segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A MORTE NOSSA DE CADA DIA



Uma coisa é a espetacularização do ocorrido: a degola de pobres diabos se digladiando em instituições corretivas do governo ou o último voo brecado num luminoso pássaro de alumínio a riscar os céus deste mundo de meu Deus. Aí entra em cena a comoção, o choque da surpresa.
Outra coisa bem diferente, mas tão funesta quanto, é a morte muda, anônima se insinuando no dia- a- dia a nos tirar devagarzinho lascas de pele, pedaços da gente: a mão áspera estendida suplicando um trocado, o pedido calado de socorro no olhar duma esquálida criatura de peitos murchos com uma criança a lhe sugar a última gota de leite ou de sangue aguado.
Em ambas as situações a dor fere fundo e deixa severas marcas.

“ Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de seus amigos ou mesmo sua; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti “. John Donne (1572 – 1631), poeta inglês e Ernest Hemingway (1899 – 1961), escritor norte – americano .

Resta que sejamos solidários, em vez de lobos solitários, acolhendo nossos irmãos e compartilhando em mancheias o divino milagre da vida.
“ A vida é o dia de hoje/a vida é um ai que mal soa /a vida é sombra que foge/ a vida é nuvem que voa/a vida é sonho tão leve/que se desfaz como a neve/e como o fumo se esvai/a vida dura um momento/mais leve que o pensamento /a vida leva-a o vento/a vida é folha que cai /a vida é flor na corrente/ a vida é sopro suave/a vida é estrela cadente/voa mais leve que a ave/nuvem que o vento nos ares/onda que o vento nos mares/uma após outra lançou/a vida -pena caída/ da asa de ave ferida- /de vale em vale impelida/a vida o vento levou “  

  João de Deus Ramos (1830 – 1896 ) , poeta português .








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