sábado, 24 de outubro de 2015

AMORES OUTONAIS
Para uma fada de verdade : Lina

“ Este seu olhar / quando encontra o meu / fala de uma coisa / que eu não posso acreditar / doce é sonhar, é pensar que você / gosta de mim como eu de você / mas a ilusão quando se desfaz / dói no coração de quem sonhou  , sonhou demais / ah! se eu pudesse entender / o que dizem os seus olhos “ .    Este Seu Olhar ,  de Tom Jobim .
O filósofo, psicanalista , cronista  e poeta octogenário , cumpriu a contento mais uma concorrida conferência . Na primeira fila da plateia , uma bela balzaquiana trocara olhares faiscantes com o palestrante em pauta . Dali nasceu um inesperado convite para um romântico jantar sob a luz de candelabros . O outonal amante caprichou na brilhantina para segurar os parcos fios de prata restantes na alva cabeça  , solfejando baixinho , no prematuro gozo das delícias esperadas da iniciante noite :
“ Meus cabelos cor- de – prata / são beijos de serenata / que a lua mandou pra mim / os meus cabelos grisalhos / são pingos brancos de orvalho / num tinteiro de nanquim / estes meus cabelos brancos / que hoje são da cor dos bancos /solitários de um jardim / já sentiram muitos segredos / que elas contavam pra mim / se hoje , estão já desbotados / é porque foram beijados / com muito amor e emoção / e os beijos foram tão puros / que os meus cabelos escuros  / estão da cor do algodão /  eu fiz tanta serenata / que a lua , desfeita em prata / mandou mil beijos pra mim / e os beijos foram tão puros / que os meus cabelos escuros / ficaram brancos ..  assim ! “ .       Cabelos Cor de Prata ,  de Rogaciano Leite .
O filósofo fagueiro cedo chegou ao restaurante , ansioso para o grande prelúdio de logo mais . No horário combinado desponta em pura luz aquela beleza altiva parecendo uma fada com direito a varinha de condão e tudo mais . Ao fazer menção para se erguer da cadeira o provecto galã foi contido num segundo pela prudente dama :
“ – Não , não , cuidado para não se machucar . Não vá cair , vôzinho ! “ . Pronto . Foi uma ducha de água fria no ardente mancebo .  Acabou ali  , de chofre , o sonho de uma noite de verão.  
“ Se queres saber / se eu te amo ainda / procura entender / a minha mágoa infinda / olha bem nos meus olhos / quando eu falo contigo /e vê quanta coisa / eles dizem que eu não digo /  o olhar de quem ama diz / o que o coração não quer / nunca mais eu serei feliz / enquanto vida eu tiver “ .       Se Queres Saber , de Peterpan .

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

UM COMPOSITOR / POETA (QUASE) ESQUECIDO

“ E então eu fiz um bem / dos males que passei / fiz do amor uma saudade de você / e nunca mais amei / deixei nos olhos teus / meu último olhar / e ao bem do amor /eu disse adeus / caminho o meu caminho / e nos lugares que passei/ as pedras do caminho / são o pranto que chorei / escondo em minhas mãos / carinhos que eram teus / e guardo tua voz / no poema do adeus” .           Poema do Adeus  , de Luiz Antônio .
“ Você errou quando olhou pra mim / uma esperança fez nascer em mim/ depois levou pra tão longe de nós / seu olhar no meu , a sua voz / você deixou , sem querer deixar / uma saudade enorme em seu lugar / depois nós dois , cada qual a mercê do seu destino / você sem mim , eu sem você / saudade ,  meu moleque de recado / não diga que eu me encontro neste estado ! /    
Recado  , de Luiz Antônio .
Antônio de Pádua Vieira da Costa , ou melhor , Luiz Antônio , veio ao mundo no dia 16 de abril de 1921 ,  no estado do Rio de Janeiro  , onde faleceu no dia 1° de dezembro de 1996 . Conhecido também como Coronel ou Negro Antônio , era um boêmio e flamenguista , compositor de vários sucessos da Música Popular Brasileira . Entre seus inúmeros parceiros destacam – se : Djalma Ferreira ( o mais fiel de todos ) , Jota Junior , Klecius Caldas e Oldemar Magalhães .
Estudou no Colégio Militar e na Escola Militar de Realengo e seguiu carreira , onde  conheceu alguns compositores de farda que tornaram – se seus parceiros . Miltinho , Helena de Lima , Maysa , Dóris Monteiro , Elizeth Cardoso , Linda Batista ,Elza Soares , Marlene , Cauby Peixoto , formaram um  seleto time de cantores que  ajudaram na difusão  das muitas composições de Luiz Antônio .
“ Você mulher / que já viveu / que já sofreu / não minta / um triste adeus / nos olhos seus / a gente vê / mulher de trinta / no meu olhar / na minha voz / um novo mundo sinta / é bom sonhar / sonhemos nós / eu e você / mulher de trinta / o amanhã sempre vem / e o amanhã pode trazer alguém “ .    Mulher de Trinta ,  de Luiz Antônio .
“ Vai barracão , pendurado no morro / e pedindo socorro , a cidade a seus pés / vai barracão , tua voz eu escuto  / não te esqueço um minuto / porque sei que tu és / barracão de zinco , tradição do meu país / barracão de zinco , pobre és tão infeliz “  .       Barracão  , de Luiz Antônio
Luiz Antônio guardou sua biografia de uma vida gloriosa de 75 anos, na mais completa discrição , longe dos holofotes e das fofocas  . Suas belas composições musicais , estas sim ,  marcarão presença  no panteão reservado aos  grandes nomes da Música Popular Brasileira .



domingo, 18 de outubro de 2015

DIA DO MÉDICO 2015

Presume – se que tenhas uma generosa e pura   alma  , caro irmão de jaleco branco . Que carregues no âmago de teu peito um franciscano amor a teus semelhantes . Que te acostumes a viver as  madrugadas às claras , enquanto embalas o sono da humanidade . Que aprendas a segurar o choro e a inquietação diante da indesejada das gentes e dos demais dramas da vida . Saiba que não terás as prerrogativas de adoecer nem de amolecer o teu cansado e machucado coração .  Apiedo – me de ti quando brotam de teus olhos , furtivas  e incômodas lágrimas diante do sofrimento  de teu senhor , o nobre paciente em apuros  .
Lembra –te , contudo ,  de que homem que é homem  não chora e assim sendo , engula o choro !
Por favor  , não conte com agrados ou favores  extras . Alguém , em algum momento crítico lhe jogará ao colo a impertinente pergunta  :  “ – Doutor , cadê o teu  juramento de Hipócrates ? “ .
Cabe salientar que o venerando Pai da Medicina nunca  procurou endeusar  a simples  figura daquele que apenas  peleja pela saúde de seus semelhantes  .
Caso  , mesmo tomando conhecimento  de todos estes óbices , tu , irmão de branco , segue em frente com tua dura jornada de três turnos : parabéns ! , e saiba que , humildemente , sigo a teu lado , para o que der e vier .

Que Deus te ilumine e guarde , meu querido irmão , hoje e sempre . Feliz Dia do  Médico !

quarta-feira, 14 de outubro de 2015


SOBRE GATOS  , BOIS E O  BICHO – HOMEM

Choveram  gatos sobre a Ilha de Bornéu no ano de 1960 , caindo de para- quedas sob a orientação de uma entidade mundial de saúde pública ( OMS ) . A finalidade última era repovoar aquele pedaço de chão  , em franco desequilíbrio após a devastação provocada pelo defensivo agrícola DDT . Outrora ali os felinos comiam as lagartixas  , que comiam as baratas , que comiam as vespas , que comiam os mosquitos . Entra no cenário o bicho – homem com sua empáfia e o malsucedido  DDT numa esdrúxula e fatal   combinação .

Esta triste história faz parte do acervo do mago  escritor uruguaio Eduardo Galeano ( 1940 – 2015 ) .

No bucólico e paradisíaco Estado do Pará  , em nosso Brasil lindo e trigueiro , em pleno ano de 2015 , um navio vai a pique levando cerca de cinco mil pobres bovinos à morte . Uma empresa de alimentos  proprietária dos animais , que leva o nome de uma das deusas gregas ( Minerva ) , passou a responsabilidade para quem fazia  o transporte marítimo daquelas criaturas .

Quanto ao destino triste destes   bovinos , a morte ,  nenhuma lágrima sequer dos humanos , a não ser do Irmão São Francisco , que a  estas horas nunca falta .  Mais uma tragédia anunciada a se consumar neste  mundo , bem  à  nossa vista  .

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

                      UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA / MONTEIRO LOBATO
 
“ Chamava – se João Teodoro , só . O mais pacato e modesto dos homens . Honestíssimo e lealíssimo , com um defeito apenas : não dar o mínimo valor a si próprio . Para João Teodoro , a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro . Nunca fora nada na vida , nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa .  E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam : mudar – se para uma terra melhor . Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o desaparecimento visível de sua Itaoca .
- Isto já foi muito melhor , dizia consigo .Já teve três médicos , bem , agora , só um e bem ruinzote . Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço a um rábula ordinário como o Tenório . Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui . A gente que presta se muda .  Fica o restolho . Decididamente a minha Itaoca está se acabando .
João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar – se , mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo concerto ou arranjo possível .
- É isso , deliberou lá por dentro . Quando verificar que tudo está perdido , que Itaoca não vale mais nada de nada , então arrumo a trouxa , e boto – me fora daqui .
Um dia aconteceu a grande novidade : a nomeação de João Teodoro para delegado . Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma cacetada no crânio  . Delegado , ele ? Ele que não era nada , nunca fora nada , não queria ser nada , não se julgava capaz de nada...
Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa  seríssima . Não há cargo mais  importante . É o homem que prende os outros , que solta , que manda dar sovas , que vai à capital falar com o governo . Uma coisa colossal ser delegado  -  e estava ele , João Teodoro , de-le-ga-do de Itaoca !...
João Teodoro caiu em meditação profunda . Passou a noite em claro , pensando e arrumando as malas . Pela madrugada , botou –as num burro , montou no seu cavalinho magro e partiu .
Antes de deixar a cidade foi visto por um amigo madrugador .
_ Que é isso João ? para onde se atira tão cedo , assim de armas e bagagens ?
_ Vou – me embora , respondeu o retirante . Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim .
_  Mas como? Agora que você está delegado ?
_ Justamente por isso . Terra em que João Teodoro chega a delegado , eu não moro . Adeus .
E sumiu  . “
Extraído do livro publicado em 1919 ,  Cidades Mortas , de Monteiro Lobato ( 1882 – 1948 ) , “ Um Homem de Consciência “ descreve a situação de um simplório e pacato cidadão  de Itaoca que se vê obrigado a deixar tudo para trás por conta daquele marasmo e por não acreditar em si mesmo . Muitos “ João Teodoros “   mourejam  em Pindorama , mudos , bovinos ,  caminhando sem eira nem beira  , passivamente , rumo ao abatedouro .  Os circos de Pindorama concentram – se no planalto central com velhos palhaços sem  graça , repetindo as mesmas piadas grosseiras , com palavras de baixo calão .
Delegados de fibra  , os pouco existentes , vivem com a corda no pescoço , laçados pelos áulicos do poder . Os magistrados  , muitos com estrambóticos nomes difíceis de escrever e pronunciar não se definem em que lado pelejam , do lado do  povo ou dos poderosos  .
Muitos cidadãos e cidadãs de Pindorama sonham  em migrar para Shangri –las  como Miami , Canadá e  Austrália . Para destinos como as “ paradisíacas “  Venezuela , Cuba e Bolívia , ninguém se aventurou em pedir abrigo . Estes “ João Teodoros “  de Pindorama parecem tolos , mas não são loucos ! .






domingo, 4 de outubro de 2015

NÃO SEI DANÇAR / FORTALEZA ANTIGA

Fortaleza adolescente com vestido de chita , à época não conhecia televisão , com a graça de Deus , e vivia a era de ouro do rádio . Na orla marítima da capital cearense , aos domingos , em plena luz do dia , clubes como o “ Massapeense e o “ Quixadaense , faziam a diversão dos casais em meio a sambas e boleros executados , invariavelmente ,  pelos conjuntos  regionais de “ Canhoto “ , “ Moreira Filho “ e “ Ivanildo “ . O salão de danças enchia quando se executava “ Besame Mucho “ com os arranjos melosos emprestados  de Ray Connif . Fora do clube , se esgueirando pelo muro baixo o “ canelau “ assistia maravilhado ao baile , os marmanjos com calções alugados e as garotas com maiôs Catalina , numa proximidade pra lá de gostosa .  Os casais mais afoitos dançando colados demais e com os olhos fechados eram delicadamente afastados por um dirigente do clube  .  Ah ! belos tempos de domingo ! . Era uma pândega ! .
Saudades do pernambucano  Manuel Bandeira , aquele dentuço que “ engoliu um piano , deixando o teclado do lado de fora “ , com um poema que abre seu livro  Libertinagem : “ Não sei dançar “ :
“ Uns tomam Éter , outros cocaína .
Eu já tomei tristeza , hoje tomo alegria .
Tenho todos os motivos menos um de ser triste .
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria ...
Abaixo Amiel !
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff .
Sim, já perdi pai , mãe , irmãos .
Perdi a saúde também .
É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz – band .
Uns tomam Éter , outros cocaína .
Eu tomo alegria !
Eis aí por que vim assistir a este baile de terça – feira gorda .
Mistura muito excelente de chás ...
Esta foi Açafata ...
- Não , foi arrumadeira .
E está dançando com o ex – prefeito municipal :
Tão Brasil !
De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil ...
Há até a  fração incipiente amarela
Na figura de um japonês .
O japonês também dança o maxixe :
Acugelê banzai !
A filha do usineiro de Campos
Olha com repugnância
Para a crioula imoral .
No entanto o que faz a indecência da outra
É dengue nos olhos maravilhosos da moça .
E aquele cair de ombros ...
Mas ela não sabe ...
Tão Brasil !
Ninguém se lembra de política ...
Nem dos oito mil quilômetros de costa...
O algodão de Seridó é o melhor do mundo ? ... que me importa?
Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos .
A sereia sibila e o ganzá do jazz – band batuca .
Eu tomo  alegria ! “

SOBRE MARX E HEGEL , EN PASSANT

Existem palavras que nascem como fantasmas para aterrorizar  incautas criaturas  . Exemplos : fuzilamento , guilhotina , paredão , enforcamento , e , mais recentemente , impeachment ( impedimento legal ) . Esta derradeira palavra mágica quando vem à baila , provoca  pavor    nos áulicos do poder pátrio , que logo pensam em golpes perpetrados por coxinhas . Ledo engano  , senhores . O impedimento trata  – se de um legítimo instrumento  democrático , a serviço do bem público e com estrita sustentação jurídica .  Significa ,  por  grilhões em alguém , cidadão ou cidadã , não importa , impedindo sua movimentação . Ponto final .
Exemplos não faltam em nossa pobre história de uma imberbe democracia  , sem deixar escapar nem a figura polêmica de um baixote cheio de salamaleques ( não , não se trata de quem muitos de vocês estão pensando ! ) . O fato deu – se em 1953 , na pátria amada , idolatrada , com o dito “ pai dos pobres “ , aquele que “ saiu da vida para entrar na história “ , e , neste caso , o pedido de impeachment  correu  por conta de uma transação meio suspeita com o Banco do Brasil . Não deu em nada , terminando em pizza , uma vez mais , por genuína incompetência da oposição :  “  a história se repetindo , primeiro como tragédia e depois como farsa , conforme rezava um barbudo que tinha ojeriza ao trabalho ( Karl Marx ) , que apenas modificou o dito de outro alemão ( Hegel ) : “  um acontecimento histórico acontece , não uma , mas duas vezes “ . Aqui em Pindorama é todo dia ( ad aeternum )   a descoberta de uma nova  falcatrua desmentindo os dois ilustres filósofos germânicos  .

Calma  ,  pessoal , ainda falta muito , para o mundo se acabar . Tenham fé em Deus  ,  bando de incréus ! . Isto é  só  uma “  marolinha “    por circunstâncias externas ,  e  logo passa ! .

sábado, 3 de outubro de 2015

CAPISTRANO DE ABREU  , UM NOBRE CEARENSE

Em  recente aparição pública , uma figura política falava para uma plateia atenta de cidadãos e cidadãs de Pindorama . Na primeira fila e citados nominalmente  ,vislumbravam – se vetustos e carimbados representantes cabeças – chatas , ou mais claramente , três políticos cearenses . Logo me veio à mente as palavras do nobre  historiador  Capistrano de Abreu :  “ Eu proporia que se substituíssem todos os capítulos da constituição por  : - artigo único : todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara ! “ .
Nesta aridez de deserto que ora vivemos  , quanta falta faz uma figura da estatura moral de um cearense de vergonha como Capistrano de Abreu .
João Capistrano de Abreu , historiador e geógrafo brasileiro , nasceu a 23 de outubro de 1853 , no município de Maranguape , no estado do Ceará , e faleceu a 13 de agosto de 1927, no Rio de Janeiro . Filho primogênito do casal Jerônimo Honório de Abreu e Antônia Vieira de Abreu . Estudou em Fortaleza e Recife , depois migrou para o Rio de Janeiro onde trunfou brilhantemente num rigoroso concurso para lente do Colégio Pedro II , na disciplina de História , no ano de 1883 . Bem moço ainda , dotado de brilhante inteligência e estudioso inveterado , logo despontou nos estudos da Historiografia , Corografia e Etnografia . Foi , com efeito , o maior historiador brasileiro ,intérprete arguto e crítico penetrante dos fatos de nossa formação histórica . Na sua opulenta bibliografia cabe destacar : O Descobrimento do  Brasil ( 1929 ) , Capítulos da História Colonial ( 1934 ) , Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil ( 1930 ) , Ensaios e Estudos ( 1931 ) ,  e , Correspondências ( 1938 ) .
Capistrano  , uma vez convidado para fazer parte da Academia Brasileira de Letras , declarou , escusando – se , que a única sociedade de que fazia parte era o gênero humano , e isso mesmo porque não podia demitir – se .
Os livros que deixou constituíam para ele , simples notas de uso pessoal , de que , pode – se dizer , os amigos se apossaram . Ele , por sua vontade , os teria destruído a todos , para que não ficasse na terra vestígio algum de sua passagem .

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

CAIO CID  : CRONISTA , POETA E BOÊMIO

Carlos Cavalcanti ( Caio Cid ) , nasceu na Serra de Aratanha ,  município de Pacatuba , no Ceará , em  22 de fevereiro de 1904 . Filho de Raimundo Pereira Cavalcante e Agripina Soares Cavalcante   .
Cronista  , contista , poeta e , genuinamente boêmio . Militou em jornais de Fortaleza ( O  Povo e Correio do Ceará ) onde mantinha uma crônica diária , acompanhada por fiéis seguidores . Ali se desnudava um homem de bom coração  , sensível , com poemas em prosa , abordando  fatos prosaicos do cotidiano .  Vivia cercado de  intelectuais , artistas e notívagos da cidade , como , Demócrito Rocha , Otacílio de Azevedo , Otávio Lobo  e Leonardo Mota .
Publicou  : Aleuda ( 1934 ) , Aguapés ( 1935 ) , Gitirana ( 1938 )  e Canapum ( 1950 ) .
Atuou na imprensa do Rio de Janeiro por um curto  período , e é desta época que destacamos uma primorosa crônica poética constando do livro Canapum  ,  intitulada ,  Meu Amor Ficou no Hotel  :
“ Ninguém pense que viajei sozinho de Fortaleza para o Rio  , que vim de lá solteiro , livre , sem responsabilidade . Trouxe comigo uma delicada companheira , uma criatura que não se conformou em me ver sair abandonado , como um sujeito sem amor e sem merecimento .
Durante a longa travessia aérea , minha doce amiga não se manifestou , não exigiu nada , não revelou o menor aborrecimento. Quietinha no seu lugar , ligada ao meu destino de sua espontânea vontade , mantendo – se firme no avião , corajosa e bem disposta . Nunca me disse uma palavra de arrependimento , nunca  deu o menor sinal de receio .
Quando o “ Capitanea “ pousou serenamente na Ponta do Calabouço , desci meio tonto , apanhei um taxe , levando comigo a destemida e dedicada jovem , cuja atitude ainda era a mesma que mantivera em toda a viagem .
Já no quarto que me fora reservado no Hotel Mem de Sá – uma verdadeira armadilha à bolsa dos adventícios – abri  a malota  , banhei o rosto , fiz que estava muito à vontade e dirigi  a palavra àquela que não trepidara em  acompanhar – me :
- Bem , minha filha : agora fique no hotel para repousar um pouco , enquanto vou fazer o meu primeiro contato com a cidade misteriosa . Não se impressione . Tome conta da cama e durma um sono , se puder . Voltarei dentro de uma hora e meia .
Na Galeria Cruzeiro , ainda com o ronco dos motores na cabeça  , fui logo abraçando os primeiros conterrâneos . Cada um se mostrava mais espantado com a minha presença , como se eu tivesse sido condenado a vinte anos de Fernando de Noronha  e de repente surgisse no Rio de Janeiro .
Mas a maior sensação que produzi no seio da turma foi quando declarei que havia trazido uma cearense comigo , uma belezinha do norte , uma franzina e ingênua filha da terra de Iracema .
Todos ficaram logo muito esquentados e dois ou três dos malandros  pediam com insistência que eu os levasse imediatamente ao hotel , pois faziam muito empenho em conhecer de perto a minha pequena . Manobrei com jeito e consegui despistar o time , alegando que deixara para depois a apresentação solicitada , uma vez que a menina descera do avião muito enfadada, sendo inoportuno incomoda  - la na mesma noite de chegada .
Embora contrariados , tiveram que ceder às minhas razões e eu me fui embora , depressa para o hotel , com o pensamento na pobrezinha que tão pacientemente me esperava naquele ambiente estranho .
Encontrei – a passeando sobre a colcha da cama – colcha de alvura duvidosa – sempre calma , sempre dócil , como se fosse minha escrava , sem desejos e sem direitos a reclamar . Acariciei – a com aponta do dedo , querendo premia  –la  pela constância com que me esperou tanto tempo sem a mínima reclamação .
Arranjei uma caixinha de sabonete , furei o papelão em várias partes , para garantir – lhe a entrada de ar , e pus lá dentro um torrão de açúcar , ao lado de um pedacinho de laranja .
Infelizmente ,  no quarto dia tive  de lamentar a morte de minha querida companheira . Ao abrir a caixa para renovar o alimento , meus olhos caíram sobre o pequenino  cadáver  .  Permaneci calado por alguns minutos , emocionado e pensativo .
Cavei um buraquinho na parede e ali sepultei a inditosa formiga – de – roça , a imprudente cearense que viera clandestinamente no fundo de minha malota de viagem .

Nunca mais a esquecerei . Tenho a impressão de que fiquei viúvo !  “ .