domingo, 29 de janeiro de 2017



                                 O OUTONO EM PROSA E VERSO

Primavera, verão, inverno e outono. As estações sempre a se repetirem, indefinidamente. Assim , também, segue o carrossel da vida humana: nascimento, infância, juventude, maturidade, reprodução, envelhecimento e morte.
“De manhã, o sol se eleva do mar noturno do inconsciente e olha para a vastidão do mundo colorido que se torna tanto mais amplo, quanto mais alto ele ascende no firmamento.
O sol descobrirá seu significado dentro desta extensão cada vez maior de seu campo de ação produzido por sua ascensão e se dará conta de que seu objetivo supremo está em alcançar a maior altura possível e, consequentemente, a mais ampla disseminação possível e, consequentemente, a mais ampla disseminação possível de suas bênçãos sobre a terra.
Apoiado nesta convicção ele se encaminha para o zênite imprevisto – imprevisto, porque sua existência individual e única é incapaz de prever o seu ponto culminante.
Precisamente ao meio – dia, o sol começa a declinar, e este declínio significa uma inversão de todos os valores e ideais cultivados durante a manhã. O sol entra então em contradição consigo mesmo. É como se recolhesse dentro de si seus próprios raios, em vez de emiti-los. A luz e o calor diminuem e por fim se extinguem “ . Excerto do artigo “ As etapas da vida humana “ escrito por Carl Gustav Jung (1875- 1961) .
“Me chegará lentamente /e me encontrará distraído/ provavelmente adormecido/ sobre uma almofada de plumas /se instalará no espelho/inevitável e serena/e dará início a sua faina/pelos primeiros contornos/ com uns fios de prata/ me tingirá os cabelos/ e alguma linha do colo / que será escondida pela minha gravata /aguçará meu apetite/minhas mãos e meus enjoos / e me dará um par de óculos para sofrer as notícias/ a velhice.../está à volta de qualquer esquina/ ali , onde menos se imagina/ se nos apresenta pela vez primeira/a velhice.../ é a mais cruel das ditaduras / a grande cerimônia de clausura/ do que foi a juventude alguma vez /com admirável destreza/ como o melhor artesão / lhe irá quitando de minhas mãos / toda a sua antiga firmeza/ e seguindo Galeno / me fará proibir o cigarro/ porque dirão que o catarro / vem ganhando terreno/me inventará um par de desculpas/ para amenizar a impotência /” que vale mais experiência /que pretensões ilusórias “/me chegará ao cachecol/ aos sapatos de pano/e ao catarro que ano a ano/ aumentará sua demanda/a velhice.../é a antessala do inevitável/ o último caminho transitável/onde a dúvida.../o que virá depois ?/a velhice é todo o equipamento de uma vida/ disposto ante a porta de saída/pela qual não se pode mais voltar/ao melhor , mais que velho/serei um ancião honorável/tranquilo e o mais provável /grande emissor de conselhos /o que é pior/por ciúmes me afastará das pessoas/ e cortará lentamente / minhas pobres , últimas rosas/a velhice está à volta de qualquer esquina/ ali onde menos se imagina/se nos apresenta pela vez primeira/ a velhice.../é a mais cruel das ditaduras/ a grave cerimônia da clausura/do que foi a juventude alguma vez “/
Tradução livre da música “ La vejez “ do cantor , compositor e poeta argentino Alberto Cortez ( 1940) .
Outono ou crepúsculo, não importa, vale a pena viver a vida em sua plenitude em todas as suas estações . A vida é bela!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

PARA UM NORDESTINO DE PINDORAMA


Seu mundo, meu irmão, é aqui com sua cabeça chata vagueando nas nuvens do infinito e com os pés cobertos de poeira fincados no gretado chão, pegando fogo, neste vetusto nordeste de Pindorama. Admita que quem vive flanando no morno ar é folha seca de pau, pipa de papel, passarinho, pombo ou urubu. Não os inveje, a ordem parte dos céus!
 E o misterioso oceano?  Acredite, feito para os peixes, búzios, água - vivas e estrelas - do- mar. Quem se aventura nas procelas do tenebroso monstro de água salgada precisa tomar siso que ali não existe cabelo onde se possa agarrar. De bom alvitre ficar bulindo nas espumas das ondas, na areia da praia, feito caranguejo e passando ao largo do canto mavioso das sereias.
Nesse torrão continua a sina de se morrer de susto, bala ou vício e a maioria bem jovem ainda, além do que preto e pobre.

 Mazelas tem um leque de escolha: febre amarela, malária, dengue, raiva humana e outros males frutos da negligência, há muito sumidas do Velho Mundo. Ora ganham expressão doenças degenerativas crônicas atingindo gente de mais idade.
Quando adoecer, meu caro irmão de infortúnio, pode escolher ser tratado por meizinhas e chás sob as zelosas mãos de curandeiros ou rezadeiras. Outra opção razoável é buscar auxílio, aqui a seus pés, no melhor sistema de saúde do mundo! Basta ter a santa paciência de perambular por postos de saúde ou hospitais sucateados durante alguns meses.
Queira distância dos hospitais luxuosos de nomes estrambóticos frequentados pelas poderosas elites brancas, todos custando os olhos da cara e prenhe de gente mercenária. A “ facada “ é certeira!
 Outra saída gloriosa é ir em busca da “ medicina de ponta “ existente nas democracias vizinhas do mar do Caribe, na gloriosa América Latina.
 Caso não obtenha sucesso, resta, estoicamente, entregar os pontos, caro companheiro, pois parece chegada a sua hora de prestar as contas com o incognoscível. Honre as calças que veste e encare a ceifadeira das gentes com resignação. Ademais, para o distinto, não existe outra vida no além, não é mesmo?

 Não vá amarelar numa hora dessa. Me poupe!

E até a vitória, sempre!  

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O ACIDENTE AÉREO DE CASTELO BRANCO EM 1967


Às 9: 00 h do dia 18 de julho de 1967 uma aeronave de pequeno porte pertencente ao Governo do Estado do Ceará, um Piper Aztec PA – 23, registro PP-ETT, partiu de Quixadá, no interior do Ceará com destino a Fortaleza. O pequeno avião transportava, dentre outros, o marechal cearense Humberto de Alencar Castelo Branco que há pouco mais de três meses encerrara o seu mandato de presidente da república do Brasil (1964 -1967). O Marechal Castelo Branco fora cumprir uma visita de cortesia a sua conterrânea e parente, a grande dama da literatura cearense Rachel de Queiroz (1910 – 2003), em sua fazenda “ Não me Deixes “ no município de Quixadá.
No mesmo horário, 9 :00 h da manhã, em Fortaleza, decolaram da Base Aérea quatro jatos Lockheed TF -33ª, sob o comando do Tenente Areal para um treinamento de rotina. Às 9h 52 min, a 450 metros de altitude, sobre o bairro de Mondubim em Fortaleza ocorreu o choque entre o Piper que conduzia o marechal Castelo Branco e um dos jatos da Força Aérea sob o comando do aspirante Alfredo Malan D’Angrogne: a ponta da asa esquerda do jato tocou a cauda do Piper que perdendo seu estabilizador, produziu, incontinenti, a queda da pequena aeronave. O jato conseguiu prosseguir voo e realizou em seguida um pouso de emergência na Base Aérea de Fortaleza.
Encontravam- se a bordo do Piper acidentado: o comandante Celso Tinoco Chagas; o co– piloto Emilio Celso Chagas, filho do piloto Celso; o marechal Castelo Branco; Cândido Castelo Branco, irmão do marechal Castelo Branco; a escritora cearense Alba Frota e o major Manuel Neponuceno. De todos, sobreviveu apenas o jovem co- piloto Emílio Celso Chagas.
Um relatório produzido pelo Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, datado de 21 de novembro de 1967, assinado pelo tenente – brigadeiro -do- ar Araripe Macêdo trouxe poucos esclarecimentos a respeito do trágico acidente aéreo.
Outros acidentes da mesma ordem abatendo figuras públicas sempre geraram, além da comoção esperada, dúvidas sobre as circunstâncias em que ocorreram tais tragédias:
1958: Morte de Nereu Ramos, ex - presidente da república do Brasil.
!961: Morte de Roberto Silveira, governador do Rio de Janeiro.
1973:  Morte de Filinto Muller, líder do governo militar no Senado.
1982:  Morte de Clériston Andrade, ex- prefeito de Salvador.
1987: Morte de Marcos Freire, ministro da Reforma Agrária.
1992:  Morte de Ulysses Guimarães, um dos líderes do PMDB, cujo corpo nunca foi encontrado.
2003: Morte de José Carlos Martinez, deputado federal.
2014: Morte de Eduardo Campos, ex- governador de Pernambuco e candidato a presidente da república.
2017: Morte de Teori Albino Zavascki , ministro do Supremo Tribunal Federal .


segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A MORTE NOSSA DE CADA DIA



Uma coisa é a espetacularização do ocorrido: a degola de pobres diabos se digladiando em instituições corretivas do governo ou o último voo brecado num luminoso pássaro de alumínio a riscar os céus deste mundo de meu Deus. Aí entra em cena a comoção, o choque da surpresa.
Outra coisa bem diferente, mas tão funesta quanto, é a morte muda, anônima se insinuando no dia- a- dia a nos tirar devagarzinho lascas de pele, pedaços da gente: a mão áspera estendida suplicando um trocado, o pedido calado de socorro no olhar duma esquálida criatura de peitos murchos com uma criança a lhe sugar a última gota de leite ou de sangue aguado.
Em ambas as situações a dor fere fundo e deixa severas marcas.

“ Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de seus amigos ou mesmo sua; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti “. John Donne (1572 – 1631), poeta inglês e Ernest Hemingway (1899 – 1961), escritor norte – americano .

Resta que sejamos solidários, em vez de lobos solitários, acolhendo nossos irmãos e compartilhando em mancheias o divino milagre da vida.
“ A vida é o dia de hoje/a vida é um ai que mal soa /a vida é sombra que foge/ a vida é nuvem que voa/a vida é sonho tão leve/que se desfaz como a neve/e como o fumo se esvai/a vida dura um momento/mais leve que o pensamento /a vida leva-a o vento/a vida é folha que cai /a vida é flor na corrente/ a vida é sopro suave/a vida é estrela cadente/voa mais leve que a ave/nuvem que o vento nos ares/onda que o vento nos mares/uma após outra lançou/a vida -pena caída/ da asa de ave ferida- /de vale em vale impelida/a vida o vento levou “  

  João de Deus Ramos (1830 – 1896 ) , poeta português .








sexta-feira, 20 de janeiro de 2017



                                                         AS MOIRAS OU PARCAS

Desde os primórdios da humanidade, na Grécia e Roma de antanho o bicho – homem especulava sobre o livre arbítrio e o seu destino terreal. Entendia ele que sobre o nascimento e a morte nada podia ser feito.
Deste modo surgiram as lendas sobre as três moiras (gregas) ou parcas (romanas) que representavam a fatalidade do destino e a impotência do homem quanto ao fim de seus dias.
Tais irmãs nasceram de Moro e Nix ou , para outros , nasceram de Jupiter e Temis . Elas se chamavam:
Cloto (fiar): segurava o fuso e tecia a linha da vida.
Laquesis (sortear): puxava e enrolava o fio da vida.
Atropos (inevitável): cortava o fio da vida.
“ ... Somos muitos Severinos/ iguais em tudo na vida/na mesma cabeça grande/ que se equilibra/no mesmo ventre crescido/sobre as mesmas pernas finas/e iguais também porque o sangue/que usamos tem pouca tinta / Somos muitos Severinos /iguais em tudo na vida/morremos de morte igual/mesma morte Severina:/ que é a morte que se morre/de velhice antes dos trinta/de emboscada antes dos vinte /de fome um pouco por dia/( de fraqueza e de doença/ é que a morte severina / ataca em qualquer idade/e até gente não nascida ) “. Excertos do poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto (1920 -1999).
Assim assistimos diuturnamente desfilarem à nossa frente Severinos selecionados pelas parcas ou moiras: Getúlios, Jangos, Juscelinos , Vladimires , Celsos , Danieis , Sombras e outros que tais . Umas perdas causam certo impacto e outras um reconfortante alívio!
E que a terra lhe seja leve!

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017



                                                       CACASO: VITA BREVIS

“ Seu amor me furta/seu horror me encanta/minha vida é curta/ minha fome é tanta/minha carne é fraca/minha paz é louca/minha dor é farta/minha parte é pouca/minha cova é rasa/meu lamento é mudo/seu amor me arrasa/sua ausência é tudo/minha sorte é cega/sua luz me esconde/minha morte é certa/meu lugar é onde/seu carinho é pena/seu amor é mando/minha falta é plena/minha vez é quando “
Cacaso – Antônio Carlos Ferreira de Brito (1944 – 1987) nasceu em 13 de março de 1944 na cidade de Uberaba, em Minas Gerais. Seus pais foram Carlos Ferreira de Brito e Wanda Aparecida Lóes de Brito. Cedo, aos 12 anos, despertou interesse pelo mundo das artes realizando caricaturas de políticos e outros personagens da vida pública.
Daí saltou para o mágico mundo da poesia. Graduou – se em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e realizou Pós-Graduação na USP. Lecionou teoria literária e literatura brasileira na Pontifícia Universidade Católica no Rio de Janeiro e na Escola de Comunicação na UFRJ.
Cacaso estreou com o livro “ A Palavra Cerzida “ (1967) e seguiram – se: “ Grupo Escolar “ (1974); “ Beijo na Boca “ (1975); “ Segunda Classe “ (1975); “ Na Corda Bamba “ (1978); “ Mar Mineiro “ (1982).
“ Ah como tenho me enganado/como tenho me matado/por ter demais confiado nas evidências do amor /como tenho andado certo/como tenho andado errado/por seu caminho inseguro/por meu caminho deserto/como tenho me encontrado/ como tenho descoberto/a sombra leve da morte/passando sempre por perto /e o sentimento mais breve/ rola no ar e descreve a eterna cicatriz/mais uma vez /mais de uma vez /quase que eu fui feliz/a barra do amor é que ele é meio ermo/a barra da morte é que ela não tem meio termo “
Participou ativamente do movimento da “ Poesia Marginal “ ao lado de figuras como Francisco Alvim, Heloisa Buarque de Hollanda, Ana Cristina Cesar, Charles Chacal e outros.
Cacaso teve muitos de seus poemas musicados por artistas da
fina flor da música Popular Brasileira como Elton Medeiros, Maurício Tapajós, Edu Lobo, Djavan, Tom Jobim, Sueli Costa, Joyce, Sivuca e Francis Hime.
Em 1987, no dia 27 de dezembro de 1987, aos 42 anos, Cacaso parte para uma viagem definitiva, que segundo uma manchete da época evocava: “ Escreveu poesia rápida como a vida“.
Em 2002 surge a antologia “ Lero lero “ de Cacaso publicada pela Editora Sette Letras.
“ Sou brasileiro de estatura mediana /gosto muito de fulana mas sicrana é quem me quer /porque no amor quem perde quase sempre ganha /veja só que coisa estranha, saia dessa se puder /não guardo mágoa, não blasfemo, não pondero/não tolero lero lero , devo nada pra ninguém/sou descansado , minha vida eu levo a muque/do batente pro batuque faço como me convém/eu sou poeta e não nego a minha raça /faço versos por pirraça e também por precisão/de pé quebrado , verso branco, rima rica /negaceio , dou a dica , tenho a minha solução/sou brasileiro , tatu- peba taturana /bom de bola , ruim de grana , tabuada sei de cor/quatro vez sete, vinte e oito , noves fora/ou a onça me devora ou no fim vou rir melhor/não entro em rifa, não adoço , não tempero/ não remarco , marco zero , se falei não volto atrás/por onde passo deixo rastro , deixo fama / desarrumo toda a trama , desacato Satanás/sou brasileiro de estatura mediana/ gosto muito de fulana , mas sicrana é quem me quer/porque no amor quem perde sempre ganha /veja só que coisa estranha , saia dessa se puder/diz um ditado natural da minha terra /bom cabrito é o que mais berra onde canta o sabiá/desacredito no azar da minha sina/ tico- tico de rapina , ninguém leva o meu fubá “
Canção de Cacaso e Edu Lobo.

sábado, 14 de janeiro de 2017

GRAVIDEZ: NEM SEMPRE

Um dia acontece de a menstruação atrasar. Logo em seguida instalam -se os enjoos com vômitos, o crescimento continuado das mamas e do abdome põe em evidência um possível diagnóstico de gravidez.
Embora em gestantes seja usual o aparecimento de colostro – um líquido claro e meio viscoso – saindo dos mamilos a partir do quarto mês de gestação, neste caso trata- se, no entanto, de secreção láctea verdadeira.
A provável gestante relata movimentos no abdome parecidos com aqueles promovidos pelo feto.
A assistência pré – natal faz-se episódica com constantes mudanças de médicos e evidenciando ausência de exames, especialmente aqueles de imagens ultrassonográficas.
Um dia a cliente busca o hospital em transe de parto e neste momento desnuda – se um doloroso drama: não existe uma gravidez de verdade.
É isso: trata -se de uma pseudociese, uma gravidez falsa, imaginária ou de fantasia. O termo desdobra -se em pseudo (falsa) e Kyesis (gravidez).
Tal distúrbio ocorre em 1 para 22.000 gestações verdadeiras e pode associar-se a vários fatores como infertilidade, distúrbios psicológicos (ansiedade, depressão), ou severos quadros psiquiátricos como psicose ou esquizofrenia.
Instabilidade conjugal e uso de certos fármacos podem favorecer ao desencadeamento da pseudociese.
Encontram -se presentes modificações hormonais severas com liberação anormal de neurotransmissores do tipo serotonina, dopamina, noradrenalina e de hormônio como a prolactina (indutora da produção do leite).
Tudo isso justifica a falta de menstruação, o aparecimento do leite, o aumento do abdome e vários outros sinais e sintomas de gravidez.
Um rigoroso acompanhamento com diversos profissionais como um obstetra, uma enfermeira, um psicólogo e ou um psiquiatra constitui padrão – ouro na assistência humanizada de tal entidade mórbida.
Mudanças comportamentais, utilização racional de drogas ansiolíticas, antidepressivas ou contra a psicose, conforme a gravidade do caso, podem acelerar o retorno à normalidade.
A recorrência de uma nova pseudociese gira em torno de cinco por cento.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

ANÍBAL MACHADO, CONSERTADOR DE MATERIAL HUMANO 


“Os que não acumulam / e são os mais ricos/os que ignoram o espelho/e são os mais belos/os que não choram e são tristes/os que não dançam e são alegres/os que são fortes e nem se lembram/os que mais parecem irmãos das águas, bichos, árvores e pedras ... “


Aníbal Monteiro Machado (1894 – 1964) nasce em Sabará, no estado de Minas Gerais, filho de Virgílio Cristiano Machado e de Maria Helena Monteiro Machado. Teve uma infância folgada e feliz, sendo alfabetizado pela mãe e por uma governanta alemã. Passou três anos como interno no Colégio Dom Viçoso em Belo Horizonte, depois segue para o Ginásio Mineiro e, posteriormente, frequenta o famoso Colégio Abílio, imortalizado por Raul Pompéia no romance Ateneu.

Aníbal Machado realiza entre 1913 e 1917 o curso superior de Direito em Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Em 1919 é nomeado Promotor  Público. Na década de 20 colabora com revistas e jornais na capital mineira. Assume em 1924 a cátedra de literatura no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro. Pouco tempo depois começa a escrever o romance João Ternura, interrompido em diversas ocasiões e concluído 37 anos mais tarde, às vésperas de seu falecimento. Nas décadas seguintes passa por febril produção literária em posa e verso: 

“ Caderno de João”; “ Novelas Reunidas “; ” A Morte da Porta – estandarte e outras histórias “; “ A Arte de Viver o outras Artes “.


Paulo Mendes Campos numa crônica datada de fevereiro de 1964 descreve, magistralmente, a figura de Aníbal Machado:


“ Todo mundo era amigo de Aníbal Machado: os poetas todos : os anteriores a 22 , os integrantes da Semana da Arte Moderna , a geração de 45 ,os concretistas , os indefinidos , que mal tinham metido o bico fora da casca; os romancistas todos ; regionalistas , subjetivistas ; os plásticos todos ... Católicos e ateus frequentavam o coração de Aníbal ; as crianças de todos os tamanhos o adoravam ; os mestiços , os pretos , os judeus contavam com a fraternidade cálida de Aníbal ... Era um consertador de material humano , e era também um homem que aceitava material humano tal como ele é , precário e torto ... “


O Homem em Preparativos:
 “Ando sempre em preparativos.
Acumulo material, encomendo peças. Junto o necessário. Tomo todas as providências. E trato também da ornamentação.
Com isso vou me distraindo. Troco coisas e ideias.

 Alguns me ajudam, servem- se também de mim. E todos assim nos distraímos nesses preparativos.

Mas com que seriedade! Com que paixão!
Nos momentos de intervalo, construímos cidades, casamos, discutimos, entramos na guerra.

Preparamo-nos todos para qualquer coisa que ainda não aconteceu. Há dezenas de anos tem sido assim. Há milhares de anos...

Adoro os detalhes que aliviam o peso do conjunto. O que me atrapalha, porém, não é tanto o tempo perdido na escolha do material – isso até me preenche as horas – o que me atrapalha é a rapidez com que as coisas se deterioram.

Às vezes recebo intimações para acabar depressa. Mas desconfio e faço cera. Acabar depressa, o que?

Saio a ver se encontro qualquer coisa que seja bem difícil de acabar – acontecimento ou mulher.

Meu medo é a interrupção dessa busca por colapso de entusiasmo ou pela aparição fácil do objeto.

Procuro sempre ...Procuro sem remitência. Invento novas dificuldades.
Adoro os obstáculos ...

Vivo assim amontoando, renovando, corrigindo, experimentando, caindo e me aprumando.

Assim não chegará jamais o dia da minha inauguração. Pois o meu pavor é a viagem concluída, a coisa acabada...

O meu pavor é a estátua de pedra, o feixe de ossos gelando na chuva ou debaixo da terra.

... Enquanto vocês aí fora continuam procurando, procurando...

Não. Nunca serei inaugurado. “

Aníbal Machado partiu no dia 19 de janeiro de 1964, aos 69 anos, no Rio de Janeiro.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

O CIENTISTA MANOEL DE ABREU



Manoel Dias de Abreu (1892 – 1962) veio ao mundo em São Paulo no dia 04 de janeiro de 1892. Filho do português da província do Minho, Júlio Antunes de Abreu e de Mercedes da Rocha Dias, natural de Sorocaba (SP). Sua infância passou- se entre os vizinhos e irmãos Brasil e Portugal.
Aos 15 anos de idade, Manoel iniciou sua jornada acadêmica na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro graduando -se em 23 de dezembro de1913, aos 21 anos, apresentando a seguinte tese: “ Natureza Pobre “, onde traça a íntima relação entre o clima tropical e a civilização, sob provável influência da monumental obra de Euclides da Cunha “ Os Sertões “. Manoel viveu em Lisboa até o ano de 1915 quando seguiu viagem para Paris, tendo permanecido por 08 anos na Cidade das Luzes. Na ocasião mostrou vivo interesse pela novel especialidade médica, a Radiologia, criada pelo cientista alemão Wilhelm Conrad Röentgen (1845 – 1923).

Neste período frequentou várias instituições hospitalares e no Nouvel Hôpital de la Pitié foi encarregado de fotografar peças cirúrgicas, tendo na ocasião desenvolvido um dispositivo para fotografar a mucosa do estômago. Em seguida pôs em prática a densimetria (medida das diferentes densidades do pulmão) e pela vez primeira protagonizou a foto em écran fluorescente do tórax com fins de detectar, a baixo custo, a presença da Peste Branca, a temível Tuberculose Pulmonar.
Em 1921 Manoel de Abreu publicou a densa obra Le Radiodiagnostic dans la Tuberculose Pleuro – pulmonar.
O Brasil no ano 1922 recebe de volta Manoel de Abreu que mais tarde atendendo a um convite do médico e prefeito do Rio de Janeiro, Pedro Ernesto do Rego Batista (1884 – 1942) assume a chefia do serviço de radiologia do Hospital Jesus. Neste ano constrói o primeiro aparelho para realizar exames radiológicos, instalado no Hospital Alemão do Rio de Janeiro, tendo como princípio a fotografia do écran em tela fluorescente.

Em 1936, Manoel de Abreu apresentou o novo método diagnóstico de imagem na Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro designado de Radiofotografia.
No 1° Congresso Nacional de Tuberculose realizado em 1939 emergiu o termo Abreugrafia para identificar o novo método criado por Manoel de Abreu. Em 1958, Adhemar de Barros, então prefeito de São Paulo instituiu o dia 04 de janeiro, data do nascimento de Manoel de Abreu como o Dia da Abreugrafia.
Manoel de Abreu foi agraciado com várias medalhas e prêmios:
Medalha Cardoso Fontes da Sociedade Brasileira de Tuberculose; medalha de ouro – Médico do Ano -  do American College of Chest Physicians (1950); diploma de Honra ao Mérito Médico da Academyof Tuberculosis Physicians (1950); medalha de ouro do Colégio Inter -Americano do Peru (1958); Cavaleiro da Legião de Honra da França e Grão – Cruz da Ordem do Mérito Médico do Brasil.

 Publicou inúmeros trabalhos científicos e lançou obras de cunho filosófico como “ Não Ser “ (1924); ” Meditações” (1936); “Mensagem Etérea”(1945). No campo da poesia deixou “ Substância“ obra ilustrada pelo pintor Di Cavalcanti; e “ Poemas sem Realidade “, com ilustrações do próprio autor.
Manoel Dias de Abreu figura no panteão de grandes vultos da medicina brasileira ao lado de nomes como: Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Vital Brasil, Miguel Couto e José Rosemberg.
No dia 30 de janeiro de 1962, aos 68 anos, Manoel de Abreu falece na Casa de Saúde São Sebastião, na cidade do Rio de Janeiro, em decorrência de complicações relacionadas com um câncer de pulmão. Foi eleito em 16 de abril de 1964, Patrono da Cadeira de número 84 da Academia Nacional de Medicina.






segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

ATAHUALPA YUPANQUI



“ Tu pensas que és distinto/ porque te dizem poeta/e tens um mundo aparte/ mais além das estrelas/de tanto mirar a lua/já nada sabes mirar/és como um pobre cego/ que não sabe aonde vai/vai mirar os mineiros/ os pobres no trigal/e cantai aos que lutam/ por um pedaço de pão/poeta de ternas rimas/vai viver na selva/e aprenderás muitas coisas/do candelabro e suas misérias /vive junto com o povo/não o mires por fora/que o primeiro é ser homem/ e o segundo, poeta/de tanto mirar a lua/já nada sabes mirar/és como um pobre cego/que não sabe aonde vai/vai mirar os mineiros/os pobres do trigal/e cante aos que lutam/ por um pedaço de pão “       O Poeta , letra e música de Atahualpa Yupanqui .
Héctor Roberto Chavero Haran nasceu na Argentina em 21 de janeiro de 1908, na província de Buenos Aires. Tornou- se Atahualpa (terra que anda) Yupanqui (o que conta, o que narra) numa homenagem ao último imperador do Império Inca morto pelos invasores brancos no ano de 1533. Seu pai era mestiço de origem quéchua e sua mãe descendente de bascos.
 “ Sou filho de crioulo e basco, levo em meu sangue o silêncio do mestiço e a tenacidade do basco “.
Héctor iniciou estudos de violino com um pároco e, posteriormente, aprendeu a tocar guitarra com Bautista Almiron, seu único mestre. Por conta da morte precoce de seu pai, o jovem teve que assumir várias atividades laborais para ajudar na manutenção da família: tipógrafo, mestre de escola, cronista e músico.
Em 1931 casou-se Héctor com Maria Alicia Martinez, tendo o casal gerado quatro filhos. Por essa época, Héctor empreendeu viagens em busca de testemunhos sobre velhas culturas da região e de seu rico folclore.
No ano de 1942, já com o casamento desfeito, Héctor conhece a pianista e compositora Antoinette Paule Fitzpatrick (1908 –1990) ou Nenette, que havia migrado de Paris para Buenos Aires. Deste fortuito encontro nasceria um romance duradouro e tempestuoso, entrecortado por separações, prisões, exílios e graves privações financeiras. No final, venceu a paixão através da tessitura de uma bela história de amor.
“ Eu tenho tantos irmãos/ que não os posso contar/ no vale , na montanha / nos pampas e no mar/cada qual com seus trabalhos/com seus sonhos , cada qual/com a esperança adiante/ com as recordações para trás/eu tenho tantos irmãos/ que não os posso contar/gente de mão calorosa/ por isso de amizade/com um choro para chorar/ com uma reza para rezar/com um horizonte aberto/que sempre está mais além/e essa força para buscar / com tesão e vontade/quando parece mais perto/é quando se afasta mais/eu tenho tantos irmãos/ que não os posso contar/assim seguimos andando/curtidos de solidão/nos perdemos pelo mundo/nos tornamos a encontrar/e assim nos reconhecemos /pelo distante mirar/pelo verso que mordemos/ semente de imensidão/e assim seguimos andando/ curtidos de solidão/e em nossos mortos/ para que ninguém fique para trás/eu tenho tantos irmãos/ que não os posso contar/ e uma irmã mui formosa /que se chama liberdade “  Tradução livre da canção Los Hermanos de Atauhalpa Yupanqui .
Na década de 70 do século passado, a música andina penetrou no Brasil através dos estados do sul nas vozes de Mercedes Sosa (1935 – 2009), Victor Jara (1932 – 1973), Violeta Parra (1917 – 1967) e outros, a embalar os sonhos de estudantes, trabalhadores e intelectuais que ansiavam por uma tal liberdade , rica iguaria  que andava em falta por quase toda a sofrida América Latina .
“ A partícula cósmica que navega em meu sangue/é um mundo infinito de forças siderais/veio a mim após um longo caminho de milênios/ quando , talvez, fui areia para os pés do ar/logo fui madeira, raiz desesperada/fundida no silêncio de um deserto sem água/depois fui caracol quem sabe de onde /e os mares me deram sua primeira palavra/depois a forma humana estendeu sobre o mundo /a universal bandeira do músculo e a lágrima /e cresceu a blasfêmia sobre a velha terra/ e o açafrão, e a tília , a estrofe e a oração /então vem a América para nascer em homem/ e me juntei ao pampa , a selva e a montanha/ se algum avô simples galopou até meu lugar de origem/ outro me contou histórias em sua flauta de madeira/eu não estudo as coisas nem pretendo lhes entender/ as reconheço, é certo, pois antes vivi nelas/converso com as folhas no meio dos montes/ e me dão suas mensagens as raízes secretas/e assim vou pelo mundo , sem idade nem destino/ ao amparo de um cosmos que caminha comigo/amo a luz,  e o rio, e o silêncio, e a estrela/ e floresço em guitarras porque já fui madeira “      Tradução livre do poema “ Tiempo del Hombre “ de autoria de Atahualpa Yupanqui .
Depois da morte de Nenette , sua querida companheira , ocorrida em 1990, descobriu-se que ela fora autora de cerca de 65 canções com Atahualpa, utilizando o nome fictício de Pablo del Cierro. Atahualpa Yupanqui correu o mundo divulgando sua música, voz, guitarra e poesia. Em 23 de maio de 1992 cala sua voz em Nímes na França, aos 84 anos de idade.



sábado, 7 de janeiro de 2017

A SOLIDÃO QUE DÓI

Como uma estátua, analisando um tosco banco de praça, uma bela figura feminina, apoiada numa bengala, interrompe minha caminhada noturna na Praça Rogério Froes.
- Senhor, é seguro sentar neste velho banco? Há pouco tempo sofri uma queda que resultou numa dolorosa fratura óssea.

Eu com uma idade presumível maior que a dela, de pronto, arrisquei-me e fiz pouso naquele trambolho.

- Parece seguro, minha senhora. Vamos sentar!
- Desculpe a pergunta. O senhor é pastor?
- Pastoreio almas, minha princesa. Sou médico!
- E essa Bíblia debaixo do braço?
- É apenas uma edição de luxo do “ Livro do Desassossego “ do português Fernando Pessoa (Bernardo Soares).

De chofre abri o tal livro, aleatoriamente, que caiu na página 432.
- Posso ler para a senhora?
- Graziela, é o meu nome. Fui professora de português até aposentar-me em decorrência de depressão nervosa.
“ Tu não existes, eu bem sei, mas sei eu ao certo se existo? Eu, que te existo em mim, terei mais vida real do que tu, do que a vida morta que te vive?

Chama tornada auréola, presença ausente, silêncio rítmico e fêmea, crepúsculo de vaga carne, taça esquecida para o festim, vitral pintado por um pintor – sonho numa Idade Média de outra Terra.
Cálice e hóstia de requinte casto, altar abandonado de santa ainda viva, corola de lírio sonhado do jardim onde nunca ninguém entrou ...

És a única forma que não causa tédio, porque és sempre mudável com nosso sentimento, porque, como beijas a nossa alegria, embalas a nossa dor, e ao nosso tédio, és-lhe o ópio que conforta e o sono que descansa, e a morte que cruza e junta as mãos.

Anjo, de que matéria é feita a tua matéria alada? que vida te prende a que terra , a ti que és voo nunca erguido, ascensão estagnada , gesto de enlevo e de descanso ? “
- Ei, meu pastor, olha um resumo de minha saga: - viúva aos 48 anos, de marido vivo que fugiu com uma garota de vinte anos e deixou-me a cuidar, sozinha, de um filho adolescente portador de autismo e que é uma benção para mim!

Ah, a solidão que dói!

“ A solidão é fera, a solidão devora /é amiga das horas prima – irmã do tempo/e faz nossos relógios caminharem lentos/causando um descompasso no meu coração/ a solidão dos astros ;/ a solidão da lua ;/a solidão da noite ;/a solidão da rua / “      A Solidão, música de Alceu Valença.









quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

ZÉ KETI, A VOZ DO MORRO DESCENDO PRO ASFALTO


“ Eu sou o samba /a voz do morro sou eu mesmo, sim senhor/quero mostrar ao mundo que tenho valor/eu sou o rei do terreiro/eu sou o samba/sou natural daqui do Rio de Janeiro/sou eu quem levo a alegria/para milhões de corações brasileiros /viva o samba, queremos samba/quem está pedindo é a voz do povo de um país/salve o samba, queremos samba/essa melodia de um Brasil feliz”       A Voz 

Do Morro de autoria de Zé Keti.
José Flores de Jesus (1921- 1999) nasceu em 16 de setembro de 1921 no estado do Rio de Janeiro. Seu pai, Josué Vale da Cruz era marinheiro e tocava cavaquinho. Seu avô, João Dionísio Santana, flautista e pianista, promovia saraus em sua residência em companhia de figuras famosas como Pixinguinha (1897 – 1973) e Cândido das Neves (1889 – 1934).

O garoto José Flores teve pouco tempo de estudos formais, cursando apenas o grau primário, mas , em contrapartida, teve a felicidade de viver cercado de bons músicos. Em 1940, ingressou na Polícia Militar do Rio de Janeiro onde permaneceu por cerca de três anos. No ano de 1945 passou a integrar o grupo de compositores da escola de samba Portela, donde cinco anos depois afastou-se por conta de problemas relacionados a autorias de músicas. No início da década de 40 compôs sua primeira marcha carnavalesca: “ Se o feio doesse “. Em 1946 teve uma música (Tio Sam no Samba) gravado pelo conjunto Vocalistas Tropicais. Em 1951 faz sucesso com um samba “ Amor Passageiro “ na voz de Linda Batista (1919 – 1988). A música “ A Voz do Morro “ data de 1955 gravada por Jorge Goulart (1926 – 2012).

O garoto José Flores trouxe da infância o apelido de Zé Quietinho, depois passou a Zé Quieto até, finalmente chegar a Zé Keti.
Em 1962 Zé Keti idealizou um conjunto, chamado A Voz do Morro, do qual tomaram parte: Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Anescarzinho do Salgueiro e Nelson Sargento, dentre outros.
Zé Keti pegou a onda gigante da Bossa Nova que foi moldada com o ritmo de João Gilberto, a poesia de Vinicius de Moraes e a harmonia de Tom Jobim. Por essa época evocando a “ Marcha com Deus pela Liberdade “, ocorrida às vésperas do Movimento Militar de 64, Zé Keti lança uma música: “ Marcha da Democracia “:

“ Marchou com Deus pela democracia.
Agora chia, agora chia.
Você perdeu a personalidade.
Agora fala em liberdade.
Oh, seu Oscar, o que é que há?
Ai, ai, ai, dona Aurora
Mas por que é que a senhora chora?

O show musical Opinião sob a direção de Augusto Boal com textos de Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes, e contando com a participação de Zé Keti, João do Vale (1934 -1996) e Nara Leão (1942 – 1989), estreia no Teatro de Arena com retumbante sucesso.
“ Podem me prender/ podem me bater/podem, até deixar-me sem comer/que eu não mudo de opinião/daqui do morro eu não saio, não/se não tem água /eu furo um poço/se não tem carne /eu compro um osso/ e ponho na sopa/ e deixa andar/fale de mim quem quiser falar/aqui eu não pago aluguel/se eu morrer amanhã, seu doutor/ estou pertinho do céu “       Música Opinião de autoria de Zé Keti.

“ Se alguém perguntar por mim/ diz que fui por aí/levando um violão debaixo do braço/em qualquer esquina eu paro /em qualquer botequim, eu entro /e se houver motivo é mais um samba que eu faço/se quiseres saber se eu volto , diga que sim/mas só depois que a saudade se afastar de mim/eu tenho um violão para me acompanhar/tenho muitos amigos , eu sou popular/eu tenho a madrugada como companheira/a saudade me dói , no meu peito me rói/eu estou na cidade , eu estou na favela/eu estou por aí sempre pensando nela “   Diz que fui por aí , de autoria de Zé Keti .
Em 1967, junto com Hildebrando Matos, Zé Keti lança a marcha – rancho “ Máscara Negra “ que foi imortalizada por Dalva de Oliveira (1917 -1972):

“ Quanto riso, oh quanta alegria/mais de mil palhaços no salão/Arlequim está chorando pelo amor da Colombina / no meio da multidão/foi bom te ver outra vez/tá fazendo um ano /foi no carnaval que passou/eu sou aquele pierrô/que te abraçou/que te beijou, meu amor/na mesma máscara negra / que esconde teu rosto/eu quero matar a saudade/vou beijar-te agora/não me leve a mal/hoje é carnaval “    

Nas décadas de 80 e 90, Zé Keti ficou um pouco à margem da música e passou a apresentar problemas de saúde. Em 14 de novembro de 1999, aos 78 anos de idade falece na cidade do Rio de Janeiro. Desapareceu um autêntico poeta e boêmio do morro que serviu de elo para unir os poetas e músicos do asfalto num período importante na formação da Música Popular Brasileira.





segunda-feira, 2 de janeiro de 2017



                                            O REI QUE FOI À CAÇA

Era uma vez um rei que gostava muito de caçar. Naqueles tempos, os reis deixavam, como hoje, que os ministros governassem; mas aproveitavam o tempo que assim ganhavam, para caçar ou fazer guerra aos vizinhos. Eram estes os seus esportes prediletos. Em certo dia, o rei projetou uma caçada em floresta longínqua. Chamou o Ministro do Tempo, que era assim uma espécie de diretor do departamento de Meteorologia, e perguntou:
- Vai chover?
O ministro fez os salamaleques da pragmática e respondeu:
- Vossa Majestade pode partir tranquilo para a sua expedição. Para que os reais prazeres de Vossa Majestade não sejam estragados, o tempo se manterá firme. Não choverá.
- E aquelas nuvenzinhas brancas, de barriga preta que aparecem lá no horizonte?
- Saiba Vossa Majestade que aquelas nuvens apenas ousarão cobrir o sol, nas horas mais cálidas do dia, para poupar a Vossa Majestade os ardores da canícula. Já receberam ordens nesse sentido.
- Está bem.
E o rei partiu confiante, com a sua garrida comitiva, para dizimar javalis da floresta longínqua. Em meio da estrada, encontrou um caipira humilde, que vinha montado num burrinho, a caminho da cidade, para vender as suas quitandas. O homem apeou-se depressa, para prostrar se no pó, a esperar que passasse a companhia real, como devem, em todos os tempos, fazer os pagadores de impostos em face dos poderosos. Mas o rei estava de bom humor e, querendo honrar o seu humilde súdito com uma palavra graciosa, perguntou-lhe, por desfastio:
- O tempo está firme?
- Com perdão de Vossa Majestade, o tempo, o tempo vai virar. Vem muita água.
O rei desatou a rir da ignorância do rústico, e foi adiante. Mal havia, porém chegado à fímbria da floresta, quando o céu veio abaixo, numa dessas nuvens torrenciais que fazem a gente se lembrar de Noé e sua arca.
Molhadinho até os ossos, a espirrar e fungar, coberto de lama, o rei voltou furioso.
Antes mesmo de meter as reais pernas na tina do escalda – pés, despachou o Ministro do Tempo degredado para uma Fernando de Noronha qualquer. Depois de bem agasalhado, tendo tomado um chá de canela e alguns cálices certo precioso licor com limão, mandou procurar o caipira que lhe anunciara a chuva. Foi o homem encontrado e trazido, todo trêmulo, à real presença. Disse-lhe o rei:
- Você vai ser o meu Ministro do Tempo, porque foi você que previu que ia chover. Você é um sábio.
- Com perdão de Vossa Majestade, o sábio não sou eu. É o meu jumento. É ele quem sabe o tempo que vai fazer.
O rei quis explicações, e o homem deu-as:
- Quando o meu burrinho põe as orelhas para a frente, é certo que vai chover; quando as põe para trás, o tempo está firme; e quando troca as orelhas, tudo pode acontecer.
O rei não teve dúvidas. Mandou lavrar o decreto pelo qual o burro foi nomeado Ministro do Tempo.
E com isso fez a desgraça de seu reino, porque desde esse dia todos os jumentos do país se julgaram aptos a ocupar altos cargos na administração pública.
Notem bem: Eu não inventei esta história. Só estou repetindo. Quem a contou foi Abraão Lincoln. E ele devia saber”
Cônica de Vivaldo Coaracy (1882 – 1967).
Pindorama nos dias hodiernos contando com burros ocupando altos cargos no governo, em todas as esferas , segue sua sina rumo ao desastre , perdendo uma vez mais o bonde da História .