quarta-feira, 29 de abril de 2015

PRIMEIRO DE MAIO EM PINDORAMA


Aí gente  ,  previsto está para o próximo primeiro de maio – Dia Mundial do Trabalho – comemorações ,  as mais variadas ,  em toda Pindorama que vive momentos de  uma acalmia inquietante . Desta feita panelas e buzinas podem compor de forma ordeira e pacífica o rol de artefatos com vistas a abrilhantar o tão aguardado  evento com uma bela sinfonia popular   .  O governo colocado entre as cordas na refrega política  diz que apenas ouvirá os brados do paciente  e bovino  povo   .
 A história conta que tudo teve início em 01 de maio de 1886 em meio a uma grande greve geral  dos trabalhadores de Chicago nos Estados Unidos  que buscavam  a redução da jornada de trabalho de treze para oito horas diárias . Em seguida ocorreu um confronto com forças policiais que resultou na morte de alguns manifestantes   .  Num novo embate ocorrido em 04 de maio  do mesmo ano  pereceram sete policias por conta de bombas caseiras lançadas por  populares  .  A resposta rápida dos policiais resultou na morte de doze trabalhadores e de dezenas de  feridos .
A Segunda Internacional  Socialista ocorrida no dia 20 de junho de 1889 em Paris institui o Dia Mundial do Trabalho  em primeiro de maio de cada ano . A oficialização da data no Brasil se dá em  1925 no governo do presidente Artur Bernardes .
 A memória  de Bertolt Brecht (1898 – 1956 ) , dramaturgo e poeta alemão em sua larga genialidade  serve  bem para acompanhar as reflexões nesta tão significativa data para todos os  trabalhadores  :
“  Nossos  inimigos dizem : a luta terminou / mas nós dizemos : ela começou / nossos inimigos dizem : a verdade está liquidada / mas nós dizemos :  nós ainda a conhecemos / nossos inimigos dizem : mesmo que ainda se conheça a verdade , ela não pode mais ser divulgada / mas nós a divulgamos “ .
“ Eu vivo num tempo sem sol / uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez / uma testa sem rugas é sinal de indiferença / aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia / que tempos são esses , quando falar sobre árvores é quase um crime , pois significa silenciar sobre tanta injustiça ! / aquele que cruza tranquilamente a rua já está então inacessível aos amigos que se encontram necessitados ? / é  verdade : eu ainda ganho o bastante para viver , mas acreditem : é por acaso / nada do que eu faço me dá o direito de comer quando tenho fome / por acaso eu estou sendo poupado ( se minha sorte me deixa , estou perdido ) / me dizem : come e bebe ! / fica feliz por teres o que tens! / mas como é que eu posso comer e beber / se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome ? /  se o copo de água que eu bebo , faz falta a quem tem sede ? / mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo / eu queria ser um sábio /  nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria : se manter afastado dos problemas do mundo / e sem medo , passar o tempo que se tem para viver na terra / seguir seu caminho sem violência / pagar o mal com o bem / não satisfazer os desejos , mas esquece –los / sabedoria é isso / mas eu  não consigo agir assim / é verdade , eu vivo num tempo sem sol  ! / eu vim para a cidade no tempo da  desordem /quando a fome imperava / eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta /  e me revoltei ao lado deles / assim se passou o tempo que me foi dado viver sobre a terra /  eu comi o meu pão no meio das batalhas / para dormir eu me deitei entre os assassinos / fiz amor sem muita atenção e não tive paciência com a natureza / assim se passou o tempo que me foi dado viver  sobre a terra / vocês que vão emergir  das ondas em que nós perecemos / pensem , quando falarem de nossas fraquezas / nos tempos sem sol de que vocês tiveram a sorte de escapar / nós existíamos através  das lutas de classe / mudando  mais de país do que de sapatos / desesperados / quando  só   havia injustiça  e não havia revolta / nós sabemos  : o ódio contra a baixeza também endurece os rostos ! / a cólera contra a injustiça faz a voz ficar rouca / infelizmente  ,  nós , que queríamos preparar o terreno para a amizade não pudemos ser / nós mesmos  , bons amigos / mas vocês ,  quando chegar o tempo em que o homem seja amigo do homem , pensem em nós com um pouco de compreensão /  “ .
“ Do rio que tudo arrasta se diz que é violento  . Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem “ .
“ O  pior analfabeto é o analfabeto político / ele não ouve , não fala / nem participa dos acontecimentos políticos / ele não sabe que o custo da vida / o preço do feijão , do peixe , da farinha / do aluguel , do sapato  e do remédio / dependem das decisões políticas / o analfabeto político é tão burro que se orgulha / e estufa o peito dizendo / que odeia a política / não sabe o imbecil que / da sua ignorância política / nasce a prostituta , o menor abandonado  / e o pior de todos os bandidos : / o político vigarista , pilantra , corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais “ .
Um feliz Dia do Trabalho a todos neste  gigante deitado eternamente em berço  esplêndido ! .


sexta-feira, 24 de abril de 2015

EDUARDO GALEANO  ,  UM MAGO DA PALAVRA


Eduardo Galeano ( 1940 – 2015 ) que há pouco empreendeu  uma caminhada rumo às estrelas , foi um combatente  jornalista uruguaio , plural e generoso no manuseio poético da palavra escrita ou falada . Em Montevidéu veio ao mundo em 1940 e precocemente fez sua estreia no mundo das letras  . Viveu exilado na Argentina e na Catalunha  , Espanha . Galeano passeou livremente pelo ensaio  , crônica , conto e poesia . Recebeu vários  prêmios : Casa de las Américas  ; Ministério da Cultura do Uruguai ; American Book Award da Universidade de Washington ; Prêmio a la Comunicacion Solidária , de Córdoba .
O polêmico livro “ As Veias Abertas da América Latina “ lhe proporcionou fama mundial , mas a trilogia “ Memória do Fogo “ coloca- o no panteão dos grandes pensadores latino-americanos contemporâneos .

Uma pequena mostra do pensamento poético de Galeano  , em tradução livre , já semeando saudade  :
“ Que tal se deliciar por um pequeno pedaço de tempo ?
Que tal se cravarmos os olhos além da infâmia  , para adivinhar outro mundo possível ?
O ar estará limpo de todo veneno que não provenha dos medos humanos e das humanas paixões  ...
Nas ruas os automóveis serão desbancados  pelos  cães ...
A gente não será manuseada pelos automóveis  , nem será programada pelo ordenador ,nem será comprada pelo supermercado , nem será tampouco vigiada pelo televisor .
O televisor deixará de ser o membro mais importante  da família e será tratado como uma  prancha , ou uma máquina de lavar – roupas .
Se incorporará aos códigos penais o  delito de estupidez , que cometem aqueles que vivem por ter ou por ganhar  em vez de ...  viver   por não mais .... Como canta o pássaro sem saber e como joga a criança sem saber que  joga .
 Em nenhum país serão presos os jovens que se neguem a cumprir o serviço  militar , senão aqueles que querem cumpri –lo  .
Ninguém viverá para trabalhar  , porém todos trabalharemos para viver .
Os economistas não chamarão nível de vida ao nível de consumo nem chamarão qualidade de vida à quantidade de  coisas .
Os cozinheiros não irão crer que às lagostas lhe encanta mais que ervas  vivas .
Os historiadores não crerão que aos países lhes encanta ser  invadidos  .
Os políticos não crerão que aos pobres lhes encanta comer  promessas .
A solenidade se deixará de crer que é uma  virtude , e ninguém , ninguém , levará a sério  a ninguém que seja capaz de ridicularizar o outro  .
A morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes  , e nem por falecimento nem por fortuna se converterá o canalha em virtuoso cavalheiro .
A comida não será uma   mercadoria , nem a comunicação um negócio ...  porque  a comida e a comunicação são direitos humanos .
Ninguém morrerá de  fome ...  porque ninguém morrerá de indigestão .
Os meninos de rua não serão tratados como se fossem   lixo , porque não haverá meninos nas ruas .
As crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro  , porque não haverá crianças ricas .
A educação não será um privilégio de quem possa paga - la e a polícia não será a maldição de quem não posa compra- la .
A justiça e a liberdade   ...  irmãs  siamesas  condenadas a viver separadas , tornarão a juntar –se , bem coladas , espádua com espádua .
Na  Argentina , as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental  , porque elas se negaram a esquecer nos tempos da amnésia obrigatória .
A santa Madre Igreja carregará algumas erratas das Tábuas de Moisés  , e o sexto mandamento ordenará : festejar o corpo . A Igreja também ditará outro mandamento que se havia esquecido a  Deus : amarás à natureza da qual fazes parte .
Serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da  alma .
Os desesperados serão esperados e os pedidos serão encontrados  , porque eles se desesperaram de tanto esperar e eles se perderam de tanto buscar .
Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham vontade de  beleza , e vontade de justiça ...  hajam  nascido quando hajam nascido  e hajam vivido onde hajam vivido , sem que se importe nem um pouco as fronteiras do mapa nem do tempo .
Seremos   ...   imperfeitos  , porque a perfeição seguirá sendo o aborrecido privilégio dos deuses.
Porém no mundo  , neste mundo torpe e fodido , seremos capazes de viver cada dia como se fora o primeiro e

domingo, 19 de abril de 2015

NEM ÍCARO NEM SÍSIFO E SIM  , JUANA



Escalar a íngreme e tortuosa montanha da vida até seu ápice escrutinando passo a passo todas as estações naquilo que a natureza e Deus nos proporcionam constitui tarefa afeita a todo ser humano  . Exige-se para isso árduo trabalho ( Mito de Sísifo ) e sabedoria ( Mito de Ícaro ) ,  não esquecendo que nem tanto a terra nem tanto ao céu .
Ícaro ,  filho de Dédalo , um famoso inventor grego , em certa ocasião  encontrava- se prisioneiro junto a seu pai . A fuga não podia  se concretizar nem pelo mar nem pela terra que eram dominadas pelo Rei Minos . Dédalo imaginou  , então , uma saída pelos ares juntando penas de pássaros e colando –as  com cera de abelhas . Instruiu severamente a seu filho  , Ícaro , para que não se aproximasse em demasia do sol pelo risco do calor derreter a cera que  lhe colava as asas . Era a velha sabedoria  mostrando  que nem  o sol e tampouco  a morte  devem ser  encarados  de  perto . No  entanto   , o voo baixo próximo a umidade do mar deveria ser evitado pois iria encharcar as penas e favorecer a uma queda inevitável . De novo a sabedoria evidenciando  que a segurança encontra-se no meio termo  . Ícaro soçobrou  ao sonhar alto demais e caiu no mar , enquanto Dédalo com prudência seguiu em frente .
Sísifo , um pastor de ovelhas era filho de Éolo , o deus dos ventos , sofreu uma severa punição do deus Zeus que o condenou a rolar montanha acima um pesado seixo de pedra , num inútil trabalho , posto que , lá  no alto chegando , exausto , não conseguia segurar a pedra que voltava até o fundo  da planície . A mesma sina todos os dias .
A vida não pode se reduzir a este simples absurdo como defendem  alguns existencialistas  .  O trabalho sendo um objeto ( tripalium ) de tortura medieval   e a certeza da morte removendo toda a beleza do caminhar nas muitas veredas a serem percorridas . Vale a pena  carregar estoicamente o fardo da vida ,  montanha acima enfrentando rigores e perigos ,  gozando mais no levantar  do que no cair . Uma vez chegando  no vértice da montanha , mesmo que o pesado seixo venha a rolar ladeira abaixo , seguir em frente , curtindo o ambiente arejado do momento a ser compartilhado  . Dali  , geralmente se saboreia a contento todas  as delícias mundanas .
E um dia  , enfim ,   dar início com cuidado e zelo  a descida obrigatória das escarpas da montanha da vida rumo a planície ao rés do chão , apoiado em  seu cajado e nas muitas vivências que o sofrimento e o gozo  lhes proporcionaram  . E  ter plena consciência  de um dia ser amorosamente acolhido ao seio da mãe – natureza  misturando –se à poeira das estrelas  e seguir ao definitivo encontro  gozoso com o Pai . Que assim  seja ! .
Acreditar que nosso mais precioso bem é a vida e por isso  vale a pena beber  os versos de uma bela poetisa uruguaia  , Juana de Ibarbourou :
“  Tome- me agora que ainda é cedo / e que levo dálias frescas nas mãos / tome- me  agora que ainda é sombria / esta taciturna cabeleira minha / agora que tenho a carne cheirosa / e os olhos limpos e a pele de rosa / agora que calça minha planta leve / a sandália viva da primavera /agora que meus lábios replicam a risada / como um sino sacudido às pressas / depois ... ah, eu  sei / que nada disso mais tarde terei ! / que então inútil será teu desejo / como oferenda posta sobre um mausoléu / Tome- me agora que ainda é cedo / e que tenho rica de nardos a mão ! / Hoje, e não mais tarde . Antes que anoiteça/ e se torne murcha a coroa fresca / hoje , e não amanhã . Oh, amante ! não vê que a trepadeira crescerá cipreste ? “ .

segunda-feira, 13 de abril de 2015

NAIR DE  TEFFÉ , A CARICATURA DE UMA BELA PRIMEIRA -  DAMA 

Nair de Teffé ( 1886 – 1981 ) , caricaturista , musicista , atriz e primeira – dama da república , nascida no dia 10 de junho de 1886 em Petrópolis no Rio de Janeiro .  Seus pais foram Antônio Luiz  von  Hoonholtz e Joana Cristina von Hoonholtz , barões de Teffé . Nair recebeu  uma educação primorosa e tornou-se uma bela mulher  , culta , elegante , ousada , sensível e vanguardista . Por conta do trabalho de seu pai como ministro plenipotenciário do Brasil a garota teve a oportunidade de viajar e estudar em  países  da Europa , como em  França onde foi interna num colégio de freiras . Por esta ocasião surgiram os primeiros trabalhos de caricatura elaborados  por  Nair . Logo mais  , figuras da política e da sociedade em geral serviram aos traços da novel e rara caricaturista  . Rara porque tal atividade até então era primordialmente exercida por homens  .  Em Paris ,  Nair de Teffé  teve o privilégio de usufruir do esplendor da belle époque onde não faltaram   perfis para o seu trabalho de  pintura num mundo novo e  rico  em ebulição  alucinante .
De volta ao Brasil principiou  a sua  colaboração nos  periódicos cariocas como O Malho  , A Careta , Fon- Fon e outros . Passou a assinar seus trabalhos  com o nome de  Rian , um anagrama de Nair , ou , “ nada “  ,  em francês . Em andanças com os seus pais  por Petrópolis no ano de  1913  o destino conspirou para que a jovem e bela  Nair cruzasse seus virginais caminhos com o do  viúvo e Presidente da República do Brasil , Marechal Hermes da Fonseca ( 1855 – 1923 ) . Do flerte maneiro ao noivado e casamento foi um salto preciso ( 6 meses )   . Nair contava então  com 27 anos e Hermes ,um carrancudo pai de família  com  58 anos de idade e viúvo há cerca  de 1 ano,   de Orsina Francione da  Fonseca ( 1858 – 1912 ) . O casamento de Hermes com Nair deu-se no dia 08 de dezembro de 1913  em Petrópolis , no Palácio Rio Negro , sob as bênçãos do Arcebispo Arcoverde e sem a presença dos muitos filhos do marechal Hermes .  Os atributos da mulher casadoira  à época , como não trabalhar fora , não tocar violão , não beber nem fumar e disposição para parir um filho por ano , não pertenciam ao perfil da bela  e sonhadora Nair .
“ Você , botão de rosa / amanhã é flor – mulher / joia perfumada cada um deseja e quer / de manhã  banhada ao sol / vem o mar beijar /lua enciumada noite alta vai olhar / você menina – moça mais menina que mulher / confissões não ouça / abra os olhos  se puder / tudo tem seu tempo certo / tempo para amar / coração aberto faz chorar / a lua , o céu , a praia , o luar / missão de Deus / a vida eterna  para amar /” .
No Palácio do Catete  , a primeira –dama Nair patrocinou inúmeros saraus introduzindo ritmos ( maxixe )  e instrumentos populares  ( violões ) naqueles nobres ambientes .  Assim se deu com o compositor maranhense  Catulo da Paixão Cearense ( 1863 – 1946 )  e Chiquinha Gonzaga (1847 – 1935 )   , onde um maxixe  , o “ Corta – Jaca “ , feito sob medida pela maestrina  ,  foi devidamente executado ao violão de Nair de Teffé , para gaudio e espanto da sisuda plateia .
“  Neste mundo de misérias / quem impera / é quem é mais  folgazão / é quem sabe cortar jaca / nos requebros / de suprema perfeição / ai , ai , como é bom dançar , ai / corta – jaca assim , assim / mexe com o pé / ai , ai , tem feitiço tem , ai / corta , meu benzinho , assim ,assim / esta dança é buliçosa / tão dengosa / que todos querem dançar / não há ricas baronesas / nem marquesas / que não saibam requebrar , requebrar / este passo tem feitiço / tal ouriço / faz qualquer homem coió / não há velho carrancudo / nem sisudo / que não caia em trololó , trololó / quem me vir assim alegre q no Flamengo / por certo se há de render / não resiste  com certeza / com certeza / este jeito de mexer / um flamengo tão gostoso / tão ruidoso / vale bem meia- pataca /dizem todos que na ponta / está na ponta /nossa dança corta- jaca , corta- jaca “ .       Corta – Jaca de Chiquinha  Gonzaga .
O grande e paparicado baiano civilista  Rui Barbosa ( 1849 – 1923 )   , que perdera a eleição para a presidência da república justamente para o insigne marido de Nair registrou uma destemperada nota  no diário do Congresso Nacional sobre o rega – bofe do palácio : “ Uma das folhas de ontem estampou em fac- símile o programa da recepção presidencial  em que diante do corpo diplomático , da mais fina sociedade do Rio de Janeiro , aqueles que deviam dar ao país o exemplo das  maneiras  mais distintas  e dos costumes mais reservados elevaram o corta- jaca à altura de uma instituição social . Mas o Corta – Jaca de que eu ouvira falar há muito tempo , que vem a ser ele , Sr. Presidente ?  . A  mais baixa , a mais chula , a mais grosseira de todas as danças selvagens , a irmã gêmea do batuque , do cateretê e do samba .  Mas nas recepções presidenciais o Corta – Jaca é executado com todas as honras da música de Wagner , e não se quer que a consciência deste país se revolte , que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria ? “ .
Uma resposta à altura da mimosa primeira dama  Nair de Teffé  :
“ ...Rui Barbosa aproveitou o lançamento do “ Corta – Jaca “ para inserir nos anais do Senado a sua costumeira verborragia , babando contra mim a sua orgulhosa catilinária de insopitável ódio ao governo . As pedras que ele me atirou não me atingiram . Elas só serviram para assinalar a luta que enfrentei contra os preconceitos de então “ . Ponto para  Nair .
Nair  iria sofrer um sério acidente  de trânsito logo após o término do mandato do seu esposo Hermes e teve que recorrer a um severo e prolongado  tratamento médico no  exterior .  De volta ao Brasil em 1920 seguiu com a vida em frente  ,  ficando viúva do marechal em janeiro de 1923  , aos 37 anos de idade . Fundou a Academia Petropolitana de Letras  em 1929 . Em 1932 inaugurou  o Cinema Rian na Avenida Atlântida  em Copacabana .
Nair de Teffé   não teve filhos biológicos e permaneceu na viuvez até o fim de seus dias  .  Após breve período de apatia em consequência de renitente quadro  depressivo , posto que , sofreu  também a perda do seus queridos  pais , Nair toma novamente com coragem as rédeas do destino e segue com seu trabalho de caricaturista . Acolhe  em adoção  três crianças  usufruindo desta sublime forma de repartir um  amor genuíno e puro .  Na década de 70 a Receita Federal chamou Nair para explicar  o não – pagamento  devido ao  Imposto de Renda . Ela preencheu o formulário de resposta apenas com a caricatura do famigerado Ministro da Fazenda  , de então ,  Delfim Netto  . O  militar- presidente Emilio Garrastazu Médici ( 1969 – 1974 ) concedeu em 1970  uma pensão vitalícia para Nair como viúva do ex- presidente Hermes da Fonseca amenizando em muito sua precária condição financeira .   Viveu Nair   modestamente , mas com perseverança  , ousadia e riqueza de caráter de uma extraordinária  mulher moderna  , falecendo aos  95  anos de idade no dia 10 de junho de 1981 , quando aniversariava  .

segunda-feira, 6 de abril de 2015

                              LEILA DINIZ : AMOR , ALEGRIA E LIBERDADE

“ Dentuça , mas com sorriso irresistível , quadris um tanto largos , mas cintura bem desenhada . Era deliciosamente , imperfeita . A carne dura ainda não era a onda . Valia um umbigo mais arredondado . Mulheres cheinhas , eis o padrão . Leila oferecia amor e alegria “. Assim foi definida por Joaquim Ferreira dos Santos , um de seus biógrafos .
Leila Roque Diniz ( 1945 – 1972 ) , chegou ao mundo para gozar as delícias do paraíso de Cristo de braços abertos sobre a Guanabara no dia 23.03.1945 em Niterói , Rio de Janeiro . Seus pais foram Newton Sampaio de Castro Diniz , bancário e membro do PCB ; e, Ernestina Roque Diniz , professora de Educação Física . Aos sete meses de idade Leila separou-se da mãe , posto que , D. Ernestina precisou ser internada num sanatório para tuberculosos localizado em Correias , Distrito de Petrópolis . Era a Peste Branca fazendo incontáveis vítimas , à época , antes da salvadora descoberta dos fármacos antimicrobianos , como as Estreptomicina , Hidrazida e PAS . O mesmo tipo de separação brutal ocorreu com Luiz Gonzaga do Nascimento Junior ( Gonzaguinha ) e sua mãe , Odaleia , que foi precocemente abatida pelo truculento bacilo da tuberculose .
Newton Diniz seguiu a vida com os três filhos ( Elio , Eli e Leila ) sendo contemplados com colégios internos e casas de parentes até que surgisse no horizonte , Isaura da Costa Neves , uma professora , e refizesse a constituição da família Diniz ao lado de Newton e filhos . Somente aos 10 anos de idade, Leila se tocou sobre a delicada questão de sua identidade materna . Aos 14 anos a adolescente Leila saltou fora do lar pela primeira vez a fim de morar com amigas . Pouco depois viveu um breve pouso com sua mãe biológica Ernestina . Uma Leila prenhe de conflitos e ansiando por liberdade , aos trancos e barrancos chegou nos estudos formais até o segundo ano clássico do Colégio Souza Aguiar em Vila Isabel .
Nesta época ministrava aulas como professora do maternal e Jardim de infância sendo esta sua única atividade profissional antes de estrear como jovem atriz de teatro sob as mãos de Domingos de Oliveira , seu futuro cônjuge . Corria o ano de 1962 , Leila contando apenas 17 anos , manteve este relacionamento amoroso durante 3 anos . Leila Diniz faz sua estreia como atriz participando da peça infantil Em busca do tesouro e em seguida , após convite de Cacilda Becker integrou o elenco de O preço de um homem , no Teatro Mesbla , no Rio de Janeiro . Leila pegando fôlego partiu para a emergente TV Globo onde participou de 12 telenovelas , vivenciando dentro do dragão , este verdadeiro ópio do povo .
Caiu nos braços do emergente Cinema Novo onde estrelou em 14 filmes , tornando- se a musa deste importante movimento cinematográfico brasileiro . Parecendo uma nova Patrícia Galvão - Pagu - , e vivendo uma época de quebra de paradigmas dos tormentosos anos 60 , Leila afrontou uma sociedade machista e puritana . Para isso usou de sua beleza , irreverência , inconformismo , linguagem desabusada e desafiadora ,incluindo estocadas nos exageros do regime militar vigente .
Em 1969 , aos 24 anos de idade Leila enfrentou a debochada turma d’O Pasquim numa longa entrevista de duas horas , regada a uísque e muito palavrão . Ali a bela e desbocada Leila tocou em assuntos polêmicos , como virgindade , homossexualidade e amor livre , esbanjando alegria e sinceridade , em meio a uma gente calejada e irreverente como Tarso de Castro , Sérgio Cabral , Jaguar e Luis Carlos Maciel . No fim a atriz gozou tirando sarro daquela patota e marcando um gol de letra numa antológica entrevista . Por conta da façanha , o ministro da justiça de então , Alfredo Buzaid acelerou a criação de uma lei da censura prévia também conhecida como “ Decreto Leila Diniz “ que serviria de mordaça , principalmente para os assanhados semanários nanicos da imprensa vermelha . Leila Diniz , era para a esquerda , considerada artificial ; para a direita , imoral , e ademais desagradava aos generais do poder pós – 64 . Em resumo , mexia com Deus e o mundo .
O cineasta Ruy Guerra casou-se com Leila e tiveram uma filha , Janaína . Durante a gravidez , a atriz exibia a barriga orgulhosamente num minúsculo biquíni nas praias para mexer com os brios duma sociedade conservadora e retrógrada . Em julho de 1972 , Leila Diniz viaja para a Austrália onde representaria o Brasil no Festival de Adelaide com o filme Mãos vazias sob a direção de Luís Carlos Barreto e pelo qual recebeu o prêmio de melhor atriz . O avião que a traria de volta ao Brasil explodiu nas cercanias do aeroporto de Nova Deli na Índia , no dia 14 de junho de 1972 . Ponto final na curta e rica trajetória de 27 anos de uma grande mulher que amou e viveu nos limites permitidos pela sociedade , deixando saudades e muitas lições de integridade e coerência com seus ideais . Ela não esteve aqui para agradar gregos e troianos , muito pelo contrário .
Martinho da Vila e Rita Lee rabiscaram duas homenagens musicais reverenciando a bela e imortal Leila Diniz , onde se encontram alguns neologismos ( porristas , nazijudias e beaidetificadas ) que talvez se adequem à personalidade radical da irreverente atriz :
“ Ai que saudade da beleza democrática / ai que saudade do sorriso progressista / ai que saudade de ouvir certas verdades /que a burguesia sempre pensa , mas não diz / ela era crooner de uma orquestra sistemática / feita de loucos , de poetas e porristas / era a estátua nacional da liberdade /ditando a lei do ventre livre no país /aquelas noites eram feias , eram trágicas / mas a sua luz anunciava a diretriz / comportamentos mais abertos , transparentes /pra nossa gente ser mais gente e mais feliz / hoje a saudade escreve os versos neste samba / que é um dos sambas mais sentidos que eu já fiz / esta saudade tem um nome / e um sobrenome / esta saudade é uma mulher / Leila Diniz “ .
“ Elas querem o poder ! / mães assassinas , filhas de Maria /policiais femininas , nazijudias / gatas gatunas , quengas no cio / esposas drogadas , tadinhas mal pagas / toda mulher quer ser amada / toda mulher quer ser feliz / toda mulher se faz de coitada / toda mulher é meio Leila Diniz /garotas de Ipanema , minas de Minas / loiras , morenas , messalinas /santas sinistras , ministras malvadas / Imeldas , Evitas , Beneditas estupradas / paquitas de paquete , Xuxas em crise /macacas de auditório , velhas atrizes /patroas babacas , empregadas mandonas / Madonnas na cama , Dianas corneadas / socialites plebeias , rainhas decadentes /manecas alcéias , enfermeiras doentes / madrastas malditas , super- homem sapatas / Irmãs La Dulce beaidetificadas / toda mulher quer ser amada / toda mulher quer ser feliz / toda mulher se faz de coitada / toda mulher é meio Leila Diniz “ .

quinta-feira, 2 de abril de 2015

 A PROPÓSITO DE PAGU  ,  UMA MULHER IMPOSSIVEL

“ Pagu tem uns olhos moles / uns olhos de fazer doer / bate – coco quando passa / coração pega a bater / eh Pagu eh ! / dói porque é bom de fazer doer / passa e me puxa com os olhos /provocantissimamente  /  mexe – mexe bamboleia / pra mexer com toda gente / eh Pagu eh ! / dói porque é bom de fazer doer / toda a gente fica olhando / o seu caminhar de vai – vem / umbilical e molengo / de não – sei – o – que – é – que – tem / eh Pagu eh ! / dói porque é bom de fazer doer / quero porque te quero / nas formas do bem – querer / querzinho de ficar junto /que é bom de fazer doer / eh Pagu eh / / dói porque é bom de fazer doer “ . Poema   “  Coco “  de autoria de Raul Bopp ( 1898 – 1984 ) .
Cabelos compridos  , forte maquiagem nos olhos , lábios exageradamente rubros , olhar penetrante e desafiador : assim era Pagu ; blusa transparente , fumando em público e descompondo  com afiados palavrões , assim era Pagu ; ou , também , Zaza , Patsy  , Mara Lobo , Ariel . Impossível  ,  esta mulher ! .
Um anjo torto que sonhava com um mundo  livre , utópico , sem fronteiras e  igualitário . Assim  nasceu Patrícia Rehder Galvão ( 1910 – 1962 )  em São João da Boa Vista  , São Paulo . Seus  pais foram  :  Thiers Galvão de França e Adélia Rehder Galvão . Junto a ela cresceram mais  três irmãos  : Conceição , Homero e Sidéria . Em  1914 , aos 4 anos de idade , transferiu- se com a família para a capital do estado . Foi aluna do poeta e folclorista Mário de Andrade no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo  .Teve uma infância tranquila e livre mas na adolescência passou a se destacar entre seus pares por um comportamento atípico , arrojado e avançado para a época  . Passou em branco  ,  de raspão , pela chocante Semana da Arte Moderna ( 1922 ) , o mais importante evento cultural da história do Brasil ,  curtindo  seus leves  12 anos de idade .
Em 1929 graduou- se pela Escola Normal da Praça da República  . Patrícia  , “ Normalista “ ,  estava habilitada a ensinar  crianças do curso primário . Vestida de azul e  branco , proibida de casar por regulamento escolar  ,  alegrava a paisagem paulistana com sua frescura juvenil e  angelical .
“ Vestida  de azul e branco / trazendo um sorriso franco / no rostinho encantador / minha linda normalista / rapidamente conquista / meu coração sem amor / eu que trazia fechado / dentro do peito guardado / meu coração sofredor / estou bastante inclinado / a entrega- lo  aos cuidados / daquele brotinho em flor / mas , a normalista linda  / não pode casar ainda / só depois que se formar / eu estou apaixonado / o pai da moça é zangado / e o remédio é esperar “ .        Canção de    Benedito Lacerda e David  Nasser .
O  Movimento Antropofágico de 1928 , a radicalização de 1922 , considerado  a segunda dentição  daquela vanguarda ,   abraçou  a adolescente Patrícia ( aos 18 anos )  tendo como verdadeiros  padrinhos o casal Oswald de Andrade ( poeta )  e Tarsila do Amaral ( pintora )  . Patrícia colabora na  “  Antropofagia “    através  desenhos em revista  e declamação de poemas em recitais  . Uma menina – flor a encantar surpresos   adultos , mas havia um preço a pagar .
O poeta Raul Bopp ( 1898 – 1984 ) cria o nome Pagu , pensando de forma errônea  que o nome da garota fosse Patrícia Goulart . Não importa  ,  assim ficou consagrado . Atraído pela beleza de Pagu o poeta presenteou-a com um mimoso poema  “ Coco para Pagu “ .
Em  1929 , Pagu ( 20 anos ) e Oswald ( 40 anos ) passam a viver juntos para escândalo da sociedade conservadora paulistana . “ Se o lar de Tarsila / vacila / é / pelo angu da Pagu “ . Teria escrito num guardanapo o apaixonado Oswald . Aparece uma incômoda  gravidez no meio do caminho  . O pintor  Waldemar Belisário , convencido por seu amigo  Oswald , casa-se  de chofre com  Pagu com fins de evitar problemas  . Uma verdadeira ópera – bufa .  Padrinhos  !!! : Oswald de Andrade e Tarcila Amaral  .  Depois  ,  tal contrato matrimonial foi desfeito . A gravidez de Pagu terminou num abortamento  .  Os pombinhos Oswald e Pagu , enfim ,  casam- se no Cemitério da Consolação no dia 05 de janeiro de 1930 . Em setembro nasce o menino Rudá ( o deus do amor , de lendas indígenas ) . Pagu deixa aos 3 meses de idade  o filho aos cuidados do pai e viaja para Buenos Aires em busca de um encontro com Luis Carlos Prestes , O Cavaleiro da Esperança . Na ocasião estreita laços com o magistral poeta argentino  Jorge Luis Borges . Filia-se ao Partido Comunista Brasileiro  junto com o esposo Oswald  de Andrade .
Em 1931 funda um tabloide chamado “ O Homem do Povo “ , que teve curta duração . Neste  ano deu-se sua primeira prisão política no porto de Santos , em São Paulo . Daí  seguiram – se  mais de duas dezenas de pousos em cárceres  . Encontramos Pagu em 1932 morando numa vila operária no Rio de Janeiro trabalhando como lanterninha de cinema e  tecelã .  Em 1933 lança com o pseudônimo de Mara Lobo o romance de forte  cunho social , “ Parque Industrial  “ . Pagu  no ano seguinte , 1934 , faz uma longa viagem a vários países do mundo como correspondente de jornais  brasileiros . Presa na  França , libertada com a ajuda do embaixador Sousa Dantas , escapa  de ser deportada para a Alemanha Nazista . De volta ao Brasil  dá por encerrado  o casamento  com Oswald de Andrade .  Após a “ Intentona Comunista de 1935 “ permanece nos pútridos cárceres do regime Vargas por cerca de  quatro anos e meio . Desvincula  –se  do PCB  , passando à  crítica do partido em  1940 . Neste ano contrai matrimônio com o Jornalista Geraldo Ferraz e no ano seguinte torna-se mãe de mais um garoto  , Geraldo Galvão Ferraz .  Em parceria com o esposo  , lança um novo romance ,  “ A Famosa Revista “ .
Em 1950 tenta eleger-se deputada estadual  pelo PSB , mas não logra êxito .Em 1952 frequenta a Escola de Arte Dramática em São Paulo .   Passa a traduzir e dirigir peças teatrais e torna-se a primeira mulher presidente da União do Teatro Amador de Santos   . Trabalha ainda em televisão  , revista e jornal .
Em 1962 publica seu último texto  , em A Tribuna , o poema Nothing :
Nada nada  nada / nada mais do que nada /porque vocês querem que exista apenas o nada /pois  existe o só nada / um para – brisa partido /uma perna quebrada / o nada / fisionomias massacradas / tipoias em meus amigos / portas arrombadas / abertas para o nada / um choro de criança / uma lágrima de mulher  à – toa / que quer dizer nada / um quarto meio escuro / com um abajur quebrado / meninas que dançavam / que conversavam /nada /um copo de conhaque /um teatro / um precipício / talvez o precipício queira dizer nada / uma carteirinha de travel’s check / uma partida for two nada / trouxeram – me camélias brancas e vermelhas /uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava /um cão rosnava na minha estrada /um papagaio falava coisa tão engraçadas /pastorinhas entravam em meu caminho / num samba morenamente cadenciado / abri o meu abraço aos amigos de sempre /poetas compareceram / alguns escritores / gente do teatro / birutas no aeroporto / e nada “ .
Abre caminho  em busca de uma nova utopia ,  no dia 12 de dezembro de 1962  ,  na cidade de Santos  , em sua residência , rodeada de familiares , por conta de um traiçoeiro  câncer .
Rita Lee e Zélia Duncan  , duas “  Pagus “   pós – modernas , danadas , livres e belas,  homenageiam a eterna Patrícia Galvão  :
“  Mexo  , remexo na Inquisição / só quem já morreu na fogueira / sabe o que é carvão /  eu sou pau pra toda obra /Deus dá asas a minha cobra / minha força não é bruta / não sou freira , nem sou puta / porque nem toda feiticeira é corcunda / nem toda brasileira é bunda / meu peito não é de silicone / sou mais macho que muito homem / sou rainha do meu tanque / sou Pagu indignada no palanque / fama de porra – louca , tudo bem / minha mãe é Maria Ninguém / não sou atriz , modelo , dançarina / meu buraco é mais em cima / “ .