terça-feira, 30 de outubro de 2018

O Ceará e o Dia Nacional do Livro
Ao Dr. Eurípedes Chaves Júnior

"Terra do sol, do amor, terra da Luz !
Soa o clarim que a tua glória canta !
Terra , o teu nome a fama aos céus remonta
Em clarão que seduz !
Nome que brilha - esplêndido luzeiro
Nos fulvos braços de ouro do cruzeiro!
Mudem- se em flor as pedras dos caminhos !
Chuvas de pratas rolam das estrelas
E, despertando, deslumbrada ao vê- las
Ressoe a voz dos ninhos
Há de florar nas rosas e nos cravos
Rubros o sangue ardente dos escravos
Seja o teu verbo a voz do coração
Verbo de paz e amor do Sul ao Norte !
Ruja teu peito em luta contra a morte
Acordando a amplidão
Peito que deu alívio a quem sofria
E foi o sol iluminando o dia !
Tua jangada afoita enfune o pano !
Vento feliz conduza a vela ousada
Que importa que teu braço seja um nada
Na vastidão do oceano
Se à proa vão heróis e marinheiros
E vão no peito corações guerreiros?
Se nós te amamos, em aventuras e mágoas!
Porque esse chão que embebe a água dos rios
Há de aflorar em messes, nos estios
E bosques, pelas águas!
Selvas e rios, serras e florestas
Brotem do solo em primorosas festas !
Abra - se ao vento o teu pendão natal
Sobre as revoltas águas dos teus mares !
A Vitória imortal!
Que foi de sangue , em guerras leais e francas
E foi na paz, da cor das hóstias brancas "
Hino do Ceará, da autoria de Alberto Nepomuceno e Thomas Pompeu Ferreira Lopes.
Meu querido Ceará, levanta e ouça as vozes sábias, nesta ocasião , dedicada ao Dia Nacional do Livro ( 29 de Outubro) :
" Oh ! Bendito o que semeia
Livros à mão cheia
E manda o povo pensar !
O livro caindo n'alma
É germe que faz a palma
É chuva - que faz o mar " ( Castro Alves )
" Um país se faz com homens e livros ( Monteiro Lobato)

domingo, 28 de outubro de 2018

Suíte do Pescador
Para a Dra. Lenna Torquato

"Minha jangada vai sair pro mar 
Vou trabalhar, meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer
Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer
Adeus, adeus
Pescador não esqueça de mim
Vou rezar pra ter bom tempo, meu nêgo
Pra não ter tempo ruim
Vou fazer sua caminha macia
Perfumada com alecrim "
Canção Suíte do Pescador , da autoria do baiano genial, Dorival Caymmi.
Nesta luminosa manhã de sábado na Praia do Japão, em Aquiraz, uma solitária jangada de vela vermelha, repousa na areia, acariciada pelo deus Éolo dos ventos. Segundo escutei, há pouco do deus Netuno , faz -se prudente tal embarcação vermelha não se aventurar no proceloso mar neste fim de semana pois um "tsunami avassalador " , célere, se aproxima.
Convém acatar , posto que , seguro morreu de velho !

sexta-feira, 26 de outubro de 2018


"O verdadeiro patriotismo não é o amor dos negócios rendosos que no seio da pátria podem dar a riqueza e a independência; não é a interessada gratidão pelas honrarias que dentro dela podem granjear; não é também o embevecido êxtase ingênuo e fútil, diante da beleza de suas paisagens, do esplendor do seu céu, da uberdade do seu solo.
É sim, um amor elevado e austero, que reconhece os defeitos da pátria - não para amaldiçoá - los ou para rir deles , mas para perdoá - los , estudá - los e corrigi - los; é um amor que se enraiza mais no meio moral do que no meio físico, e vai procurar a sua seiva nutritiva no âmago longínquo do passado , no sacrossanto húmus das origens da raça , da língua, da história, e no padecimento obscuro, anônimo das gerações que antes da nossa viveram, suaram e penaram na terra que servimos e adoramos! Este é o nosso patriotismo com que deveis de ora em diante honrar a nossa terra."
Crônica O Patriotismo , de Olavo Bilac ( 1865 - 1918 ) , poeta , contista , cronista e jornalista brasileiro.


Poesia brotando do asfalto
Para minha filha Ana Lis

Agora cedo, um homem simples , num semáforo, me oferece um mimo : um gafanhoto talhado numa folha natural de uma planta. Delicadeza e maestria de um anônimo caminhante. É a mão estendida de Deus nos cruzamentos da vida .
"Numa folha qualquer /eu desenho um sol amarelo/e com cinco ou seis retas/é fácil fazer um castelo.../corro o lápis em torno/da mão e me dou uma luva/com dois riscos/tenho um guarda - chuva.../se um pinguinho de tinta/cai num pedacinho/azul do papel/num instante / imagino/uma linfa gaivota/a voar no céu.../vai voando/contornando a imensa /curva Norte e Sul/vou com ela/viajando Havaí/Pequim ou Istambul/pinto um barco a vela/branco navegando/é tanto céu e mar/num beijo azul/entre as nuvens/vem surgindo um lindo/avião rosa e grená/tudo em volta colorindo/com suas luzes a piscar/basta imaginar e ele está /partindo, sereno e lindo/se a gente quiser/ele vai pousar/numa folha qualquer/eu desenho um navio/de partida/com alguns bons amigos/bebendo de bem com a vida ..."
Canção Aquarela de autoria de Toquinho e Vinícius de Moraes.

"Minha vida que parece muito calma
Tem segredos que eu não posso revelar
Escondidos bem no fundo de minh'alma
Não transparecem nem sequer em um olhar
Vive sempre conversando a sós comigo
Uma voz que eu escuto com fervor
Escolheu meu coração pra seu abrigo
E dele fez um roseira em flor
A ninguém revelarei o meu segredo
E nem direi quem é o meu amor "
Doce Mistério da Vida ( Victor Herbert )
Belchior , nascido em 26 de outubro de 1946 : Saudades !

terça-feira, 23 de outubro de 2018




Não pode mirar a lua sem calcular a distância. 
Não pode mirar uma árvore sem calcular a lenha.
Não pode mirar um quadro sem calcular o preço. 
Não pode mirar um menu sem calcular as calorias.
Não pode mirar um homem sem calcular a vantagem.
Não pode mirar uma mulher sem calcular o risco.

" Janela sobre um homem de êxito " do mago Eduardo Galeano 


(1940-2015), retirado do livro " As Palavras Andantes" - 1993.

domingo, 21 de outubro de 2018

Dia do Médico

"Senhor Jesus, Médico divino,
Que em tua vida terrena
Tiveste predileção pelos que sofrem
E encomendaste a teus discípulos
O ministério da cura,
Faz que estejamos sempre dispostos
A aliviar os sofrimentos de nossos irmãos.
Faz que cada um de nós
Consciente da grande missão que lhe há sido confiada,
Se esforce por ser sempre instrumento
De teu amor misericordioso em seu serviço diário
Ilumina nossa mente.
Guia nossa mão.
Faz que nosso coração seja atento e compassivo.
Faz que em cada paciente
Saibamos descobrir os traços de teu rosto divino.
Tu, que és o caminho,
Conceda - nosa graça de imitar - te cada dia
Como médicos não só do corpo
Senão também de toda a pessoa,
Ajudando aos enfermos
A percorrer com confiança seu caminho terreno
Até o momento do encontro contigo.
Tu, que és a verdade,
Dá - nos sabedoria e ciência
Para penetrar no mistério do homem
E de seu destino transcendente,
Enquanto nos acercamos dele
Para descobrir as causas do mal
E para encontrar os remédios oportunos.
Tu, és a vida,
Concede - nos anunciar e testemunhar em nossa profissão
O evangelho da vida,
Comprometendo- nos a defendê - la sempre,
Desde a concepção até seu término natural,
E a respeitar a dignidade de todo ser humano,
Especialmente dos mais débeis e necessitados.
Senhor, faz- nos bons samaritanos,
Dispostos a acolher, curar e consolar
A todos aqueles com quem nos encontramos
Em nosso trabalho.
A exemplo dos médicos santos que nos tem precedido,
Ajuda - nos a dar nossa generosa acolhida
Para renovar constantemente as instituições sanitárias.
Bendiz nosso estudo e nossa profissão.
Ilumina nossa investigação e nosso ensino.
Por último, concede - nos que,
Havendo - te amado e servido constantemente
Nossos irmãos enfermos,
Ao final de nossa peregrinação terrena
Possamos contemplar teu rosto glorioso
E experimentar o gozo do encontro contigo,
Em teu reino de alegria e paz infinita.
Amém.
Oração proferida por João Paulo II ( 1920 - 2005 ).



Como Numa Fábula Antiga


Uma velha raposa rubra, de maus bofes, afronta grosseiramente, um bom galo de briga , e elabora canhestramente uma razão qualquer para liquidar aquele impertinente antagonista.
A primeira acusação, perfidamente imaginada, foi a de que o galo, importuna as raposas, impedindo -as de dormir sossegadamente , com seus molestos cantos , noite adentro.
O galo bom de briga , faz sua defesa argumentando que seu "toque de alvorada matinal" serve, apenas, para despertar as raposas para suas atividades laborais.
A velha raposa vermelha , pouco afeita ao trabalho, volta à carga, com nova acusação, desta feita, respaldada por uma banca de "raposas - adevogadas " constando que o indigesto galo se utiliza de meios escusos para angariar adeptos para cerrarem fileiras, sem nenhuma vantagem financeira, em seu favor. 
Novamente , o dito galo se defende alegando inocência , já que seus seguidores fiéis apenas representam amigos de verdade , e não, "amigos da onça/raposa" !
Moral da História:
Para uma malvada raposa vermelha afeita a atos de agressão, não se leva em conta nenhuma classe de razoabilidade. O que vale é a força bruta ou o uso da foice e do martelo.


- Dia do Poeta -

Homenagem a todos os Poetas;
em especial ao amigo Escritor e Poeta:
Francisco José Eleutério!
"Um rei medroso,
ordenou que fossem mortos
todos os pássaros do seu reino.
Assim se cumpriu.
Daquele dia em diante,
o canto que nascia vinha das entranhas das pedras.
Deu-se uma quebra no encantamento das coisas;
e dragões desembocaram do espaço.
Parecia que o mundo inteiro findava.
O rei,
desobrigado de sonho;
fechou os seus olhos de esquecer de acordar.
Então, as crianças se aliaram aos poetas
e desenharam um poema
de passarinhos ressuscitados.
Foi aí que pequeninas pedras
animaram-se a levitar.
Pouco a pouco ganharam penas,
bico, asas, gorjeio de pássaro.
E as crianças descobriram
que pedrinhas coloridas
são passarinhos disfarçados de chão.
Segredo milenarmente guardado.
Só o sabem, as crianças e os poetas."
♡ JCG

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O DIA DO PROFESSOR , UMA LEMBRANÇA
“ Vem cá , filho meu, disse-me minha mãe um dia. Quero que respondas com honestidade uma questão importante que vou lhe arguir . Quero saber neste momento se algo justifica que tenhas desejado ser professor . Diz- me , filho : se Deus te dera a ventura de voltar a nascer novamente , o que gostarias de ser ?
- Serias sacerdote?
- Creio em Deus, mãe, não nego sua existência, porém minha forma de sentir é tão débil que prefiro ser outra coisa.
- Provavelmente serias um médico?
- Os doutores, mãe, são seres que escolheram a missão mais difícil na vida, cuidar e preservar a vida humana .Bela profissão, porém não a desejo .
- Então, engenheiro?
Também, não, mãe, creio que jamais tenha pensado em laborar transformando matérias inertes em possíveis Torres de Babel . Engenheiro, jamais!
- Agora, se bem atinares, serias poeta, não?
- Que mais quisera eu, querida mãe, porém meu pensamento é tão torpe e minha pena tão débil que as musas do parnaso de mim fugiriam!
- Então, advogado?
- Para ser advogado necessitaria a obstinação de um Quixote e a sensatez de um Sancho Pança . Ser advogado seria demais para mim. Se Deus me dera a dádiva de nascer novamente, tornaria a beber para aplacar a minha sede , a água de um regato, tornaria a dormir sob a copa de uma árvore , cansado , mas feliz ,com um livro debaixo do braço. Voltaria a escutar vozes infantis, respondendo presente a minha chamada. Sim, mãe, ainda que houvesse mil e uma profissões, se Deus me dera a ventura de voltar tudo de novo, não duvides, mãe, eu tornaria a ser um simples professor “ .
Com um naco de luz, agarrando-me à vida com as unhas, mostrando um rosto riscado pelo tempo, desço eu, médico menor e aprendiz de mestre, solitário, como soe acontecer nestas horas, as escarpas da montanha onde, por mais de quatro décadas, permaneci como curador e , humilde professor , no topo de meu pequeno mundo . Na íngreme descida com o olhar baço, pelo cansaço dos dias e pela tola lágrima que teima em rolar, vejo vocês, queridos alunos , banhados em luz , como que bailando , subindo na merecida busca de um lugar no ápice da montanha . Isto me apraz e conforta, pois sei que algo de mim e de seus queridos mestres da vida permanecerão em vocês. Jamais esquecerei de suas doces presenças, verdadeiros bálsamos para minha solidão .
“Excertos de uma despedida de meus amados alunos da UECE “ .
Saudades e, parabéns a todos os professores!

domingo, 14 de outubro de 2018

Fim de tarde no Porto das Dunas


Um fim de tarde, com o Rei Sol caindo de sono, sem querer entregar os pontos. E que segue em frente , a contra gosto, para ser engolido pela terra ,lá nos confins do mundo, acompanhado por um mar de carneirinhos vagando no céu.
É um momento propício para papear com o mago poeta Manoel de Barros , nascido em Cuiabá, Mato Grosso, em 19 de dezembro de 1916 ,e que empreendeu viagem para as nuvens do divino , em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 13 de novembro de 2014 , aos 97 anos:

"Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que eu faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto.
Cresci brincando no chão entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore.

Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio.
 Era o menino e as árvores ".

sábado, 13 de outubro de 2018

Tempo de Sonhar

Porque é tempo de sonhar, porque sempre é tempo de poesia , porque convém acreditar na eterna infância do homem :
"Num meio - dia de fim de primavera/tive um sonho como uma fotografia /vi Jesus Cristo descer à terra/veio pela encosta de um monte/tornado outra vez menino/a correr e a rolar-se pela erva/e a arrancar flores para as deitar fora/e a rir de modo a ouvir-se de longe/tinha fugido do céu/ era nosso demais pra fingir/de segunda pessoa da Trindade/no céu era tudo falso, tudo em desacordo/com flores e árvores e pedras/no céu tinha que estar sempre sério/e de vez em quando/de se tornar outra vez homem/
E subir para a cruz , e estar sempre a morrer/hoje vive na minha aldeia comigo/é uma criança bonita de riso natural/limpa o nariz ao braço direito/chapinha nas poças de água/colhe as flores e gosta delas e esquece-as/atira pedras aos burros/rouba fruta dos pomares/e foge a chorar e gritar dos cães/ e porque sabe que elas não gostam/ e que toda gente acha graça/corre atrás das raparigas/ que vão em ranchos pelas estradas/com bilhas à cabeça/e levanta-lhes as saias/
A mim ensinou-me tudo/ensinou-me a olhar para as pessoas/aponta-me todas as coisas que há nas flores/ele mora comigo na minha casa no meio do outeiro/Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava/Ele é o humano que é natural/Ele é o divino que sorri e que brinca/ e por isso é que eu sei com toda certeza/que ele é o Menino Jesus verdadeiro/e a criança tão humana que é divina/é está minha cotidiana vida de poeta/ e é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre/e que o meu mínimo olhar/ me enche de sensação/ e o mais pequeno som, seja do que for/ parece falar comigo/ a criança nova que habita onde vivo / dá- me uma mão a mim/ e outra a tudo o que existe/e assim vamos os três pelo caminho que houver/saltando e cantando e rindo/e gozando o nosso segredo comum/ que é o de saber por toda parte/ que não há mistério no mundo/e que tudo vale a pena/
A Criança Eterna acompanha- me sempre/ a direção do meu olhar é o seu dedo apontando/ o meu ouvido atento alegremente a todos os sons/são as cócegas que ele me faz, brincando nas orelhas/
Damo-nos tão bem um com o outro/ na companhia de tudo/que nunca pensamos um no outro/mas vivemos juntos e dois/com um acordo íntimo/com a mão direita e a esquerda/ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas/ no degrau da porta de casa/graves como convém a um deus e um poeta/ é como se cada pedra/fosse todo um universo/ e fosse por isso um um grande perigo/ deixá-la cair no chão/
Depois eu conto- lhe histórias de cousas só de homens/ e ele sorri, porque tudo é incrível/ ri dos reis e dos que não são reis/ e tem pena de ouvir falar das guerras/ e dos comércios, e dos navios/ que ficam fundo no ar dos altos mares/porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade/ que uma flor tem ao florescer/ e que anda com a luz do sol/ a variar os montes e os vales/ e a fazer doer aos olhos os muros caiados/ depois ele adormece e eu deito-o/ levo-o ao colo para dentro de casa/ e deito-o, despindo-o lentamente/ e como seguindo um ritual muito limpo/ e todo materno até ele ficar nu/ Ele dorme dentro da minha alma/ e às vezes acorda de noite/ e brinca com os meus sonhos/ vira uns de pernas para o ar/ põe uns em cima dos outros/ e bate palmas sozinho/ sorrindo para o meu sono/

Quando eu morrer , filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno/ pega- me tu ao colo/ e leva- me pata dentro da tua casa/ despe o meu ser cansado e humano/ e deita - me na tua cama/ e conta- me histórias, caso eu acorde/ para eu tornar a adormecer/ e dá- me sonhos teus para eu brincar/ até que nasça qualquer dia/ que tu sabes qual é! "

Alberto Caeiro ( Fernando Pessoa) : 1888 - 1935.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Um País se Faz com Homens e Livros 


Num cruzamento de ruas numa zona rica de Fortaleza , diariamente, um mendigo franciscano conversa com as aves e traz conforto e alimento para as mesmas.O pobre homem, sempre repousa a vista num velho livro , alheio ao perigo dos veículos que por ali transitam.
Quando este bolsão de pobreza, onde seres humanos passivos , sem eira nem beira , caminham rumo ao grande abatedouro de gentes, vai ter um fim ?
Os "circos mambembes" prenhes de políticos do baixo clero espalhados no vasto território de Pindorama, perpetuam os velhos palhacos sem graça, repetindo as mesmas piadas grosseiras com palavras de baixo calão.E para piorar , o mapa degradante da tragédia dantesca se concentra nas áreas mais carentes e desassistidas de Pindorama , onde os livros são objetos inacessíveis à população destes perdidos grotões !


A alma humana se parece com a água : vem do céu, para o céu sobe, e novamente para baixo à terra precisa ir, mudando eternamente./desce do alto do íngreme rochedo o jato puro, então eleva - se mansamente em ondas de nuvens para a rocha escorregadia, e recebida facilmente, domina veladamente, rumores em silêncio para dentro da profundeza. /escolho erguido contra a queda, espumeja contrariada progressivamente para o abismo./no leito raso arrasta - se para os prados./e no mar sereno contemplam sua face todas as estrelas./ o vento é da onda gentil galanteador; o vento mistura a partir do fundo vagalhões espumantes./ alma da pessoa, como te pareces com a água! Destino da pessoa, como te pareces com o vento! 
Canto dos espíritos sobre a água, de autoria de Johann Wolfgang Goethe (1749 - 1832).

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Uma Simples Lição de Ciências

Socorrendo , há pouco, uma pequena criatura de Deus numa tarefa escolar de Ciências. Assunto : Coração. 
O livro dispara a pergunta :" Para que serve o coração?
O socorrista/pastor de almas , estufa o peito e manda :
"Para enviar o sangue, este milagroso líquido, para todo o corpo"
Minha aluna, escreve , obediente , a resposta :
" Para causar sofrimento , pai ! E como dói! O senhor fala pela ciência , e eu do fundo do meu coração "

E o doutor engolindo o choro:
" Tá bom , filha !Fim de papo ".

"Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição dos seres.
Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo,
E em si mesmo se sente diferente ,
Como faz mal ao sonho concebê-lo!
Sossega , coração! Dorme !
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme.
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme "

Sossega Coração, da autoria de Fernando Pessoa ( 1888 - 1935 ).

sábado, 6 de outubro de 2018

Com os pés no chão e os olhos no amanhã

Neste sábado de sol e de sal, o vento passa sussurrando aos meus ouvidos histórias de sonhos e quimera :

"Tudo passa e tudo fica/porém o nosso é passar/fazendo caminhos/caminhos sobre o mar /nunca perseguir a glória /nem deixar na memória/dos homens minha canção/eu amo os mundos sutis/leves e gentis/como bolhas de sabão/gosto de ver-los pintar-se/ de sol e grená/voar abaixo o céu azul/tremer, subitamente e quebrar-se/ nunca perseguir a glória/caminhante, são tuas pegadas/O caminho e nada mais/caminhante, não há caminho/se faz caminho ao andar/ao andar se faz caminho/e ao voltar a vista atrás /se vê a senda que nunca/se há de voltar a pisar/caminhante, não há caminho/senão há marcas no mar/faz algum tempo neste lugar/onde hoje os bosques se vestem de espinhos/se ouviu a voz de um poeta gritar/"caminhante, não há caminho/se faz caminho ao andar"/golpe a golpe, verso a verso/morreu o poeta longe do lar/cobre-lhe o pó de um país vizinho/ao afastar-se lhe vieram chorar/"caminhante, não há caminho/se faz caminho ao andar "/golpe a golpe, verso a verso/quando o pintassilgo não pode cantar/quando o poeta é um peregrino/quando de nada nos servir rezar/"caminhante,não há caminho/se faz caminho ao andar"/golpe a golpe, verso a verso"

Cantares , poema de Antônio Machado (1875 -1939) , poeta espanhol pertencente ao modernismo.

"O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
Do mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente
É o Juízo Final
A história do BEM e do MAL
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecer"

Nelson Cavaquinho ( 1911 - 1986 ) , sambista e poeta popular carioca.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

A Pílula chegando aos 60 anos

Durante um longo período da História, a humanidade buscou várias receitas contraceptivas numa tentativa de encontrar um seguro controle da natalidade. 

Há registros datados de 1850 a.C. , da utilização de uma mistura de mel e bicarbonato de sódio para ser aplicada na vagina por ocasião do coito com fins contraceptivos. O Antigo Testamento faz menção que as mulheres ficariam livres de gestar caso tivessem relação sexual às vésperas da menstruação.
Apenas no século XX surge a luz no fim do túnel com as descobertas dos hormônios sexuais femininos reguladores da fertilidade.

Dexter McCormick, nasceu em 27 de agosto de 1875 , no estado de Michigan. Mais tarde, graduou -se no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, no ano de 1904. Logo em seguida casou - se com o milionário Stanley McCormick. Dois anos depois , foi diagnosticado um severo quadro de esquizofrenia em Stanley, que veio a falecer em 1947 , deixando uma grande fortuna para Katharine.

A feminista Margaret Sanger apresenta a ativista Katharine McCormick a um consultor de pesquisas na área de reprodução humana, Gregory Goodwin Pincus, que em 1950 descobriu os hormônios sexuais femininos que inibiam a ovulação feminina. Katharine deu o suporte financeiro necessário ao nascimento da pílula anticoncepcional. Carl Djerassi juntou - se a Pincus , Margaret e Katharine e daí surgiu a pílula anticoncepcional chamada " Enovid " , comercializada em 1961, pelo laboratório Searle. Esta descoberta pôs em movimento a "revolução sexual feminina " da década de 1970 , e o advento do racional planejamento familiar. A partir de então o mundo seria outro.

A pílula anticoncepcional mudou toda a cultura e permitiu , de forma exemplar , a participação plena da mulher na história da humanidade, como figura criadora e geradora de novas idéias.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

O que vivi / O que desejo

"O calendário me informa que mais um ano de minha vida se foi . Vejo o monte de areia na parte inferior da ampulheta. A parte superior, os deuses, por bondade, ocultam - me. Peço - lhes a graça de viver por muitos anos , pois a Vida é muito boa. Mas, para isso ,é preciso que a minha fome seja cada vez maior. Não quero satisfação ou tranqüilidade. Quero é fome. Que todos queijos do mundo com seus múltiplos e estranhos cheiros, sejam poucos para ela " ( Rubem Alves - 1933 - 2014 ).

"Quantos anos tenho ?/que importa isso!/tenho a idade que quero e sinto !/a idade em que posso gritar/sem medo aquilo que penso/fazer o que desejo, sem medo ao fracasso/pois tenho a experiência dos anos vividos/e a força, e a convicção de meus desejos/que importa quantos anos tenho!/não quero pensar nisso!/pois uns dizem que já sou velho/enquanto outros "que estou no apogeu"/porém não é a idade que tenho/nem o que as pessoas dizem/senão o que meu coração sente, e o meu cérebro me dita.../tenho os anos necessários para gritar, o que penso/fazer o que quero, reconhecer os erros velhos/retificar caminhos e somar êxitos/tenho a idade em que as coisas se olham com mais calma/porém com o interesse de seguir crescendo/tenho os anos em que os sonhos/se começam, a acariciar com os dedos/e as ilusões se convertem em esperança/tenho os anos em que o amor/às vezes é uma louca labareda/ansiosa de consumir - se no fogo/de uma paixão desejada/e outras vezes... num remanso de paz, como o entardecer na praia/quantos anos eu tenho ?/não necessito marcá- los com um número/pois os meus desejos alcançados/as lágrimas que pelo caminho derramei/valem muito mais que isso/que importa , se tenho , cinqüenta, sessenta, ou mais!/o que importa é a idade que sinto !/tenho os anos para viver livre/pois levo comigo /a experiência adquirida, e a força dos meus desejos/quantos anos tenho ?/isto a quem lhe importa ?/tenho os anos suficientes, para perder o medo/e fazer, o que quero e sinto/que importa quantos anos tenho, ou quantos espero/se com os anos que tenho.../aprendi a querer o necessário, e agarrar... apenas o bom da vida "
( autoria desconhecida).

A todos os irmãos de caminhada que vieram ao mundo após o término da Segunda Guerra Mundial 
(1945 ).