quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Quarta-feira de Cinzas
O Brasil , que esquece tudo quando cai na folia momesca, não é, infelizmente, o melhor dos mundos possíveis. Copiando um anacrônico modelo oriundo da Europa, por quatro séculos, e nos últimos cinquenta anos , um equivocado modelo americano, o Brasil caminha para trás, distanciando - se das grandes nações do Norte.
Joga por água abaixo, assim , as chances de se tornar uma grande potência, perpetuando - se como um utópico país do futuro.
Privilegiado territorialmente, tão grande como a China, três vezes maior que a Índia, quatro vezes maior que a Zona do Euro, o Brasil demonstra ao mundo que, tamanho, em si , não é documento.
O sociólogo italiano Domenico De Masi (1938-)
defende que a força de um país não está no seu crescimento econômico, apenas , mas principalmente em sua capacidade de distribuir a riqueza, o trabalho, o poder, o saber, as oportunidades e as proteções.
No Brasil atual, males seculares se perpetuam, como a violência extrema, o incômodo analfabetismo, a corrupção institucionalizada, a desigualdade, a Saúde enferma , a Previdência falida, a Justiça cega, manca, morosa e protetora fiel dos poderosos.
Temos alguma chance num futuro que já nos bate à porta ?
No mundo líquido, digital, tele - trabalharemos, tele - aprenderemos , tele - divertiremo- nos , e se Deus quiser, tele - eliminaremos os malogros deste atual modelo de governança, para todo o sempre, pois de outro modo , nos tele - perpetuaremos como um país de um futuro que nunca chega.


Meu Bloco da Solidão
Terça - feira de Carnaval 2020 , arrumando o palco de desfile do meu Bloco da Solidão, na Praça Rogério Fróes, em Fortaleza, numa apresentação especial para "Bentevis, Rolinhas Caldo de Feijão, e Periquitos Australianos",
todos devidamente acomodados e silentes nas "arquibancadas de Cajueiros, Mangueiras , e Tamarindeiros" da praça:
"Angústia, solidão
Um triste adeus em cada mão
Lá vai meu bloco, vai
Só desse jeito é que ele vai
Na frente sigo eu
Levo o estandarte de um amor
Amor que se perdeu no carnaval
Lá vai meu bloco e lá vou eu também
Mais uma vez sem ter ninguém
No sábado, domingo
Segunda e terça- feira
E quarta - feira vem, o ano inteiro
É sempre assim
Por isso quando eu passar
Batam palmas pra mim
Aplaudam quem sorri
Trazendo lágrimas no olhar
Merece uma homenagem
Quem tem forças pra cantar
Tão grande é minha dor
Pede passagem quando sai
E comigo só, lá vai meu bloco, vai"
Bloco da Solidão, da autoria de Evaldo Gouveia (1928 -) e Jair Amorim (1915-1993).
Logo mais , chegará a quarta-feira com a carruagem do Rei Sol derramando ouro para tudo que é lado, depois que as estrelas forem dormir. E seguirei sozinho meu fadário:
"Manhã, tão bonita manhã
Na vida, uma nova canção
Cantando só teus olhos
Teu riso, tuas mãos
Pois há de haver um dia
Em que virás
Das cordas do meu violão
Que só teu amor procurou
Vem uma voz
Dos beijos perdidos
Nos lábios teus
Canta o meu coração
Alegria voltou
Tão feliz a manhã
Deste amor"
Manhã de Carnaval, composição de Luís Bonfá (1922 - 2001) , e Antônio Maria (1921 - 1964 ).
Simplesmente
Nesta manhã de chuva em Fortaleza, acompanho a mimosa visita da minha irmã jabuti, Frida, aos demais irmãos de jornada, os peixes Guppys, Molinesias e Helostomas - beijadores.
"Simplesmente, para escapar do poder do intelecto,
Das armadilhas das palavras,
Desbravei o mar em busca do conhecimento
Que transborda todo dizer.
Deambulei até desfazerem - se as sandálias
E o que encontrei?
A água no rio, a lua no céu"
Kakuan (séc. XII)
Carnaval 2020
Na intimidade do bicho - homem residem a música, a dança e a inebriante picardia de um palhaço.
Um noctívago que dobrado em si, vagueia solitário na chuva; um pássaro que risca o azul do firmamento; uma folha que a balouçar cai nos braços da terra; tudo emana graça e uma poesia de Chaplin.
Seja bem vindo, o rosto pintado do nobre palhaço, a nos mostrar que o riso e a lágrima, irmãos gêmeos, fazem companhia a todos neste fugaz périplo carnavalesco.
"Heróis da gargalhada, ó nobres saltimbancos/eu gosto de vocês, /porque amo as expansões dos grandes risos francos/e os gestos de entremez/e prezo, sobretudo, as grandes ironias/das farsas joviais/ que em viagens cruéis, imperturbáveis, frias/ à turba arremessada!/alegres histriões dos circos e das praças, /ah, sim, gosto de vos ver/ nas grandes contorções, a rir, a dizer graças/ de o povo enlouquecer,/ ungidos pela luta heróica, descambada, / de giz e de carmim,/nas músicas sem par, heróis da bofetada,/ titãs do trampolim!/ correi, subi, vai num turbilhão fantástico/ por entre as saudações/da turba que festeja o semideus elástico /nas grandes ascensões, /e no curso veloz, vertiginoso, aéreo, /fazei por disparar/na face trivial do mundo egoísta e sério,/a gargalhada alvar !/depois, mais perto ainda, voltar no espaço, /pregai-lhe, se podeis,/Um pontapé furtivo,ó lívido palhaços, /luzentes como reis!/
Eu rio sempre, ao ver aquela majestade,/os trágicos desdéns/com que vos divertis, cobertos de alvaiade, /a troco de uns vinténs !/ mas rio ainda mais dos histriões burgueses/cobertos de ouropéis, /que tornam neste mundo, em longos entremezes, /a sério os seus papéis. /são eles, almas vãs , consciências rebocadas,/que enfim merecem mais/o comentário atroz das rijas gargalhadas/que às vezes disparais!/portanto, é rir, é rir, hirsutos , grandes, lestos,/nas cômicas funções, /até morrer, em desmanchados gestos,/de riso às multidões !/e eu, que amo as expansões dos grandes risos francos/ e os gestos de entremez, /deixai - me dizer isto, ó nobres saltimbancos: EU GOSTO DE VOCÊS !"
Os Palhaços, da autoria do poeta português Guilherme de Azevedo (1839 - 1882 )
Ontem na rua Domingos Olimpio, assistindo um bom carnaval , inocente e puro. Longe , bem longe da Sapucaí com mambembes "sambas do crioulo doido" lembrando o grande Stanislaw Ponte Preta. Minha saudação aos verdadeiros palhaços!


Maracatu Solar / 2020
Desfile há pouco no asfalto da rua Domingos Olimpio, do Maracatu Solar :


"Ser Obaluaê
Se a solidão nos ferir
Sorrir, agir e caminhar
Quando o corpo cansado
E a mente vaga
Não quiser mais crer
Ser Obaluaê
No opanijé dançar
Saltar feito pipoca
No calor que aflora
A qualquer hora da evolução
Na alegria de ver
Aumentar o grão
Saudável crescer
Ser Obaluaê
Filho da dor
Senhor da terra
Que o amor encerra
Toda transformação
E o sol ainda há de brilhar
Entre as palhas
Que cobrem nossas feridas
Armadilhas antigas
Guardadas em segredo
São enfim nossos medos
Que agora viemos cantar.
Ser Obaluaê Atotô
Meu tambor ainda toca
Dentro e em qualquer lugar
Para seguir e caminhar
Viver e se curar... Ser Solar "
( Pingo de Fortaleza )


Fim da tarde de sábado, na " Marquês do Sapo que Caiu" - Rua Domingos Olimpio - Fortaleza , aguardando os Maracatus . Morei na minha distante juventude neste local. Hoje procuro os bares de antanho e as "garotas" que dividiram comigo conhecimentos de vida e um afeto puro / verdadeiro , longe dos atropelos do destino. Em meio a muitas quedas, o melhor ficou no levantar.
Dentro do peito e na parede da memória guardo os velhos carnavais regados a inocentes "Cloretil e Cuba Libre".
Tudo bem , a vida é um rio de Heráclito de Éfeso, que sempre segue em frente renovando as águas e os viventes .
Viva Zé Pereira !
Ontem e Hoje: Doutores do Trabuco

"Não podemos continuar de cócoras com os vícios dos que não sabem compreender os valores de nossa civilização, que gradualmente se desenvolve pelo surto criativo de nossas imaginações e que encerram sempre o nosso melhor progresso.
Solta Pedro I , o grito do Ipiranga. E o caboclo, de cócoras. Vem, com o 13 de maio, a libertação dos escravos : e o caboclo acocorado. No cenário da revolta , entra Floriano, Custódio e Gumercindo, se joga a sorte do país, esmagada quatro anos por incitatus, e o caboclo ainda com os joelhos à boca. Cada um desses baques, a cada um desses estrondos, soergue o torso, espia, coça a cabeça, "magina", mas volve à modorra e não dá pelo resto"

Rui Barbosa (1849 - 1923 )

"O Ceará é o ferreiro maldito, de quem fala a lenda popular: quando tem ferro , falta carvão. É nadador contra a corrente, que nunca chega; o caranguejo que anda e desanda; o eco a repetir a pergunta sem lhe dar resposta; o nó sem ponta; o sonho que promete em sombras que não se distinguem bem, a vaga esperança, enfim, para a qual nunca chega o dia.

Há cem anos, um povo gigante, a mover - se, não adianta um passo, como frágil esquife sobre as ondas, que a corrente impele, e o vento faz recuar. Não lhe falta a alma. São os deuses, que o condenam à pena de Tântalo - morrer de sede à beira do regato. Os diretores mentais do Ceará morreram ou foram longe procurar um teatro para exibição de sua intelectualidade; e crestam na penúria os rebentos da capacidade cearense a disputarem um pouco de ar que , aliás, lhe mate o estímulo; o ar mefítico das baixas regiões oficiais ...
Que seja para os netos de nossos netos, não importa. O mundo não é tão curto, que acabe em nós; e cem anos, na ordem dos tempos é muito menos de um til nos lábios "

Crônica "O Ferreiro da Maldição" , datada de 1903 , da autoria do cearense João Brigido dos Santos ( 1829 - 1921 )

"Ó míseras mentes humanas ! Ó cegos corações! , como lamenta Lucrécio (94- 50 a.C), poeta e filósofo romano , a insensatez de homens, que em vez de gozarem com inteligência e moderação as boas coisas da vida, impõem a si mesmos e ao povo, mil sacrifícios, devorados pela ambição do dinheiro, do mando, como pérfidos doutores do trabuco em pleno século XXI.

Millôr Fernandes, Um Gênio
Milton Viola Fernandes ( 1923 - 2012 ), ou Millôr Fernandes, foi um ícone da cultura brasileira , um humanista com um visão cética do mundo.
Um ser múltiplo e genial: poeta , humorista, jornalista, artista plástico ( 4 exposições) , escritor ( 36 livros ) , teatrólogo ( 22 peças) , tradutor ( 60 peças) , e mais, ator e filósofo.
Desde cedo na vida exerceu atividades laborais, começando aos 14 anos de idade na Revista O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand. Viveu entre os grandes e sempre mexeu com os poderosos de plantão.Reuniu em sua volta, figuras como Ziraldo, Jaguar , Stanislaw Ponte Preta , Paulo Francis, Henfil, Fortuna , Luís Carlos Maciel.
Em sua estreia na Revista Veja, no ano de 1968 escreveu :
" E lá vou eu de novo sem freios nem paraquedas. Saiam da frente, ou debaixo que , se não estou radioativo, muito menos estou radiopassivo... Já não se fazem Millôres como antigamente! Nasci pequeno e cresci aos poucos. Primeiro me fizeram os meios e , depois as pontas. Só mais tarde cheguei aos extremos... Fiz três revoluções, todas perdidas, a primeira contra Deus, e ele me venceu com um sórdido milagre . A segunda com o destino, e ele me bateu, deixando - me só com o meu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, é bom parar por aqui... Creio que a terra é chata. Procuro não sê- lo. Nunca ninguém me ensinou a pensar , escrever ou a desenhar, coisa que se percebe facilmente, examinando qualquer dos meus trabalhos"
" Só uma coisa preenche tudo - o nada "
" Só conheço um afrodisíaco - mulher "
" Quem não lê é mais analfabeto do que quem não sabe ler"
" Brasil, a prova de que geografia não é destino"
Nas noites de Brasília, cheias de mordomia, todos os gastos são pardos "
Brasília prova ; os países também se suicidam"
" Inflação- onde comem dois , come um "
" Em Brasília não se chama mais ninguém de ladrão, mas de pessoa movida pela ideologia da propina ".
Millôr Fernandes deixou órfão o Brasil que tanto amou, no dia 27 de março de 2012 aos 88 anos de idade.
Seu epitáfio: " Não contem mais comigo "
Um gênio !
"Envelhecer com Mel ou Fel ?"
"Conheço muitas pessoas que estão envelhecendo mal. Desconfortavelmente. Com uma infelicidade crua na alma. Estão ficando velhas, mas não estão ficando sábias. Um rancor cobre - lhes a pele, a escrita e o gesto. São críticos azedos do mundo. Em vez de críticos, aliás, estão ficando cítricos sem nenhuma doçura nas palavras. Estão amargos. Com fel nos olhos.
E alguns desses, no entanto, teriam tudo para ser o contrário: aparentemente tiveram sucesso em suas atividades. Maior até do que mereciam. Portanto a gente pensa: o que querem ? Por que essa bílis ao telefone e nos bares ? Por que esse resmungo pelos cantos e esse sarcasmo que se pensa humor? Isto está errado. Errado , não porque esteja simplesmente errado, mas porque tais pessoas vivem numa infelicidade abstrusa. E, ademais, deveria - se envelhecer maciamente . Nunca aos solavancos. Nunca aos trancos e barrancos. Nunca como alguém caindo num abismo e se agarrando aos galhos e pedras, olhando enquanto despenca. Jamais também, como quem está se afogando, se asfixiando ou morrendo numa câmara de gás.
Envelhecer deveria ser como planar. Como quem não sofre mais (tanto), com os inevitáveis atritos. Assim como a nave que sai do desgaste da atmosfera e vai entrando noutro astral, e vai silente, e vai gastando nenhum - quase combustível, flutuando como uma caravela no mar ou uma cápsula no cosmos.
Os elefantes, por exemplo , envelhecem bem. E olha que é uma tarefa enorme. Não se queixam do peso dos anos, e nem da ruga do tempo, e, quando percebem a hora da morte, caminham pausadamente para um certo lugar - o cemitério dos elefantes, e aí morrem, completamente, com a grandeza existencial só aos sábios permitida.
Os vinhos envelhecem melhor ainda. Ficam ali nos limites de sua garrafa, na espessura de seu sabor, na adega do prazer. E vão envelhecendo e ganhando vida, envelhecendo e sendo amados, e, porque velhos , desejados. Os vinhos envelhecem densamente. E dão prazer.
O problema da velhice também se dá com certos instrumentos. Não me refiro aos que enferrujam pelos cantos, mas um envelhecimento atuante como o da faca. Nela o corte diário dos dias a vai consumindo. E no entanto, ela continua afiadíssima , encaixando- se nas mãos da cozinheira como nenhuma outra faca.
Vai ver, a natureza deveria ter feito os homens envelheceram diferente. Como as facas, digamos ,por desgaste, sim, mas nunca desgastante. Seria uma suave solução: a gente devia ir se gastando, se gastando, se gastando até se evaporar. E aí iam perguntar : cadê fulano ? E alguém diria : gastou - se foi vivendo, vivendo, e acabou. Acabou , é claro, sem nenhum gemido ou resmungo.
Isto seria muito diferente de ir envelhecendo por um processo de humilhações sucessivas, como essa coisa de ir deixando rins, pulmões, dentes e intestinos pelas mesas de cirurgia, numa mutiladora dispersão .
Acho que o que atrapalha alguns maus envelhecedores é a desmesurada projeção que fizeram de si mesmos. Se dimensionaram equivocadamente. Deveria ser proibido, por algum mecanismo biológico, colocarmos metas acima de nossas forças.
Seria a única solução de acabar com a fábula da raposa e as uvas. Assim a raposa não envelheceria resmungando por não ter devorado o que não lhe pertencia. Deveria , portanto, haver um relais, que desligasse nossos impulsos toda vez que quiséssemos saltar obstáculos para os quais não temos músculos.
Assim sofreríamos menos e não amargaríamos ter tido certas mulheres, conquistando certos reinos, escrito certas obras primas.
A literatura tem lá seus personagens - símbolos a esse rsspeito: o Fausto e Dorian Gray. Apavorados com a velhice e a morte, venderam a alma ao diabo, e em troca pediram a juventude de volta. Não deu certo. O diabo não joga para perder. Dizem que a única vez que foi realmente derrotado foi naquela disputa com o próprio Deus a respeito de Jó. Mesmo assim , deu um trabalho danado.
Especialistas vão dizer que envelhece mal o indivíduo que não realizou suas pulsões eróticas essenciais; que deixou coagulado ou oculta uma grande parte de seus desejos. Isto é verdade. Parcial porém. Pois não se sabe por que estranhos caminhos de sublimação, há pessoas que, embora roxas de levar tanta pancada da vida, tem , contudo, um arco - íris na alma.
Bilac dizia que a gente deveria aprender a envelhecer com as velhas árvores. Walt Whitman tem um poema onde vai dizendo: " Penso que podia viver com os animais que são plácidos e bastam - se a si mesmos".
Ainda agora tirei os olhos do papel e olhei a natureza em torno. Nunca vi o sol se queixar no entardecer. Nem a lua chorar quando amanhece ".
Texto exemplar e profundo de autoria do escritor e poeta mineiro Affonso Romano de Sant'Anna (1937 -) : Envelhecer com Mel ou Fel .

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Chuva com Ventania em Fortaleza
Chuva forte com rajadas de vento, em Fortaleza. Prenúncio de um bom inverno.
Abre as torneiras , São Pedro , para aliviar este povo sedento !
" Tomara que chova , oi
Três dias sem parar
A minha grande mágoa
É lá em casa não ter água
E eu preciso me lavar
De promessa eu ando cheia
Quando conto a minha vida
Ninguém quer acreditar
O trabalho não me cansa
O que me cansa é pensar
Que lá em casa não tem água
Nem pra cozinhar "
Marchinha de Carnaval " Tomara que Chova" , da autoria de Paquito e Romeu Gentil, gravada em 1950, por Emilinha Borba ( 1923 - 2005 ) , a Eterna Rainha do Rádio.
Balzaquiana , Carnaval de 1968
Ao poeta e boêmio Dr. Francisco Pessoa.


A mimosa Praça do Ferreira, regurgitava de gente, naquela noite chuvosa de fevereiro de 1968 , para viver um pré - carnaval com um desfile dos maracatus Ás de Ouro, Ás de Espada , e Leão Coroado.
Um jovem quase imberbe , fizera a trilha a pé desde a sua residência na rua Domingos Olímpio até o centro da cidade para curtir o rodopio de derviches daquelas negras baianas com seus vestidos rendados, carregando um cesto de frutas à cabeça e exibindo um sorriso Colgate nos cheios lábios escarlates.
Quando o rapaz deu por si, um fofo braço já envolvia amorosamente sua cintura. Era uma dama madura , uma moldura balzaquiana, de olhar faiscante , como o negrume da noite, com uns seios pétreos a lhe cutucar as entranhas. O mancebo em apreço, que há pouco largara a pele da infância , apreciou aquele amplexo morno e quieto. Nenhuma palavra fora trocada entre ambos. Aquela flecha do Cupido surgida do nada carimbara o pescoço do jovem com um cheiro pra lá de gostoso provocando labaredas nas entranhas do mesmo.
"Não quero broto/não quero, não quero, não/não sou garoto para viver só de ilusão/sete dias na semana/eu preciso ver minha balzaquiana/o francês sabe escolher/ por isso ele não quer qualquer mulher/papai Balzac já dizia/Paris inteiro respondia/Balzac acertou na pinta/ mulher só depois dos trinta "
Composição musical Balzaquiana, da autoria de Nássara e Wilson Batista.
Até aquela altura do campeonato, o inocente jovem jogara bola em peladas preliminares nas incertezas do amor.
"- E aí, bonitão, com esta pinta de rabo de burro, você faz o que na vida ? Perguntou a novel parceira.
"Estou iniciando um longo curso para aprender a pastorear almas com problemas de saúde , por este mundo afora", respondeu o assustado estudante.
"Pois eu sou uma viúva de marido vivo, perdida num túnel escuro e frio, desamparada nas artimanhas do amor "
Outros encontros furtivos aconteceram entre os dois pombinhos, até que um dia aquela agradável mestre , sumiu engolida pelo breu da noite. O aprendiz de pastor passou por maus bocados em noites insones , inquieto, com febre interna, quase um alucinado naquela enorme carência afetiva.
Certa feita, passando na frente da casa da balzaquiana , o doente de amor em pauta , viu uma placa indicando " aluga - se este imóvel ". Uma vizinha que varria a calçada, falou para o moço, que blefando alegara interesse naquele negócio.
Soube então que a inquilina partira, de súbito, às caladas da noite , carregada à força pelo marido, que fugira da cadeia pública onde cumpria pena por ter degolado um amante daquela balzaquiana.
Dizem que o casal partira para a Amazônia em busca de paz e de ouro.
O jovem saiu de fininho, alisando suavemente o pescoço, prometendo jogar flechas de Cupido em alvos mais maneiros, para juntos beberem o néctar da vida, a simples partilha do amor, despetalando rosas, de preferência com poucos espinhos !
"De tanto levar fechada do teu olhar/meu peito, agora/parece sabe o que ?/ tábua de tiro ao alvo/não tem mais onde furar/teu olhar mata mais/que bala de carabina/que veneno estricnina/que peixeira de baiano/teu olhar mata mais que atropelamento de automóvel/mata mais que bala de revólver "
Composição musical da autoria de Adoniran Barbosa.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

As Duas Faces de Momo
O dualismo, referente a duas coisas opostas toma feição no macrocosmo/microcosmo; céu/terra ; masculino /feminino; luz/treva ; vida/morte; alegria/tristeza.
Assim se apresentava o tríduo momino na adolescente Fortaleza , nos idos de 60 do século passado.
Blocos, Cordões, Maracatus, e uma exótica "família de cangaceiros" devidamente paramentada, com o Capitão Valdir Saldanha , sua esposa e filhos , ao som do resfolego de uma sanfona de 8 baixos puxando um xote , espargia alegria /tristeza, entre o povo que se acotovelava naquele reduto do corso na Avenida Duque de Caxias .
Era uma pândega!
"Adeus, Adeus
Só o nome ficou...
Adeus Praia de Iracema
Praia dos amores
Que o mar carregou...
Quando a lua te procura
Também sente saudade
De tudo que passou:
De um casal apaixonado
Entre beijos abraçado
Que tanta coisa jurou
Mas a causa do fracasso
Foi o mar enciumado
Que da praia se vingou"
Composição musical " Adeus , Praia de Iracema " da autoria de Luiz Assunção (1902 - 1987) , nascido em São Luiz, Maranhão, e que viveu longeva boêmia, em Fortaleza, no Ceará, ostentando uma magreza ímpar, sempre vestido de branco e com pisantes de duas cores, até partir rumo ao infinito.
" Você tem quase tudo dela
O mesmo perfume
A mesma cor, a mesma rosa amarela
Só não tem o meu amor
Mas nestes dias de carnaval
Você vai ser ela
O mesmo perfume , a mesma cor
A mesma rosa amarela
Mas não sei o que será
Quando chegar a lembrança dela
E de você apenas restar
A mesma rosa amarela
A mesma rosa amarela "
Composição " A Mesma Rosa Amarela " , com música de Capiba (1904 - 1997) , e letra do poeta , boêmio e cometa rápido, Carlos Souto Pena Filho (1929 - 1960) .
Crônica psicografada por Chico Barrão, e Chico Pipiu.
A Parábola do Anel de Gyges , Hoje
A parábola do Anel de Gyges, descrita no livro A República (360 a.C), de Platão (424 - 348 a.C), desnuda um pastor de ovelhas, até então, um homem virtuoso, que passa a realizar ações impróprias, depois que encontra um anel que o torna invisível, ao ser manipulado de um modo, e que retorna ao normal com nova movimentação. Gyges, por conta disto, faz-se capaz de toda audácia.
Isto posto, adeus inocência e probidade !
Nasce daí a máxima " o poder absoluto corrompe absolutamente ".
Hodiernamente, nossa civilização encontra -se , uma vez mais , à beira do abismo, não só em suas fronteiras geográficas, mas na iminente implosão espiritual do bicho- homem corroído pelo cancro da corrupção.
No plano físico, o ser humano, num esmero excessivo, dedica boa parte de seu tempo em academias de ginástica, alimentando seus músculos. No plano espiritual , contudo, muitos mourejam na lama da corrupção, onde políticos, juízes e líderes religiosos, manuseiam a seu bel prazer o anel de Gyges que os tornam inalcançáveis ao frágil braço da Justiça humana !
"O critério de decadência de uma pessoa, uma Igreja, é quando ela serve em primeiro lugar os mais poderosos, os mais ricos... em vez de servir com prioridade os mais sofredores e os mais pobres" ( Michel Quoist , 1921 - 1997 ).

domingo, 9 de fevereiro de 2020



Os Primórdios da Medicina Grega
A sublime herança da arte de curar remonta à antiguidade grega. Os deuses da época abarcavam todas as atividades humanas , viviam e procriavam com os mortais. Assim, o deus Apolo teve uma mortal, Corônis , como amante, que grávida, coabitou com o belo mortal Ísquis. Um dos corvos brancos de Apolo assistiu a tal traição, e de pronto , alertou a Apolo , que zangado , transformou o corvo, seus descendentes e semelhantes, como urubus e gralhas , a partir de então, em aves negras.

Apolo pediu que sua irmã, Ártemis, o vingasse, e assim foi feito. Corônis foi morta por flechas envenenadas. De seu ventre foi retirado um menino , Asclépios , logo entregue para o centauro Quíron - mestre na arte da medicina e farmácia- , que o educou com esmero até a idade adulta.
Asclépio casou - se com Epíone , que lhe deu sete filhos , todos ligados à arte da medicina : Hígia, Panaceia , Aceso, Iaso, Macaon, Podalírio e Telésforo.
Pulando no tempo, um heroi hodierno, digno filho de Asclépio , Li Wenliang , um oftalmologista chines, de 34 anos , por conta de uma virose , partiu para os " Campos Elísios", para as " Ilhas dos Abençoados " onde vivem os Bons, Justos e Virtuosos , para sempre !
Boa Viagem , Caro Mestre !

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020



A Grande Dama de Branco, Hoje
"Os que se vão, vão depressa,
Ontem, ainda, sorria na espreguiçadeira.
Ontem, dizia adeus, ainda, da janela.
Ontem vestia, ainda, o vestido tão leve cor- de- rosa.
Os que vão, vão depressa.
Seus olhos grandes e pretos há pouco brilhavam,
Sua voz doce e firme faz pouco ainda falava,
Suas mãos morenas tinham gestos de bênçãos.
No entanto hoje, na festa ela não estava.
Nem um vestígio dela, sequer,
Decerto sua lembrança nem chegou, como os convidados -
alguns, quase todos, indiferentes e desconhecidos.
Os que se vão, vão depressa.
Mais depressa que os pássaros que voam no céu,
Mais depressa que o próprio tempo,
Mais depressa que a bondade dos homens,
Mais depressa que os trens correndo nas noites escuras,
Mais depressa que a estrela fugitiva
Que mal faz um traço no céu.
Os que se vão, vão depressa.
Só no coração do poeta, que é diferente dos outros corações,
Só no coração sempre ferido do poeta
É que não vão depressa os que se vão.
Quem ainda sorria na espreguiçadeira,
E o seu coração era grande e infeliz.
Hoje, na festa ela não estava, nem a sua lembrança.
Vão depressa, tão depressa os que se vão..."
Poema " A Ausente " , da autoria de Augusto Frederico Schmidt (1906 - 1965 ): poeta da segunda fase do modernismo, , diplomata e empresário.
Hoje neste mundo plano e líquido, " A grande Dama de Branco " , por conta de um certo microscópico envelope de vida - um vírus- espalha o medo entre a população vivente. Com a palavra urgente , os cientistas e suas milagrosas descobertas !

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Chove no Ceará

"Chove na minha terra !
Chove no Ceará!
Tudo é verde para a volúpia dos olhos
E as águas cantam para gozo dos ouvidos.
Há delícia, prazer e encantamento,
Há festa para todos os sentidos !
Chove na minha terra !
Chove no Ceará!
O Sol é um amante que se esconde,
Para tornar - se mais amado , ainda.
E o cearense, com sua alma de girassol,
Abençoa a chuva,
Mas pensa no sol, tem saudades do sol...
Chove na minha terra !
Chove no Ceará!
Os açudes erguem músculos de pedra,
Para conter as águas desencarceradas,
As águas desacorrentadas ,
Que saltaram montes,
Estrangularam árvores,
Vararam grotões, em disparada louca,
E chegam, enfim, cansadas,
Fatigadas,
Deitando troncos e espuma pela boca...
Agora, aos olhos que choraram tanto,
Uma paisagem nova se descerra,
Enquanto
A chuva rola,
Como um pranto
Que erra
Pela face de um santo
Ou de um herói que triunfou na guerra.
Pela face de alguém
Que venceu o destino, vence e vencerá!
Pela tua face, minha terra !
Chove no Ceará!
Poema " Chove no Ceará " , da autoria de Antônio Filgueiras Lima ( 1909 - 1965 ) , nascido em Lavras da Mangabeira , no Ceará : poeta , educador , político, advogado . Pertenceu à Academia Cearense de Letras, Cadeira 21, patroneada por José de Alencar. Publicou : Festa de Ritmos ( 1932 ); Ritmo Essencial ( 1944 ) ; Terra da Luz ( 1956 ) ; O Mágico e o Tempo ( 1965 ).