segunda-feira, 29 de maio de 2017

UM FIM DE DOMINGO COM MANUEL DE BARROS


Com o manto da noite começando a cobrir minha Fortaleza passo em visita a magia do poeta maior Manuel de Barros ( 1916 - 2014) :
" É nos loucos que grassam luarais "
" Eu queria crescer para passarinho "
" Sapo é um pedaço de chão que pula"
"Só ouvindo o nada no ventre da noite me reinvento "
" A água lírica dos córregos não se vende em farmácia "
"Com pedaços de mim eu monto um ser atônito "
" Quando o mundo abandonar meu olho. Quando o meu olho furado de belezas for esquecido pelo mundo. Que hei de fazer?Quando o silêncio que grita de meu olho não for mais escutado. Que hei de fazer ? Que hei de fazer se de repente a manhã voltar?Que hei de fazer? - Dormir, talvez chorar "
" Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam . Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei . Sobre o nada eu tenho profundidades "
Acabou !

quinta-feira, 25 de maio de 2017

DOIS PARADIGMAS DE PARTEIRAS

Para a Dra. Liduina Rocha





Desde os primórdios da humanidade, a arte de partejar e seus cuidados estiveram nas benditas mãos de mulheres conhecidas popularmente como curiosas, aparadeiras, comadres ou parteiras leigas. As primeiras parteiras submetidas a um curso regular com conteúdo teórico e prático, no Brasil, eram oriundas de outros países, como Portugal e França. Cabe lembrar que a implantação das primeiras escolas de Medicina no Brasil ocorreu no ano de 1808, nos Estados da Bahia e do Rio de Janeiro. Em 1832 através de uma reforma aprovada pela Câmara, tais faculdades passaram a expedir títulos de Medicina, Farmácia e de Parteiras. Marie Josephine Mathilde Durocher (1809 –1893), francesa de nascimento, tornou-se a primeira parteira com diploma obtido no Rio de Janeiro.

Marie Josephine nasceu em Paris e com a idade de 7 anos mudou-se para o Brasil após a queda de Napoleão. Veio acompanhada de sua mãe, Anne Durocher. Josephine casou-se com um francês, Pedro David com quem teve dois filhos. Em pouco tempo perdeu a mãe e o marido, este, assassinado.

 Em 1833, Marie Josephine matriculou-se no Curso de Partos na faculdade de medicina do Rio de Janeiro e que foi concluído com brilhantismo. Naturalizou-se brasileira e conhecida agora como Madame Durocher, fez história como uma profissional de escol. 

Ela criou para si uma vestimenta sóbria, diferente e masculinizada: um casaco preto, gravata e cartola. Segundo suas próprias palavras “ eu determinava que o meu exterior deveria inspirar uma moral aos meus pacientes do sexo feminino, dando-lhes confiança e distinguindo a parteira das mulheres comuns, e eu não estava enganada “. Acreditava ela que assim poderia varar as madrugadas cruzando a cidade sem ser importunada e nem confundida com mulheres de outras profissões.

Em 1866, foi nomeada parteira da Casa Imperial. Prestou assistência ao parto da Imperatriz Teresa Cristina por ocasião do nascimento da Princesa Leopoldina, filha de Dom Pedro II. Em 1871, Madame Durocher ingressou na Academia Imperial de Medicina. Faleceu no dia 25 de dezembro de 1893, no Rio de Janeiro.

Ao longo da vida, Madame Durocher realizou cerca de 5000 partos.
Glória Pestana da Ponte e Horta, nasceu na cidade de Porto, em Portugal no ano de 1891. Aportou em terras cearenses com a idade de 6 anos e aqui construiu uma gloriosa profissão de parteira.

 Graduou-se em Obstetrícia em 1916, tornando-se a primeira parteira com diploma no Ceará. Luminares da medicina cearense, da época, confirmaram a aptidão de Dona Glorinha, como amorosamente era chamada, para o exercício de Obstetrícia e Puericultura. A nobre comissão era formada pelos seguintes doutores:

José Marinho de Andrade, Barão de Studart, Manoelito Moreira, Eduardo Salgado, Eduardo Borges Mamede, César Cals de Oliveira, Abdenago Rocha Lima e Carlos da Costa Ribeiro.

No decorrer de sua longa vida profissional, Dona Glorinha tornou-se um patrimônio de toda a sociedade cearense como símbolo de ética e conhecimento. Não ajustava, previamente, honorários com a gestante. Ao findar seu trabalho, aceitava o valor que a parturiente deliberasse. Em muitos casos, nada recebia. Percorria toda a cidade montada no lombo de um cavalo e, posteriormente, em uma charrete. Dona Glorinha nunca praticou um aborto e trouxe ao mundo cerca de 6000 criaturas filhas de Deus.

Faleceu em Fortaleza no ano de 1961, deixando uma enorme saudade. Recebeu o carinho e o eterno agradecimento de toda a comunidade cearense como uma digna profissional de saúde.

Estas duas belas guerreiras, Madame Durocher e Dona Glorinha, fazem parte de um mundo de mulheres, onde, infelizmente, a maioria vive em completo anonimato, mas servem de paradigmas e nos alertam para o real valor da ética e do exercício da compaixão e zelo na arte de cuidar do outro.



terça-feira, 23 de maio de 2017

RENASCIMENTO E BURGUESIA



Desde meados do século XIV vamos encontrar escritores e artistas na Europa, como Petrarca (1304- 1174) e Bocaccio (1313-1375) instigando um renascer das artes após “ mil anos de trevas”. Surge o “ mito do Renascimento”: um resgate dos valores da Grécia Antiga e de um novo Humanismo.

Depois aparecem Galileu (1564- 1642), Copérnico (1473- 1543), Kepler (1571- 1630), Newton (1642-1727) e Descartes (1596-1650). A reboque deste movimento surge a Burguesia.
 Assim são denominados burgueses aqueles mercadores e comerciantes, excluindo o campesinato. Enfim, uma classe social ligada a atividades urbanas que ao longo do tempo tornou-se poderosa política e economicamente.

Hoje o burguês pertence à classe média, acossado por certos elementos partidários e classificado como, excessivamente apegado a bens materiais, portando valores e hábitos conservadores. 
De resto, um quase demônio. Malvadeza propagada, especialmente, por filhos tortos de Marx, um burguês muito citado e pouco lido, que tinha ojeriza ao trabalho.

Soa hoje soa como destoado da realidade o inocente lamento do “Pequeno Burguês” de Martinho da Vila, posto que, o candidato ao ingresso numa universidade dispõe, hodiernamente, de “cotas” para admissão e bolsas a granel, onde após uma lavagem cerebral, se especializa em fazer parte da legião de mascarados a berrar nas avenidas, mantras contra as “zelites brancas da paulista”:

“ Felicidade! /passei no vestibular/mas a faculdade é particular/particular/ela é particular/livros tão caros/tantas taxas pra pagar/meu dinheiro muito raro/alguém teve que emprestar/o meu dinheiro/alguém teve que emprestar/morei no subúrbio/andei de trem atrasado/do trabalho ia pra aula/sem jantar e bem cansado/mais lá em casa/à meia- noite/tinha sempre a me esperar/um punhado de problemas/e criança pra criar/para criar/só criança pra criar/mas felizmente/eu consegui me formar/mas de minha formatura/não cheguei a participar/faltou dinheiro pra beca/e também pro meu anel/nem o diretor careca/entregou o meu papel.../o meu papel/meu canudo de papel/e depois de tantos anos/só decepções , desenganos/dizem que sou um burguês/muito privilegiado/mas burgueses são vocês/eu não passo de um pobre coitado/e quem quiser ser como eu/vai ter é que penar um bocado/um bom bocado/vai penar um bom bocado...”


Hoje, muitos solertes políticos da alta esfera do governo e empresários graúdos, todos envolvidos em crimes de corrupção, à moda da máfia siciliana, dão claros sinais que passaram ao largo dos portões de faculdades, mas pouco importa, são verdadeiros filhos de Midas que transformam em ouro tudo que tocam.

 No final, contudo, só de mal, perecerão de fome e sede!

domingo, 21 de maio de 2017

CERZINDO PALAVRAS COM ETERNOS POETAS



Um domingo do pede cachimbo com um céu de brigadeiro na “ loura esburacada do sol” e um convite para um cavaco maneiro com três artistas da palavra, tentando amenizar o pesado clima de dilúvio reinante em terra brasilis.

“Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encantá-las. Mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida.

 Deixam- se enlaçar, tontas à carícia e súbito fogem e não há ameaça e nem há sevícia que as traga de novo ao centro da praça “ Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

“ Nessas manhãs de outono, misturada à gritaria da chuva lá fora, ouço a tua chegada: teus passos encharcados de silêncio. Danço com as palavras, deito-as em meu corpo e brinco e rio e sou vários: avanço e recuo meus pêndulos.

 Fico a rodopiar nesses verbetes, acaricio a estrutura maleável deste corpo, busco um compêndio de palavras gastas, roídas pelas transformações. Não sou vários, menti: sou um, sem armas e sem escudos, sou um. E tropeço em mim” Thiago de Mello (1926 -)

Nunca vi tanto desprezo pelo idioma pátrio como nessas midiáticas delações onde empresários e políticos pisoteiam palavras, evidenciando a pouca intimidade que tiveram com os estudos formais. 

Uma lástima!

“ Última flor do Lácio, inculta e bela/ és a um tempo, esplendor e sepultura/ouro nativo, que na ganga impura/a bruta mina entre os cascalhos vela/ amo-te assim, desconhecida e obscura/tuba de alto clangor, lira singela/que tens o trom e o silvo da procela/e o arrolo da saudade e da ternura/amo o teu viço agreste e o teu aroma/de virgens selvas e de oceano largo/amo-te ó rude e doloroso idioma/em que da voz materna ouvi: meu filho!/e em que Camões chorou, no exílio amargo/o gênio sem ventura e o amor sem brilho”

 Olavo Bilac (1865- 1918 ).


sábado, 20 de maio de 2017

HERMES TRISMEGISTO, VERSÃO TURBINADA 2017




Hermes Trismegisto, três vezes grande, viveu até, aproximadamente, 1900 a.C. Era assim que os gregos denominavam Mercúrio, filho de Júpiter e da ninfa Maya. O nome significava intérprete, mensageiro ou mercador. 
São atribuídos a Hermes Trismegisto cerca de quarenta livros sobre teologia, medicina e geografia.

O livro Caibalion descreve as leis herméticas:

“ O Todo é Mente; o Universo é mental”
“O que está em cima é como o que está em baixo. O que está dentro é como o que está fora”
Nada está parado, tudo se move, tudo vibra”

“ Tudo é duplo, tudo tem dois polos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual são a mesma coisa. Os extremos se tocam. Todas as verdades são meias- verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliáveis”

“ Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem suas marés, tudo sobe e desce, o ritmo é a compensação”
“O gênero está em tudo: tudo tem seus princípios Masculino e Feminino, o gênero manifesta-se em todos os planos da criação”

“ Toda causa tem seu efeito, todo o efeito tem sua causa, existem muitos planos de causalidade, mas nada escapa à lei”

Os fundamentos herméticos buscam explicar a verdade. O termo “ explicar” tem origem em “plicare” e significa dobrar. Assim duplex (dobrar duas vezes) e triplex (dobrar três vezes), 

Virgem Maria!

Explicar, também significa desdobrar aquilo que é hermético, intrincado, de difícil compreensão. É o que hoje se vê no universo midiático tupiniquim, empresários mafiosos que disseminaram o cancro da corrupção, de braços dados com manjadas figuras políticas das mais altas esferas do governo tentando explicar o inexplicável. 

É a corrupção desbragada, sofisticada e escancarada colocando o” gigante pela própria natureza” no rés do chão, bem próximo do colapso derradeiro. Que venha uma solução à jato, posto que, o trem republicano desgovernado segue célere rumo ao desastre fatal. As trombetas da Batalha do 

Armagedom já soam pelo planalto afora!

“Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem/ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho Aeon /ói, já é vem, fumegando, apitando chamando os que sabem do trem/ói , é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem/quem vai chorar, quem vai sorrir ?/quem vai ficar , quem vai partir?/pois o trem está chegando, tá chegando na estação/é o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão/ói, olhe o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais/vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso no ar/vê é o sinal das trombetas, dos anjos e dos guardiões/ói, lá vem Deus, deslizando no céu entre brumas de mil megatons/ói, olhe o mal, vem de braços e abraços com o bem num romance astral “      

Trem das 7 , canção de Raul Seixas (1945- 1989)



sexta-feira, 19 de maio de 2017

O BRASIL ANEDÓTICO 1954



1954, ano aziago em que um governante brasileiro – Getúlio Vargas (1883- 1954) – por vontade própria, “ saia da vida para entrar na história” ressurge uma obra literária da lavra do polígrafo Humberto de Campos (1886 –1934) – O Brasil Anedótico – inicialmente lançada em 1927. Nela constam histórias curtas onde se desenha a grandeza e a pequenez do bicho-homem. Vale a pena conferir pela atemporalidade dos temas.

“Era Raimundo Correia, juiz em Minas Gerais, quando, ao abrir certos autos, encontrou um envelope com um conto de réis. Chamou o escrivão.
- Foi a parte mesmo quem o deixou, senhor doutor, em sinal de reconhecimento pela rapidez com que teve andamento o inventário. Eu também recebi um conto de réis.

- Bom, - retrucou Raimundo, - se é uma remuneração espontânea, cabe à sua consciência resolver sobre o caso.
E entregando-lhe o envelope que lhe coubera:

- Tome...devolva o meu...”

“D. José da Cunha Azeredo Coutinho, bispo de Pernambuco, falecido em 1821, foi um dos prelados mais ilustres que o Brasil tem possuído. Certo dia, falava-se sobre leis.
- As leis, meu filho... – fez o sacerdote.
E definiu:

- As leis são teias de aranha que servem para apanhar insetos, mas que se deixam romper pela pressão de qualquer corpo mais pesado”

Dois jornalistas, redatores d’A Manhã, do Rio, foram procurar o cearense Capistrano de Abreu, para entrevista-lo sobre o problema social do Brasil. Ao encontra-lo na rua, para solicitar-lhe um encontro, o erudito misantropo, disse-lhe logo, hostil:

- Estou em casa até às 11 do dia e depois das 9 da noite. Se quiserem ir, vão; se não quiserem, não vão. Para mim é indiferente.
No dia seguinte, houve a visita. O misantropo deitado em uma rede e cuspindo numa lata, achou que o país estava perdido. Tudo uma lástima. E concluiu, feroz:

- Agora andam falando em reforma constitucional. Querem atribuir erros à lei... Eu proporia que se substituíssem todos os capítulos da Constituição, decretando: “ Artigo único: todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara”!
E cuspiu na lata”

“Um político fluminense, amigo de Nilo Peçanha, acabava de entrar para a política do Estado, quando um dia, irritado com um magistrado local, resolveu ataca-lo. Antes disso, foi, porém, comunicar a sua resolução ao chefe do partido.

- Acalme-se, meu amigo; acalme-se...

- Aconselhou o ex-presidente da República.
- Nada de precipitações e, se você quer ser mesmo político, não brigue com gente que usa saia.
E definiu:
-Juiz, mulher e padre.”

Hoje, Pindorama vivendo sua maior crise política e ética da história, chafurdando na lama, repete os mesmos erros, onde mudam, apenas, os protagonistas.
 O grande cearense Capistrano de Abreu (1853- 1927) segue, profético e atual: “ Artigo único da Constituição: todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara”.

Ponto final.













quinta-feira, 18 de maio de 2017

DOIS BOIS E AS RÃS, UMA FÁBULA



“Dois enormes bois digladiavam através da força bruta e de golpes baixos o amor de uma tenra novilha. Próximo ao campo de batalha, uma rã conjecturava sobre sua pouca sorte.

- Que se passa contigo? – Perguntou-lhe uma companheira, que não via razão para tal receio.
- Não vês logo – respondeu-lhe a aflita rã- que desta refrega a que estamos assistindo sairão um vencedor e um derrotado?

 E o que me aflige é que o perdedor será perseguido até renunciar aos verdes pastos onde habita e virá refugiar-se entre os caniços do brejo. Então, nós estaremos correndo o risco de ser pisoteadas pelo brutamontes, de forma a nos tornarmos as únicas vítimas do combate travado em disputa da senhorita novilha.

Não era infundada a suspeita. Um dos touros fugiu para o pântano, e de pronto, esmagou mais de vinte rãs.

Moral da história:

Assim acontece desde o princípio do mundo: sempre haverá um mais fraco para sofrer as consequências das disputas dos mais poderosos” 

Adaptação de uma fábula de La Fontaine (1612- 1695).

Em terras ignotas situadas abaixo da linha do equador, a “tenra novilha”, um frágil arremedo de democracia, assiste a disputa cruel de dois bois corroídos até a medula pelo devastador cancro da corrupção desbragada. As pobres e inocentes rãs das mais variadas cores, como famélicos” zé povinhos”, verdadeiras massas de manobras, situadas no centro, na direita ou na esquerda do brejo, tanto faz, coaxam tolos mantras que, apenas, desnudam sua eterna e brutal alienação.

Bem feito!

Restaram tão somente terras devastadas, especialmente, no planalto central, cujos “ bois” balofos e picaretas não cumpriram com sua missão primordial de formarem novos planteis de raça pura, imunes ao inebriante mundo ilusório daquilo que ergue e destrói coisas belas.

Como sempre, muitas rãs serão sacrificadas em vão!












terça-feira, 16 de maio de 2017

VIDA ALÉM DO PARTO - UMA FÁBULA



“ No ventre de uma mulher grávida encontravam-se dois bebês. Pergunta um para o outro: - tu crês na vida depois do parto?
- Claro que sim. Algo deve existir depois do parto. Talvez estejamos aqui porque necessitamos nos preparar para o que seremos mais tarde.

- Tolice! Não há vida depois do parto. Como seria essa vida?
- Não o sei, porém seguramente... haverá mais luz que aqui. Talvez caminhemos com os nossos próprios pés e nos alimentemos pela boca.

- Isso é absurdo! Caminhar é impossível. E comer pela boca? Isso é ridículo! O cordão umbilical é por onde nos alimentamos. Eu te digo uma coisa: a vida depois do parto está excluída. O cordão umbilical é demasiado curto.

- Pois eu creio que deve haver algo. E talvez seja só um pouco distinto ao que estamos acostumados a ter aqui.

- Porém ninguém nunca tem retornado de lá, depois do parto. O parto é o final da vida. E ao final de contas, a vida não é mais que uma angustiosa existência na escuridão que não leva a nada.
- Bom, eu não sei exatamente como será depois do parto, porém asseguro que veremos a mamãe e ela cuidará da gente.

- Mamãe? Tu crês em mamãe? E onde crês tu que ela está?

- Onde? Em todo nosso derredor! Nela e através dela é como vivemos. Sem ela todo este mundo não existiria.

- Pois eu não creio! Nunca vi uma mamãe, portanto, é lógico que não exista.

- Bom, porém as vezes, quando estamos em silêncio, tu podes ouvi-la cantando ou sentir como acaricia nosso mundo. Sabes?... Eu penso que há uma vida real que nos espera e que agora somente estamos preparando-nos para ela ...”
Uma instigante fábula, em tradução livre, contada por Josep Pamies. Bem a propósito para quem se interessa pelo polêmico tema da vida após a morte. Algo como um papo- cabeça entre um crente e um incréu. Nesse embate onde mora a verdade?

 Um doce para quem acertar!



segunda-feira, 15 de maio de 2017

O POETA GONÇALVES DIAS E O CEARÁ


“ Minha terra tem palmeiras/onde canta o Sabiá/as aves, que aqui gorjeiam/não gorjeiam como lá/nosso céu tem mais estrelas/nossas várzeas tem mais flores/nossos bosques têm mais vida/nossa vida mais amores/em cismar, sozinho, à noite/mais prazer eu encontro lá/minha terra tem palmeiras/onde canta o sabiá/minha terra tem primores/que tais não encontro eu cá/em cismar sozinho, à noite/mais prazer eu encontro lá/minha terra tem palmeiras/onde canta o sabiá/não permita Deus que eu morra/sem que eu volte para lá/sem que desfrute os primores/que não encontro eu cá/sem que ainda aviste as palmeiras/onde canta o sabiá”   Canção do exílio de Gonçalves Dias (1847)
Antônio Gonçalves Dias (1823 – 1864) nasceu em Caxias, no Maranhão, em 10 de agosto de 1823. Seu pai era português de nascimento e a mãe, uma cafuza, isto é, mestiça fruto do cruzamento do índio com o negro, que lhe foi cuidadora extremosa. Após seus estudos básicos na sua terra natal, o jovem Antônio transferiu-se para Portugal onde se bacharelou em Direito pela Universidade de Coimbra. Em 1845 retornou ao Brasil para lapidar sua brilhante e fugaz trajetória de jornalista, etnólogo, latinista, poeta e historiador. Foi lente de Corografia e História do Brasil do Imperial Colégio Pedro II, ocupando uma cadeira que em 1883, seria regida pelo nobre cearense João Capistrano de Abreu, após memorável peleja.
Por duas vezes o poeta indianista Gonçalves Dias visitaria o Ceará. Em 1851, como funcionário graduado do Governo Central para inspecionar o Liceu do Ceará, onde se demorou uns poucos dias. Em 1859 retornaria a capital cearense chefiando a Secção de Etnografia da famosa Comissão Científica de Exploração patrocinada pelo idealismo de D. Pedro II. Tal comitiva era destinada a estudos geológicos, hidrográficos, botânicos e hidrológicos em estados do Norte do Brasil. A chegada a Fortaleza deu-se no dia 4 de fevereiro de 1859, a bordo do vapor Tocantins e os ilustres cientistas ficaram hospedados em um casarão que seria a futura sede do Excelsior Hotel no centro da cidade. Como se verificou, posteriormente, um lugar propício para o pleno exercício da atividade boêmia. Conta-se que, certa feita, algumas destas figuras estrambóticas, tomaram banho de mar, nus em pelo, nas proximidades do Passeio Público. Um vexame total!
O poeta Gonçalves Dias, com sua alma atormentada por males físicos e amorosos, não levava a sério o desenrolar da dita expedição. Após seis meses de permanência em Fortaleza, o poeta deslocou-se para a vizinha cidade de Baturité e, posteriormente, para Quixeramobim. Alguns anos depois, coincidentemente, o meta-poeta pernambucano Manuel Bandeira procuraria os bonançosos ares de Quixeramobim para dar combate a uma renitente tuberculose pulmonar, a famigerada Peste Branca. De pitoresco, a viagem de Gonçalves Dias com destino a Baturité teve início no lombo de um exótico dromedário, um dos 14 animais que aqui aportaram vindos da África, na companhia de quatro argelinos. A ideia era introduzir o dromedário no Ceará para substituir o cavalo e o jumento por outro mais resistente à fome e à sede. Não vingou, posto que, os pobres animais africanos morreram todos em decorrência de infecções iniciadas nos pés dos mesmos em contato com o pedregoso e adusto chão do Ceará. Em agosto de 1860, o poeta Gonçalves Dias, deixava o solo de Alencar, definitivamente.
A 3 de novembro de 1864, a bordo do navio Ville de Boulogne, vindo da Europa, onde fora buscar tratamento para seus males, perece afogado o atormentado poeta Antônio Gonçalves Dias, aos 41 anos de idade, “ sem encontrar com as palmeiras onde canta o sabiá”. Fora, infelizmente, a única vítima fatal deste acidente naval nos baixos dos Atins, próximos ao farol de Itacolomi!
 O gigante português, Camillo Castelo Branco (1825 – 1890) deixa assinalado sobre o acontecimento trágico:
“ Gonçalves Dias morreu coroado imperador da lira americana; sumiu-se tragicamente no mar, como Elias no azul, quando seu nome era símbolo da musa cisatlântica e a sua vida um pouco falida de dinheiro, uma glória nacional... Gonçalves Dias, o portentoso poeta, o prosador inviolável na pureza da dicção... tem dois monumentos: um de mármore na sua pátria; outro nos livros são d’ela, que são nossos, que os temos na memória do coração desde a mocidade “


                                                Acho que ela está bem ali !



" Só a leve esperança, em toda a vida/disfarça a pena de viver ,mais nada/nem é mais a existência, resumida/que uma grande esperança malograda /o eterno sonho da alma desterrada /sonho que a traz ansiosa e embevecida /é uma hora feliz,sempre adiada /e que não chega nunca em toda a vida/essa felicidade que supomos /árvore milagrosa que sonhamos/toda arreada de dourados pomos/existe, sim : mas nós não a alcançamos /porque está sempre apenas onde a pomos / e nunca a pomos onde nós estamos " Poema de Vicente de Carvalho (1866 - 1924 ).

Hoje ao cair da tarde na Beira Mar de Fortaleza bebendo poesia com a felicidade bem ali naquele horizonte furta-cor !

domingo, 14 de maio de 2017

                                                     Uma Iara Tupiniquim




Nesta manhã de sábado no Parque do Cocó, em Fortaleza, um solitário idoso caminha pelas veredas encharcadas por ordem de São Pedro. Margeando uma lagoa , súbito, uma voz masculina quebra o encanto :


"- olhe para cá! Não se bula nem faça mungango !"
O idoso caminhante , olhando para um lado e para o outro , sem ver uma viv'alma, mete o pé na carreira. Mais adiante , para ,contido pela exaustão. E o que se vê na lagoa? Uma gentil grávida, alada com um véu branco esvoaçante deixando saltar um volumoso ventre quase a engolir um minúsculo biquíni. Tudo sob o comando de um cearense da gema fazendo um ensaio fotográfico.
Esta "iara tupiniquim ",corajosa, pondo em risco sua saúde, tudo em nome de um "comedor de rapadura " , sendo germinado em seu divino ventre !

Bodas de Cristal


                                                               

Quinze anos de um amor verdadeiro, respeitoso, compartilhado e carinhoso. Um idilio digno de um romance épico como aquele vivido na Idade Média por Pedro Abelardo (1079- 1142) e Heloisa (1090- 1164). Mas um dia a história de amor daqui terminou e hoje um provecto senhor de barba rala e branca , diariamente, para por um minuto e dirige a palavra próximo a uma centenária árvore n

Praça Rogério Froes, em Fortaleza. Alguns desavisados transeuntes ficam penalizados com aquela cena : um idoso jogando palavras ao vento ! Coitados , não sabem eles que ali sob as árvores do parque mora a rainha desta história, uma nobre Cocker spaniel ,de nome Cookie, que preencheu de amor a vida daquele idoso.
Para ti , Cookie, segue esse pequeno mimo , em nome de um amor sempiterno!

sexta-feira, 12 de maio de 2017

MÃE, TE AMO



“  A ti, mulher de anos – luz / a ti, mulher de anos mil/tua luz , tua sombra, teu esforço, tua paciência/anos- luz pleno de inocência , terra/conselho , sabedoria , ganas de viver, água/não existe ninguém como tu, única em teu gênero, certeira, vento leve/como um forte ser em defesa de tuas crias, livre, tolerante, fogo/quantas noites de desvelo, de luas  intermináveis, mãe/ o amor que nunca trai, transparente, vem de ti/a ti, mulher de segundos, minutos/a ti mulher de anos-luz” 

( tradução livre de um poema de Sergio Rambla Márquez)

Minha querida mãe, Jurema Costa Eleutério, na medida em que mais de ti me aproximo findando meu périplo terreal, busco em teu amoroso regaço o perene gozo dos divinos momentos para, aí sim, sermos eternos. Deste modo, mais te adoro, mais te anseio, mais te reverencio. Por favor, manda tua amorosa benção, mãe, para aplacar minha saudade infinda!

E para todas as mães, eternos anjos da guarda, meus sentimentos de gratidão!


quinta-feira, 11 de maio de 2017

URUBUS, DE JOÃO OTÁVIO LOBO



“ Não sei se todos, em criança, tivemos esta casta volúpia: olhar urubus voando...Naqueles tempos, quando a sombra da velha casa do “ Canto Alegre” crescia na calçada da frente, eu me estirava em um couro de ovelha, e pascia a vista no côncavo do azul. Mas longe, bem no alto, onde a distância vai matando o agudo dos contornos, passa sereno um camiranga (urubu).

 Fisgo- lhe os olhos, dando linha no infinito, qual fora um encantado papagaio de papel. E a nódoa vai minguando até um pingo de ponto, enterrando- se no céu, como alfinete em almofada de veludo. Outros surgem, peneirando no ar, gizando curvas morosas, virguladas de reentrâncias e pontuadas de indecisões, até que rumam o horizonte sem fim. Vezes há, tolda o levante um entrecruzar de asas delgadas como lâminas sarjando o espaço.

 Por vezes, no equilíbrio do voo, retraem de momento os encontros, em um espreguiçar de cansaço. De raro, da altura, em arremesso de flecha, asas fechadas, dispara um tinga (urubu) zunindo. São urubus em raid. Monótonos, negros, na majestade do voo, pairam acima das contingências da terra.
Hoje, espelham a imagem da vida. Altos e inacessíveis, perpassam como as ilusões inatingíveis e fugidias.

Quem, desgraçado mortal ousa alcança-las, objetivando um sonho, sente o fastio do real, a decepção talvez de ver urubus em marcha “
Urubus, de João Otávio Lobo (1892- 1962).

Crônica que evoca recordações de infância onde urubus – aves que se alimentam de carniça-  voando alto, solenes, são os reis do espaço, quase inatingíveis. Refletem a própria vida a nos dar lições de venturas e desventuras.
Hoje em Pindorama, figuras “negras” que se alimentam de” lixo”, colocam em risco a sobrevivência da nação:  tanto representantes do povo (políticos malandros), como uns poucos senhores togados, vorazes em dar liberdade a quem não merece, ao arrepio da lei, por se julgarem deuses inalcançáveis.
João Otávio Lobo, nasceu no município de Santa Quitéria, no interior do Ceará no dia 04 de novembro de 1892.

 Estudou no Seminário da Prainha, em Fortaleza. Graduou-se em medicina na Faculdade da Praia Vermelha da Universidade do Rio de Janeiro. Em 1927 empreendeu viagem com destino à Alemanha para aperfeiçoar estudos em doenças do pulmão.

 Exerceu a arte hipocrática com denodo e afinco. Pôs sua inteligência a serviço da política partidária atuando como Presidente da Assembleia, Vice-Presidente do Estado, Deputado Federal, Secretário do Interior e Justiça.

O Dr. Otávio Lobo integrou a Academia Cearense de Letras, cadeira de número 18 e a Academia Cearense de Medicina, cadeira número 16.









terça-feira, 9 de maio de 2017

E a vida continua ...



" A vida é um milagre. Cada flor, com sua forma , sua cor , seu aroma , cada flor é um milagre. Cada pássaro, com sua plumagem, em seu vôo , seu canto, cada pássaro é um milagre. O espaço, infinito, o espaço é um milagre. O tempo,infinito, o tempo é um milagre. A memória é um milagre. A consciência é um milagre. Tudo é milagre. Tudo , menos a morte. Bendita a morte ! Que é o fim de todos os milagres " ( Manuel Bandeira ).
Obrigado ao casal amigo Danielle e Paulo Henrique, de Itapipoca ,pelo belo trabalho a mim ofertado e feito pelo grande artista plástico Kazane .

Embaixo de mangueiras centenárias em companhia em um grande menestrel. Saudades !

quinta-feira, 4 de maio de 2017

ANATOMIA DA MELANCOLIA HOJE EM PINDORAMA


“ O homem é a mais excelsa e nobre das criaturas do mundo, a mais potente obra de Deus, a maravilha das maravilhas, ao dizer de Platão.

 É um microcosmo, um diminuto mundo, mas, senhor da Terra e vice-rei do mundo, amo e governante de todos os seres que povoam a terra, que lhe emprestam obediência. 

Ao princípio tem sido puro, divino, perfeita obra de Deus em verdadeira santidade e justiça.
Esta criatura, porém, a mais nobre de todas, decai de tal modo que degenera convertendo-se em um homúnculo miserável, um náufrago e ruim sujeito, inferior ao menor dos animais “

Excerto da obra “ Anatomia da Melancolia” escrita por Robert Burton (1576- 1639) no ano de 1621 e que até hoje mantém-se prenhe de verdades, caindo como luva numa Pindorama 2017 sem rumo, a beira de um abissal despenhadeiro, assistindo, bovinamente,  severos senhores togados, em franca degenerescência, perfilados com execráveis malfeitores de colarinho branco, berrando um falso saber e exibindo um poder monocrático. Já dá para se ouvir as trombetas do Apocalipse. Acorda, gigante, da mortal letargia, pois amanhã será tarde demais.

Robert Burton (1576- 1539) nasceu em Lindley, Inglaterra no dia 08 de fevereiro de 1576 e faleceu em 1639. Escreveu “ Anatomia da Melancolia “ em 1621, logo convertido num clássico.

 O autor é nomeado como “ Montaigne inglês” e influiu em figuras como, Milton, Sterne e Byron.