segunda-feira, 21 de agosto de 2017

O CASO DA MATERNIDADE




Decorridos dezoito horas de vigoroso trabalho de parto, uma gestante de primeiro filho, exausta, pede misericórdia ao plantonista da maternidade que a assiste. Após o parteiro verificar a dilatação completa do colo uterino da parturiente, constata com a ajuda de um tosco estetoscópio de Pinard, uma redução dos batimentos cardíacos do concepto, sugerindo sofrimento fetal agudo. Incontinenti, o profissional indica a aplicação de um fórcipe, instrumento que representa o prolongamento das mãos do obstetra. Não insiste, após infrutíferas tentativas de resolução do parto. Desiste e pede socorro ao diretor clínico da maternidade.

Faz-se outra tentativa de extração fetal com o uso do fórcipe, agora, pelas mãos de um dos maiores nomes da obstetrícia brasileira. Novo malogro. Neste ponto os batimentos cardíacos fetais tornaram- se inaudíveis. Uma tragédia, pronto se desenhou: óbito fetal ocorrido no transe do parto.

O experiente parteiro indicou, na sequência, uma craniotomia – a perfuração do polo cefálico para esvaziamento de seu conteúdo -  e uma cranioclasia – a redução brusca e tração do polo cefálico do concepto sem vida -. Uma vez mais, o parto não se concluiu. Configurou-se, desse modo, um caso de obstrução do parto por desproporção céfalo-pélvica.

Realizou-se, por fim, uma cesárea de urgência que culminou com a morte da infeliz parturiente. Uma dupla e dolorosa tragédia, mãe e filho, silenciosa e tristemente, sucumbiram juntos.

Local do acontecimento: uma maternidade no Rio de Janeiro.
Ano do ocorrido: 1917.

Protagonista médico da tragédia: Dr. Fernando Magalhães (1878-1944), à época, o maior nome da obstetrícia brasileira. O caso teve desdobramento policial e uma ampla repercussão na mídia jornalística.

Nenhum obstetra encontra-se imune a uma catástrofe desta natureza, mesmo nos dias atuais, contando com um verdadeiro aparato tecnológico. O trajeto normalmente percorrido pelo parteiro faz-se equilibrando numa tênue corda sobre um abismo, a

balouçar ao sabor dos ventos e das intempéries. Num passe de mágica, pode descer o parteiro das alturas de onde escrutina as planícies e, sem escala, cair reto num infernal despenhadeiro.

Assim se expressa, Fernando Magalhães, dando fecho ao seu primoroso livro “ Lições de Clínica Obstétrica “, lançado no mercado em 1917, há uma centúria, portanto , e hoje uma raridade bibliográfica:

“ Na prática que vos espera há muito de imprevisto e de doloroso, tantas vezes vos aproximareis do irremediável, que é preciso evitá-lo. Isto só se consegue obedecendo ao mandamento – non vis sed arte - (a arte ao invés da força). Pela força é que se chega às grandes tragédias clínicas, onde tudo desaparece, a existência do feto, a vida da parturiente e a boa fama do profissional “.

Assim mesmo, entusiasma, comove e conforta, nos dias de hoje, assistir uma gente jovem e bonita, egressa dos bancos da faculdade de medicina buscando aperfeiçoamento na área de partejar criaturas filhas de Deus, postando-se a seu lado em todo percurso da gravidez, parto e puerpério.






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