sábado, 31 de janeiro de 2015

Cartola: Lamento e poesia


“ Nada consigo fazer / quando a saudade aperta/ foge- me a inspiração / sinto a alma deserta / um vazio se faz em meu peito /e de fato eu sinto / em meu peito um vazio / me faltando as tuas carícias / as noites são longas /e eu sinto mais frio / procuro afogar no álcool / a tua lembrança / mas noto que é ridícula / a minha vingança / vou seguir os conselhos / de amigos / e garanto que não beberei / nunca mais / e com o tempo / essa imensa saudade que sinto / se esvai“ 

   “Peito Vazio“ este lamento de Cartola, um dos baluartes da Música Popular Brasileira, mostra o coração do poeta / boêmio a chorar as mágoas da solidão amorosa e o emprego derivativo do álcool para aplacar a dor de cotovelo, que seda, não passa, mas consola.
   Angenor de Oliveira -  Cartola – (1908 – 1980) veio ao mundo em 11 de outubro de 1908 no Rio de Janeiro, no bairro do Catete, onde passou sua humilde infância. Aos 8 anos de idade mudou-se para o bairro de Laranjeiras e dali foi um pulo para o Morro da Mangueira, que era apenas um pequeno aglomerado de 50 casebres, onde viveu uma adolescência livre e vadia. Arranjou apenas trabalho como pedreiro, já que seus estudos formais sofreram paralização ao concluir o quarto ano primário. Conseguia deste modo algum numerário para bancar a iniciante e cara vida boêmia. Por essa época, Angenor passou a ser conhecido como Cartola, pois usava um chapéu- coco para evitar que o cimento que manuseava nas construções pregasse em seus cabelos. Órfão de mãe aos 17 anos, indispôs – se com o pai e caiu de vez na vida dissoluta com uma manjada combinação de nitroglicerina pura (bebida, mulheres e boemia). Juntou os trapos com uma vizinha casada e mãe de dois rebentos, de nome Deolinda, numa tentativa de dar prumo a sua caminhada torta. Seu humilde barraco passou a ser frequentado por gente fina da boemia como Noel Rosa e Carlos Cachaça, futuros parceiros na noite e na música. Formou com amigos um bloco carnavalesco (Bloco dos Arengueiros), embrião da futura Estação Primeira de Mangueira. Cartola partilhava suas composições musicais com figuras importantes da MPB como Mário Reis, Carmen Miranda e Francisco Alves, que subiam ao morro para comprarem músicas de poetas pobres e iniciantes. Tudo parecia normal à época esse comércio profano. Em pleno asfalto, no Café Nice, ocorria à vista de todos, o mesmo fenômeno da compra e venda de sambas.  Na década de 40 damos conta de Cartola cantando em programas de rádio. É deste período a música: “Quem me vê sorrindo “:

“Quem  me vê sorrindo pensa que estou alegre / o meu sorriso é por consolação / porque sei conter para ninguém ver / o pranto do meu coração /o que eu perdi  por esse amor , talvez / não compreendeste e se eu disser não crês / depois de derramado , ainda soluçando / tornei- me alegre , estou cantando / compreendi o erro de toda humanidade / uns choram por prazer e outros com saudade /jurei e a minha jura jamais eu quebrarei / todo pranto esconderei “

   Em 1946, aos 38 anos de idade, Cartola adquiriu uma traiçoeira meningite que o prostrou, impossibilitando o exercício de qualquer atividade laboral por um bom período. Por essa época, sua companheira Deolinda sucumbiu a um infarto agudo do miocárdio. O nosso bardo crioulo, deixou o Morro da Mangueira e recolheu- se a seu mundo, zanzando feito um zumbi. Alguns até deram – no por morto. Em 1956, Stanislaw Ponte Preta, o compositor e cronista carioca, redescobre Cartola num bar, anônimo e maltratado, exercendo o duro ofício de limpador de carros e vigia noturno de prédios. Dali o encaminha para um programa na rádio Mayrink Veiga e posteriormente a um emprego de contínuo no Ministério de Indústria e Comércio. Com a ajuda de amigos, pelos idos de 60, Cartola abriu o restaurante Zicartola, com sua companheira e futura esposa, Eusébia Silva do Nascimento (Zica), cunhada de Carlos Cachaça. Os poetas do morro e do asfalto fizeram ninho naquele ambiente que teve vida breve: dois anos. Administração não era o forte da dupla Zica e Cartola.  O seu primeiro disco gravado surgiu em 1974, pouco antes do compositor completar 66 anos de idade. Quantos versos da lavra de Cartola não foram engolidos pela voragem do tempo? Ele imitando os aedos da Grécia antiga e os nossos cantadores de viola, guardava o que podia na memória. O disco serviu como um resgate heroico do grande compositor.
   Duas belas canções do disco:

“ Alvorada lá no morro , que beleza / ninguém chora , não há tristeza/  ninguém sente dissabor / o sol colorindo é tão lindo , é tão lindo /  e a natureza sorrindo , tingindo ,tingindo / você também me lembra a alvorada / quando chega iluminando / meus caminhos tão sem vida / e o que me resta é bem pouco/ ou quase nada , do que ir assim, vagando/ nesta estrada perdida “ 

“ Tive , sim /outro amor antes do teu /tive , sim/ o que ela sonhava eram os meus sonhos e assim / íamos vivendo em paz / nosso lar , em nosso lar sempre houve alegria / eu vivia tão contente / como contente ao teu lado estou / tive , sim / mas comparar com teu amor seria o fim/eu vou calar / pois não pretendo amor te magoar /“ 

   O segundo trabalho chamado apenas Cartola II caiu como uma bomba e logo  tornou-se um dos mais memoráveis monumentos da nossa MPB. Começa com uma obra–prima: “A vida é um moinho“:

“Ainda é cedo , amor / mal começaste a conhecer a vida / já anuncias a hora de partida / sem saber mesmo o rumo que irás tomar / preste atenção , querida / embora eu saiba que estás resolvida / em cada esquina  cai um pouco a tua vida / em pouco tempo não serás mais o que és / ouça-me bem , amor / preste atenção , o mundo é um moinho / vai triturar teus sonhos tão mesquinhos / vai reduzir as ilusões a pó / preste atenção , querida / de cada amor tu herdarás só o cinismo / quando notares estás à beira do abismo / abismo que cavaste com teus pés “ 

  O “moinho da vida“ tritura grãos de toda qualidade, elaborando um material de proveito apenas em casos selecionados ao sabor da sorte. No caso de Cartola, um grão de alto grau de pureza. Segue o festival de pérolas deste disco com “As Rosas Não Falam“:

“Bate outra vez / com esperanças o meu coração / pois já vai terminando o verão / enfim/ volto ao jardim/ com a certeza que devo chorar / pois bem sei que não queres voltar para mim / queixo – me às rosas / mas que bobagem / as rosas não falam / simplesmente as rosas exalam / o perfume que roubam de ti,  ai / devias vir / para ver os meus olhos tristonhos / e, quem sabe , sonhavas meus sonhos , por fim “

   O terceiro álbum de Cartola, de 1977 (Verde Que Te Quero Rosa) e o quarto, de 1979 (Cartola 70 anos), contendo trabalhos relevantes do autor ou de parceiros, não empolgaram tanto quanto o disco “Cartola II“. O Divino Cartola compôs uma rica obra poética que permanece viva nas vozes das novas gerações de cantores, mas ninguém se iguala ao mestre na interpretação de suas próprias melodias.


sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Nada Possuo de Meu


   Caiu-me faz pouco às mãos, o testamento de um homem santo, D. Sebastião Leme (1882–1942), Cardeal Emérito do Rio de Janeiro. Um príncipe da Igreja cheio de pompa e circunstância, um pastor impoluto de um grande rebanho de ovelhas. Exerceu relevante papel nos dias finais da Revolução de 30, quando convenceu o renitente presidente Washington Luís a entregar o poder aos revoltosos, permitindo a ascensão de Getúlio Vargas, o futuro “pai dos pobres“. Adotou para sua passagem entre nós um lema: “COR UNUM IN ANIMA UNA“, ou seja, “Um coração em uma alma“.
   Em seu rico testamento de uma só linha, D. Sebastião afirma, apenas: “Nada possuo de meu“. Que tocante, meu Deus!
   Entendam, dos muitos “príncipes, reis e princesas“ que ora mourejam na nossa atual hilariante política brasileira, dos cândidos pretendentes ao Palácio da Alvorada, das duas centenas de candidatos aos governos estaduais e aos milhares de concorrentes a vagas nas assembleias legislativas, quantos possuem tão simples e rico testamento. Senhores, ponham fé e posso seguramente lhes assegurar: NENHUM. Já sei, “política não se faz com santos“, muitos irão arguir.
   Pois caros amigos, por conta e risco das inúmeras mortes que morri, para todos vocês deixo um modesto testamento, onde constam os seguinte itens:
Barras de ouro puro impregnadas de paz, carinho e benquerença, tudo sob custódia do Banco da Esperança;
Duas paradisíacas ilhas em Shangri-La, no País da Utopia, onde fontes perenes de néctar podem alimentar incontáveis querubins, serafins e ademais, todos vocês.
Tal butim encontra-se devidamente registrado em um cartório instalado nas nuvens onde a felicidade transita em seu perene vagar.
   Tá certo, filhos não contam, mas não esqueci, pois estes são pérolas de um valor infinito, que ajudei a formatar com muito mimo, mas não me pertencem, ai, e sim, somente a Deus e ao mundo.
— se sentindo inspirado com Airton Quintino Farias e outras 49 pessoas.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Nei Lopes, malandro e doutor em leis



   Para Andrei e Vivi, Ex cordis.
“Abre as asas sobre mim / oh! senhora liberdade / eu fui condenado sem merecimento/ por um sentimento/ por uma paixão / violenta emoção / pois amar foi meu delito / mas foi um sonho tão bonito / hoje estou no fim/ senhora liberdade abre as asas sobre mim / não vou passar por inocente / mas já sofri terrivelmente / por caridade, oh! liberdade abre as asas sobre mim “.
   Nei Lopes se abriu ao mundo no Rio de Janeiro no ano de 1942. Sambista, compositor popular, escritor e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faz parte de um grupo seleto de gente ligada a música popular brasileira que sentou em bancos acadêmicos na área de Direito como, Ary Barroso, Mário Lago, Vinícius de Moraes, Taiguara e Alceu Valença. A maioria dos citados, apenas advogou em mesas de bar, defendendo o livre direito da libação etílica em rodas de samba, num júri constituído por louras e morenas da cor de Madalena. Ponto para a Música Popular Brasileira (MPB) que deixou para servir à nobre casta forense, seres mais circunspectos e zelosos nos comezinhos princípios das leis romanas, ad infinitum. Cruz, credo! . Nei Lopes, com graça e esperteza, insere nas letras de suas músicas, o linguajar próprio dos juristas, incluindo as citações em latim, nem sempre coisa com coisa, tão ao agrado dos causídicos e insossos aos comuns dos mortais. Tudo isso dando abrigo ao drama humano no seu rico caleidoscópio como o da dama com o gentil nome de Felicidade:

“ Felicidade passou no vestibular / e agora , tá ruim de aturar / mudou – se pra Faculdade de Direito / e só fala com a gente de um jeito / cheio de preliminar ( é de amargar ) / casal abriu , ela diz que é divórcio / parceria é litisconsórcio / sacanagem é libidinagem e atentado ao pudor / só fala cheia de subterfúgios / nego morreu ela diz que é de cujus / não aguento mais essa Felicidade , doutor Defensor ( só mesmo um Desembargador ) / amigação pra ela é concubinato / vigarice é estelionato / caduquice de esclerosado é demência senil / sumiu na poeira, ela chama de ausente / não pagou a conta é inadimplente / ela diz , consultando o Código Civil / me pediu uma grana dizendo que era um contrato mútuo / comeu e bebeu e disse que é usufruto / e levou pra casa meu violão / meses depois que fez esse agravo ao meu instrumento ela então me disse , cheia de argumento / que o adquiriu por usucapião ( seu Defensor , não é mole não ) / tai minha procuração / e o documento que atesta minha humilde condição / requeira prontamente meu divórcio e uma pensão / e se ela não pagar / vai cantar samba na prisão“


  
Em “ Águia de Haia“, lembrando o célebre jurista baiano Rui Barbosa , Nei Lopes, evidencia sua origem afro e realça o sincretismo religioso sempre tão presente em nosso Brasil lindo e trigueiro. Uma autêntica gozação de toga e com traços similares ao “Samba do crioulo doido“ do famigerado Stanislaw Ponte Preta:

“ Saí do bar no rumo de Copacabana/ em pleno Campo de Santana recebi um santo / quem me viu disse que foi um espanto / que eu falei coisas meio um tanto ou quanto , sei lá /dizem que eu falava discursando / com um sotaque de baiano intelectual/ e de repente , sem ter dó nem piedade / eu entrei na Faculdade de Direito Nacional / data vênia , homo sapiens ! in vino veritas , liberta quae sera tamen ! dura lex sed lex ! ad libitum per capita , habeas corpus pro labore! 
   Na Faculdade escrevi regras e tratados / dei lições pro doutorado com muita ciência / só me chamaram de Vossa excelência / me convidaram pra livre docência , pois é / discursei três horas sem dar pausa / fui doutor honoris causa e quase fui reitor / porém no meio desta história gloriosa / o caboclo de Rui Barbosa de mim desincorporou / memento , homo , quia pulvis es et in pulverem reverteris ! curriculum vitae , delirium tremens ! consumatum est, persona non grata ! / eu que já era um mestre consagrado / fui então chamado de Doutor Bebum / de catedrático , eu passei a ser lunático / um caso psiquiátrico , um alcoólatra comum/ tudo isso culpa de um traçado / também fui misturar conhaque com rum / agora , quando eu passo , levo vaia / Águia de Haia , Rui Barbosa , Um – Sete – Um !
 E “Fidelidade partidária“, de Nei Lopes, um artigo tão raro nos dias republicanos de hoje: 
“Minha tia – avó Rosária, partideira centenária / perguntou pra mim: “meu neto, o que é fidelidade partidária? “ / pergunta assim tão sumária / tem que ter a necessária resposta / e eu respondo certo o que é fidelidade partidária / por verde – amarelo na indumentária / feijão com arroz na sua culinária / ajudar quem tem situação precária / não fazer acordo com a parte contrária / nem demagogia com a classe operária / gritar que tem gringo pintando na área / gostar de partido igual tia Rosária / isto é fidelidade partidária / rejeitar propina na conta bancária / não ter filial nem subsidiária / amar a patroa mais que a secretária / só fazer amor na sua faixa etária / mas dar uma força pras celibatárias/ que tenham bons dentes na arcada dentária / gostar de partido igual tia Rosária / isto é fidelidade partidária “.
 
    E para encerrar estes cantos tortos em temas adrede de Direito , segue “Errei, erramos“ do mineiro Ataulfo Alves , consagrado na voz de veludo de Orlando Silva :


“ Eu na verdade / indiretamente sou culpado da sua infelicidade / mas se eu for condenado / a tua consciência será meu advogado / mas evidentemente eu devia ser encarcerado / nas grades do seu coração / porque se sou um criminoso és também / nota bem / que estás na mesma infração / venho ao tribunal da minha consciência / como réu confesso / pedir clemência / o meu erro é bem humano / é um crime que não evitamos / esse princípio alguém jamais destrói / errei , erramos “ .

 
    Malandragem , ginga , jogo de cena , pilantragem , bico de ouro , mão leve , vadiagem , bom de queixo , ardiloso , mala sem alça , tudo isso que num cadinho representa a imensa variedade de características presentes em pessoas que habitam o nosso rico e vário cotidiano. Isto nos torna seres únicos e belos a despeito da profissão exercida com o fito de defender o pão nosso de cada dia. Ainda mais, tendo a picardia da música como fermento, faz – se a garantia da festa! In médio virtus!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Nat King Cole, um presente para o Brasil: 1959

   1959: Com a deposição de Fulgêncio Batista (1901– 973), estabelece –se em Cuba uma sanguinária Revolução Comunista comandada por Fidel Castro. Até os dias de hoje, a minúscula ilha caribenha permanece em profundas trevas, com o seu pobre povo subjugado, suas terras arrasadas e orladas por um mar tinto de sangue. Dalai Lama empreende fuga do Tibete rumo ao exílio, em decorrência de assédio do governo chinês. É a brutalidade comunista, com seus tentáculos, espalhando – se pelo mundo e toldando o sol da liberdade. O Rio de Janeiro em 1959 pranteia a partida para o desconhecido da cantora/ compositora Dolores Duran e do compositor Heitor Villa – Lobos. Em compensação, abriram – se em flor para os amantes da música, as seguintes composições: Desafinado (Tom Jobim / Newton Mendonça), Eu sei que vou te amar (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes), Lobo bobo (Carlos Lira / Ronaldo Bôscoli) e, Recado (Luís Antônio/ Djalma Ferreira). Era a Bossa–Nova alçando seus primeiros voos rumo ao sucesso.
 Recado
Você errou quando olhou pra mim/ uma esperança fez nascer em mim / depois levou pra tão longe de nós / seu olhar no meu, a sua voz / você deixou , sem querer deixar / uma saudade enorme em seu lugar / depois nós dois cada qual a mercê do seu destino/ você sem mim , eu sem você / saudade , meu moleque de recado / não diga que eu me encontro neste estado.
   O cantor americano Nat King Cole aportou por aqui em 1959 para duas breves apresentações uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro. Era a nova política do Tio Sam de aproximação com os países de língua espanhola, em plena vigência da Guerra Fria (Rússia/Estados Unidos). O astro já passara pelo México onde gravou sucessos como Quizas, quizas; Tres palavras; Yo vendo unos ojos negros, e na Venezuela onde deslumbrou-se com a música “Ansiedad”, abaixo, em tradução livre:
Ansiedade / de ter-te em meus braços / murmurando palavras de amor / ansiedade / de ter os teus encantos / e tua boca voltar a beijar / quem sabe estão chorando / meus pensamentos / as lágrimas são pérolas / que caem no mar / o eco adormecido/ desse meu lamento/ te faz estar presente / no meu sonhar / quem sabe estás chorando / ao recordar –me / e aperte o meu retrato com frenesi / e chega ao teu ouvido / a melodia selvagem / que é toda tristeza de estar sem ti.

“Quizás, quizás,quizás“, em tradução livre:
Sempre que ti pergunto/ que , quando , como e onde / tu sempre me responde / talvez , talvez , talvez / e assim passam os dias / e eu desesperando / e tu me contestando/ talvez , talvez , talvez / estás perdendo o tempo / pensando , pensando / pelo que mais tu queiras / até quando? Até quando?

   No Brasil, o cantor manteve contato com o melhor da música de então e gravou belas melodias com destaque para Não tenho lágrimas (Milton de Oliveira) e Suas mãos (Antônio Maria), fazendo dueto com Silvia Telles.
Não tenho lágrimas: Quero chorar , não tenho lágrimas / que me rolem na face / para me socorrer / se eu chorasse , talvez desabafasse / o que sinto no peito e não posso dizer / só porque não tenho lágrimas / eu vivo triste a sofrer / confesso que o riso não tem nenhum valor / e a lágrima sentida é um retrato de uma dor / o destino assim quis / de mim se separar /eu quero chorar/ não posso / e vivo a implorar.

Suas Mãos : As suas mãos , onde estão ? / onde está o seu carinho? /onde está você / se eu pudesse buscar / se eu soubesse aonde está / seu amor / você / um dia há de chegar / quando eu não sei / você vai procurar / onde eu estiver / sem amor / sem você.
 
   Neste lamento, Antônio Maria expõe sua eterna solidão de um menino – grande fadado a morrer de amor. E, morreu!  Fortaleza, uma adolescente brejeira, à época, curtia em radiolas nos bares espalhados pelos bairros, ou nas pensões alegres, os sucessos do cantor americano. O necessário acompanhamento etílico fazia – se com Rum Merino, Conhaque de Alcatrão São João da Barra, ou com uma “branquinha “empalhada, lá de Guaramiranga. Outros artefatos mais delicados para a orgia, de uso não convencional, exigiam buscas em locais insalubres como no morro do ouro (Arraial Moura Brasil, o afamado Curral), bem ali tirando fino na Santa Casa de Misericórdia.
     Relatos burlescos da época dão conta de que em certa noite, um conhecido esculápio desta praça, meio desligado das coisas terrenas, fora prestar um atendimento de emergência no famigerado Curral. Um morador em transe, que vendo cobras e lagartos nas paredes, destruía tudo a sua volta, num modesto barraco. Subindo o morro e passando em uma estreita ruela do lugar, sofreu o esculápio, um violento esbarrão de um crioulo de porte avantajado. Ao levantar – se meio aturdido, o doutor, tangendo a sujeira do até então imaculado jaleco branco, deu pelo sumiço de seu caro “Rolex¨. De imediato, empunhando um 38 de cabo perolado, fez parar o homem da favela, que já escorregava maneiro no breu da noite. “O relógio”, exigiu o médico. O “malandro “foi de cara entregando a preciosa mercadoria. Ao chegar em casa o dito doutor desabafa: “Minha velha, tive meu relógio roubado, mas logo recuperei com a ajuda de Deus e de meu “simito-esso” (Smith–Wesson). “Não, você deixou seu relógio em casa sobre a minha penteadeira, meu amor“. É, senhores, está escrito na história que um dia é da caça, o outro do caçador.
   Mas, como ia dizendo, Nat King Cole (1919–1965) nasceu em 17 de março de 1919 em Alabama nos Estados Unidos. O pai, Eduard Cole, açougueiro e diácono da Igreja Batista e a mãe, Perlina Adams, tocava órgão, acompanhando o esposo. Desde cedo aquele gigante de ébano teve intimidade tanto com o jazz como com a música gospel e a clássica. Foi recordista em vendagem de discos e era o cantor predileto de John F. Kennedy. Comandou programas de rádio e televisão que tiveram curta existência por falta de patrocinadores com coragem de bancar um cantor negro. Lutou a vida inteira contra a segregação racial. Em 1956 foi atacado durante um show em Birmingham por três elementos pertencentes a um grupo denominado “Cidadãos brancos de Alabama “. Desde então o cantor evitou apresentações em estados sulistas americanos.
   Em 1958 sua residência em um condomínio de brancos situada em Los Angeles foi atacada por membros da temível organização racista Ku Klus Klan. O conselho do dito condomínio avisou-o que não queriam indesejáveis como vizinhos. Nat concordou e de imediato redarguiu: “Eu também não, e, se eu vir alguém indesejável vindo para cá, serei o primeiro a reclamar “. Nat king Cole faleceu em 15 de fevereiro de 1965, aos 45 anos, na Califórnia, em decorrência de um Câncer de Pulmão. Três maços de cigarro por dia, ao longo do tempo minaram a voz de veludo daquele gigante afro- americano. E não me cobrem a razão, porque o destino não permitiu que cruzassem numa esquina qualquer da vida, a figura de Nat King Cole com os Quixotes, Prof. José Rosemberg, Prof. Mario Rigatto, Dra. Márcia Alcântara, Dr. Josias Cavalcante e Dr. Juvêncio Câmara Junior? Coisas da vida, sei lá! .