quinta-feira, 2 de abril de 2015

 A PROPÓSITO DE PAGU  ,  UMA MULHER IMPOSSIVEL

“ Pagu tem uns olhos moles / uns olhos de fazer doer / bate – coco quando passa / coração pega a bater / eh Pagu eh ! / dói porque é bom de fazer doer / passa e me puxa com os olhos /provocantissimamente  /  mexe – mexe bamboleia / pra mexer com toda gente / eh Pagu eh ! / dói porque é bom de fazer doer / toda a gente fica olhando / o seu caminhar de vai – vem / umbilical e molengo / de não – sei – o – que – é – que – tem / eh Pagu eh ! / dói porque é bom de fazer doer / quero porque te quero / nas formas do bem – querer / querzinho de ficar junto /que é bom de fazer doer / eh Pagu eh / / dói porque é bom de fazer doer “ . Poema   “  Coco “  de autoria de Raul Bopp ( 1898 – 1984 ) .
Cabelos compridos  , forte maquiagem nos olhos , lábios exageradamente rubros , olhar penetrante e desafiador : assim era Pagu ; blusa transparente , fumando em público e descompondo  com afiados palavrões , assim era Pagu ; ou , também , Zaza , Patsy  , Mara Lobo , Ariel . Impossível  ,  esta mulher ! .
Um anjo torto que sonhava com um mundo  livre , utópico , sem fronteiras e  igualitário . Assim  nasceu Patrícia Rehder Galvão ( 1910 – 1962 )  em São João da Boa Vista  , São Paulo . Seus  pais foram  :  Thiers Galvão de França e Adélia Rehder Galvão . Junto a ela cresceram mais  três irmãos  : Conceição , Homero e Sidéria . Em  1914 , aos 4 anos de idade , transferiu- se com a família para a capital do estado . Foi aluna do poeta e folclorista Mário de Andrade no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo  .Teve uma infância tranquila e livre mas na adolescência passou a se destacar entre seus pares por um comportamento atípico , arrojado e avançado para a época  . Passou em branco  ,  de raspão , pela chocante Semana da Arte Moderna ( 1922 ) , o mais importante evento cultural da história do Brasil ,  curtindo  seus leves  12 anos de idade .
Em 1929 graduou- se pela Escola Normal da Praça da República  . Patrícia  , “ Normalista “ ,  estava habilitada a ensinar  crianças do curso primário . Vestida de azul e  branco , proibida de casar por regulamento escolar  ,  alegrava a paisagem paulistana com sua frescura juvenil e  angelical .
“ Vestida  de azul e branco / trazendo um sorriso franco / no rostinho encantador / minha linda normalista / rapidamente conquista / meu coração sem amor / eu que trazia fechado / dentro do peito guardado / meu coração sofredor / estou bastante inclinado / a entrega- lo  aos cuidados / daquele brotinho em flor / mas , a normalista linda  / não pode casar ainda / só depois que se formar / eu estou apaixonado / o pai da moça é zangado / e o remédio é esperar “ .        Canção de    Benedito Lacerda e David  Nasser .
O  Movimento Antropofágico de 1928 , a radicalização de 1922 , considerado  a segunda dentição  daquela vanguarda ,   abraçou  a adolescente Patrícia ( aos 18 anos )  tendo como verdadeiros  padrinhos o casal Oswald de Andrade ( poeta )  e Tarsila do Amaral ( pintora )  . Patrícia colabora na  “  Antropofagia “    através  desenhos em revista  e declamação de poemas em recitais  . Uma menina – flor a encantar surpresos   adultos , mas havia um preço a pagar .
O poeta Raul Bopp ( 1898 – 1984 ) cria o nome Pagu , pensando de forma errônea  que o nome da garota fosse Patrícia Goulart . Não importa  ,  assim ficou consagrado . Atraído pela beleza de Pagu o poeta presenteou-a com um mimoso poema  “ Coco para Pagu “ .
Em  1929 , Pagu ( 20 anos ) e Oswald ( 40 anos ) passam a viver juntos para escândalo da sociedade conservadora paulistana . “ Se o lar de Tarsila / vacila / é / pelo angu da Pagu “ . Teria escrito num guardanapo o apaixonado Oswald . Aparece uma incômoda  gravidez no meio do caminho  . O pintor  Waldemar Belisário , convencido por seu amigo  Oswald , casa-se  de chofre com  Pagu com fins de evitar problemas  . Uma verdadeira ópera – bufa .  Padrinhos  !!! : Oswald de Andrade e Tarcila Amaral  .  Depois  ,  tal contrato matrimonial foi desfeito . A gravidez de Pagu terminou num abortamento  .  Os pombinhos Oswald e Pagu , enfim ,  casam- se no Cemitério da Consolação no dia 05 de janeiro de 1930 . Em setembro nasce o menino Rudá ( o deus do amor , de lendas indígenas ) . Pagu deixa aos 3 meses de idade  o filho aos cuidados do pai e viaja para Buenos Aires em busca de um encontro com Luis Carlos Prestes , O Cavaleiro da Esperança . Na ocasião estreita laços com o magistral poeta argentino  Jorge Luis Borges . Filia-se ao Partido Comunista Brasileiro  junto com o esposo Oswald  de Andrade .
Em 1931 funda um tabloide chamado “ O Homem do Povo “ , que teve curta duração . Neste  ano deu-se sua primeira prisão política no porto de Santos , em São Paulo . Daí  seguiram – se  mais de duas dezenas de pousos em cárceres  . Encontramos Pagu em 1932 morando numa vila operária no Rio de Janeiro trabalhando como lanterninha de cinema e  tecelã .  Em 1933 lança com o pseudônimo de Mara Lobo o romance de forte  cunho social , “ Parque Industrial  “ . Pagu  no ano seguinte , 1934 , faz uma longa viagem a vários países do mundo como correspondente de jornais  brasileiros . Presa na  França , libertada com a ajuda do embaixador Sousa Dantas , escapa  de ser deportada para a Alemanha Nazista . De volta ao Brasil  dá por encerrado  o casamento  com Oswald de Andrade .  Após a “ Intentona Comunista de 1935 “ permanece nos pútridos cárceres do regime Vargas por cerca de  quatro anos e meio . Desvincula  –se  do PCB  , passando à  crítica do partido em  1940 . Neste ano contrai matrimônio com o Jornalista Geraldo Ferraz e no ano seguinte torna-se mãe de mais um garoto  , Geraldo Galvão Ferraz .  Em parceria com o esposo  , lança um novo romance ,  “ A Famosa Revista “ .
Em 1950 tenta eleger-se deputada estadual  pelo PSB , mas não logra êxito .Em 1952 frequenta a Escola de Arte Dramática em São Paulo .   Passa a traduzir e dirigir peças teatrais e torna-se a primeira mulher presidente da União do Teatro Amador de Santos   . Trabalha ainda em televisão  , revista e jornal .
Em 1962 publica seu último texto  , em A Tribuna , o poema Nothing :
Nada nada  nada / nada mais do que nada /porque vocês querem que exista apenas o nada /pois  existe o só nada / um para – brisa partido /uma perna quebrada / o nada / fisionomias massacradas / tipoias em meus amigos / portas arrombadas / abertas para o nada / um choro de criança / uma lágrima de mulher  à – toa / que quer dizer nada / um quarto meio escuro / com um abajur quebrado / meninas que dançavam / que conversavam /nada /um copo de conhaque /um teatro / um precipício / talvez o precipício queira dizer nada / uma carteirinha de travel’s check / uma partida for two nada / trouxeram – me camélias brancas e vermelhas /uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava /um cão rosnava na minha estrada /um papagaio falava coisa tão engraçadas /pastorinhas entravam em meu caminho / num samba morenamente cadenciado / abri o meu abraço aos amigos de sempre /poetas compareceram / alguns escritores / gente do teatro / birutas no aeroporto / e nada “ .
Abre caminho  em busca de uma nova utopia ,  no dia 12 de dezembro de 1962  ,  na cidade de Santos  , em sua residência , rodeada de familiares , por conta de um traiçoeiro  câncer .
Rita Lee e Zélia Duncan  , duas “  Pagus “   pós – modernas , danadas , livres e belas,  homenageiam a eterna Patrícia Galvão  :
“  Mexo  , remexo na Inquisição / só quem já morreu na fogueira / sabe o que é carvão /  eu sou pau pra toda obra /Deus dá asas a minha cobra / minha força não é bruta / não sou freira , nem sou puta / porque nem toda feiticeira é corcunda / nem toda brasileira é bunda / meu peito não é de silicone / sou mais macho que muito homem / sou rainha do meu tanque / sou Pagu indignada no palanque / fama de porra – louca , tudo bem / minha mãe é Maria Ninguém / não sou atriz , modelo , dançarina / meu buraco é mais em cima / “ .


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