quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O MILAGRE DIÁRIO DA VIDA




Num hospital na área central de Fortaleza, no ano de 1974, um jovem esculápio acolhe uma paciente de 25 anos de idade, com um volumoso tumor abdominal. Escalado para participar da cirurgia como auxiliar, o novel doutor viu pela vez primeira um cancro corroer as entranhas de um pobre ser humano. Além de um gelatinoso tumor ocupando ambos os ovários, foram removidos na ocasião, o útero e partes do intestino da infeliz criatura. Nos meses seguintes o jovem médico cobriu com um amor franciscano o dia-a-dia daquela cliente. Um acompanhante que se apresentava como namorado da jovem, sempre manifestava sua tristeza em ter que levar para o túmulo aquela gentil paciente que definhava a olhos vistos.

Decorridos cerca de 40 anos dos tais acontecimentos acima relatados, em pleno Parque do Cocó, em Fortaleza, uma dama de cabelos banhados em prata e com o rosto vincado pelo rigor dos tempos, contudo, ainda bela, colorida pelos raios do sol, avista um senhor idoso, recurvado, colhendo fotos de arbustos. Era o reencontro da antiga paciente do cancro com o outrora jovem filho de Hipócrates. Depois de dois minutos de um choro baixinho e cálido que parecia uma eternidade, o velho casal de amigos logo se recompõe. Aquela bela flor outonal relata que o tal namorado da época sumira no oco do mundo. Ela em paz, hoje usufrui do licor da vida ao lado de seus três mimosos filhos: um gato, um pequinês e um papagaio.

E na ocasião, o pobre doutor, tira onda, com um sorriso quase infantil, de seus inúmeros tombos e de seguidas ” mortes diárias”, tomando emprestado a voz de um amigo que há pouco sumiu:
 ”-  É, o ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”
O nome disso é felicidade, meu Deus!


“Eu saúdo a vida, que é como semente germinada,
Com um braço que se eleva no ar
E outro sepultado no chão.
A vida que é una, em sua forma externa e em sua seiva interior;
A vida que sempre aparece e desparece.
Eu saúdo a vida que vem e a vida que passa.
Eu saúdo a vida que se revela e a que se oculta.
Eu saúdo a vida em suspenso, imóvel como uma montanha,
E a vida do enraivecido mar de fogo;
A vida, tão terna como o lótus e tão cruel como a centelha.
Eu saúdo a vida da mente, que tem um lado na sombra
E outro lado na luz.
Eu saúdo a vida da casa e a vida de fora, no desconhecido;
A vida repleta de prazeres e a vida esmagada por pesares;
A vida eternamente patética, que agita o mundo para aquietá-lo;
A vida profunda e silenciosa que explode em fragorosas ondas “

Poema escrito por uma poetisa da Índia medieval e citado pelo divino Rabindranath Tagore (1861- 1941) em “ Meditações”.



terça-feira, 29 de agosto de 2017

O SAMBA DO CRIOULO DOIDO – VERSÃO 2017



Brasíndia levita esta semana atípica por conta da temerosa revoada de vetustos senhores palacianos rumo a um turismo de longo calibre na China Comunista. Assume, por aqui, temporariamente, o trono real, um fantoche com cara de bebê e cheio de mugangos. Na câmara alta, as dezenas de ratazanas encontram-se em êxtase com a escolha de um clone do presidente interino, em meio a “ fufucas”, digo, fofocas, alguém recém-saído dos cueiros nortistas direto para comandar a Casa de Mãe-Joana planaltina. E Brasíndia, morrendo e resistindo, resistindo e morrendo!

Saudades de Stanislaw Ponte Preta (1923- 1968): jornalista, escritor, radialista, teatrólogo, humorista, publicitário e bancário carioca. Uma lembrança de seu antológico “Samba do Crioulo Doido “:

“ Foi em Diamantina/onde nasceu JK/que a Princesa Leopoldina/arresolveu se casar/mas Chica da Silva/tinha outros pretendentes/e obrigou a princesa/a se casar com Tiradentes/lá ai lá iá lá iá/o bode que deu vou te contar/Joaquim José/que também é/da Silva Xavier/queria ser dono do mundo/e se elegeu Pedro II/das estradas de Minas/seguiu pra São Paulo/e falou pra Anchieta/o vigário dos índios/aliou-se a D. Pedro/ e acabou com a falseta/da união deles dois/ficou resolvida a questão/e foi proclamada a escravidão/assim se conta essa história/que é dos dois a maior glória/Dona Leopoldina virou trem/e D. Pedro é uma estação também/ô ô ô ô ô/o trem tá atrasado ou já passou”
Fim !





segunda-feira, 28 de agosto de 2017

O por do sol , hoje no Porto das Dunas, curtindo a doce companhia de Arthur Rimbaud (1854-1891):

" Ela foi encontrada! /quem? A eternidade /é o mar misturado ao sol/minha alma imortal/cumpre a tua jura/seja o sol estival / ou a noite pura/pois tu me liberas/das humanas quimeras /dos anseios vãos !/tu voas então /-jamais a esperança /sem movimento /ciência e paciência /o suplício é lento /que venha a manhã /com brasas de Satã /o dever/é vosso ardor/ela foi encontrada! /quem ? A eternidade/ é o mar misturado/ ao sol".




sábado, 26 de agosto de 2017

STEPHEN HAWKING E O MISTÉRIO MAIOR


ÀS ROSAS QUE ENFEITAM O JARDIM DA EXISTÊNCIA HUMANA



Em 2012, ao completar 70 anos, o físico teórico, matemático e cosmólogo britânico, Stephen Hawking respondendo a uma indagação sobre qual o maior mistério do universo, mandou ver um petardo certeiro:
“ As mulheres! Elas são para mim um completo mistério “. Não é pouco para quem lidou a vida inteira com enigmas gigantescos da ciência, como a criação do universo através do" Big - Bang ", os discutíveis “ Buracos Negros “ e a "Teoria do Tudo “, aquela que apresenta os fenômenos físicos do universo unificados sob um único padrão matemático. Acrescente-se a peleja duradoura que ele trava com uma impertinente e paralisante enfermidade, a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA).
Stephen William Hawking nasceu no dia 8 de janeiro de 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, exatos 300 anos após a morte do gigante Galileu Galilei (1564 – 1642). Seu pai, Frank, era médico, e sua mãe, Isabel, secretária, moravam em Londres. O garoto nasceu em Oxford sob a proteção de um acordo de guerra entre ingleses e alemães, para que não houvesse bombardeios entre Heidelberg e Gottingen na Alemanha, e Cambridge e Oxford na Inglaterra. Stephen teve outros três irmãos: Phillipa, Mary e Edward, este último, adotivo. Sua infância transcorreu tranquila num ambiente de muita liberdade e com troca rica de conhecimentos. Stephen mostrou- se um aluno mediano até a adolescência quando passou a ser conhecido como
“Einstein“, talvez por sua bizarra aparência. Nos últimos anos escolares o jovem passou a despertar vivo interesse em física e matemática, que considerava matérias fáceis em demasia e por conta disso, chatas.

17 anos ingressou na Universidade de Oxford para um curso de física. Em 1962 chegou a Cambridge como estudante de pós-graduação em física para trabalhar com Fred Hoyle, o mais importante astrônomo inglês da época. Aos 21 anos de idade Stephen foi diagnosticado com uma séria doença degenerativa progressiva, a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), de prognóstico sombrio. Por essa época conheceu Jane Wilde, sua futura esposa e uma brava guerreira. Em julho de 1965 por ocasião de seu casamento, a insidiosa doença paralisava boa parte de seu frágil corpo. A despeito de tudo, casal gerou três filhos: Robert, Lucy e Tim. Quando do nascimento deste último, Jane desencadeou um grave e duradouro quadro de depressão, por conta, talvez, de excessiva atividade laboral. Neste horizonte surge a figura de Jonathan, um músico e organista de uma igreja local, que entrou na vida do casal Stephen e Jane, inicialmente, apenas como um terapeuta. Seguiram – se momentos de turbulência que culminaram com o fim do casamento de Stephen e Jane em 1990.

Despontou na ocasião, Elaine Mason, uma enfermeira, mãe de dois filhos, esposa de um especialista em computação responsável pela elaboração de um programa para devolver a voz a Stephen. Em 1995, Elaine e Stephen contraíram matrimônio, e nove meses depois foi a vez de Jane e Jonathan fazerem o mesmo. Segundo as próprias palavras de Stephen, seu casamento com Elaine foi um evento apaixonado e tempestuoso, cheio de altos e baixos. Sabe –se, contudo, que essa sua companheira livrou- o da morte em mais de uma ocasião.

Em 2004, Stephen apresentou claros sinais de maus–tratos como escoriações no rosto e fraturas diversas espalhadas pelo corpo. No hospital onde buscou atendimento, em atitude estoica, Stephen isentou qualquer pessoa desta triste ocorrência. Em 2007 deu- se o divórcio com Elaine e a partir de então o bravo cientista passa a morar sozinho na companhia de uma governanta. O genial Stephen ora permanece casado fielmente, até que a morte os separe, com as musas cosmologia e física, numa bigamia salutar, autêntica e permitida, sem risco algum previsível de ruptura, seja a médio ou longo prazo desta pungente situação. Considerado o maior cientista vivo do planeta, não sem controvérsia, há que se convir, faz companhia a gigantes como, Isaac Newton, Galileu Galilei, Nicolau Copérnico e Albert Einstein. Stephen leva uma vida quase plena, posto que, a doença embora cause bloqueio de seus movimentos corporais, mantém íntegro o funcionamento do seu privilegiado cérebro. Ele acredita que as pessoas com deficiências devem se concentrar nas coisas que a desvantagem não as impede de fazer, e não lamentar as que são incapazes de realizar. Ateu confesso, Stephen defende a ideia de que o universo não foi criado, nem será nunca destruído: ele apenas é. Aceita o benefício da morte assistida e não crê em vida pós–morte.

Acredito eu, piamente, que não será com a retirada, pétala- a- pétala de uma mimosa flor que se irá descobrir o segredo da fragrância de uma rosa. Basta vivenciar o êxtase de ficar igual a uma criança diante de um bondoso Deus: embevecido, contrito e.... pronto. Pode estar aí o segredo inviolável da paixão pela mulher. Estas olorosas flores que ornamentam nossas vidas, mimosas, meigas, férteis e envoltas em mistérios profundos, constituem, sem medo de errar, o sal da vida. Sem elas, cabe afirmar, quase nada pode ser feito!
Segue um conselho a ser observado àquele que se preza, se dando bem e mostrando juízo neste mister:

“ Nada mais contraditório que ser mulher! Mulher que pensa com o coração, atua pela emoção e que vence pelo amor... que vive um milhão de emoções em um só dia, e transmite cada uma delas com uma só mirada ... que vive buscando a perfeição e segue tratando de descobrir desculpas para os erros daqueles a quem ama ... que hospeda no ventre outras almas, dá a luz e depois fica cega, diante da beleza dos filhos que engendrou ....que dá as asas e ensina a voar, porém, não quer ver a partida dos pássaros, ainda que sabendo que eles não lhe pertencem ... que se enfeita toda e perfuma o casto leito, ainda que seu amor não perceba mais esses detalhes ... que como uma feiticeira transforma em luz e sorriso as dores que sente na alma, só para que ninguém o perceba... e ainda arrebanha forças, para dar consolo a quem se acerca a chorar em seu cálido ombro ...
Feliz o homem que, tão somente por um dia, saiba entender a alma da mulher! “ .
Aleluia!


Empreendeu viagem rumo a poeira das estrelas no dia 14 de março de 2018 , Stephen Hawking. Uma grande perda para a humanidade!


Duas tragédias anunciadas


Em Brasindia consumou-se há pouco, novamente, duas esperadas tragédias n' água , frutos da irresponsabilidade do atual desgoverno , que tem um olhar protetor, apenas, para as graúdas ratazanas planaltinas. Aos " vidas de gado, povo marcado, povo in-feliz" , restam serem amparados no regaço definitivo de Iemanjá ( na Bahia) e Oxum ( no Pará ). E nenhuma palavra de consolo de autoridades do governo nem dos responsáveis pelas empresas de transportes.

" Não sou eu quem me navega/quem me navega é o mar/é ele quem me carrega/como nem fosse levar/e quanto mais remo mais rezo/pra nunca mais acabar/ essa viagem que faz/ o mar em torno do mar/meu velho um dia falou/ com seu jeito de avisar:/-olha o mar não tem cabelos onde se possa agarrar /timoneiro nunca fui/ que eu não sou de velejar /o leme da minha vida/Deus é quem faz governar /e quando alguém me pergunta/ como se faz pra nadar/explico que eu não navego/ quem me navega é o mar/a rede do meu destino /parece a de um pescador/quando retorna vazia /vem carregada de dor/vivo num redemoinho /Deus bem sabe o que ele faz/a onda que me carrega/ ela mesma é quem me traz"
Timoneiro, de Paulinho da Viola .

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

O CASO DA MATERNIDADE




Decorridos dezoito horas de vigoroso trabalho de parto, uma gestante de primeiro filho, exausta, pede misericórdia ao plantonista da maternidade que a assiste. Após o parteiro verificar a dilatação completa do colo uterino da parturiente, constata com a ajuda de um tosco estetoscópio de Pinard, uma redução dos batimentos cardíacos do concepto, sugerindo sofrimento fetal agudo. Incontinenti, o profissional indica a aplicação de um fórcipe, instrumento que representa o prolongamento das mãos do obstetra. Não insiste, após infrutíferas tentativas de resolução do parto. Desiste e pede socorro ao diretor clínico da maternidade.

Faz-se outra tentativa de extração fetal com o uso do fórcipe, agora, pelas mãos de um dos maiores nomes da obstetrícia brasileira. Novo malogro. Neste ponto os batimentos cardíacos fetais tornaram- se inaudíveis. Uma tragédia, pronto se desenhou: óbito fetal ocorrido no transe do parto.

O experiente parteiro indicou, na sequência, uma craniotomia – a perfuração do polo cefálico para esvaziamento de seu conteúdo -  e uma cranioclasia – a redução brusca e tração do polo cefálico do concepto sem vida -. Uma vez mais, o parto não se concluiu. Configurou-se, desse modo, um caso de obstrução do parto por desproporção céfalo-pélvica.

Realizou-se, por fim, uma cesárea de urgência que culminou com a morte da infeliz parturiente. Uma dupla e dolorosa tragédia, mãe e filho, silenciosa e tristemente, sucumbiram juntos.

Local do acontecimento: uma maternidade no Rio de Janeiro.
Ano do ocorrido: 1917.

Protagonista médico da tragédia: Dr. Fernando Magalhães (1878-1944), à época, o maior nome da obstetrícia brasileira. O caso teve desdobramento policial e uma ampla repercussão na mídia jornalística.

Nenhum obstetra encontra-se imune a uma catástrofe desta natureza, mesmo nos dias atuais, contando com um verdadeiro aparato tecnológico. O trajeto normalmente percorrido pelo parteiro faz-se equilibrando numa tênue corda sobre um abismo, a

balouçar ao sabor dos ventos e das intempéries. Num passe de mágica, pode descer o parteiro das alturas de onde escrutina as planícies e, sem escala, cair reto num infernal despenhadeiro.

Assim se expressa, Fernando Magalhães, dando fecho ao seu primoroso livro “ Lições de Clínica Obstétrica “, lançado no mercado em 1917, há uma centúria, portanto , e hoje uma raridade bibliográfica:

“ Na prática que vos espera há muito de imprevisto e de doloroso, tantas vezes vos aproximareis do irremediável, que é preciso evitá-lo. Isto só se consegue obedecendo ao mandamento – non vis sed arte - (a arte ao invés da força). Pela força é que se chega às grandes tragédias clínicas, onde tudo desaparece, a existência do feto, a vida da parturiente e a boa fama do profissional “.

Assim mesmo, entusiasma, comove e conforta, nos dias de hoje, assistir uma gente jovem e bonita, egressa dos bancos da faculdade de medicina buscando aperfeiçoamento na área de partejar criaturas filhas de Deus, postando-se a seu lado em todo percurso da gravidez, parto e puerpério.






quinta-feira, 17 de agosto de 2017

DOIS POETAS BISSEXTOS DO CEARÁ



O Estado do Ceará sempre foi um celeiro de bons trabalhadores da palavra escrita, seja na prosa ou na poesia. Pontuam como poetas ditos bissextos, aqueles cuja produção literária a despeito de uma descontinuidade característica, evidencia uma alta qualidade, própria daqueles eleitos pelas musas. Cumpre sinalar, que dentre nós pontuaram  venerandas figuras, como: Fran Martins ( 1913 -1996), Rachel de Queiroz (1910 – 2003), Moreira Campos (1914- 1994), Mozart Soriano Aderaldo (1917- 1995), Pedro Sampaio (1884- 1967), Francisco Alves de Andrade (1913- 2001), Gustavo Barroso (1888- 1959), Papi Junior (1854- 1934) e Demócrito Rocha (1888-1943), dentre outros.

Destaque para dois exímios trabalhadores da palavra e consagrados poetas bissextos:

João Jacques Ferreira Lopes (1910- 1999), jornalista, cronista, pintor e poeta:

“ Paralelo com o abstrato “:

Tu te formaste, ganhando um canudo/eu me formei sem diploma/chegaste de vitória em vitória/ao fim de uma carreira/continuo de queda em queda/no começo de uma andança/tens uma pedra no dedo, e eu, no sapato.../na engenharia, a tua especialidade/ é a arquitetura/na minha profissão indefinida/tenho uma técnica mais indefinida ainda/lidas com o barro, a areia e a cal/a pedra, o cimento e o ferro/meu material é de todo imaterial:/o sonho, a saudade, a tristeza, o amor.../na fôrma de madeira, derramas/o concreto/na forma, ponho o abstrato.../da tua treina e dos teus cálculos/saem colunas, vigas , lajes e/orçamentos, enquanto/eu pago para fazer projetos/lucrando apenas experiência/e quando a morte vier/ela, a destruidora/ela , a igualitária/ela, a cega de guia/não ficarão de teus templos/pedra sobre pedra/ e de minhas catedrais de nuvens/nem os sinos , nem os santos, nem os vitrais.../apenas, sobre nós ambos/cantará/ a colher do pedreiro/a colher do coveiro/construindo a tua última parede/guardando num cofre o último poeta.../


João Clímaco Bezerra (1913- 2006): Jornalista, advogado, romancista e poeta:
“ Cabocla “:
Cabocla das carnes roliças e queimadas/a tua alma é o berço/onde dormem as doces canções da minha terra/por ti soluçam as tristes violas nas várzeas/por ti, canta o sertanejo a sua doce toada de saudades.../cabocla/eu sonho com um homem forte e poderoso/cheio de fé no Brasil/que te vencerá um dia/quando a terra do sertão/ for golpeada de estradas de rodagem/nunca mais ouvirás, cabocla/o sertanejo cantando a sua doce toada de saudades/nem as várzeas cobertas de açudes/escutarão os doces acordes da viola/só o ruído ensurdecedor das máquinas do homem novo/quebrará o doce silêncio da terra sertaneja/que tristeza imensa sentirei nesse futuro/eu morrerei de saudades da cabocla/ e o sertão de saudades da viola/

Crônica tendo como referência a “ Antologia de poetas bissextos do Ceará “, do príncipe Artur Eduardo Benevides (1923-2014) , Revista Clã , número 25, Ano de 1970 .









  


terça-feira, 15 de agosto de 2017

BRINCANDO COM FOGO




Wernher Von Braun (1912- 1977), gênio criador dos foguetes V-2, instado pelos chefes nazistas para apressar a invenção de mortíferos artefatos atômicos por ocasião da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) teria declarado: “ Que importa quem ganhe a guerra? Eu quero é ir à lua! ” E no Japão, na arrasada e pequena Nagasaki, o prefeito de então, Tsume Tajawa, lembrou: “ Se o Japão possuísse o mesmo tipo de arma, tê-la-ia usado, também”.

Nos dias hodiernos, dois pouco convencionais líderes políticos de países, um na América do Norte, com cerca de 360.000.000 de habitantes e outro no Leste Asiático com aproximadamente  23.000.000 de habitantes, encontram-se com as mãos próximas aos botões que podem deflagrar um inimaginável ataque atômico, um dantesco Apocalipse. Estamos a assistir, uma vez mais, o deplorável bicho-homem a brincar, irresponsavelmente, com fogo. Tomara que seja só fabulação de dois histriônicos senhores.

E que Deus tenha piedade de nós!

“ Pensem nas crianças mudas telepáticas/pensem nas meninas cegas inexatas/pensem nas mulheres rotas alteradas/pensem nas feridas como rosas cálidas/mas, oh, não se esqueçam/da rosa, da rosa, da rosa de Hiroshima/a rosa hereditária/a rosa radioativa/estúpida e inválida/a rosa com cirrose/a anti-rosa atômica/ sem cor, sem perfume/sem rosa, sem nada “   Composição “ Rosa de Hiroshima “, de Vinícius de Moraes (1913- 1980).



“ Poetas, seresteiros, namorados, correi/é chegada a hora de escrever e cantar/talvez as derradeiras noites de luar/momento histórico, simples resultado do desenvolvimento da ciência viva/afirmação do homem, normal, gradativa sobre o universo natural/ sei lá que mais/ah, sim! Os místicos também profetizando o fim do mundo/e em tudo o início dos tempos do além/em cada consciência, em todos os confins/da nova guerra ouvem-se os clarins/guerra diferente das tradicionais, guerra de astronautas nos espaços siderais/ e tudo isso em meio às discussões, muitos palpites, mil opiniões/um fato já existe que ninguém pode negar,7,6,5,4,3,2,1, já! /e lá se foi o homem conquistar os mundos, lá se foi/ lá se foi buscando a esperança que aqui já se foi/nos jornais, manchetes, sensação, reportagens, fotos, conclusão:/ a lua foi alcançada afinal, muito bem, confesso que estou contente, também/a mim me resta disso tudo uma tristeza só/talvez não tenha mais luar pra clarear minha canção/o que será do verso sem luar?/o que será do mar, da flor, do violão ?/tenho pensado tanto, mas não sei/poeta, seresteiros, namorados , correi/é chegada a hora de escrever e cantar, talvez as derradeiras noites de luar “  Composição “ Lunik – 9 “ , de Gilberto Gil (1942 -) .

domingo, 13 de agosto de 2017

PAI



Um ser plural, resiliente, inspirador, promotor e defensor do autocuidado (para consigo), do altercuidado (com o outro), do ecocuidado (com o ambiente) e do transcuidado (com as fontes provedoras do sentido da vida humana).

Aquele que também sabe “ padecer no paraíso”, “ com o avental todo sujo de ovo”, “ que vale mais que o céu e que o mar “, tal qual a sua alma gêmea, surfando nesta modernidade líquida de Zygmunt Bauman (1917- 2017).

“ Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse/que me olha e é tão mais velho do que eu? / porém , seu rosto...é cada vez menos estranho.../ meu Deus, meu Deus.../parece meu velho que já morreu !/como pude ficarmos assim?/nosso olhar – duro- interroga :/” o que fizeste de mim ?/eu , pai? Tu é que me invadiste/lentamente, ruga a ruga... que importa?/ eu sou, ainda,/ aquele mesmo menino teimoso de sempre/e os teus planos enfim lá se foram por terra/mas sei que vi, um dia- a longa, a inútil guerra!-/vi sorrir , nesses cansados olhos, um orgulho triste ...    O velho do espelho, poema de Mário Quintana (1906- 1994) .

Reza uma lenda indígena que tinha um costume de deslocar os indivíduos mais idosos da tribo para o cume de uma montanha com o intuito de abandoná-los à sua própria sorte. Certa feita, num dia de muito frio, um filho que acompanhava o pai naquele caminho, com o coração cortado, minimizou:

- Pai, vou deixar este cobertor aqui, para o senhor se proteger deste incômodo frio.

O velho, calmamente, respondeu:

- Deixe comigo só a metade do cobertor, filho. Fique com a outra para quando chegar a sua vez!”

Mande daí, da morada dos bons, sua benção, meu querido e velho pai!
E, Parabéns a todos os pais!







sexta-feira, 11 de agosto de 2017

HOMENAGEM AO DIA DOS PAIS



Há poucos minutos compartilhei de uma homenagem ao dia dos pais idealizada por crianças, dentre elas, Ana Lis, minha filha de 8 anos, num colégio do Bairro de Dionísio Torres. Um palestrante, na ocasião, deu ênfase a imagem de um Carpinteiro, José, de braços abertos em atitude de proteção a uma Gestante, Maria. Naquele gesto simbólico de José, plasmava-se o amor, o carinho, a proteção, o desvelo, enfim, o fermento em que sólidas raízes dariam origem uma árvore que, definitivamente, produziria bons frutos. Ali em minha volta vivi um gozoso momento onde um grupo de anjinhos a levitar, em infantil graça, cantaram e oraram a Deus, pelos seus pais.

“ Feliz quem não exige da vida mais do que ela espontaneamente lhe dá, guiando-se pelo instinto dos gatos, que buscam o sol quando há sol, e quando não há sol, o calor, onde quer que esteja. Feliz quem abdica da sua personalidade pela imaginação, e se deleita na contemplação das vidas alheias, vivendo, não todas as impressões alheias. Feliz, por fim, esse que abdica de tudo, e a quem, porque abdicou de tudo, nada pode ser tirado nem diminuído.

O campônio, o leitor de novelas, o puro asceta – estes três são os felizes da vida, porque são estes três que abdicam da personalidade- um porque vive do instinto, que é impessoal, outro porque vive da imaginação, que é esquecimento, o terceiro porque não vive, e, não tendo morrido, dorme.
Nada me satisfaz, nada me consola, tudo – quer haja sido, quer não – me sacia. Não quero ter a alma e não quero abdicar dela. Desejo o que não desejo e abdico do que não tenho. Não posso ser nada nem tudo: sou a ponte de passagem entre o que tenho e o que não quero” (Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa).
Obrigado, Ana Lis e demais anjinhos da escola e, parabéns a todos os pais que habitam esse mundo de meu Deus!




segunda-feira, 7 de agosto de 2017

UM POSTO DE OBSERVAÇÃO: AI DE TI, FORTALEZA

Para a Dra. Guiomar Vasconcelos Frota


Na Praça da Sé, escorado na Catedral Metropolitana, em eterna construção, saltou do chão feito visagem, um humilde cubículo de madeira dotado de duas bombas de combustíveis, denominado de Posto Esso, tendo como proprietário o comerciante cearense José Eleutério Filho, e que ajudava a compor a imagem da zona central de Fortaleza nos idos de 60 do século passado. Um adolescente de pouca conversa, sempre com um livro debaixo do braço, bombeiro daquele estabelecimento comercial de gasolina, montou ali o seu posto de observação, de onde sorvia em largos goles, o néctar da vida naquele burburinho de gente.

Ao derredor espalhavam-se de maneira anárquica, pensões, bares, lojas, hotéis, beirando o Palácio do Bispo. Destacava-se ainda, o Mercado Central com seus inúmeros boxes. De madrugada chegavam comboios de jumentos abarrotados de mercadorias oriundas, principalmente, dos distantes bairros de Messejana (Paupina) e Parangaba (Arronches). 
Circulavam no local, caminhões – mistos, posto que, carregavam no mesmo espaço, pessoas, mercadorias e bichos vindo do interior do estado. Logo adiante sobressaia -se o Quartel General da 10ª Região Militar, junto aos restos do antigo Forte de Schoonenborch erigido por Matias Beck durante a permanência dos holandeses por estas bandas em 1649. Ali onde nasceu o burgo aos pés do heroico Riacho Pajeú, espraiava-se a vida citadina com seus variegados personagens como, párocos com batinas longas, negras e puídas, políticos de ternos brancos, catraieiros com sacos equilibrados sobre a cabeça, vendedores ambulantes e, especialmente, as queridas damas-da- noite, habitantes das inúmeras pensões alegres que formavam o colar de pérolas do pecado que envolvia num abraço amoroso aquele bucólico centro de Fortaleza, ainda uma meiga adolescente com vestido de chita. 

Vez por outra, soturnas caminhonetes dotadas de negros penachos levando almas recém- desencarnadas, circulavam, lenta e silenciosamente, por uma rua que nascia aos pés da Catedral e desembocava mais adiante no Cemitério de São João Batista.

Reverberava naquela época, de forma contundente nas mesas dos bares da região, um bárbaro fato policial que abalara os arrais da Loura Desposada do Sol, do boêmio Paula Ney. No dia 01 de setembro de 1950, na Pensão da Graça, localizada na Rua Conde D’Eu número 541, o ex-jogador de futebol, atacante do Ceará Sporting Clube, o paraibano José Ramos de Oliveira, conhecido como Idalino, chegou naquele recinto acompanhado dos comerciantes de Campina Grande, Aloísio Millet e Geraldo Castro. Estes haviam vendido para Idalino, um automóvel Chevrolet no valor de 145 contos de réis, constando de uma entrada de 6 contos, ficando o restante a ser pago em Fortaleza. Surge na história a figura de Alcinda Leal, irmã de Graça, que assumira a direção daquela casa noturna e era amásia de Idalino. Enquanto Alcinda dava as boas-vindas aos três homens, Idalino seguia para um quarto na companhia de Aloísio com o intuito de efetuar o restante do pagamento do veículo comprado em Campina Grande. Aproveitando um descuido, Idalino desfere violento golpe em Aloísio com uma barra de ferro, matando-o imediatamente. O morto é, de pronto, escondido. Entra em seguida Geraldo que também recebe o mesmo tratamento, uma agressão mortal com a mesma barra de ferro. Agora Alcinda e Idalino tornaram - se além de amantes, cúmplices de um duplo e bárbaro crime. No mesmo dia os dois corpos seguiram para o bairro da Barra do Ceará onde foram sepultados em covas rasas, naquele ponto, nas margens do Rio Ceará onde, coincidentemente, o português Martim Soares Moreno fundara o Forte de São Sebastião em 1612. Assim, os dois infelizes comerciantes foram chacinados por um conterrâneo paraibano, em terras cearenses, tendo a trama sido desenrolada em dois pontos que marcaram o nascimento da cidade de Fortaleza, o Forte de Schoonenborch, próximo ao Riacho Pajeú, na área central da cidade e, o Forte de São Sebastião nas margens do Rio Ceará, na zona oeste de Fortaleza. O epílogo deste triste acontecimento policial deu-se com a prisão do casal Idalino e Alcinda que, posteriormente, foram julgados e condenados a penas de 30 anos para ele, e 6 meses para ela. 

De lá para cá a cidade de Fortaleza agigantou-se tomando ares de metrópole, situando-se como a quinta maior do Brasil em população estimando-se cerca de 2.609.716 habitantes (IBGE 2016) e mostrando, infelizmente, um assustador índice de violência urbana, deslustrando a singular beleza da Virgem dos Lábios de Mel. Que pena!
Ai de ti, Fortaleza!


                                       
 AÇÃO GIGANTESCA, DE MÁRIO GOMES 



Neste sábado na boca da noite com o deus - sol preparando o berço para cair nos braços de Morfeu ,"bato um papo maneiro" com o poeta inquieto cearense Mário Gomes (1947-2014) num pedaço perdido de praia no litoral leste do Ceará :
" Beijei a boca da noite/e engoli milhões de estrelas/fiquei iluminado /bebi toda a água do oceano /devorei as florestas /a humanidade ajoelhou - se aos meus pés /pensando que era a hora do Juízo Final /apertei ,com as mãos, a terra /derretendo-a/as aves em sua totalidade /voaram para o além /os animais caíram do abismo espacial/dei uma gargalhada cínica /e fui descansar na primeira nuvem/que passava naquele dia/em que o sol me olhava assustadoramente /em fui dormir o sono da eternidade/e acordei mil anos depois /por trás do Universo /" . Ação Gigantesca , da autoria de Mário Gomes, vencedora do Festival de Poesia Cearense , de 1981.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

UM NOVO PARADIGMA/ UMA NOVA LEI ÁUREA

Para o filósofo, advogado e parteiro Roger Soares



No dia 13 de maio de 1888 a princesa Isabel assinou a Lei Áurea abolindo oficialmente a escravidão no Brasil. A integração do elemento negro na sociedade de classes vem se dando de forma lenta e gradual. No Brasil dos dias atuais persiste, ainda, o trabalho servil em determinados nichos. Em um deles, é vero, sob o véu de um silêncio constrangedor, encontra-se um profissional da área de saúde – o obstetra: laborando diuturnamente, sem direito a férias, em permanente sobreaviso, todos os dias do ano e, assim, consome a vida inteira, até que sob a pressão de doenças degenerativas – diabetes, hipertensão arterial, obesidade – por conta do desgaste do crônico estresse laboral, faz-se abatido, precocemente, pela Parca. Assim aconteceu com um a um dos grandes parteiros deste arraial cearense, verdadeiros heróis anônimos!
Numa época, não tão distante, os tais obstetras faziam todo o trabalho de pré-natal, parto e puerpério sem contar com a ajuda de outros profissionais, absorvendo uma carga adicional de pressão. Hoje tal travessia faz-se mais humanizada com a cooperação inestimável de vários profissionais da área de saúde (neonatologista, anestesiologista, enfermeira obstétrica, fisioterapeuta, fonoaudióloga, psicóloga e doula). Navegando na grande onda do retorno bem-vindo do parto natural estão sendo gestadas instalações hospitalares adequadas e equipes multiprofissionais completas para prestarem um perfeito acolhimento do casal grávido.
 Abriu-se faz anos, desde de 2004, no Brasil, tratativas sobre um novo tópico na assistência ao parto de usuárias do Sistema de Saúde Suplementar, com a denominação de Disponibilidade Obstétrica, onde vários atores se posicionam na mesa abrindo um franco debate. De um lado a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Ministério Público e os clientes usuários dos distintos planos de saúde; de outro lado, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, o Conselho Federal de Medicina, os Conselhos Regionais de Medicina, as Sociedades Estaduais de Ginecologia e Obstetrícia, as Cooperativas de Ginecologia e Obstetrícia e todo o contingente de obstetras. Sem entrar no mérito da questão em si, queira Deus que este pugilato não alcance e esgarce o frágil tecido que compõe a relação médico- paciente. Até a presente data a medicina ainda não encontrou nenhum remédio que restaure a perda de confiança entre as partes que formam o arcabouço de uma consulta médica.
Os “gigantes“ da Medicina Suplementar estão a implantar equipes multiprofissionais completas para prestarem assistência ao casal grávido conseguindo, inclusive, promover a redução do número de cesáreas. Uma vitória, sem dúvida. Tal estratégia traz em seu bojo a “carta de alforria” do obstetra que conduz o pré-natal e fica desobrigado de realizar o parto caso não esteja sob regime de plantão hospitalar. Desta maneira a assistência na gravidez/parto no Brasil, no que tange a Saúde Suplementar passa a ser semelhante com aquela oferecida em países desenvolvidos do Hemisfério Norte.
Não se sabe, ainda, qual o epílogo do polêmico tema “ Disponibilidade Obstétrica “, contudo, uma coisa é certa: independente para que lado o pêndulo se desloque, a nova “ Lei Áurea” libera o obstetra do sobreaviso permanente e permite que o mesmo assista ao parto quando estiver de plantão no hospital, deixando um tempo livre para que o parteiro, a seu bel prazer partilhe com estudos, lazer e família. Quer vingue ou não a tal “ Disponibilidade Obstétrica” a arte de partejar exercida em nosso meio nunca mais será a mesma e a “secular escravidão” do obstetra cairá, definitivamente, por terra, nascendo uma obstetrícia composta de uma rica equipe multiprofissional como grande instrumento de apoio ao casal gestante. Que assim seja.