terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Adeus 2014


   Caminhando a esmo, seguiam dois provectos senhores, com algodões e fios de prata de luar a lhes tingir os ralos cabelos: eram "o tempo" e eu, amparados um no outro, nas semoventes areias do Porto das Dunas, ai pela boca da noite. Há tempos queria eu uma conversa sóbria com aquele inacessível senhor, mas ele sempre a me fugir por entre os dedos, desaparecia na roda-viva do mundo. E tudo giraria sobre a breve passagem do bicho-homem sobre a terra. Porque ninguém, nem ele, o tempo, que fora gerado pelo ser humano, me advertira sobre a certeza da morte, e nem sobre a sorrateira chegada da velhice e seus achaques. Acreditava eu, equivocadamente,que para sempre seria uma criança a empinar papagaios ou um playboy numa lambreta a desfilar picardia diante da Escola Normal e adjacências. Doce ilusão de um inocente coração de capricórnio. "O tempo" fazia ouvidos de mercador aos meus devaneios e dai me socorri de Quintana e Drummond, dois líricos boêmios para compor uma mesa de bar conosco acerca do tempo, assunto azedo até para Santo Agostinho de Hipona.
   Quintana: "A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa / quando se vê, já são seis horas / quando se vê, já é sexta-feira / quando se vê, já é natal / quando se vê, já terminou o ano / quando se vê, já perdemos o amor de nossa vida / quando se vê, se passaram 50 anos / agora é tarde demais para ser reprovado / se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio / seguiria em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas / seguiria o amor que está a minha frente /e diria que eu o amo / e tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido a falta de tempo /não deixe de ter pessoas a seu lado por puro medo de ser feliz / a única falta que terá, será a desse tempo que, infelizmente nunca mais voltarà".
   Drummond: "Quem teve a Idéia de cortar o tempo em fatias /a que se deu o nome de ano / foi um indivíduo genial / industrializou a esperança / fazendo-a funcionar no limite da exaustão / doze meses dão para qualquer ser humano se cansar / e entregar os pontos / ai entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez / com outro número e outra vontade de acreditar / que daqui para diante vai ser diferente / para você desejo o sonho realizado / o amor esperado/ a esperança renovada / pra você desejo todas as cores desta vida / todas as alegrias que puder sorrir / todas as músicas que puder emocionar / para você neste ano novo/ desejo que os amigos sejam mais cúmplices /que sua família esteja mais unida / que sua vida seja mais bem vivida /gostaria de lhe desejar tantas coisas/ mas nada seria suficiente / então , desejo apenas que você tenha muitos desejos /desejos grandes e que eles possam se mover a cada minuto , rumo a sua felicidade!"
   Por um segundo os olhos fechei respondendo ao piscar das "três marias", lá no breu do céu. Foi a conta. Fugiram, "o tempo", Quintana e Drummond, passando-me um quinau. Sozinho, fiquei a cavaquear com o frio vento da noite a solfejar rimas de amor em meus moucos ouvidos. Seja bem vindo 2015, se achegue, ponha sua cabeça em meu ombro e vamos cavalgar na poesia para aliviar o fardo da vida!

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