domingo, 26 de fevereiro de 2023

 Pagu , Uma Mulher Impossível

" Pagu tem uns olhos moles / uns olhos de fazer doer / bate - coco quando passa / coração passa a bater / eh , Pagu , eh ! / dói porque é bom de fazer doer / passa e me puxa com os olhos / provocantissimamente / mexe - mexe , bamboleia / pra mexer com toda gente / eh , Pagu , eh ! / dói porque é bom de fazer doer / toda gente fica olhando / o seu caminhar de vai - vem / umbilical e molengo/ de não- sei - o - que - é- que - tem / eh , Pagu , eh ! / dói porque é bom de fazer doer / quero porque te quero / nas formas do bem - querer / querzinho de ficar junto / que é bom de fazer doer / eh , Pagu eh ! / dói porque é bom de fazer doer " .
Poema " Coco " de autoria de Raul Bopp ( 1898 - 1984 ) .
Cabelos compridos , forte maquiagem nos olhos , lábios exageradamente rubros , olhar penetrante e desafiador : assim era Pagu ; blusa transparente , fumando em público e decompondo com afiados palavrões .
Uma mulher impossivel !
Um anjo torto que sonhava com um mundo livre , utópico , sem fronteiras e igualitário . Assim nasceu Patrícia Rehder Galvão ( 1910 - 1962 ) , em São João da Boa Vista , São Paulo. Seus pais foram : Thiers Galvão de França , e Adélia Rehder Galvão .
Aos 4 anos de idade , Patrícia transferui - se com a família para a capital paulista, onde foi aluna do poeta e folclorista Mário de Andrade , no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo . Teve uma infância tranquila e livre , mas na adolescência passou a se destacar entre seus pares por um comportamento atípico e arrojado para a época . Passou em branco , de raspão , pela chocante Semana da Arte Moderna ( 1922 ) , curtindo seus mimosos 12 anos de idade .
Em 1929 , graduou-se pela Escola Normal da Praça da República . A novel " Normalista " estava habilitada a ensinar crianças do curso primário . Vestida de azul e branco , era proibida de casar , por regulamento escolar , porém alegrava a paisagem paulistana com seu frescor juvenil e angelical .
" Vestida de azul e branco / trazendo um sorriso franco / no rostinho encantador / minha linda normalista / rapidamente conquista / meu coração sem amor / eu que trazia fechado / dentro do peito guardado / meu coração sofredor / estou bastante inclinado / a entregá - lo aos cuidados / daquele brotinho em flor / mas a normalista linda / não pode casar ainda / só depois de se formar / eu estou apaixonado / o pai da moça é zangado / e o remédio é esperar " .
Canção " A Normalista " , da autoria de Benedito Lacerda e David Nasser .
O Movimento Antropofágico de 1928 , a radicalização de 1922 , considerado a segunda dentição daquela vanguarda , abraçou a adolescente Patrícia ( 18 anos ) , tendo como padrinhos o casal Oswald de Andrade ( poeta ) e Tarsila do Amaral ( pintora ) . O poeta Raul Bopp ( 1898 - 1984 ) , cria o nome Pagu, pensando de forma errônea que o nome da garota fosse Patrícia Goulart . Não importa , pois assim ficou consagrado .
Em 1929 , Pagu ( 20 anos ) e Oswald de Andrade ( 40 anos ) passam a viver juntos , para escândalo da sociedade paulistana conservadora .
" Se o lar de Tarcila, vacila/ é pelo angu de Pagu " .
Teria escrito num guardanapo o apaixonado Oswald . Os pombinhos Oswald e Pagu , enfim , casam - se no Cemitério da Consolação no dia 5 de janeiro de 1930 .
Em setembro nasce o menino Rudá ( o deus do amor , de lendas indígenas) . Pagu deixa o filho de 3 meses de idade , aos cuidados do pai , e parte para Buenos Aires , para um encontro com Luis Carlos Prestes , o famigerado " Cavaleiro da Esperança " .
Em 1931 , deu - se a primeira prisão política de Pagu , na cidade de Santos , São Paulo . Daí seguiram - se mais de duas dezenas de pousos em cárceres . Encontramos Pagu em 1932 , morando numa vila Operária no Rio de Janeiro , trabalhando como lanterninha de cinema e tecelã . Em 1934 , Pagu lança um romance de forte cunho social , " Parque Industrial " . Neste mesmo ano , dá por encerrado o casamento com Oswald de Andrade .
Pagu, em seguida contrai matrimônio com o jornalista Geraldo Ferraz , e no ano seguinte , torna - se mãe de mais um garoto , Geraldo Galvão Ferraz .
Em 1952 , Pagu frequenta a Escola de Arte Dramática de São Paulo . Passa a traduzir e dirigir peças teatrais, e torna - se a primeira mulher presidente da União do Teatro Amador , de Santos . Trabalha , ainda , em jornal , revista e televisão .
Em 12 de dezembro de 1962 , Pagu , abre caminho para uma nova utopia , rumo ao multiverso , na cidade de Santos , rodeada de familiares, por conta de um traiçoeiro câncer.
Rita Lee , e , Zélia Duncan , duas " Pagus " pós- modernas , livres e belas , homenageiam a eterna Pagu , com um mimo musical :
" Mexo , remexo na Inquisição / só quem já morreu na fogueira / sabe o que é carvão/ eu sou pau para toda obra / Deus dá asas a minha cobra / minha força não é bruta / não sou freira , nem sou puta / porque nem toda feiticeira é corcunda / nem toda brasileira é bunda / meu peito não é de silicone / sou mais macho que muito homem / sou rainha do meu tanque / sou Pagu indignada no palanque / fama de porra - louca , tudo bem / minha mãe é Maria Ninguém / não sou atriz , modelo , dançarina / meu buraco é mais em cima " .
Ponto Final !
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terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

 Trio Nagô, do Ceará para o Mundo

Evaldo Gouveia de Oliveira ( 1928 - 2020 ) , nasceu na cidade de Orós , no interior do Ceará . Seus pais foram : José Augusto de Oliveira , comerciante , e Maria Gouveia Filha , prendas do lar . Cedo a família de Evaldo migrou para Iguatu , onde o garoto Evaldo obteve cidadania iguatuense . O próximo pouso foi em Fortaleza , numa residência situada na rua Assunção , perto do Batalhão da Polícia Militar ( Praça José Bonifácio) .
Cedo , aos 12 anos de idade , Evaldo tomou contato com o violão , o amor eterno dos boêmios e seresteiros . Um pouco mais adiante : Evaldo ( 16 anos ) , Epaminondas ( 17 anos ) , e Mário Alves ( 36 anos ) criaram o Trio Nagô , batizado assim pelo jornalista , escritor , historiador , teatrólogo e pesquisador , Manuelito Eduardo Pinheiro Campos ( 1923 - 2007 ) .
Daí, já nos anos 40 , no Rio de Janeiro , atuando no programa do cearense César de Alencar ( 1917 - 1990 ) , o Trio Nagô emplacava sucessos como :
Ave Maria no Morro ( Herivelto Martins ) ;
Boiadeiro ( Armando Cavalcanti - Klecius Caldas ) ;
Jezebel ( Wayne Shanklin - Caribé Rocha ) .
Várias músicas do Trio Nagô fizeram sucesso no Brasil e no estrangeiro , até que em 1961 começa a "entrar água na canoa " quando um dos integrantes do Trio , Mário Alves , pede desligamento do grupo.
Daí apareceu Jair Amorim ( 1915 - 1993 ) , gerando uma dupla fértil com Evaldo Gouveia .
" Encontrei hoje cedo no meu barracão
Minha roupa de conde no chão
Fantasia de plumas azuis a rolar
E achei em pedaços bem junto à janela
O meu pinho quebrado por ela
Tal e qual sucedeu na canção popular
Bem que eu quis atrás dela sair e brigar
Mas depois me lembrei que é melhor
Ela ir de uma vez e eu ficar
E além do mais
Sambista até morrer eu sou
E onde a minha escola for eu vou
Amor a gente perde
A gente tem amor que vem
Como é que eu posso por ela trocar
A emoção de ver Vilma dançar
Com o seu estandarte na mão
E ouvir todo o povo
Meu povo aplaudir
Minha escola a evoluir
Minha alma comigo passar
Bem melhor do que ela
É sair na Portela
E um samba enredo na asfalto cantar
Lá, lá , iá , iá
Lá, lá, iá, lá, iá, lá, iá. "
Composição " O Conde " , da dupla Evaldo Gouveia e Jair Amorim .
" Angústia , solidão ,
Um triste adeus em cada mão.
Lá vai , meu bloco vai
Só deste é que ele sai .
Na frente sigo eu
Levo um estandarte de um amor .
O amor que se perdeu ,
No carnaval, lá vai meu bloco.
E lá vou eu também,
Mais uma vez sem ter ninguém .
No sábado e domingo,
Segunda e terça - feira
E quarta - feira vem ,
O ano inteiro é todo assim .
Por isso quando eu passar ,
Batam palmas pra mim .
Aplaudam quem sorri ,
Trazendo lágrimas no olhar .
Merece uma homenagem,
Quem tem forças pra cantar,
Tão grande é minha dor ,
Pede passagem quando sai
Comigo só
Lá vai , meu bloco vai
Laiá, laiá , laiá
Laiá, laiá, laiá
Lalaiá , lalaiá
Laiá "
Composição " Bloco da Solidão " , da dupla Evaldo Gouveia e Jair Amorim.
Ponto Final e Feliz Quarta - Feira de Cinzas .
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domingo, 19 de fevereiro de 2023

 Carnaval Cearense de Outrora

" Felinto , Pedro Salgado , Guilherme , Fenelon / cadê seus blocos famosos / Bloco das Flores , Andaluzas, Pirilampos , Apois - Fum / dos carnavais saudosos / na alta madrugada/ o coro entoava / o som da marcha - regresso /e era o sucesso dos tempos ideais / do velho Raul Moraes / adeus , adeus , minha gente / que já cantamos bastante / e Recife adormecia / ficava a sonhar / ao som da triste melodia " .
Frevo " Evocação número 1, de Nelson Ferreira.
E a lembrança me joga de cheio no colo de uma Fortaleza adolescente com vestido de chita, aí pelos anos 60 , à luz fria da lua e à brisa suave dos verdes mares bravios de Alencar , que se aluía de sua pachorrenta quietude, por ocasião do tríduo carnavalesco , sob o comando do Rei - Momo Luizão I e Único . Outras majestades mominas cabeças- chatas :
Ponce de Leon , Cirão , Javeh , Irapuan Lima , e Jurandir Mitoso .
O quartel general da fuzarca situava - se num casarão encrustado no entroncamento das ruas Rodrigues Junior e Pero Coelho , defronte a minha residência, onde em muitas noites dormi embalado pelo som daquele frevo choroso , Evocação Número 1 . Desde então, sempre associei um sentimento de tristeza atávica, acrescida de falsa alegria , a muitos sucessos musicais carnavalescos :
" Confete , pedacinho colorido de saudade / ai , ai , ai , ai/ ao te ver na fantasia que usei / confete , confesso que chorei/ chorei porque lembrei o carnaval que passou/ aquela Colombina que comigo brincou / ai, ai, ai, ai/ confete , saudade do amor que se acabou ".
Composição musical Confete , de David Nasser .
Em alguns lares ocorriam " assaltos " onde brincantes armavam uma festa sem aviso , tudo em nome da fuzarca . A folia inundava os salões dos clubes :
Náutico , Ideal , Diários, Iate , Líbano, Maguari , Comercial , Ícaro, Clube da Barra .
O corso de veículos automotivos pelas Avenidas D. Manoel , Heráclito Graça , e Imperador , carregava gente rica da cidade e as damas das pensões alegres :
Continental , Hollywood, Leila , Oitenta , Bar da Alegria , e Fascinação .
Havia ainda espaço para os desfiles de blocos , cordões e maracatus :
Maracatus Às de Paus , Às de Espadas , Às de Ouro , Leão Coroado , e os blocos Prova de Fogo , Cordão das Coca - Colas , e Escola de Samba Luiz Assunção .
" Quanto riso / oh ! quanta alegria/ mais de mil palhaços no salão/ Arlequim está chorando pelo amor de Colombina/ no meio da multidão/ foi bom te ver outra vez / está fazendo um ano / foi no carnaval que passou/ eu sou aquele Pierrô/ que te abraçou/ que te beijou , meu amor/ naquela máscara negra / que encobre teu rosto / eu quero matar a saudade/ vou beijar - te agora / não me leve a mal / hoje é carnaval ".
Composição musical " Máscara Negra , de Zé Keti .
Os brincantes anônimos , " os papangus " , " a arraia - miúda " tangidos dos bairros longínquos , em bandos armados de serpentinas e confetes , tiravam sarros com todos . Uns poucos privilegiados exibiam como raros troféus, frascos de lança - perfumes Rhodia , por conta e graça de contrabandistas que irrigavam as praças da cidade com aquele belicoso artefato.
O Samdu e a Assistência Municipal ( Palácio de Mercúrio Cromo ) , davam guarida àqueles foliões que se excediam nas libações impróprias, em decorrência de arritmias cardíacas ou coma alcoólica .
Quem rápido se recuperava ainda ganhava um bônus para voltar à gandaia momina .
O Poeta Antônio Nóbrega , com um coração leve e colorido de colibri , num ritmo de frevo , fandango e galope , faz - se presente com uma rara joia musical ( Carrossel do Destino ) :
" Deixo os versos que escrevi / as cantigas que cantei/ cinco ou seis coisas que eu sei / e um milhão que esqueci /deixo este mundo daqui/ selva com lei de cassino / vou renascer num menino / num país além do mar / licença , eu vou rodar / no carrossel do destino/ enquanto eu puder viver / tudo que o coração sente / o tempo estará presente/ passando sem resistir / na hora que eu for partir/ para as nuvens do divino / que a viola seja o sino / tocando pra me guiar /licença que eu vou rodar / no carrossel do destino/ romances e epopeias/ me pedindo pra brotar/ e eu tangendo devagar/ a boiada das ideias / sempre em busca das colmeias/ onde brota o mel mais fino / e um só verso , pequenino / mas que mereça ficar / licença que eu vou rodar / no carrossel do destino " .
E Viva Zé Pereira !
"
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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

 Praia de Iracema , Um Mar de Saudades

Para Terezinha Miranda
Fortaleza , banhada em charme , até que enfim, fez as pazes com São Pedro . Um domingo cinzento e carrancudo. Um convite para um bom banho de bica , ou para soltar um barquinho de papel , e seguir o mesmo , travesso e rodopiando até o seu destino final , numa boca de lobo qualquer, imitando a fugacidade do bicho - homem neste multiverso .
Hora de voltar na borrasca do tempo , e juntar a galera - irmã de minha querida infância para uma aventura na Ponte dos Ingleses , na Praia de Iracema , da Loura Desposada do Sol .
Objetivo : " a piscininha " , um lago artificial recorrente formado pelas ondas a bater dia após dia , no quebra - mar ali existente . Com a maré seca , pegar uma carretilha com uma pequena prancha de madeira , evitando , contudo , as traiçoeiras ondas - caixão. Os maiores da turma tinham direito a um salto borboleta , lá no alto da ponte , fugindo das longarinas . Os mais afoitos , marrentos , seguiam a nado buscando um pouso na Ponte Metálica, para " cartar alto " com as moçoilas da área .
" Faz muito tempo / que eu não vejo / o verde daquele mar quebrar / nas longarinas da ponte velha / que ainda não caiu / faz muito tempo / que eu não vejo / o branco da espuma espirrar / naquelas pedras com a sua eterna briga com o mar / uma a uma as coisas vão sumindo / uma a uma , se desmilinguindo / só eu e a ponte velha teimam resistindo / e a nova jangada de vela / pintada de verde e encarnado / só meu mote não muda a moda / não muda nada / e o mar engolindo lindo / a antiga Praia de Iracema / e os olhos verdes da menina / lendo o meu mais novo poema / e a lua desconfiada / a noiva do sol com mais um supermercado / era uma vez meu castelo / entre mangueiras e jasmins florados / e o mar engolindo lindo / e o mal engolindo rindo / Beira - Mar / Beira - Mar / maninha / arma aquela rede branca / que eu estou chegando agora ".
Composição " Longarinas " do cantor , compositor e poeta cearense Ednardo .
Nesta viagem amorosa de volta ao passado , carrego junto ao peito , os amigos do quadrilátero - mágico ( Rua Rodrigues Junior ; Av. Dom Manoel ; Av. Heráclito Graça ; Rua Pinto Madeira ) :
" Os Maiores " :
Duaran , Babá, Newton , Nilson , João , Paulo , Abner , Tarcísio, Neto, Deca, Marcílio, Manfrido , Helder , Carlos Alberto , Walton , dentre outros .
" As queridas meninas " :
Tereza , Maria , Zita , Diana , Stela , Rita , Neuma , Neide, Norma , Rita Maria , Zélia, Dolores , Olga , Valdenúsia, Ruth , Rocilda , Rocecler, Roseli , Cristina , Rosa , Gorete , Denise , dentre outras .
" Os menores " :
Nelson , Nego , Gato , Tico - Dé , Jonas , Célio, Haroldo , Zé da Maroca , Murilo, Heleno , Manfredo , Chiá , Chico Barrão , e outros .
Nesta prosaica manhã, da janela de meu pequeno observatório, com uma chuvinha fina molhando meus olhos cansados , vislumbro lá longe , a Serra da Aratanha , dançante e tremendo , num lusco - fusco feito uma visagem .
Saudade , um chuvisco de saudade para banhar minh'alma !
" Eu daria tudo que tivesse / pra voltar aos dias de criança / eu não sei pra que a gente cresce / se não sai da gente essa lembrança / aos domingos , missa na matriz / da cidadezinha onde nasci / ai , meu Deus , eu era tão feliz / no meu pequenino Miraí / que saudade da professorinha / que me ensinou o bê-a-bá / onde andará Mariazinha / meu primeiro amor , onde andará/ eu igual a toda meninada / quanta travessura que eu fazia / jogo de botões sobre a calçada / eu era feliz e não sabia " .
Ataulfo Alves ( 1909 - 1969 ) : Meus Tempos de Criança.
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domingo, 12 de fevereiro de 2023

 Assis Valente - Sossega Leão

" Boneca de pano / gingando num cabaré / poderia ser bonequinha de louça/ tão moça, mas não é/ um dia alguém a chamou de boneca / e ela sendo mulher , acreditou / o tempo foi se passando/ e ela se desmanchando/ e hoje quem olha pra ela / não diz quem é/ em vez de boneca de louça/ hoje é boneca de pano/ de um sombrio cabaré ".
No " colar de pérolas do pecado " que envolvia com um gentil abraço o centro da Loura Desposada do Sol , num passado recente, " bonequinhas de pano " jogavam confetes e suas mágoas no colo de tristes boêmios notívagos. Assis Valente , espiritualmente , gemia suas dores nas boates Fascinação, Continental , Leila , e no nostálgico Bar da Alegria , em Fortaleza .
Assis Valente ( 1911 - 1958 ) , nasceu no Caminho de Bom Jardim a Patioba, na Bahia , no ano de 1911 . Seus pais , José de Assis Valente e Maria Esteves Valente , cedo entregaram o petiz para ser criado por outra família . Assis realizou o sonho torto de muita gente , fugindo nas asas de um circo mambembe por esse mundo afora .
Em Salvador , frequentou o Liceu de Artes e Ofícios , onde tirou uma especialização em próteses dentárias.
Em 1932 , na Cidade Maravilhosa , conheceu o compositor Heitor dos Prazeres que o incentivou a seguir adiante , ao ser apresentado a algumas de suas composições musicais . Assis Valente lançou uma infinita quantidade de músicas que ganharam asas nas vozes de Francisco Alves e Carmen Miranda , por quem o protético Assis nutria uma paixão platônica.
Camisa listrada ; Boas Festas ; Boneca de pano ; Brasil pandeiro ; Cai , cai , balão; são alguns dos sucessos lançados por Assis Valente .
Assis casou - se em 1941 e pouco tempo depois separou - se , deixando uma filha , Nara Nadili, nascida em 1942 . Neste turbulento período , Assis atirou - se do alto do Corcovado, sendo , milagrosamente, amparado pelos galhos de uma árvore amiga .
Salvou - se .
Tempos depois , cortou o pulso esquerdo com uma lâmina de barbear .
Sobreviveu .
Por coincidência, no dia seguinte a esse triste episódio , uma parceira de infortúnio, Maysa Matarazzo, a musa da fossa , o imita e vai parar num hospital para ligeiros reparos . Ela ainda tentaria em outras ocasiões buscar a paz , a seu modo .
Duas almas - gêmeas, dois cometas . Assis Valente viveu 48 anos , Maysa , viveu 40 anos .
Assis elaborava canções numa velocidade alucinante, e muitas delas foram vendidas para o pagamento de dívidas. Estas o levaram a um definitivo encontro com a indesejada das gentes . Em 10 de março de 1958 , Assis passou em busca de uns numerários salvadores , na Sociedade Arrecadadora de Direitos Autorais . Ali dinheiro não havia , e Assis recebera das mãos do tesoureiro, somente um remédio tranquilizante .
Assis ligou para o seu editor , Vicente Vitale, e para o embaixador e amigo Pascoal Carlos Magno , dando conta de seu firme propósito de parar de vez com com o seu atroz sofrimento terreal .
Os dois contatados tentaram falar com a polícia. Foi tudo em vão.
Solitário, num prosaico banco de praça, Assis Valente , confirmando a robustez de seu sobrenome , enfrentou de frente a parca , ingerindo guaraná com formicida .
Acabou !
Num bilhete , pedia ao compositor Ary Barroso que quitasse uma dívida pendente , igual ao que fizera Sócrates, o filósofo grego , que antes de beber a sicuta , mandou que fosse entregue , como pagamento de uma dívida, um galo a Asclépio .
Deste modo , ambos deixaram a vida para caírem, de vez , nos braços da história .
" Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí/ em vez de tomar chá com torrada / ele bebeu parati / levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão/ e sorria quando o povo dizia : sossega leão, sossega leão/ tirou o seu anel de doutor pra não dar o que falar / e saiu dizendo mamãe eu quero mamar , mamãe eu quero mamar/ levou um saco de água quente para pra fazer chupeta / rompeu minha cortina de veludo pra fazer uma saia / abriu meu guarda - roupa e arrancou minha combinação/ e até do cabo de vassoura ele fez um estandarte / para o seu cordão/ agora que a batucada já vai começando/ não deixo e não consinto o meu querido debochar de mim / porque se ele pega minhas coisas / vai dar o que falar / se fantasia de Antonieta / e vai brincar no Bola - Preta até o sol raiar " .
Acabou !
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