quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Meu Natal

"Dos berços de linho e seda/aos ninhos de palha podre/onde houver uma criança/ou um coração de criança/aí será meu Natal.
Não no coração dos ricos/que me exploram, que me ofendem/que me ignoram, que me vendem/quando aos pobres fazem mal/não nas mesas dos tiranos/dos perversos , dos falsários/dos que matam, dos que enganam/dos que abusam dos ingênuos/para os fins mais desumanos/como as guerras que se tramam/com as armas mais letais/não nos corações malditos/que me compram, que me escambam /que me afligem nos aflitos/e perseguem aos que eu amo/estes não terão Natal
Meu Natal é dos humildes/é o Natal das lavadeiras/dos porteiros, dos mendigos/dos polícias , dos serventes/dos garis, dos faxineiros/das enfermeiras que velam/das professoras que educam/dos salva - vidas que salvam/dos que criam , dos que zelam/pelos velhos que caducam/estes sim , terão Natal/meu Natal é dos que sofrem/dos doentes incuráveis/das amadas esquecidas/dos loucos irresponsáveis/e das crianças perdidas
Meu Natal é dos que lutam/para viver nas cidades/nos sertões despovoados/nas casas e nos casebres/nos abrigos e orfanatos/nas pocilgas e masmorras/nos hospícios e hospitais/nos porões e albergues/nas celas dos condenados/nas celas dos consagrados/nos berçários, nas igrejas/nas falas dos namorados/nos presentes, nos brinquedos /mas sobretudo no homem/ sim , nós filhos das mulheres
Onde houver uma criança/ou um coração de criança/aí será o meu Natal/estarei por toda parte/nas penas dos que trabalham/nas portas das que se vendem/nas lágrimas dos que choram/nos corações dos que cantam/nos olhares dos dementes/nos beliches e nas redes/nas esteiras e nas camas/sob os tetos, sob as pontes/sob as pedras , sob as luas/nos seios das que amamentam/nos ventres das que me esperam/na angústia das que me abortam/no esquife das que morreram/onde houver uma criança/ou um coração de criança/aí será meu Natal " ( Paulo Gomide ).
Um Natal pleno de bênçãos do Menino Deus para todos !

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Minha Filosofia de Vida
Na década de 80 do século passado, com meus dois tesouros Andrei e Natacha :

"Mestre, são plácidas todas as horas que nós perdemos, se no perdê - las, qual numa jarra, nós pomos flores. Não há tristezas nem alegrias na nossa vida. Assim saibamos, sábios incautos , não a viver, mas decorrê - la, tranquilos , plácidos, tendo as crianças por nossas mestras, e os olhos cheios de natureza. À beira - rio, à beira - estrada , conforme calha, sempre no mesmo leve descanso de estar vivendo. O tempo passa. Não nos diz nada. Envelhecemos. Saibamos , quase maliciosos, sentir - nos ir. 
Não vale a pena fazer um gesto. Não se resiste ao deus atroz que os próprios filhos devora sempre. Colhamos flores. Molhemos leves as nossas mãos nos rios calmos , para aprendermos calma também. Girassóis sempre fitando o sol , da vida iremos tranquilos, tendo nem o remorso de ter vivido"
Ricardo Reis , heterônimo de Fernando Pessoa ( 1888 - 1935 ).

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A Festa nos Sebos
Para o poeta Vicente Alencar

A ventura de frequentar um sebo, como o do Geraldo, no centro de Fortaleza faz - se impagável. Uma alegria de D. Juan , toma conta , não com olorosas damas , mas com brochuras ricas em ouropéis. Aquele amontoado de amigos de papel , desalinhados , reflete um pouco o destino humano. O contista famoso , o poeta boêmio, o mordaz crítico literário, todos se amparando , ombro a ombro nas prateleiras bambas , alguns glórias do passado e pobres esquecidos de hoje. Ali vivem Machado , Alencar , Graciliano , Quintana, Drummond , Cecília , Clarice , Rachel , apenas para citar "os nossos".
Folheando - se páginas desgastadas pelo tempo, coladas , mostrando que nunca foram lidas , relembram balzaquianas que conheceram o fastigio, mas morreram virgens.
E as dedicatórias redigidas com tanto amor e respeito causam constrangimento ao novo adquirente da obra.
Ilusões construídas com muito suor e lágrimas, banhadas em tinta , ficam a mercê de uma mão amiga , a preços módicos , quase sempre.
Pior destino seria uma indefectível fábrica de moer papel. Ave Maria!

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O Palhaço, o que é?

Neste final de tarde de domingo do pé de cachimbo, num certo trecho do bairro da Aldeota , um jovem palhaço brinca com uns malabares, em busca de uns trocados para a dura lida. Revi num breve lance, figuras de minha distante infância como , Carequinha , Arrelia e Trepinha , nos gozosos Circo Garcia ou Nerino. 
Abri vexado a carteira e nada de encontrar umas salvadoras moedas. Entreguei, com sincera alegria d'alma , uma graúda cédula ao homem de nariz vermelho que ,de joelhos e lágrimas nos olhos tristes , me agradeceu ,num portunhol arrevezado.
De onde vinha aquela patética jovem figura ?
Certamente, de algum vizinho país da América Latina que vive na contramão da História, penalizando seu pobre e sofrido povo .
"Heróis da gargalhada, ó nobres saltimbancos /eu gosto de vocês, /porque amo expansões dos grandes risos francos/e os gestos de entremez/e prezo , sobretudo, as grandes ironias/das farsas joviais, /que em viagens cruéis, imperturbáveis, frias,/ à turba arremessais!/
Alegres histriôes dos circos e das praças, /ah, sim , gosto de vos ver/nas grandes contorçôes, a rir ,a dizer graças/de o povo enlouquecer/ungidos pela luta heróica, descambada, / de giz e de carmim/nas mímicas sem par, heróis da bofetada, / titãs do trampolim !/
Correi, subi, voai num turbilhão fantástico/por entre as saudações/da turba que festeja o semideus elástico/nas grandes ascensões ,/e no curso veloz , vertiginoso, aéreo, /fazei por disparar/ na face trivial do mundo egoísta e sério/a gargalhada alvar!/depois, mais perto ainda, a voltear no espaço /pregai - lhe, se podeis,/ um pontapé furtivo, ó lívidos palhaços/luzentes como reis !
Eu rio sempre, ao ver aquela majestade,/ os trágicos desdéns/com que nos divertis cobertos de alvaiade/a troco de vinténs!/
mas rio ainda mais dos histriôes burgueses, /cobertos de ouropéis/que tomam neste mundo, em longos entremezes, / a sério os seus papéis/são eles, almas vãs, consciências rebocadas, /que enfim merecem mais/o comentário atroz das rijas gargalhadas/que às vezes disparais!/
Portanto, é rir, é rir, hirsutos, grandes, lestos,/nas cômicas funções/até fazer morrer, em desmanchados gestos,/de riso as multidões!/
e eu, que amo as expansões dos grandes risos francos /e os gestos de entremez ,/deixai - me dizer isto , ó nobres saltimbancos:
Eu gosto de vocês!"
Poema Os Palhaços, do português Guilherme de Azevedo ( 1839 - 1882 )

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Apeles , na Grécia e em Pindorama

Apeles ( 352 a.C - 308 a.C. ), foi um humilde pintor grego , diferente de outros presunçosos artistas da época. Tornou - se o primeiro pintor da antiguidade a mostrar preocupação com a opinião crítica alheia , acerca de suas obras pictóricas. 
Reza a História que certa feita , Apeles expôs um quadro com a figura de uma bela dama. Escondido , o pintor ouvia a opinião das pessoas :
Uma costureira pôs alguns pequenos reparos na roupa.
Um barbeiro sugeriu alguns retoques no penteado da figura retratada.
Um sapateiro confirmou a beleza dos sapatos da dama , mas fez crítica veemente, ao estilo do vestido da mesma.
Apeles acatou , com paciência, a crítica da costureira e do barbeiro.
Quanto ao sapateiro , Apeles , enfurecido , comentou :
- Sapateiro , não passes além dos sapatos !
" Ne sutor ultra crepidam judicaret "
Faz pouco , em Pindorama , um figura pública do mundo futebolístico, " saiu fora das quatro linhas do gramado " proferindo uma opinião inadequada sobre certo assunto político.
E, deu com os burros n'água: não deve o sapateiro julgar além do sapato !

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Urubus

Neste sábado ensolarado na Praia do Japão, no litoral leste do Ceará dois nobres urubus prestam inestimável serviço à natureza , arejando o terreno para um novo Brasil que desponta. Que essas majestades negras que pairam acima da contingência da terra sirvam de lição para uns semideuses togados aqui neste pedaço de mundo , num delicado momento histórico.
" Não sei se todos, em criança, tivemos esta casta volúpia. - Olhar urubus voando ... Naqueles tempos, quando a sombra da velha do "Canto Alegre" crescia na calçada da frente, eu me estirava num couro de ovelha , e pascia a vista no côncavo do azul.
Mais longe , bem no alto, onde a distância vai matando o agudo dos contornos , passa sereno um camiranga. Fisgo - lhe os olhos, dando linha no infinito, qual fora um encantado papagaio de papel.
E a nódoa mingua num ponto, enterrando - se no céu, como alfinete em almofada de veludo. Outros surgem penetrando no ar , gizando curvas morosas, virguladas de reentrâncias e pontuadas de indecisões, até que rumam o horizonte sem fim.
Vezes há, tolda o levante um entrecruzar de asas delgadas como lâminas sarjando o espaço.
Por vezes, no equilíbrio do vôo, retratem de momento os encontros ,num espreguicar de cansaço. De raro , da altura, num arremesso de frecha, asas fechadas, dispara um tinga tinindo.
São urubus em raid.
Monótonos, negros, na majestade do vôo, pairam acima da contingência da terra.
Hoje , espelham a imagem da vida. Altos e inacessíveis, perpassam como as ilusões intangíveis e fugidias.
Quem , desgraçado mortal, ousa alcançá- las, objetivando um sonho, sente o fastio do real, a decepção talvez de ver um urubu em marcha..."
Composição " Urubu" , de Otávio Lobo ( 1892 - 1962 ) , médico , professor universitário, politico , escritor , pertencente à Academia Cearense de Medicina 

sexta-feira, 30 de novembro de 2018



A Pátria


A pátria é a família amplificada . E a família, divinamente constituída, tem por elementos orgânicos a honra, a disciplina , a fidelidade , a benquerença, o sacrifício. É uma harmonia instintiva de vontades, uma desestruturada permuta de abnegaçôes, um tecido vivente de almas entrelaçadas. Multiplicai a célula, e tendes o organismo. Multiplicai a família e tereis a pátria. Sempre o mesmo plasma , a mesma substância nervosa , a mesma circulação sanguínea. Os homens não inventaram, antes adulteraram a fraternidade, de que Cristo lhes dera a fórmula sublime , ensinando- os a se amarem uns aos outros :Diliges proximum tuum sicut te ipsum...
A pátria não é ninguém: são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra , à associação. A Pátria não é um sistema , nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo; é o céu, o solo , o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade.
Os que a servem, são os que não invejam, os que não inflamam, os que não conspiram, os que não sublevam, os que não desalentam, os que não emudecem , os que não se acorbadam, mas resistem, mas ensinam, mas se esforçam, mas pacificam, mas discutem, mas praticam a justiça, a admiração, o entusiasmo. Porque todos os sentimentos grandes são benignos e residem originalmente no amor. No próprio patriotismo armado o mais difícil da vocação e a sua dignidade, não está no matar, mas no morrer. A guerra, legitimamente , não pode ser o extermínio, nem a ambição: é simplesmente a defesa. Além desses limites, seria um flagelo bárbaro que o patriotismo repudia.
Excertos de " A Pátria " , da autoria de Rui Barbosa ( 1849 - 1923 ) : advogado , jurista , político e orador , nascido na Bahia.
Os Três Poderes da República, neste delicado momento de transição, precisam ter a consciência cívica de que todo grande incêndio começa com uma pequena fagulha.
"Nunca soube por que tanta gente teme tanto o futuro. Nunca vi o futuro matar ninguém, nunca vi o futuro roubar ninguém, nunca vi nada que tivesse acontecido no futuro. Terrível é o passado ou , pior , o presente " ( Millôr Fernandes).

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Kennedy e Virgílio: Um Discreto Encontro

No 08 de março de 1963 , em Washington, aconteceu um encontro entre o presidente americano John Kennedy ( 1917 - 1963 ) e o governador cearense Virgílio Távora ( 1919 - 1988 ). Na ocasião , presentes estavam os embaixadores Lincoln Gordon e Roberto Campos. 
A certa altura da conversa , Kennedy, espeta :
" - Qual a posição do movimento comunista no Brasil ?"
Virgílio responde :
" - Deturpa - se muito, aqui nos Estados Unidos , a realidade brasileira. A suposição americana é a de que o nosso país está entregue ao comunismo; isto é irreal"
Kennedy, devolve :
" - Fidel Castro é estimado entre os camponeses brasileiros ? Por que sua ascensão influiu tanto no aumento de poder das esquerdas ?"
Virgílio, explica :
" - Presidente , não sou diplomata , mas sim militar ; portanto desculpe a franqueza: o meu respeito à verdade me obriga a dizer que Fidel é estimado sim , e não pouco"
E assim por cerca de 30 minutos a conversa amigável transcorreu incluindo tópicos como o programa "Aliança Para o Progresso " .
Nesse mesmo ano de 1963, no dia 22 de novembro, morria assassinado John Kennedy, em Dallas, Texas.
Excertos do livro " A Glória de Cada Um " , da autoria de Hermenegildo de Sá Cavalcante, ano de 1966.
O mundo deu muitas voltas e o Nordeste brasileiro continuou seu tortuoso caminho , com o nosso querido Ceará, desamparado , morrendo e resistindo, resistindo e morrendo.
No novo xadrez político que se desenha depois das eleições de 2018 , o Nordeste brasileiro em relação ao Governo Federal , se apresenta em posição antípoda. Que haja , de pronto, um real desarmamento de ânimos, de lado a lado , caso contrário o fosso entre Sul e Nordeste cada vez será mais profundo.
Roga - se por um Brasil unido , equânime, respeitando, integralmente , sua Carta Magna , com os Três Poderes irmanados e buscando alianças saudáveis com nações democráticas e progressistas.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Cleine Costa Colares : Festa no Céu
Na década de 50 do século passado , tomei minhas primeiras letras num certo Instituto, depois Colégio e hoje Universidade, localizado na rua João Carvalho , em Fortaleza.
Uma jovem e bela professora, de rosto redondo , doce sorriso, minha prima , apresentou - me a este mágico mundo da literatura : Professora Cleine Costa Colares.
Certa feita , a querida mestra convocou a turma para uma leitura conjunta de um texto denominado "A clareira do serelepe". Todos os alunos , de pé, deram início à tarefa. Em pouco tempo, a professora interrompeu a aula :
" - Pedi que todos lessem o livro . Não é para ninguém declamar !"
Um dos alunos , gordo, de cenho cerrado e dentuço, com o livro fechado debaixo do braço, foi convocado para ler , sozinho, na frente da turma , a dita lição.
O garoto, permaneceu com o livro fechado e declamou toda "A clareira do serelepe ", provocando o riso da galera.
Hoje , passado mais de meio século do inusitado ocorrido , sorvendo minha segunda infância, agradeço, genuflexo, a minha mestra Cleine Costa Colares pelos seus retos ensinamentos naquela luminosa quadra de minha vida .
Cleine, hoje empreende a derradeira viagem rumo as nuvens do divino , para continuar sua saga de ensinar às pequenas almas os segredos da vida dos saberes, a mais divina das profissões.
Obrigado, dizemos todos que bebemos de sua terna sabedoria e siga em paz , querida mestra Cleine Colares.
Até breve !
Ladrões


"Navegava Alexandre ( Magno) em sua poderosa armada pelo mar Eritreu ( Vermelho ) a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu - o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém ele , que não era medroso nem lerdo, respondeu assim : Basta, senhor que eu, porque roubo em minha barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em sua armada , sois Imperador ? Assim é. O roubar pouco é culpa , o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito , os Alexandres. ...
Diógenes ( 413 - 327 a.C) , que tudo via com mais aguda vista que os outros homens , viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos ! Ditosa Grécia que tinha tal pregador ! E mais ditosas outras nações , se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas. Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um ladrão por ter roubado um carneiro; e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes ?"
Excertos da crônica Ladrões, de autoria de Padre Antônio Vieira ( 1608 - 1697 

terça-feira, 13 de novembro de 2018

O Choro das Águas

"Não é de águas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano :
Em seu clamor - ouço um clamor humano,
Em seus lamentos - todos os lamentos.

São de náufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano,
Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano,
Vejo - os varridos de tufões violentos;
Vejo -os , na escuridão da noite aflitos,
Bracejando , ou já mortos e de bruços,
Largados das marés, em ermas plagas...
Oh ! são deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
É o choro de saudade destas vagas ! "
O Choro das Vagas , soneto de autoria de Alberto Oliveira , fundador da Academia Brasileira de Letras , e considerado o "príncipe dos poetas brasileiros ".

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O Telefone no Ceará
No dia 11 de fevereiro de 1883 , a capital cearense falou pela vez primeira ao telefone. Na "Casa Confúcio" , propriedade comercial de Confúcio Pamplona , situada à Rua Major Facundo, 59, na presença de inúmeros convidados , além de autoridades civis e militares. 
Foi uma pândega !
O outro aparelho estava instalado no Largo da Alfândega, na casa de José Joaquim Faria. Desde então a capital cearense absorveu tudo que foi novidade nesta cambiante área da Comunicação , especialmente , na segunda metade do século XX e início do século XXI.
Nas décadas de 70 e 80 surgiram o Bip ( radio mensagem acústica ou vibratória) , e o Pager , mais avançado e com mensagem visual curta. Muito médico contraiu úlcera de estômago e síndrome do pânico por conta de tais trambolhos.
Tudo isso foi engolido pelo luminoso aparelho celular. Hoje um aplicativo , WhatsApp, conta com mais de 1 bilhão de usuários no mundo inteiro , trazendo conforto e , também conflito entre as pessoas.
Certa feita, um médico idoso aqui da terrinha, recebeu a seguinte mensagem no WhatsApp:
" - me acuda , pois estou com uma forte hemorragia ".
Mensagem sem mais dados , em que constava somente a foto de um pequeno cão poodle .
O médico, confuso , responde :
" - procure , de imediato , uma emergência veterinária".
Foi o suficiente para se desencadear uma forte tempestade com raios e trovões.
Agora veio a peleja ao vivo no celular :
"- aqui é dona Astrogilda , tenho 75 anos e fui sua cliente no século passado "
Não houve acordo com os pedidos de desculpas do pobre doutor , pois a antiga cliente , amuada, desligou rispidamente o telefone e uma paciente a mais, o atarantado doutor idoso viu fugir por entre os seus trêmulos dedos.
É o novidoso mundo tecnológico trazendo o certo e o torto de braços dados 

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Um Sábado com Poseidon 

Envolto num mar de pérolas jogadas ao ar por ondas revoltas, reverencio Poseidon , nesta manhã de sábado no Porto das Dunas.
Poseidon , irmão de Zeus , o deus supremo, e de Hades, rei do mundo inferior.
Poseidon representa a divindade poderosa que governa os oceanos como deus do mar e , por abalar a terra como criador de terremotos.
É representado por um velho barbudo que viaja nas profundezas do oceano em uma carruagem conduzida por cavalos - marinhos dourados. Irascível, usa um tridente para agitar as águas. De bom humor favorece a mares calmos.
 — em Praia Porto das Dunas.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Um Gênio Cabeça Chata

Em Pindorama, no dia 28 de outubro de 2018, irrompeu uma nova era, em sua conturbada história política. Parte de uma mídia sectária e descompromissada com o futuro democrático da nação, continua sua sórdida campanha contra aqueles que apoiaram o candidato vencedor nesta última refrega eleitoral.
Vem de longe, a cegueira ideológica desta gente do quarto poder. Numa entrevista ocorrida em 21 de junho de 1993 , um gênio cearense cabeça chata , Chico Anysio , no Programa Roda Viva , dispara , acossado por jornalistas vermelhos , da esquerda caviar:
" - Eles ( jornalistas ) passaram anos dizendo que eu era um gênio, e eu tive a genialidade de não levar isso a sério; não é agora que me chamam de idiota, que eu vou cometer a idiotice de acreditar ".
Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, ou Chico Anysio , foi humorista , ator , compositor , comentarista , diretor de cinema , escritor, pintor , radialista e roteirista. Nasceu no Ceará, na cidade de Maranguape no dia 12 de abril de 1931 e faleceu no Rio de Janeiro em 23 de março de 2012.
E continua fazendo uma falta danada , este gênio caboclo !

terça-feira, 30 de outubro de 2018

O Ceará e o Dia Nacional do Livro
Ao Dr. Eurípedes Chaves Júnior

"Terra do sol, do amor, terra da Luz !
Soa o clarim que a tua glória canta !
Terra , o teu nome a fama aos céus remonta
Em clarão que seduz !
Nome que brilha - esplêndido luzeiro
Nos fulvos braços de ouro do cruzeiro!
Mudem- se em flor as pedras dos caminhos !
Chuvas de pratas rolam das estrelas
E, despertando, deslumbrada ao vê- las
Ressoe a voz dos ninhos
Há de florar nas rosas e nos cravos
Rubros o sangue ardente dos escravos
Seja o teu verbo a voz do coração
Verbo de paz e amor do Sul ao Norte !
Ruja teu peito em luta contra a morte
Acordando a amplidão
Peito que deu alívio a quem sofria
E foi o sol iluminando o dia !
Tua jangada afoita enfune o pano !
Vento feliz conduza a vela ousada
Que importa que teu braço seja um nada
Na vastidão do oceano
Se à proa vão heróis e marinheiros
E vão no peito corações guerreiros?
Se nós te amamos, em aventuras e mágoas!
Porque esse chão que embebe a água dos rios
Há de aflorar em messes, nos estios
E bosques, pelas águas!
Selvas e rios, serras e florestas
Brotem do solo em primorosas festas !
Abra - se ao vento o teu pendão natal
Sobre as revoltas águas dos teus mares !
A Vitória imortal!
Que foi de sangue , em guerras leais e francas
E foi na paz, da cor das hóstias brancas "
Hino do Ceará, da autoria de Alberto Nepomuceno e Thomas Pompeu Ferreira Lopes.
Meu querido Ceará, levanta e ouça as vozes sábias, nesta ocasião , dedicada ao Dia Nacional do Livro ( 29 de Outubro) :
" Oh ! Bendito o que semeia
Livros à mão cheia
E manda o povo pensar !
O livro caindo n'alma
É germe que faz a palma
É chuva - que faz o mar " ( Castro Alves )
" Um país se faz com homens e livros ( Monteiro Lobato)

domingo, 28 de outubro de 2018

Suíte do Pescador
Para a Dra. Lenna Torquato

"Minha jangada vai sair pro mar 
Vou trabalhar, meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer
Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer
Adeus, adeus
Pescador não esqueça de mim
Vou rezar pra ter bom tempo, meu nêgo
Pra não ter tempo ruim
Vou fazer sua caminha macia
Perfumada com alecrim "
Canção Suíte do Pescador , da autoria do baiano genial, Dorival Caymmi.
Nesta luminosa manhã de sábado na Praia do Japão, em Aquiraz, uma solitária jangada de vela vermelha, repousa na areia, acariciada pelo deus Éolo dos ventos. Segundo escutei, há pouco do deus Netuno , faz -se prudente tal embarcação vermelha não se aventurar no proceloso mar neste fim de semana pois um "tsunami avassalador " , célere, se aproxima.
Convém acatar , posto que , seguro morreu de velho !

sexta-feira, 26 de outubro de 2018


"O verdadeiro patriotismo não é o amor dos negócios rendosos que no seio da pátria podem dar a riqueza e a independência; não é a interessada gratidão pelas honrarias que dentro dela podem granjear; não é também o embevecido êxtase ingênuo e fútil, diante da beleza de suas paisagens, do esplendor do seu céu, da uberdade do seu solo.
É sim, um amor elevado e austero, que reconhece os defeitos da pátria - não para amaldiçoá - los ou para rir deles , mas para perdoá - los , estudá - los e corrigi - los; é um amor que se enraiza mais no meio moral do que no meio físico, e vai procurar a sua seiva nutritiva no âmago longínquo do passado , no sacrossanto húmus das origens da raça , da língua, da história, e no padecimento obscuro, anônimo das gerações que antes da nossa viveram, suaram e penaram na terra que servimos e adoramos! Este é o nosso patriotismo com que deveis de ora em diante honrar a nossa terra."
Crônica O Patriotismo , de Olavo Bilac ( 1865 - 1918 ) , poeta , contista , cronista e jornalista brasileiro.


Poesia brotando do asfalto
Para minha filha Ana Lis

Agora cedo, um homem simples , num semáforo, me oferece um mimo : um gafanhoto talhado numa folha natural de uma planta. Delicadeza e maestria de um anônimo caminhante. É a mão estendida de Deus nos cruzamentos da vida .
"Numa folha qualquer /eu desenho um sol amarelo/e com cinco ou seis retas/é fácil fazer um castelo.../corro o lápis em torno/da mão e me dou uma luva/com dois riscos/tenho um guarda - chuva.../se um pinguinho de tinta/cai num pedacinho/azul do papel/num instante / imagino/uma linfa gaivota/a voar no céu.../vai voando/contornando a imensa /curva Norte e Sul/vou com ela/viajando Havaí/Pequim ou Istambul/pinto um barco a vela/branco navegando/é tanto céu e mar/num beijo azul/entre as nuvens/vem surgindo um lindo/avião rosa e grená/tudo em volta colorindo/com suas luzes a piscar/basta imaginar e ele está /partindo, sereno e lindo/se a gente quiser/ele vai pousar/numa folha qualquer/eu desenho um navio/de partida/com alguns bons amigos/bebendo de bem com a vida ..."
Canção Aquarela de autoria de Toquinho e Vinícius de Moraes.

"Minha vida que parece muito calma
Tem segredos que eu não posso revelar
Escondidos bem no fundo de minh'alma
Não transparecem nem sequer em um olhar
Vive sempre conversando a sós comigo
Uma voz que eu escuto com fervor
Escolheu meu coração pra seu abrigo
E dele fez um roseira em flor
A ninguém revelarei o meu segredo
E nem direi quem é o meu amor "
Doce Mistério da Vida ( Victor Herbert )
Belchior , nascido em 26 de outubro de 1946 : Saudades !

terça-feira, 23 de outubro de 2018




Não pode mirar a lua sem calcular a distância. 
Não pode mirar uma árvore sem calcular a lenha.
Não pode mirar um quadro sem calcular o preço. 
Não pode mirar um menu sem calcular as calorias.
Não pode mirar um homem sem calcular a vantagem.
Não pode mirar uma mulher sem calcular o risco.

" Janela sobre um homem de êxito " do mago Eduardo Galeano 


(1940-2015), retirado do livro " As Palavras Andantes" - 1993.

domingo, 21 de outubro de 2018

Dia do Médico

"Senhor Jesus, Médico divino,
Que em tua vida terrena
Tiveste predileção pelos que sofrem
E encomendaste a teus discípulos
O ministério da cura,
Faz que estejamos sempre dispostos
A aliviar os sofrimentos de nossos irmãos.
Faz que cada um de nós
Consciente da grande missão que lhe há sido confiada,
Se esforce por ser sempre instrumento
De teu amor misericordioso em seu serviço diário
Ilumina nossa mente.
Guia nossa mão.
Faz que nosso coração seja atento e compassivo.
Faz que em cada paciente
Saibamos descobrir os traços de teu rosto divino.
Tu, que és o caminho,
Conceda - nosa graça de imitar - te cada dia
Como médicos não só do corpo
Senão também de toda a pessoa,
Ajudando aos enfermos
A percorrer com confiança seu caminho terreno
Até o momento do encontro contigo.
Tu, que és a verdade,
Dá - nos sabedoria e ciência
Para penetrar no mistério do homem
E de seu destino transcendente,
Enquanto nos acercamos dele
Para descobrir as causas do mal
E para encontrar os remédios oportunos.
Tu, és a vida,
Concede - nos anunciar e testemunhar em nossa profissão
O evangelho da vida,
Comprometendo- nos a defendê - la sempre,
Desde a concepção até seu término natural,
E a respeitar a dignidade de todo ser humano,
Especialmente dos mais débeis e necessitados.
Senhor, faz- nos bons samaritanos,
Dispostos a acolher, curar e consolar
A todos aqueles com quem nos encontramos
Em nosso trabalho.
A exemplo dos médicos santos que nos tem precedido,
Ajuda - nos a dar nossa generosa acolhida
Para renovar constantemente as instituições sanitárias.
Bendiz nosso estudo e nossa profissão.
Ilumina nossa investigação e nosso ensino.
Por último, concede - nos que,
Havendo - te amado e servido constantemente
Nossos irmãos enfermos,
Ao final de nossa peregrinação terrena
Possamos contemplar teu rosto glorioso
E experimentar o gozo do encontro contigo,
Em teu reino de alegria e paz infinita.
Amém.
Oração proferida por João Paulo II ( 1920 - 2005 ).



Como Numa Fábula Antiga


Uma velha raposa rubra, de maus bofes, afronta grosseiramente, um bom galo de briga , e elabora canhestramente uma razão qualquer para liquidar aquele impertinente antagonista.
A primeira acusação, perfidamente imaginada, foi a de que o galo, importuna as raposas, impedindo -as de dormir sossegadamente , com seus molestos cantos , noite adentro.
O galo bom de briga , faz sua defesa argumentando que seu "toque de alvorada matinal" serve, apenas, para despertar as raposas para suas atividades laborais.
A velha raposa vermelha , pouco afeita ao trabalho, volta à carga, com nova acusação, desta feita, respaldada por uma banca de "raposas - adevogadas " constando que o indigesto galo se utiliza de meios escusos para angariar adeptos para cerrarem fileiras, sem nenhuma vantagem financeira, em seu favor. 
Novamente , o dito galo se defende alegando inocência , já que seus seguidores fiéis apenas representam amigos de verdade , e não, "amigos da onça/raposa" !
Moral da História:
Para uma malvada raposa vermelha afeita a atos de agressão, não se leva em conta nenhuma classe de razoabilidade. O que vale é a força bruta ou o uso da foice e do martelo.


- Dia do Poeta -

Homenagem a todos os Poetas;
em especial ao amigo Escritor e Poeta:
Francisco José Eleutério!
"Um rei medroso,
ordenou que fossem mortos
todos os pássaros do seu reino.
Assim se cumpriu.
Daquele dia em diante,
o canto que nascia vinha das entranhas das pedras.
Deu-se uma quebra no encantamento das coisas;
e dragões desembocaram do espaço.
Parecia que o mundo inteiro findava.
O rei,
desobrigado de sonho;
fechou os seus olhos de esquecer de acordar.
Então, as crianças se aliaram aos poetas
e desenharam um poema
de passarinhos ressuscitados.
Foi aí que pequeninas pedras
animaram-se a levitar.
Pouco a pouco ganharam penas,
bico, asas, gorjeio de pássaro.
E as crianças descobriram
que pedrinhas coloridas
são passarinhos disfarçados de chão.
Segredo milenarmente guardado.
Só o sabem, as crianças e os poetas."
♡ JCG

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O DIA DO PROFESSOR , UMA LEMBRANÇA
“ Vem cá , filho meu, disse-me minha mãe um dia. Quero que respondas com honestidade uma questão importante que vou lhe arguir . Quero saber neste momento se algo justifica que tenhas desejado ser professor . Diz- me , filho : se Deus te dera a ventura de voltar a nascer novamente , o que gostarias de ser ?
- Serias sacerdote?
- Creio em Deus, mãe, não nego sua existência, porém minha forma de sentir é tão débil que prefiro ser outra coisa.
- Provavelmente serias um médico?
- Os doutores, mãe, são seres que escolheram a missão mais difícil na vida, cuidar e preservar a vida humana .Bela profissão, porém não a desejo .
- Então, engenheiro?
Também, não, mãe, creio que jamais tenha pensado em laborar transformando matérias inertes em possíveis Torres de Babel . Engenheiro, jamais!
- Agora, se bem atinares, serias poeta, não?
- Que mais quisera eu, querida mãe, porém meu pensamento é tão torpe e minha pena tão débil que as musas do parnaso de mim fugiriam!
- Então, advogado?
- Para ser advogado necessitaria a obstinação de um Quixote e a sensatez de um Sancho Pança . Ser advogado seria demais para mim. Se Deus me dera a dádiva de nascer novamente, tornaria a beber para aplacar a minha sede , a água de um regato, tornaria a dormir sob a copa de uma árvore , cansado , mas feliz ,com um livro debaixo do braço. Voltaria a escutar vozes infantis, respondendo presente a minha chamada. Sim, mãe, ainda que houvesse mil e uma profissões, se Deus me dera a ventura de voltar tudo de novo, não duvides, mãe, eu tornaria a ser um simples professor “ .
Com um naco de luz, agarrando-me à vida com as unhas, mostrando um rosto riscado pelo tempo, desço eu, médico menor e aprendiz de mestre, solitário, como soe acontecer nestas horas, as escarpas da montanha onde, por mais de quatro décadas, permaneci como curador e , humilde professor , no topo de meu pequeno mundo . Na íngreme descida com o olhar baço, pelo cansaço dos dias e pela tola lágrima que teima em rolar, vejo vocês, queridos alunos , banhados em luz , como que bailando , subindo na merecida busca de um lugar no ápice da montanha . Isto me apraz e conforta, pois sei que algo de mim e de seus queridos mestres da vida permanecerão em vocês. Jamais esquecerei de suas doces presenças, verdadeiros bálsamos para minha solidão .
“Excertos de uma despedida de meus amados alunos da UECE “ .
Saudades e, parabéns a todos os professores!

domingo, 14 de outubro de 2018

Fim de tarde no Porto das Dunas


Um fim de tarde, com o Rei Sol caindo de sono, sem querer entregar os pontos. E que segue em frente , a contra gosto, para ser engolido pela terra ,lá nos confins do mundo, acompanhado por um mar de carneirinhos vagando no céu.
É um momento propício para papear com o mago poeta Manoel de Barros , nascido em Cuiabá, Mato Grosso, em 19 de dezembro de 1916 ,e que empreendeu viagem para as nuvens do divino , em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 13 de novembro de 2014 , aos 97 anos:

"Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que eu faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto.
Cresci brincando no chão entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore.

Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio.
 Era o menino e as árvores ".

sábado, 13 de outubro de 2018

Tempo de Sonhar

Porque é tempo de sonhar, porque sempre é tempo de poesia , porque convém acreditar na eterna infância do homem :
"Num meio - dia de fim de primavera/tive um sonho como uma fotografia /vi Jesus Cristo descer à terra/veio pela encosta de um monte/tornado outra vez menino/a correr e a rolar-se pela erva/e a arrancar flores para as deitar fora/e a rir de modo a ouvir-se de longe/tinha fugido do céu/ era nosso demais pra fingir/de segunda pessoa da Trindade/no céu era tudo falso, tudo em desacordo/com flores e árvores e pedras/no céu tinha que estar sempre sério/e de vez em quando/de se tornar outra vez homem/
E subir para a cruz , e estar sempre a morrer/hoje vive na minha aldeia comigo/é uma criança bonita de riso natural/limpa o nariz ao braço direito/chapinha nas poças de água/colhe as flores e gosta delas e esquece-as/atira pedras aos burros/rouba fruta dos pomares/e foge a chorar e gritar dos cães/ e porque sabe que elas não gostam/ e que toda gente acha graça/corre atrás das raparigas/ que vão em ranchos pelas estradas/com bilhas à cabeça/e levanta-lhes as saias/
A mim ensinou-me tudo/ensinou-me a olhar para as pessoas/aponta-me todas as coisas que há nas flores/ele mora comigo na minha casa no meio do outeiro/Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava/Ele é o humano que é natural/Ele é o divino que sorri e que brinca/ e por isso é que eu sei com toda certeza/que ele é o Menino Jesus verdadeiro/e a criança tão humana que é divina/é está minha cotidiana vida de poeta/ e é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre/e que o meu mínimo olhar/ me enche de sensação/ e o mais pequeno som, seja do que for/ parece falar comigo/ a criança nova que habita onde vivo / dá- me uma mão a mim/ e outra a tudo o que existe/e assim vamos os três pelo caminho que houver/saltando e cantando e rindo/e gozando o nosso segredo comum/ que é o de saber por toda parte/ que não há mistério no mundo/e que tudo vale a pena/
A Criança Eterna acompanha- me sempre/ a direção do meu olhar é o seu dedo apontando/ o meu ouvido atento alegremente a todos os sons/são as cócegas que ele me faz, brincando nas orelhas/
Damo-nos tão bem um com o outro/ na companhia de tudo/que nunca pensamos um no outro/mas vivemos juntos e dois/com um acordo íntimo/com a mão direita e a esquerda/ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas/ no degrau da porta de casa/graves como convém a um deus e um poeta/ é como se cada pedra/fosse todo um universo/ e fosse por isso um um grande perigo/ deixá-la cair no chão/
Depois eu conto- lhe histórias de cousas só de homens/ e ele sorri, porque tudo é incrível/ ri dos reis e dos que não são reis/ e tem pena de ouvir falar das guerras/ e dos comércios, e dos navios/ que ficam fundo no ar dos altos mares/porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade/ que uma flor tem ao florescer/ e que anda com a luz do sol/ a variar os montes e os vales/ e a fazer doer aos olhos os muros caiados/ depois ele adormece e eu deito-o/ levo-o ao colo para dentro de casa/ e deito-o, despindo-o lentamente/ e como seguindo um ritual muito limpo/ e todo materno até ele ficar nu/ Ele dorme dentro da minha alma/ e às vezes acorda de noite/ e brinca com os meus sonhos/ vira uns de pernas para o ar/ põe uns em cima dos outros/ e bate palmas sozinho/ sorrindo para o meu sono/

Quando eu morrer , filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno/ pega- me tu ao colo/ e leva- me pata dentro da tua casa/ despe o meu ser cansado e humano/ e deita - me na tua cama/ e conta- me histórias, caso eu acorde/ para eu tornar a adormecer/ e dá- me sonhos teus para eu brincar/ até que nasça qualquer dia/ que tu sabes qual é! "

Alberto Caeiro ( Fernando Pessoa) : 1888 - 1935.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Um País se Faz com Homens e Livros 


Num cruzamento de ruas numa zona rica de Fortaleza , diariamente, um mendigo franciscano conversa com as aves e traz conforto e alimento para as mesmas.O pobre homem, sempre repousa a vista num velho livro , alheio ao perigo dos veículos que por ali transitam.
Quando este bolsão de pobreza, onde seres humanos passivos , sem eira nem beira , caminham rumo ao grande abatedouro de gentes, vai ter um fim ?
Os "circos mambembes" prenhes de políticos do baixo clero espalhados no vasto território de Pindorama, perpetuam os velhos palhacos sem graça, repetindo as mesmas piadas grosseiras com palavras de baixo calão.E para piorar , o mapa degradante da tragédia dantesca se concentra nas áreas mais carentes e desassistidas de Pindorama , onde os livros são objetos inacessíveis à população destes perdidos grotões !


A alma humana se parece com a água : vem do céu, para o céu sobe, e novamente para baixo à terra precisa ir, mudando eternamente./desce do alto do íngreme rochedo o jato puro, então eleva - se mansamente em ondas de nuvens para a rocha escorregadia, e recebida facilmente, domina veladamente, rumores em silêncio para dentro da profundeza. /escolho erguido contra a queda, espumeja contrariada progressivamente para o abismo./no leito raso arrasta - se para os prados./e no mar sereno contemplam sua face todas as estrelas./ o vento é da onda gentil galanteador; o vento mistura a partir do fundo vagalhões espumantes./ alma da pessoa, como te pareces com a água! Destino da pessoa, como te pareces com o vento! 
Canto dos espíritos sobre a água, de autoria de Johann Wolfgang Goethe (1749 - 1832).

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Uma Simples Lição de Ciências

Socorrendo , há pouco, uma pequena criatura de Deus numa tarefa escolar de Ciências. Assunto : Coração. 
O livro dispara a pergunta :" Para que serve o coração?
O socorrista/pastor de almas , estufa o peito e manda :
"Para enviar o sangue, este milagroso líquido, para todo o corpo"
Minha aluna, escreve , obediente , a resposta :
" Para causar sofrimento , pai ! E como dói! O senhor fala pela ciência , e eu do fundo do meu coração "

E o doutor engolindo o choro:
" Tá bom , filha !Fim de papo ".

"Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição dos seres.
Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo,
E em si mesmo se sente diferente ,
Como faz mal ao sonho concebê-lo!
Sossega , coração! Dorme !
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme.
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme "

Sossega Coração, da autoria de Fernando Pessoa ( 1888 - 1935 ).