quinta-feira, 28 de junho de 2018


Boneca de Pano


"Boneca de Pano/olhos de conta/vestido de chita/cabelo de fita/cheinha de lã/de dia, de noite, os olhos abertos/ olhando os bonecos que sabem marchar/calungas de mola que sabem pular/Boneca de pano que cai:/Não se quebra, que custa um tostão/Boneca de pano das meninas infelizes que/são guias de aleijados, que apanham pontas/de cigarros/ que mendigam nas esquinas , coitadas/Boneca de pano de rosto parado como essas meninas/Boneca sujinha, cheinha de lã/os olhos de conta caíram/ceguinha rolou na sarjeta. O homem do lixo a levou/coberta de lama, nuinha, como quis Nosso Senhor "

Boneca de Pano , autoria do médico e poeta Jorge de Lima ( 1893 - 1953 ).
 — em  Fortaleza

domingo, 24 de junho de 2018

Talassoterapia com duas Sereias
"O real não está na saída nem na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio da jornada " ( Guimarães Rosa)

" O meu olhar é nítido como um girassol/tenho o costume de andar pelas estradas/olhando para a direita e para a esquerda/e de vez em quando olhando para trás.../ e o que vejo a cada momento/é aquilo que nunca antes eu tinha visto/e eu sei dar por isso muito bem/sei dar o pasmo essencial/ que tem uma criança se , ao nascer/reparasse que nascera deveras.../sinto-me nascido a cada momento/para a eterna novidade do Mundo "

 ( Fernando Pessoa ).
O Cuidado Com Os Seres Sencientes

" O egresso do ser para o existir/chama-se nascimento/o regresso do existir para o ser/chama-se morte/três em dez encontram seu gozo/no viver/três entre dez o encontram no morrer/três entre dez se apegam/aos prazeres da vida/e com isso se entregam/aos prazeres da morte/por que isso é assim?/porque cada um, a seu modo/procura realizar o sentido da vida/eu, porém , ouvi dizer que o sábio/Que sabe do mistério da vida/durante a sua peregrinação terrestre/não teme rinocerontes nem tigres/ e passa no meio de exércitos em luta/sem armas nem armadura/o rinoceronte não encontrará/lugar onde o ferir com seu chifre/ o tigre não saberá onde o rasgar com suas garras/os inimigos não acharão como matá-lo/com suas espadas/por que não?/porque o sábio é invulnerável/porque para ele não há morte" ( Lao - tsé).

domingo, 17 de junho de 2018

O Casamento da Raposa no Porto das Dunas

O Rei Sol , majestoso, cruza os céus na companhia de nuvens carrancudas e prenhes d'água. O Casamento da Raposa logo se desenha. É o presente do Rei Leão ao casal formado pelo Lobo e pela Raposa que queriam na festa de casamento a chuva e o sol, juntos. E assim se fez !

"Eu sou nuvem passageira/que com o vento se vai/eu sou como um cristal bonito/que se quebra quando cai/não adianta escrever meu nome numa pedra/pois esta pedra em pó vai se transformar/você não vê que a vida corre contra o tempo/sou um castelo de areia na beira do mar/A lua cheia convida para um longo beijo/mas o relógio te cobra o dia de amanhã/estou sozinho, perdido e louco no meu leito/e a namorada analisada por sobre o divã/por isso agora o que eu quero é dançar na chuva/não quero nem saber de me fazer ou me matar/eu vou deixar em dia a vida e a minha energia/sou um castelo de areia na beira do mar"

Nuvem Passageira, composição de Hermes de Aquino.
 — em  Porto Das Dunas.
As Pastorinhas
Num final de tarde observando quieto a Estrela Vespertina, de fato, o planeta Vênus em sua segunda aparição diária. 

"Vem alguém à minha propriedade e fala : 'Aqui é muito pobre. Só tem algumas pedras, algumas árvores e algumas cabras '. Ele não viu a minha propriedade. Aquilo era só o território. O principal estava invisível. O que faz minha propriedade é aquilo que não se vê e que liga as pedras, as árvores e as cabras e me liga a tudo" ( Saint- Exupéry ).

"A estrela d'alva no céu desponta/e a lua anda tonta/com tamanho esplendor/e as pastorinhas/pra consolo da lua/ vão cantando na rua/lindos versos de amor/linda pastora/morena da cor de Madalena/tu não tens pena/de mim/que vivo tonto com o teu olhar/linda criança/tu não me sais da lembrança/meu coração não se cansa/de sempre e sempre te amar"
As Pastorinhas , composição de Noel Rosa / Braguinha.

sexta-feira, 15 de junho de 2018


DOIS DEDOS DE PROSA COM UM GIGANTE: CARL SAGAN



“A vida sobre a terra prosperou bastante bem por 4 bilhões de anos sem “administradores”. Escutamos uma parábola secular, em que nos foi pedido que imaginássemos a nossa espécie como uma vila de cem famílias. 

Assim, 65 famílias na nossa vila são analfabetas e noventa não falam inglês, setenta não têm água para beber em casa, oitenta não têm entre seus membros ninguém que haja voado num avião. Sete famílias possuem sessenta por cento da terra e consomem oitenta por cento de toda a energia disponível. Eles têm todos os luxos. Sessenta famílias se amontoam em dez por cento da terra.

 Apenas uma família tem um membro com educação universitária. E o ar e a água, o clima e a luz solar fustigante, tudo está piorando. Qual é a nossa responsabilidade comum?
“O século XX será lembrado por três grandes inovações: meios sem precedentes de salvar, prolongar e intensificar a vida; meios sem precedentes de destruir a vida, inclusive pondo a nossa civilização global pela primeira vez em perigo; e percepções sem precedentes da natureza de nós mesmos e do universo.

“Mais de cento e cinquenta milhões de seres humanos foram mortos na guerra e por ordens expressas de líderes nacionais no século XX. O século presenciou a proeza quase mítica de enviar doze humanos à Lua e trazê-los de volta à Terra em segurança, junto com mais de cem quilogramas de rochas da Lua.

 O Príncipe sultão Bin Salmon Al-saud, astronauta da Arábia Saudita assim se expressou:  - No primeiro ou segundo dia, todos nós apontávamos para os nossos países. No terceiro ou quarto dia, estávamos apontando para os nossos continentes. No quinto dia, só percebíamos uma única Terra.

“Na minha opinião, é muito melhor compreender o universo como ele é realmente do que imaginar um universo como gostaríamos que ele fosse”
“Já encarei a morte seis vezes. E seis vezes a morte desviou seu olhar e me deixou passar. É claro que ela vai acabar me levando – como faz com todos nós.

 É só uma questão de quando. E como. Gostaria de acreditar que, ao morrer, vou viver novamente, que a parte de mim que pensa, sente e recorda vai continuar. Mas, por mais que deseje acreditar nisso, e apesar das antigas tradições culturais difundidas em todo o mundo que afirmam haver vida após a morte, não sei de nada que me sugira que esta afirmação não passa de uma doce ilusão”.

Carl Sagan (1934 -1996), foi professor de astronomia e ciências espaciais na Cornell University e cientista visitante no Laboratório de Propulsão a Jato do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Foi agraciado com várias medalhas e prêmios por suas contribuições ao desenvolvimento e divulgação da ciência. Um nobre e gentil ser humano.




segunda-feira, 11 de junho de 2018

O Juramento de Amato Lusitano
Para o Dr. Florentino Cardoso
" Juro perante Deus imortal e pelos seus dez santíssimos sacramentos, dados no Monte Sinai ao Povo Hebreu, por intermédio de Moisés, após o cativeiro no Egito, que na minha clínica nunca tive mais a peito do que promover que a Fé intacta das coisas chegasse ao conhecimento dos vindouros.
Nada fingi, acrescentei ou alterei em minha honra ou que não fosse em benefício dos mortais.
Nunca lisonjeei, nem censurei ninguém ou fui indulgente com quem quer fosse por motivo de amizades particulares;
Sempre em tudo exigi a verdade;
Se sou perjuro, caia sobre mim a ira do Senhor e de Rafael seu Ministro e ninguém mais tenha confiança no exercício da minha arte;
Quanto a honorários, que se costuma dar aos médicos, também fui sempre parcimonioso no pedir, tendo tratado muita gente com mediana recompensa e muita outra gratuitamente.
Muitas vezes rejeitei firmemente grandes salários, tendo sempre mais em vista que os doentes por minha intervenção recuperassem a saúde do que tornar-me mais rico pela sua liberalidade ou pelos seus dinheiros;
Para tratar os doentes, jamais cuidei de saber se eram hebreus, cristãos, ou sequazes da Lei Maometana;
Nunca provoquei a doença;
Nos prognósticos sempre disse o que sentia;
Não favoreci um farmacêutico mais do que outro, a não ser quando nalgum reconhecia, por ventura, mais perícia na arte e mais bondade no coração, porque então o preferia aos demais;
Ao receitar sempre atendi às possibilidades pecuniárias do doente, usando de relativa ponderação nos medicamentos prescritos;
Nunca divulguei o segredo a mim confiado.
Nunca a ninguém propinei poção venenosa;
Com minha intervenção nunca foi provocado o aborto;
Nas minhas consultas e visitas médicas femininas nunca pratiquei a menor torpeza;
Em suma, jamais fiz coisa de que me envergonhar de um Médico preclaro e egrégio.
Sempre tive diante dos olhos, para os imitar, os exemplos de Hipócrates e Galeno, os Pais da Medicina , não desprezando as Obras Monumentais de alguns outros excelentes Mestres na Arte Médica;
Fui sempre diligente no estudo e, por tal forma, que nenhuma ocupação ou circunstância, por mais urgente que fosse, me desviou da leitura dos outros autores;
Nem o prejuízo dos interesses particulares, nem as viagens por mar, nem as minhas pequenas deambulações por terra, nem por fim o próprio exílio, me abalaram a alma, como convém ao Homem Sábio ;
Os discípulos que até hoje tenho tido, em grande número e em lugar dos filhos , tenho educado, sempre os ensinei muito sinceramente a que se inspirassem nos exemplos dos bons;
Os meus livros de Medicina nunca os publiquei com outra ambição que não fosse o contribuir de qualquer modo para a saúde da Humanidade ;
Se o consegui, deixo a resposta ao julgamento dos outros, na certeza de que tal foi sempre a minha intenção e o maior de meus desejos ".
João Rodrigues Amato Lusitano, eminente médico português do século XVI , um verdadeiro homem representante do Renascimento.

domingo, 3 de junho de 2018

O Bruxo do Cosme Velho, por ele mesmo


" Se a velhice quer dizer cabelos brancos , se a mocidade quer dizer ilusões frescas, não sou velho nem moço. Realizo literalmente a expressão francesa : Un homme entre deux âges. Estou tão longe da infância como da decrepitude; não anseio pelo futuro , mas também não choro pelo passado... Não privo com as musas , mas gosto delas. Leio por instruir-me ; às vezes por consolar-me. Creio nos livros e adoro-os. Ao domingo leio as Santas Escrituras; os outros dias são divididos por meia dúzia de poetas e prosadores da minha predileção; consagrou a sexta-feira à Constituição do Brasil , e o sábado aos manuscritos que me dão para ler. Quer tudo isso dizer que à sexta-feira admiro os nossos maiores, e ao sábado durmo a sono solto. No tempo das câmaras leio com frequência o padre Vieira e o padre Bernardes, dois grandes mestres.

Quanto às minhas opiniões públicas, tenho duas, uma impossível, outra realizada. A impossível é a República de Platão. A realizada é o sistema representativo. É sobretudo como brasileiro que me agrada esta última opinião, e eu peço aos deuses ( também creio nos deuses ) que afastem do Brasil o sistema republicano porque esse dia seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais alumiou...

Aqui estão os principais traços da minha pessoa. Não direi a V. Excia, se tomo sorvetes, nem se fumo charutos de Havana; são ridiculezas que não deviam entrar no espírito da opinião pública "

" Em nosso país a vulgaridade é um título, a mediocridade um brasão "

Machado de Assis ( 1839 - 1908 ) : cronista, contista, jornalista, novelista, poeta, romancista e critico literário. Bruxo do Cosme Velho , faz referência à casa de número 18 da Rua Cosme Velho , onde morava o memorável escritor brasileiro e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras.

sexta-feira, 1 de junho de 2018



Pau d'Arco


"Pau-d'arco gigantesco ! Pelos traços,
Lembra um deus milenar, rude e iracundo
Que detivesse de repente os passos
E ali ficasse contemplando o mundo !
Preso pela raiz ao chão profundo
A fronde a farfalhar pelos espaços,
Bebe a seiva nutriz no solo imundo
Mas para o céu é que levanta os braços
Prometeu vegetal, frame e se estorce ,
E por mais que proteste e que se esforce,
Não se liberta da imobilidade
Acorrentado ao pedestal da Serra,
Embalde é o sonho de fugir da terra,
O anseio de galgar a imensidade "
Poema Pau d'Arco, da autoria de Caio Cid ( 1904-1972 ) , cronista , contista e poeta nascido em Pacatuba, no pé da Serra da Aratanha, próximo a Fortaleza.
Ave-Maria 

O sol abrindo a boca, caindo de sono, deixa o caminho aberto para a entrada da grande dama da noite , banhada em prata , no Porto das Dunas.

" Cai a tarde tristonha e serena/ em macio e suave langor/ despertando no meu coração/ a saudade do primeiro amor/ um gemido se esvai lá no espaço/nesta hora de lenta agonia/quando o sino saudoso murmura/ badaladas da Ave-Maria/sino que tange com... Ver mais
 — em  Praia Porto das Dunas.