiras e verdadeiras médicas na história da humanidade . No geral , eram pessoas maduras oriundas do povo e que já vivenciaram o ato da parturição de onde tiraram algum aprendizado prático . Muitas foram as vidas salvas do binômio mãe – filho através destas guerreiras divinas . Com sua inata curiosidade e sensibilidade feminina descobriram as primeiras ervas na natureza com capacidade de promover curas , dai serem as parteiras as precursoras da farmacologia clínica .
Na primitiva medicina mágica e espiritual , as parteiras marcaram sua presença como verdadeiras heroínas , que exerceram o belo ofício de médicas , mesmo sem diplomas . Apesar de excluídas , propositalmente , dos livros de história e ciência , sendo consideradas bruxas e charlatãs , elas milagrosamente sobreviveram .
As mulheres respondem pela fertilidade , nascimento e manutenção da vida e após longo processo de afronta e usurpação de seus direitos , na modernidade retomaram elas seu lugar na condução e empoderamento do processo parturitivo .
No Antigo Egito as mulheres sábias e sacerdotisas eram veneradas , pois os próprios médicos formais defendiam : “ Aprendi com essas mães divinas que me ofertaram suas infalíveis receitas “ . As matronas cultuavam as deusas da fertilidade e da arte de partejar como Artemisia , Artemis ou Diana .
Na Grécia Antiga , o divino filósofo Sócrates ( 470 – 399 a . C. ) , afirmava em praça pública : “ Filho sou de uma valente e verdadeira matrona ( Fenareta ) . Recebemos , os dois , de Deus , ela o dom de ajudar no nascimento de criaturas , e eu , de partejar ideias ( maiêutica ) “ . Assim o ateniense que teve a suprema humildade de dizer : “ Só sei que nada sei “ , tinha em alta conta as figuras das parteiras . Por essa época , século IV a. C. , viveu na Grécia , Agnodice , considerada a primeira ginecologista da história . Uma formidável mulher que queria exercer a medicina e travestiu- se de homem para estudar junto a Herófilo de Calcedônia ( 335 – 280 a . C . ) , um dos mais afamados doutores da Escola de Alexandria . Descoberta a trama e julgada no areópago ao levantar a roupa a nível da cabeça mostrou para todos a sua certidão natural de identidade feminina . Pouco tempo depois foram reformadas as leis gregas que proibiam o acesso das mulheres ao exercício pleno da medicina .
Na Idade Média a medicina migrou para o interior dos mosteiros e os partos sem complicações na comunidade eram assistidos por parteiras ou comadres . Os partos que exigiam manobras eram conduzidos por médicos ou por barbeiros – cirurgiões .
No Renascimento ( século XVI ) os médicos enfim passam a dividir com as parteiras a feitura e os cuidados da parturição . O fórcipe , instrumento surgido no século XVIII , aplicado apenas por médicos em partos difíceis , as cirurgias mutiladoras e as versões faziam parte do universo masculino na assistência ao parto . Uma mulher , obstetra de larga prática , Marie Louise Lachapelle ( 1769 – 1821 ) , conhecida como Madame Lachapelle destacou –se com a publicação de um trabalho baseado em 40.000 partos , o que veio a desbancar a tirania dos obstetras . 
No século XIX observa- se o progresso da cirurgia e do controle da infecção puerperal com destaque para as figuras de Inácio Semmelweis ( 1818 - 1865 ) e Louis Pasteur ( 1822 - 1895 ) . 
No século XX a medicina de uma maneira geral deu um grande salto de qualidade com avanços em anestesia , antibioticoterapia , hemotransfusão , transplante , reprodução assistida e especialmente o retorno do parto humanizado .
A empatia que é a capacidade de identificar e sentir o que outra pessoa sente e querer o que ela quer ; e a compaixão que representa o sentimento de piedade para com a tragédia pessoal de outrem , acompanhado do desejo de minora – la fazem o alicerce da nova abordagem de assistência ao parto humanizado . 
O profissional médico deve colocar de lado a atitude paternalista , onde ele detém todo o saber de forma isolada e adotar a atitude informativa onde o cliente toma consciência do diagnóstico , prognóstico e tratamento , cabendo ao mesmo a decisão final sobre o que deve ser feito . 
No parto humanizado o protagonismo principal de todo o processo parturitivo desloca- se para o binômio mãe e filho . Os três pilares do dito parto constam da preparação psicofísica do casal , o respeito à fisiologia do nascimento e aos valores da cultura do casal .
Uma equipe multidisciplinar , incluindo médico , enfermeira e doula centrada nos anseios da mulher grávida auxilia sobremaneira a realização harmônica do sublime ato da parturição . Espera – se assim maturidade e senso de responsabilidade a todo aqueles que atuam neste mister com o fito de acelerar o retorno ao parto humanizado de forma definitiva .
Não há que se esquecer nunca que “ Onde houver amor pela arte da medicina , também haverá amor pela humanidade “ Hipócrates de Cós ( 460 – 377 a . C . )

quarta-feira, 6 de maio de 2015

DE NOVO?
Um País sonolento ; Um estado nordestino desamparado e famélico ; um futebol miúdo e rasteiro ; Um vergonhosa torcida desorganizada ; Uma Decisão de campeonato , quase uma guerra . O saldo do vandalismo na Arena papelão no Domingo foi lamentável : 1.500 cadeiras transformadas em perigosas armas.O Leão logo mais na alquebrada Arena papelão vai enfrentar um indigesto Coritiba num torneio caça-níquel ou me engana que eu gosto .Um pedido ao Curitibano : Deixem o bichano ganhar esta parada , caso contrário teremos a volta do voo de cadeiras e todo aquele deprimente espetáculo .Levem a decisão para o Paraná e apliquem uma boa sova no Leão e de quebra solicitem á sua "Educada e Britânica Polícia" que providencie uns mimos aos bravos cearenses , como aqueles que propiciaram aos bons professores do Paraná em recente manifestação pública .
Por Favor , Vai !!!! .


segunda-feira, 4 de maio de 2015

                              SAUDADES DAS GLÓRIAS DO FERROVIÁRIO

Numa tarde/ noite na Arena Papelão , no ano de 2015 a.C. , gladiadores em busca de sangue fizeram a alegria e a tristeza duma massa humana sedenta e raivosa . Um “ Idoso “ e um “ Leão “ iriam se digladiar para manter acesa a tola chama do “ pão e circo “ de Pindorama . Depois da renhida luta saiu com vantagem o “ Leão “ , em franco desrespeito ao vigente Estatuto do Idoso . Nas atuais circunstâncias tudo vale numa Pindorama sem rumo . Um primor a parte foram as distintas e educadas torcidas desorganizadas que deram asas , literalmente , às cadei
ras da Arena promovendo um lindo revoar de” garças sem asas “ . Até equipamentos eletrônicos foram surrupiados pelos gentis vândalos . Deviam , contudo , ter feito o trabalho correto , levando logo tudo por água abaixo . Ninguém iria sentir a menor falta . Um lindo espetáculo digno de nossa melhor tradição ! .
Pensando bem , o agonizante espetáculo da Arena Papelão precisa com urgência voltar aos seus áureos tempos e ser realizado em campos de areia , com bola de pito e sem chuteiras . Cumpre salientar que não sou “ Vovô nem Leão “ , graças a Deus . O meu Ferroviário não se expõe a um vexame desta ordem . Falta picardia para que o meu Ferrão se digne a participar de tão pífia competição . Os supimpas craques , Pacoti , Aldo , Macaúba , Zé de Melo e Coca – Cola não merecem enfrentar trogloditas desta natureza .
Seremos hoje, com orgulho , mostrados como exemplo de ordem e civilidade para o mundo todo. “ Valeu mano, nois samo fera . Nois é nois “ .
O romancista alagoano Graciliano Ramos em artigo publicado em 1921 faz um retrato do futebol nordestino , de uma aspereza e aridez compatível com a região :
“ Somos , em geral , franzinos , mirrados , fraquinhos ,de uma pobreza de músculos lastimável . Fisicamente falando , somos uma verdadeira miséria . Moles , bambos , murchos , tristes , uma lástima ! . Pálpebras caídas , beiços caídos , braços caídos , um caimento generalizado que faz de nós um ser desengonçado , bisonho , indolente , com ar de quem repete , desenxabido e encolhido , a frase pulha que se tornou popular : Me deixa ! . “
De lá para cá , o que mudou ? mudou muito ? . Nada , nada , nada , nada ! .

sábado, 2 de maio de 2015

 
 
AGNODICE E JOVITA FEITOSA   :   DUAS FEMINISTAS AFASTADAS NO TEMPO
Mundo  ,  vasto mundo , complexo e incongruente . Existe um universo  masculino e outro  feminino ? . Bem  , não era para existir , pois  somos uma só raça humana  que medra num  bólido chamado terra  girando  feito uma carrapeta  neste multiverso .  Ao longo da história as tentativas de segregar o homem da mulher apenas gerou conflitos e descriminação  descabida e besta .
 Duas mulheres que viveram em distintas épocas  não aceitaram passar em brancas nuvens pelo teatro da vida e  fincaram marcos de coragem e altivez mesclando  harmoniosamente o masculino e o feminino  : a grega Agnodice e a cearense Jovita Feitosa .
Agnodice :
 Viveu no século IV a. C. na Grécia onde estudou medicina em Atenas sob a orientação do famoso  Herófilo de Calcedônia ( 325-280 a.C. )  , um dos fundadores da escola médica de Alexandria . Credita-se a  Herófilo  o pioneirismo  na dissecação de cadáveres humanos  onde foram  descritos com detalhes uma  anatomia até então sujeita a erros  grosseiros  . As leis gregas de então  não  permitiam o exercício regular da profissão de medicina  a mulheres e escravos . Deste modo Agnodice  com consentimento paterno passou a vestir trajes masculinos e cabelos bem aparados para conseguir seu intuito de aprender  a arte  hipocrática como um “  homem de verdade “ . Uma vez descoberta a trama da jovem estudante   , a mesma foi levada a um tribunal no Areópago , onde segundo alguns , elevando o vestido à cabeça  mostrou sua verdadeira identidade . O mesmo desnudamento perante juízes foi praticado pela  cortesã grega Frinéia ( século IV a. C. ) e findando  com o mesmo resultado positivo .  A acusação que pesava sobre Agnodice constava de assédio masculino  às damas atenienses  .  Os juízes condenaram-na e em contraponto  as mulheres de Atenas intercederam em favor da  corajosa  dama de  branco.   Mas o crime permaneceu  , posto que ,  continuava   proibido o exercício da medicina por mulheres naquela sociedade mágica  em filosofia , arte e ciência , mas retrógrada com o modo de vida do vasto   universo feminino  .
 Agnodice  seguiu  em frente servindo a toda comunidade das mulheres  e estabelecendo de vez  a prevalência feminina  na assistência à saúde da mulher  . As leis atenienses foram modificadas  , a partir de então ,  para permitirem  o acesso de mulheres aos estudos formais de medicina . A obstetrícia  laica , domiciliar e exercida por mulheres sobreviveu aos mil anos da Idade Média e por volta do século XVII a figura masculina na arte de partejar e o parto hospitalar passaram a ser norma na sociedade em quase todo mundo civilizado .
Embora Agnodice seja citada pelo autor romano  , Caio Júlio  Higino  ,  no século I de nossa era , alguns sustentam  que esta pioneira ginecologista da história  represente  apenas uma mera figura  mítica . Do mesmo modo  há referência no antigo  Egito a uma  figura  -  Merit Ptah -  como uma médica atuante naquele pedaço de mundo  ao redor de 2700  a . C .  .
Jovita Alves Feitosa  :
Jovita Alves Feitosa ( 1848 – 1867 ) veio ao mundo na localidade de Brejo Seco , no sertão dos Inhamuns , região do Ceará  que deu pouso  a famosa guerra sertaneja  de duas tradicionais famílias , os Montes e os Feitosas . Seus pais foram Maximiano Bispo de Oliveira e Maria Alves Feitosa   Jovita  , que de nascença  era Antônia ,  ficou órfã de mãe com a idade de 12 anos por conta da terrível epidemia de cólera que grassou nos sertões nordestinos no ano de  1860 .  A partir de então em companhia do pai seguiu para o município de Jaicós no vizinho estado do Piauí  , onde foi acolhida por um tio , Rogério , mestre de uma banda de música .
Jovita percorreu  , sem a anuência de seus familiares ,   70 léguas  a pé em busca de Teresina , capital da Província , com vestes masculinas e cabelos cortados , portando um chapéu de vaqueiro com o firme propósito de se apresentar no Palácio da Presidência e oferecer seus préstimos como Voluntário da Pátria , na sangrenta e desigual Guerra do Paraguai ( 1865 – 1870 )  .  Brasil  , Argentina e Uruguai esmagaram as forças do General  Solano Lopez do minúsculo e bravo Paraguai . Atrocidades e excessos foram cometidas de lado a lado manchando a história da sofrida América  Latina .
A garota cearense  com feições bugres  , acaboclada e  falar desassombrado tinha à época 17 anos de idade  . O Sr. Dr. Franklin Dória  , Barão de Loreto e Presidente do Piauí , de pronto aceitou a  reivindicação  da corajosa sertaneja , fato este  ocorrido em 9 de julho de 1865 . Seu verdadeiro sexo fora descoberto numa feira do Piauí onde seus seios foram palpados e suas orelhas furadas observadas por uma moradora  local . Levada para falar com as autoridades policiais confirmou a suspeita  , era sim , uma mulher que queria ir a luta “ bater –se com os monstros  paraguaios que tanta ofensa tem feito às famílias no Mato Grosso “ . Assim Jovita sentou praça recebendo as divisas de Primeiro – Sargento  .  A partir de então Jovita virou uma celebridade acolhida com festas e loas por onde passava  .
  O entusiasmo de Jovita  pouco durou  ,  pois a 16 de setembro de 1865 o Ministro da Guerra do governo Brasileiro , mesmo louvando o oferecimento  da jovem cearense indeferiu seu pedido , posto que , havia a proibição de mulheres como combatentes .  Aos poucos as festas e as homenagens minguaram cavando um fosso na alma sensível da valente  Jovita .
 Numa passagem por Recife  ,  no Teatro Santa Isabel  , a jovem cearense foi assim saudada por um poeta local na presença do Presidente da Província  :
 “ Peço palmas para a moça
Que ocupa um lugar ali
Ela vale uma epopeia  :
Erguei- vos  , nobre plateia !
Essa amazona  aplaudi !. “
 A nobre heroína dos vetustos rincões cearenses  finou-se em 1867 no estado do Rio de Janeiro  , aos 19 anos de idade e passou para a história figurando no panteão ombreando- se a   grandes nomes de nossa história  como  Bárbara Heliodora , Maria Quitéria , Ana Nery e Bárbara de Alencar  . Um luminosa estrela que continua a dar rumo a sonhadores peregrinos .