sábado, 9 de maio de 2015

O PARTO - UMA HISTÓRIA DE DEUSAS E GUERREIRAS 


No percurso da história da humanidade o ato da parturição sempre representou um sublime episódio de uma mescla de amor e sofrimento . Nos primórdios dos tempos a mulher dava a luz sem ajuda externa e , na solidão da natureza do mesmo modo que os outros animais .
As mulheres sempre exerceram o papel de cuidadoras e legitimamente tornaram – se as primeiras e verdadeiras médicas na história da humanidade . No geral , eram pessoas maduras oriundas do povo e que já vivenciaram o ato da parturição de onde tiraram algum aprendizado prático . Muitas foram as vidas salvas do binômio mãe – filho através destas guerreiras divinas . Com sua inata curiosidade e sensibilidade feminina descobriram as primeiras ervas na natureza com capacidade de promover curas , dai serem as parteiras as precursoras da farmacologia clínica .
Na primitiva medicina mágica e espiritual , as parteiras marcaram sua presença como verdadeiras heroínas , que exerceram o belo ofício de médicas , mesmo sem diplomas . Apesar de excluídas , propositalmente , dos livros de história e ciência , sendo consideradas bruxas e charlatãs , elas milagrosamente sobreviveram .
As mulheres respondem pela fertilidade , nascimento e manutenção da vida e após longo processo de afronta e usurpação de seus direitos , na modernidade retomaram elas seu lugar na condução e empoderamento do processo parturitivo .
No Antigo Egito as mulheres sábias e sacerdotisas eram veneradas , pois os próprios médicos formais defendiam : “ Aprendi com essas mães divinas que me ofertaram suas infalíveis receitas “ . As matronas cultuavam as deusas da fertilidade e da arte de partejar como Artemisia , Artemis ou Diana .
Na Grécia Antiga , o divino filósofo Sócrates ( 470 – 399 a . C. ) , afirmava em praça pública : “ Filho sou de uma valente e verdadeira matrona ( Fenareta ) . Recebemos , os dois , de Deus , ela o dom de ajudar no nascimento de criaturas , e eu , de partejar ideias ( maiêutica ) “ . Assim o ateniense que teve a suprema humildade de dizer : “ Só sei que nada sei “ , tinha em alta conta as figuras das parteiras . Por essa época , século IV a. C. , viveu na Grécia , Agnodice , considerada a primeira ginecologista da história . Uma formidável mulher que queria exercer a medicina e travestiu- se de homem para estudar junto a Herófilo de Calcedônia ( 335 – 280 a . C . ) , um dos mais afamados doutores da Escola de Alexandria . Descoberta a trama e julgada no areópago ao levantar a roupa a nível da cabeça mostrou para todos a sua certidão natural de identidade feminina . Pouco tempo depois foram reformadas as leis gregas que proibiam o acesso das mulheres ao exercício pleno da medicina .
Na Idade Média a medicina migrou para o interior dos mosteiros e os partos sem complicações na comunidade eram assistidos por parteiras ou comadres . Os partos que exigiam manobras eram conduzidos por médicos ou por barbeiros – cirurgiões .
No Renascimento ( século XVI ) os médicos enfim passam a dividir com as parteiras a feitura e os cuidados da parturição . O fórcipe , instrumento surgido no século XVIII , aplicado apenas por médicos em partos difíceis , as cirurgias mutiladoras e as versões faziam parte do universo masculino na assistência ao parto . Uma mulher , obstetra de larga prática , Marie Louise Lachapelle ( 1769 – 1821 ) , conhecida como Madame Lachapelle destacou –se com a publicação de um trabalho baseado em 40.000 partos , o que veio a desbancar a tirania dos obstetras . 
No século XIX observa- se o progresso da cirurgia e do controle da infecção puerperal com destaque para as figuras de Inácio Semmelweis ( 1818 - 1865 ) e Louis Pasteur ( 1822 - 1895 ) . 
No século XX a medicina de uma maneira geral deu um grande salto de qualidade com avanços em anestesia , antibioticoterapia , hemotransfusão , transplante , reprodução assistida e especialmente o retorno do parto humanizado .
A empatia que é a capacidade de identificar e sentir o que outra pessoa sente e querer o que ela quer ; e a compaixão que representa o sentimento de piedade para com a tragédia pessoal de outrem , acompanhado do desejo de minora – la fazem o alicerce da nova abordagem de assistência ao parto humanizado . 
O profissional médico deve colocar de lado a atitude paternalista , onde ele detém todo o saber de forma isolada e adotar a atitude informativa onde o cliente toma consciência do diagnóstico , prognóstico e tratamento , cabendo ao mesmo a decisão final sobre o que deve ser feito . 
No parto humanizado o protagonismo principal de todo o processo parturitivo desloca- se para o binômio mãe e filho . Os três pilares do dito parto constam da preparação psicofísica do casal , o respeito à fisiologia do nascimento e aos valores da cultura do casal .
Uma equipe multidisciplinar , incluindo médico , enfermeira e doula centrada nos anseios da mulher grávida auxilia sobremaneira a realização harmônica do sublime ato da parturição . Espera – se assim maturidade e senso de responsabilidade a todo aqueles que atuam neste mister com o fito de acelerar o retorno ao parto humanizado de forma definitiva .
Não há que se esquecer nunca que “ Onde houver amor pela arte da medicina , também haverá amor pela humanidade “ Hipócrates de Cós ( 460 – 377 a . C . )

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