segunda-feira, 11 de maio de 2020

Um Cidadão Comum x Um Pesadelo
Um carango popular , modelo 1973, foi , gentilmente , convidado a parar no acostamento por uma bltz. Para o senhor idoso ao guidom, foi exigido aos gritos, uma explicação sobre uma perigosa arma encontrada sobre o banco do passageiro.
Tratava - se um inocente estilingue , baladeira ou bodoque. Um típico brinquedo de petizes.
" - Ah! , é pra meu netinho caçar calangos nos muros de meu sítio, aqui perto."
"- E essa sacola suspeita aí, meu velho ?", verberou um marombado homem da lei , pejado de tatuagens de dragões escorrendo pelos braços.
"- Ela contém balinhas de café confeccionadas pela patroa. Cada uma delas possui uma frase para melhor adocicar a vida : Educação, Saúde para todos , Habitação digna , Amor ao próximo, Direito de ir e vir."
O brutamontes socou as balinhas no bolso , pra mais tarde saborear e despistar o bafo da caninha empalhada.
"- Cai fora , vovô, e agradeça a Deus , que hoje eu acordei com o coração mole, caso contrário, o distinto ia levar umas "bolachas" para casa, e , de quebra, um olho roxo e fechado ".
Nem deu tempo para o pobre homem apresentar seus documentos , como, carteira de motorista e declaração de residência, enfim, explicar porque estava na rua , descumprindo ordens draconianas!
Ah ! Democracia !!!!!
Na sacola jogada bruscamente no colo do idoso, ficou uma só balinha , onde constava a frase : - " Não perca nunca a Esperança!"
O velho pensou em voltar e mostrar ao marombado, a última balinha . Desistiu, e fez bem , posto que , não valia a pena cutucar onça com vara curta. Seguro morreu de velho.
"O homem não é totalmente condicionado e determinado, mas determina ele mesmo se vai se entregar às circunstâncias ou enfrentá- las. O homem não simplesmente existe , mas decide sempre como será sua existência, o que fará no momento seguinte. Justamente por isso, todo ser humano tem a liberdade de mudar a qualquer instante... Uma das principais características da existência humana é a capacidade de superar as circunstâncias, de vencê- las e deixá-las para trás ".

domingo, 10 de maio de 2020

Saudades , Mamãe !
"Os carneinhos " desfilam ,mansamente, no etéreo azul celeste sob o comando do Rei Sol que abre a boca caindo de sono , em sua carruagem de fogo . Sempre assim , desde o que o mundo é mundo.  Fico no aguardo das dezoito badaladas dos sinos da Igreja do Sagrado Coração de Jesus , já longe no tempo.

Na minha cansada memória ressoa a Ave Maria ,de Charles Gounod,  lembrando aos fiéis o momento em que o Anjo Gabriel anuncia a Maria , a concepção de Jesus . No dia 15 de março de 1957 , assisti a queda de parte da frente da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, morando na rua Rodrigues  Júnior , na confluência da rua Pero Coelho. Ali ouvia o radialista José Limaverde e sua "Hora do Ângelus".
Lembro ainda um  doce acalanto na voz de um anjo,  minha querida mãe, Jurema Costa , hoje ao lado de meu pai José , habitantes na Morada dos Justos , no Céu. 
Desculpa , mãe,  pela lágrima que ora brota de meus olhos : foi um cisco , e logo passa . Lembre - se que sou criança outra vez ! 
 E mande sua benção! 

"Cai a tarde tristonha e serena, em macio e suave langor
Despertando meu coração a saudade do primeiro amor !
Um gemido se esvai lá no espaço,  nesta hora de lenta agonia
Quando o sino saudoso murmura badaladas da Ave - Maria "!
Sino que tange com mágoa dorida, recordando os sonhos da aurora da vida
Dai- me ao coração paz e harmonia,  na prece da "Ave Maria "!
No alto do campanário,  uma cruz simboliza o passado
De um amor que já morreu, deixando um coração amargurado
Lá no infinito azulado uma estrela formosa irradia
A mensagem do meu passado quando o sino tange "Ave - Maria "!

Letra da composição musical "Ave - Maria " , da autoria de Erothides de Campos (1896 - 1945 ).

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Terei uma Entrevista com a Morte , Allan Seeger
"Terei uma entrevista com a Morte
Em certa barricada em que se lute,
Quando com suas sombras murmurantes
De novo a Primavera regressar
E as flores da macieira encherem o ar...
Terei uma entrevista com a Morte,
Quando trouxer de novo a Primavera
Os dias azulados e brilhantes.
Talvez ela me tome pela mão
E me conduza para a escuridão
Do seu país, feche meus olhos,
Corte minha respiração... Talvez eu passe
No lado dela silenciosamente .
Terei uma entrevista com a Morte
Tia escarpa recoberta de feridas
De uma colina destroçada, quando
Este ano a Primavera vier chegando
E abrir nos prados as primeiras flores.
Fora melhor estar entre perfumes
E almofadas de seda mergulhado,
Onde o Amor vibra em seu sono encantado,
Numa só pulsação, num só respiro,
De que é tão grato o suave despertar...
Mas tenho uma entrevista com a Morte
Numa cidade em fogo, à meia - noite,
Ao ir a Primavera para o norte;
Serei fiel à palavra que empenhei:
Jamais a essa entrevista faltarei"
Poema da autoria de Allan Seeger (1888 - 1916 ) , escritor americano que teve um Encontro com a Morte , na Batalha de Somme , durante a Primeira Guerra Mundial , aos 28 anos de idade .
Hodiernamente , profissionais de saúde do mundo inteiro , tem marcado encontro com a Parca numa cruel Batalha pela Vida , diuturnamente , contra um vírus traiçoeiro, todos evidenciando uma imensa coragem e desprendimento , portando uma única arma : um Acrisolado Amor ao Ser Humano.
" Enquanto houver luz ,conservaremos a cabeça erguida e o que nós pudermos fazer, não o deixaremos por fazer aos que vierem depois de nós " ( Johann Wolfgang von Goethe - 1749 - 1832 ).
Fiquem certos, estamos todos juntos!


Passagem da Noite
"É noite. Sinto que é noite/não porque a sombra descesse/(bem me importa a face negra)/mas porque dentro de mim,/no fundo de mim, o grito/se calou, fez - se desânimo. /Sinto que nós somos noite,/que palpitando no escuro/e em noite nos dissolvemos./Sinto que é noite no vento,/noite nas águas, na pedra./E que adianta uma lâmpada?/E que adianta uma voz?/É noite no meu amigo./É noite no submarino. /É noite na roça grande./É noite, não é morte, é noite/de sono espesso e sem praia./Não é dor , nem paz , é noite,/é perfeitamente a noite."
Uma longa e tenebrosa noite envolve todo o minúsculo bólido terrestre que navega no silêncio absoluto do multiverso.
Um minúsculo e traiçoeiro diabinho vindo do Norte abate vidas humanas, invadindo , indiferente, mansões e choupanas.
E o rei - sol em sua carruagem de ouro, quando irá recompor o cenário das bem- aventuranças ?
"Mas salve, olhar de alegria !/ E salve, dia que surge !/Os corpos saltam do sono,/ o mundo se recompõe. /Que gozo na bicicleta !/Existir , seja como for./ A fraterna entrega do pão. /Amar : mesmo nas canções. /De novo andar: as distâncias, /as cores, posse das ruas./Tudo que às noites perdemos/se nos confia outra vez./Obrigado, coisas fiéis!/Saber que ainda há florestas,/sinos, palavras; que a terra /persegue seu giro, e o tempo/não murchou; não nos diluimos!/ Chupar o gosto do dia !/Clara manhã, obrigado, / o essencial é viver"
"Passagem da Noite", poema de Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), considerado o maior poeta da literatura brasileira do século XX.

domingo, 3 de maio de 2020

A Indesejada das Gentes
"Synochus catarrhalis era o nome de uma doença epidêmica , clinicamente individualizada desde tempos remotos e que periodicamente, cada vez com maior extensão,  assola a humanidade. Essa extensão está relacionada à velocidade sempre crescente das comunicações... O nome gripe vem do meio do século passado e foi primeiro empregado por Sauvages, de Montpellier, tendo em conta o aspecto tenso, contraído,  encrespado, amarrotado - grippé- que ele julgou ver na cara de seus doentes.

Aterrava a velocidade do contágio e o número de pessoas que estavam sendo acometidas. Nenhuma de nossas calamidades chegara aos pés da moléstia reinante: o terrível não era o número de causalidades - mas não haver quem fabricasse  caixões,  quem os levasse ao cemitério,  quem abrisse covas e enterrasse os mortos...."

Excertos do livro "Chão de Ferro" , da autoria de Pedro Nava ( 1903 - 1984 ) , médico,  escritor, poeta , memorialista , onde relata o que viu na Gripe Espanhola , no Rio de Janeiro em 1918. 

"Quando morto estiver meu corpo
Não quero caixão de verniz 
Ou ramalhetes distintos,
Os superfinos candelabros
E as discretas decorações 

Eu quero a morte com mau gosto !....
Não me envolvam num lençol:
A franciscana humildade,
Bem sabeis que não se casa
Com meu amor pela Carne
Com meu apego ao Mundo...

- Meus amigos ! Lembrem de mim.
Se não de mim, deste morto,
Deste pobre terrível morto,
Que vai se deitar para sempre, 
Calçando sapatos novos !

Rio de Janeiro,  23 de julho de 1938.
Excertos do poema "O Defunto" , da autoria do médico , memorialista  Pedro Nava (1903 - 1984).

Nesta tarde domingo do pé de cachimbo, na agradável companhia de Pedro Nava, assistindo num burgo, sei lá onde,  uma gente parecendo feliz da vida , zombando da "indesejada das gentes" , tão longe e tão perto , que dá para sentir o hálito frio da Parca,  por conta da quase total falta de máscaras utilizadas pelos presentes !
Como Será o Novo Mundo ?
" A décima segunda guerra mundial, como todos sabem, trouxe o colapso da civilização . Homens , mulheres e crianças tornaram -se inferiores aos animais mais inferiores. Desanimados e desiludidos, os cães abandonaram os donos decaidos. 
Encorajados pela pesarosa condição dos antigos senhores do mundo, os coelhos caíram sobre eles.

Livros , pinturas e música desapareceram da Terra e os seres humanos ficavam sem fazer nada, olhando no vazio. Anos e anos se passaram.
Os poucos sobreviventes militares tinham esquecido o que a última guerra havia decidido.
Os rapazes e as moças apenas  se olhavam indiferentemente,  pois o amor abandonara  a Terra.

Um dia uma jovem, que nunca tinha visto uma flor, encontrou por acaso a última que havia no mundo. Ela contou aos outros seres humanos  que a última flor estava morrendo. 
O único que prestou atenção foi um rapaz que ela encontrou por ali.
Juntos, os dois alimentaram a flor e ela começou a viver novamente. 
Um dia uma abelha visitou a flor. E um colibri. 
E logo havia duas flores, e logo quatro, e logo uma porção de flores.
Os jardins e as florestas cresceram novamente.
A moça começou a se interessar pela própria aparência. 
O rapaz descobriu que era muito agradável passar a mão na moça. 
E o amor renasceu para o mundo. 
Os seus filhos cresceram saudáveis e fortes e aprenderam a rir e a brincar.

Os cães retornaram do exílio.
Colocando uma pedra em cima de outra pedra, o jovem descobriu como fazer um abrigo.
E imediatamente todos começaram a construir abrigos. Vilas, aldeias e cidades surgiram em toda parte.
E a canção voltou para o mundo.
Surgiram trovadores e malabaristas.
Alfaiates e sapateiros
Pintores e poetas
Escultores e ferreiros
E soldados 
E tenentes e capitães 
E coronéis e generais 
E líderes!

Algumas pessoas tinham ido viver  num lugar, outros em outro.
Mas logo as que tinham ido viver na planície  desejavam ter ido viver na montanha.
E os que tinham escolhido a montanha preferiam a planície.  Os líderes,  sob inspiração de Deus, puseram fogo ao descontentamento.
E assim o mundo estava novamente em guerra. 
Desta vez a destruição foi tão completa
Que absolutamente nada restou no mundo.
Exceto um homem 
Uma mulher
E uma flor"

Texto de James Tjurber (1894 - 1961) , escritor, humorista e cartunista americano.

Neste século XXI necessitamos vencer o medo , a barbárie,  a inveja , a intolerância, a perfídia , a insensatez , e , especialmente , o  diabinho viral vindo do Norte com o Carnaval !
Muito menos , deixar fenecer " a última flor" para dar partida a uma nova aventura de resgate ao nosso sofrido planeta Terra. 

Como será o Novo Mundo ? 

"Não,  esta noite amor/não  pensei mais em ti/abri os olhos /para pensar em torno de mim/e em torno de mim/girava o mundo como sempre/gira, o mundo gira/no espaço sem fim/com os amores apenas nascidos /com os amores já acabados/com a felicidade e com a dor/das pessoas como eu/O mundo/somente agora, eu te vejo/em teu silêncio eu me perco/e não sou nada a teu lado/ O mundo/não parou nunca um momento/ a noite persegue o dia/e o dia virá!"

Composição musical " O Mundo " , da autoria de Jimmy Fontana (1934 - 2013 ) , cantor , compositor e ator italiano.