segunda-feira, 30 de abril de 2018

O Livro


Para o bibliófilo e mestre Eurípedes Chaves Jr.

Michel de Montaigne (1533-1592) em seus clássicos "Ensaios " fez uma comparação entre os três gêneros de convivência: "as mulheres belas e honestas; as amizades raras e refinadas; e por fim , os livros", que considera mais proveitosos e salutares que as duas ligações :
"Esses dois relacionamentos ( o amor e a amizade) são fortuitos e dependentes de outrem. Um é difícil por sua raridade, o outro murcha com a idade; ambos não atenderam suficientemente às necessidades de minha vida. O dos livros, é muito mais seguro e mais nosso. Cede aos primeiros as outras vantagens, mas , por sua vez, tem a constância e a facilidade de seu serviço. Este me acompanha em todo meu percurso e me assiste em tudo. Consola-me na velhice e na solidão; alivia-me do peso de uma ociosidade tediosa; desembaraça-me a qualquer momento das companhias que me desagradam ;embota os aguilhões da dor, se não for extrema e dominante. Para distrair-me de uma fantasia importuna, basta recorrer aos livros; eles facilmente me desviam para si e subtraem-na de mim. E, além disso, não se revelam por ver que só os procuro na falta daquelas outras satisfações, mais reais, mais vivas e naturais; recebem-me sempre com a mesma fisionomia"

Os livros são presenças sempre benevolentes, dotadas de equanimidade, ao passo que os amigos e as amantes sofrem variações de humor. 

Em andanças pelos sebos do centro de nossa Bela Desposada do Sol , um aprendiz de pastor de almas, toma contato com ilustres conterrâneos, lado a lado, morando em balouçantes prateleiras. Todos esperam um afago de uma mão amiga. Uns vestidos em roupas pomposas , capa dura; outros mais humildes, em brochuras envelhecidas pelo rigor dos tempos. Como os estimo!
Fica um sincero agradecimento aos mantenedores dos sebos que congregam a confraria dos formadores de nossa rica Literatura Cearense.
 — em  Praia Porto das Dunas.

sexta-feira, 27 de abril de 2018


EXORTAÇÃO AO HOMEM PRÁTICO

AO DR FLORENTINO CARDOSO


“Homem prático, que passas correndo pela rua/contém o passo – que o teu esforço é inútil/olha que eu sigo ao teu lado/calmo, sereno, devagar/com os olhos cheios de paisagens/os ouvidos bêbados de música/e a mente enflorada de sonhos.../vê bem: por mais que te apresses/por mais que avances/nunca me vencerás nesta corrida/bem sei que és forte – mas eu também sou forte!/depois, só há um ponto de partida: a Vida/só existe um ponto de chegada: a Morte/e enfim, sobre o caminho percorrido/tu, homem prático, deixarás apenas/o pó que levantastes do solo/com suas passadas estrepitantes/e eu? Ah! Eu deixarei um pouco de mim mesmo/sobre os cardos/sobre as pedras/para tornar mais suave a caminhada/dos que vierem depois de mim...”

Poema Exortação ao Homem Prático, de autoria do cearense Antônio Filgueiras Lima (1909 – 1965), que faz parte do livro Ritmo Essencial, lançado em 1944.

Faz 13,7 bilhões de anos que irrompeu um ponto de inimaginável densidade, prenhe de energia imensa, como tamanho, trilhões e trilhões de vezes menor que a cabeça de um alfinete, explodindo no Big – Bang (Fred Hoyle, 1949). Aí emergiu o espaço – tempo e suas partículas primordiais, da qual fazemos parte como simples poeiras das estrelas, compostos de hádrions, prótons, nêutrons, pósitrons e antimatéria. Todo o processo evolutivo carrega em seu bojo o caos de onde tudo proveio e grande explosão cuja radiação vibra até hoje por todo o universo. A expansão, a auto -organização, a complexidade, são formas pelas quais o próprio universo domestica o caos. Ordem e desordem, caos e cosmos, criação e destruição.
E o bicho-homem defendendo com unhas e dentes um naco de vida com outros seres viventes, pendurados na superfície da nave - mãe Terra, girando e girando, dando passagem a transformação da lagarta em borboleta.
 Aí mora a beleza da vida, o eterno porvir, a mudança benfazeja!





GATO POR LEBRE

Conta-se que, em certa pensão, sempre se anunciava , no cardápio do almoço, lebre ensopada , pastéis de lebre. E sempre ali havia duas ou três lebres expostas, numa espécie de vitrine. Notaram, porém, os hóspedes que as lebres sempre lá estavam e com frequência viam, no quintal, couros de gato, secando discretamente, ao sol.
Não há dúvida: ali se passava gato por lebre.
Mas há muitos outros modos de passar gato por lebre. Um camponês arranjou para o seu cavalo uns óculos verdes. Na falta de forragem verde, o animal comia folha seca, sem relutância.
É também passar gato por lebre defender a pátria com palavras, dilapidando--lhe o tesouro; proclamar a liberdade de consciência e condenar a crença católica; enriquecer-se, propagando a necessidade da propriedade em comum, ou de repartição de bens; fazer-se passar por homem de bem, enquanto, às ocultas, só se merecem censuras da própria consciência.

Crônica de A. A. Lustosa ( 1886- 1974) , Arcebispo - emérito de Fortaleza , que integra o livro Respingando, lançado no ano de 1958.

Hoje , 60 anos passados, no Brasil , relativo aos três poderes da nação, muito malandro vende gato por lebre com a maior cara de pau do mundo.
Acorda, Brasil, senão o bicho pega !

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Um alpendre , uma rede, um açude
Para Ricardo Eleutério


"Claro que esses três são apenas os termos essenciais : o alpendre é o abrigo, a rede o repouso , o açude a garantia de água e vida. Mas fora isso, há os complementos- a casa, por exemplo . Fica a cavaleiro do alto é além do alpendre largo de três metros que dê uma boa rede atravessada, tem a sala ladrilhada de tijolos de barro vermelho, com a mesa e os tamboretes; a camarinha com o baú e a outra rede que a gente procura nas horas frias da madrugada; o corredor e a cozinha , com o fogão de terra ao canto, o pilão deitado e a cantareira dos potes bem fresca, posta na correnteza do ar.
À mão direita da casa o roçado - só uma garra de terra com quatro pés de milho e feijão para se ter o que comer verde. O chiqueiro da criação, com a sua dúzia de cabeças, entre cabras é ovelhas. Talvez uma vaca dando leite.
E o açude pequeno e fundo, ali ao pé, tão perto que não seja um esforço apanhar uma cabaça de água ou descer de casa para mergulhar e refrescar o corpo , nas horas de sol mais forte.
Um anzol pequeno de cará, um anzol maior de traíra, talvez uma espingardinha de chumbo para atirar num mergulhão ou numa marreca . O pau de matar cobra, o caco de enxada, o facão, a cuia de tirar leite.
Nada mais. Nem trabalho, nem ambição. Nem algodoal de colheita rica, nem pomar, nem curral cheio de gado fino. Nem baixio plantado de cana , nem engenho, nem alambique. Logo adiante do terreiro batido, o mato cresce por si, sem carecer de plantio nem limpa - Deus o faz nascer em janeiro e o próprio Deus o seca em julho.
Só a paz, o silêncio, a preguiça. O ar fino da manhã, o café ralo, a perspectiva do dia inteiro sem compromisso nem pressa. Vez por outra, um conhecido que chega conta as novidades, bebe um caneco d'água, ganha de novo a estrada.
Qualquer coisa enche a panela e o estômago, que o corpo quando dá pouco , pede pouco.
O esforço maior será mesmo o roçado, que é mister secar ao menos com uma ramada de garrancho espinhento, abrir as covas, plantar ao romper das primeiras chuvas, dar uma ou duas limpas de enxada antes de apanhar o feijão e quebrar o milho. Assim mesmo, se se atirar aqui e além umas sementes de melão, jerimum ou cabaça, a rama alastra entre as covas do legume e não deixa o mato crescer.
No mês janeiro rebenta verdinha a babugem do chão e as galinhas-d'angola semi-selvagens que moram no juazeiro do quintal começam a tirar suas ninhadas. Com o crescer das águas cresce o pasto, as cabras, as cabras e a vaca dão cria. Se o ano for de bom inverno, talvez então o açude sangre, e o peixe sobe em cardume pela cachoeirinha do sangradouro, tanto é tão desnorteado que até se pega com a mão. No mês de maio as moitas de mofumbo se abrem todas em flores amarelas e enchem o ar com seu cheiro doce de mimosa; em maio, também devem estar em flor as aguapés na tona do açude.
Em junho se quebra o milho e em julho é a floração dos pau-d'arcos; quase no mesmo tempo começa a murchar a rama. Em agosto o mato perde a folha, que em setembro já forma um tapete quebradiço e ininterrupto no chão.
Daí por diante, com a caatinga seca, o mato cor-de-cinza na terra cor-de-cinza, por baixo do sol limpo e azul, começa a grande paz do verão. Os bichos pastam o capim seco e vêm beber pacificamente, sempre no mesmo lugar e a horas certas. A rede do alpendre balança e refresca na hora do mormaço e recebe a gente no colo, maternalmente.
E embora aconteça que o verão se prolongue janeiro afora, não venha chuva, e o ano for péssimo - para isso mesmo ali está o açude com água para três anos. Ali estão os juazeiro, o pé de mandacaru para de tarde se dar rama à vaquinha e ao garrote. As cabras deixe estar que elas cuidam de si - as ovelhas é que talvez morram - mas que falta faz uma ovelha ?
O chão não se acaba - e afinal de contas só do chão precisa o homem - para sobre ele andar enquanto vivo, e no seu seio repousar, depois de morto "
Crônica da cearense Rachel de Queiroz ( 1910-2003) escrita em 23/8/1947.
NO CEARÁ É ASSIM


Para o Dr. João Brito



A história do Ceará é um poema de dores, porque a vida dos cearenses é um martírio de três séculos. Martírio imenso que se adensa na assombrosa desgraça dos tempos calamitosos, e se condensa na superlativa intensidade dos maiores sofrimentos físicos e morais.
Mas depois do poema de amor, vem a dor, vem o poema da glória, depois das angústias do sofrimento, a epopéia da liberdade, depois da palavra do martírio, a consagração do heroísmo.

A glória do povo cearense é cair como mártir e levantar-se como herói.
Somos um pugilo de gigantes num imenso País de Bravos, proclamando aos quatro ventos o brado triunfal dos heróis:

-"Sou pobre , mas só quero luz; sou pequeno, mas só fito as alturas; nasci para a luta, mas vivo para a glória - a imortalidade é minha."
Na constelação fulgurante dos Estados Unidos do Brasil podem existir, e existem realmente, Estados mais poderosos, mais opulentos, de tradições mais pomposas, de vida mais brilhante e de história mais vezes secular. 


Nenhum, porém, conheço eu , mais fidalgo , nem mais heróico, de tradições mais comoventes, de vida mais intensa nem de histórias gloriosas, que o nosso querido Ceará:
Padre Valdevino Nogueira .

Desata-te das amarras que , atualmente , te prendem , meu querido torrão, os teus filhos de verdade te clamam !

Nascer no Ceará é uma predestinação:

É o sofrimento que faz do cearense um herói. Fugindo à terra-mãe, que torna madrasta, e do céu cativo , que torna de bronze, aonde chega e se instala, se impõe e vence, em qualquer mister em que empregue a sua atividade.
Nascer no Ceará é uma predestinação. Pela fé, de joelhos, vive o cearense, de pé, pelo heroísmo, enfrenta o destino:
Monsenhor Quinderé.

Padre Valdevino Nogueira e Monsenhor Quinderé, dois grandes filhos do Ceará, estão presentes no livro "O Ceará é Assim" da autoria de Filgueira Lima (1915-1994) , um grande educador cearense (1976).
— em  Porto Das Dunas.

quinta-feira, 19 de abril de 2018


O MUNDO, NOVAMENTE, EM COMPASSO DE ESPERA


“O mundo hoje está suspenso por um fio, e essa é a psique do homem... Não é a realidade da bomba de hidrogênio que devemos temer, mas o que o homem fará com ela. Todo o futuro, toda a história do mundo, é em última instância uma gigantesca síntese dessas fontes ocultas nos indivíduos. Em nossa vida privada e subjetiva não somos apenas testemunhas passivas de nossa época e suas vítimas, mas também seus criadores. Nós construímos nossa época.

Como no início da era cristã, estamos novamente enfrentando o problema do atraso moral que não conseguiu manter o ritmo de nosso progresso científico, técnico e social... Tudo agora depende do homem. Um imenso poder de destruição está em suas mãos, e a questão é saber se ele pode resistir à vontade de usá-lo e dosar essa vontade com o espírito do amor e da sabedoria. Dificilmente ele será capaz de fazer isso com seus próprios recursos. Precisa da ajuda de um “advogado” do céu”

Palavras de Carl Gustav Jung (1875-1961), psiquiatra, um curador ferido de almas, em seus últimos anos de vida terrena diante dos acontecimentos como a dominação soviética da Hungria, a crise de Suez e a invasão chinesa do Tibete.

Hoje, meio século depois, o homem, lobo do homem, deixa o mundo, novamente, com o fôlego retido, sob o tacão de estranhos senhores que representam algumas potências militares. É o futuro da humanidade ao alcance de um patético botão numa mesa de comando.

O pacifista Carl Jung, assim se expressou numa carta, já perto de sua partida definitiva:

“Todas as riquezas que pareço possuir são também minha pobreza, minha solidão no mundo. Quanto mais pareço possuir, mais continuo perdendo, agora que estou pronto para me aproximar da porta escura. Na vida, não procurei fracassos nem conquistas. Tudo que veio a mim com uma força que não era minha. Tudo o que adquiri serve a um propósito que não previ. Tudo tinha que me ser tirado e nada permanece meu. Não é fácil chegar à máxima pobreza e simplicidade. Mas ela nos encontra, espontaneamente, a caminho do fim da existência”




ANATOMIA DA MELANCOLIA HOJE NO BRASIL


“O homem é a mais excelsa e nobre das criaturas do mundo, a mais potente obra de Deus, a maravilha das maravilhas, ao dizer de Platão. É um microcosmo, um diminuto mundo, mas, senhor da Terra e vice-rei do mundo, amo e governante de todos os seres que povoam a terra, que lhe emprestam obediência. Ao princípio tem sido puro, divino, perfeita obra de Deus em verdadeira santidade e justiça.

Esta criatura, porém, a mais nobre de todas, decai de tal modo que degenera convertendo-se em um homúnculo miserável, um náufrago e ruim sujeito, inferior ao menor dos animais “

Excerto da obra “ Anatomia da Melancolia” escrita por Robert Burton (1576- 1639) no ano de 1621 e que até hoje mantém-se prenhe de verdades, caindo como luva nesse gigante de joelhos sobre a terra, o Brasil, versão 2018, sem rumo, a beira de um abissal despenhadeiro, assistindo, bovinamente,  severos senhores togados, em franca degenerescência, perfilados com execráveis malfeitores de colarinho branco, berrando um falso saber e exibindo um poder monocrático. Já dá para se ouvir as trombetas do Apocalipse. Acorda, gigante, da mortal letargia, pois amanhã será tarde demais.
Robert Burton (1576- 1539) nasceu em Lindley, Inglaterra no dia 08 de fevereiro de 1576 e faleceu em 1639. Escreveu “ Anatomia da Melancolia “ em 1621, logo convertido num clássico. O autor é nomeado como “ Montaigne inglês” e influiu em figuras como, Milton, Sterne e Byron.

sexta-feira, 13 de abril de 2018


AI DE TI, FORTALEZA
Para o Dr. Florentino Cardoso


“Inscrito nos muros de Fortaleza adormecida: Nós já nascemos envergando luto e comemos a ração dos próprios ossos”

Poema de Roberto Pontes, denominado Grafito de Fortaleza.

“Nem sabes o quanto te amo, minha Cidade/longe de ti, o alfanje da saudade/desenha no meu peito os verdes mares/o pôr-do-sol na Ponte e os singulares/coqueiros acenando à jangadinha/que torna das jornadas, à tardinha/a tua face tanto quero e amo/que inutilmente reclamo/a dor de tua ausência/minha Cidade, peço-te indulgência! /não me mates de tanto te querer! /em ti, se longe andar, fico a morrer/igual ao elefante em seu mistério/guardando o rumo de seu cemitério/por isso, lembro tuas fortes cores/as tuas dunas e os teus albores/ou as mãos de tuas rendeiras/e labirinteiras/lembro os coqueiros, o vento Aracati/os casquinhos de caranguejo e o frenesi/de tua Beira-Mar/oh, tuas cocadas, teus sucos de caju/ tuas cousas de outrora, teu Rio Pajeú/e esse teu céu vespertino e tutelar! /tudo em ti é canção/cidade de Nossa Senhora de Assunção/nas louras terras alemãs te sinto/tão gritante em mim que não te minto:/melhor fora não ter te conhecido/pois jamais ouvirias meu gemido/sofro por te querer/tens da rosa o poder/e te alças peregrina qual leve bailarina/a dançar com prazer/e assim é que vivo/de teus encantos para sempre cativo”

Poema “Fortaleza relembrada às margens do Reno” de autoria de Artur Eduardo Benevides.

Em meio a comemorações de aniversário de 292 anos de Fortaleza, rogamos aos Céus que sejam devolvidas as luzes à Nossa Bela Desposada do Sol. Necessitamos de um olhar mais firme das autoridades em itens primordiais como, Saúde, Educação, Saneamento, Segurança e Habitação. Esse clima símile a uma guerra civil ora vigente na capital e no interior do estado, precisa de um basta. A velha fórmula de pão e circo ou da avestruz escondendo a cabeça, já está provado à saciedade que não funciona. Que o vento Aracati leve para bem longe os miasmas pestilentos que povoam o sofrido torrão cearense.

Como defende Fernando Pessoa no Livro do Desassossego:

“Assim como lavamos o corpo, deveríamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa”.





terça-feira, 10 de abril de 2018

Seitas e Heresias
Para o Dr. Estêvão Zizzi

Seita, do latim "sequi" : seguir um mestre. Pode também significar "secare" : cortar, rejeitar. A falta de respostas a questões essenciais da vida estimula a proliferação de seitas : qual a finalidade da vida ? , o bem e mal , a morte , o sacrifício.
Normalmente se forma uma comunidade fechada, radical, onde "a verdade" não passa de uma mentira ( heresia ). Heresiarca é o fundador da seita herética.
No final do século passado, várias seitas se espalharam pelo mundo , deixando um rastro de inocentes mortos pelo caminho.
Em 1978 , o missionário americano Jim Jones foi responsável pela morte de cerca de 900 pessoas , através de envenenamento.
Em 1993, o líder religioso David Koresh matou 80 pessoas, incluindo 18 crianças.
Em 1997, a seita Portão do Céu levou 40 pessoas ao sacrifício.
No vasto território brasileiro registram - se várias seitas de fanáticos. No perfil dos seguidores destacam-se: pessoas desiludidas, intelectualmente confusas, emocionalmente carentes e sem objetivos na vida.
No fim , quase sempre a farsa termina em tragédia :
"Saí do bar no rumo de Copacabana/em pleno Campo de Santana recebi um santo /quem me viu disse que foi um espanto /que eu falei coisas meio um tanto ou quanto, sei lá /dizem que eu falava discursando / com um sotaque de baiano intelectual / e de repente, sem ter dó nem piedade /eu entrei na Faculdade de Direito Nacional/data vênia, homo sapiens! In vino veritas, liberta qua sera tamen! Dura lex sed lex! Ad libitum per capita, habeas corpus, pro labore /na faculdade escrevi regras e tratados /dei lição pro doutorado com muita ciência /só me chamavam de Vossa Excelência /me convidaram pra livre docência , pois é /discursei três horas sem pausa /fui doutor honoris causa e quase fui reitor /porém no meio desta história gloriosa /o caboclo de Rui Barbosa de mim desincorporou /memento homo, quia pulvis es et pulverem reverteris! Curriculum vitae, delirium tremens! Consumatun est , persona non grata!/eu já era um mestre consagrado /fui então chamado de Doutor Bebum /de catedrático, eu passei a lunático / um caso psiquiátrico, um alcoolatra comum/tudo isso culpa de um traçado /também fui misturar conhaque com rum /agora , quando eu passo, levo vaia /Águia de Haia, Rui Barbosa, um-sete-um !"
Música Águia de Haia, da autoria de Nei Lopes.
O Rio Jaguaribe no Ceará tinto de sangue


"O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta /por onde escorrre e se perde/o sangue do Ceará /o mar não se tinge de vermelho /porque o sangue do Ceará é azul.../todo plasma, toda hemoglobina /na sístole dos invernos vai perder - se no mar/há milênios. ..Desde que se rompeu a túnica das rochas/na explosão dos cataclismos /ou na erosão secular do calcário, do gnaise, do quartzo /da sílica natural /e a ruptura dos açudes. ../ quanto tempo perdido /e o pobre doente - o Ceará -anemiado/esquelético, pedinte e desnutrido /-a vasta rede capilar a queimar - se na soalheira - é o gigante com a artéria aberta /resistindo e morrendo /resistindo e morrendo /resistindo e morrendo /morrendo e resistindo .../(foi a espada de um deus que te feriu a carótida /a ti - Fênix do Brasil /(e o teu cérebro ainda pensa /e o teu coração ainda pulsa/e o teu pulmão ainda respira /e o teu braço ainda constrói /e o teu pé ainda emigra/e ainda povoa. ../as células mirradas do Ceará /quando o céu lhe dá a injeção de soro dos aguaceiros /as células mirradas do Ceará intumescem o protoplasma /(como os seus capuchinhos de algodão )/e nucleiam-se de verde /- é a cromatina dos roçados no sertão /(há se ela alcançasse um coágulo da rocha! /e o sangue a correr e ninguém o estanca. ../homens da pátria ouvi : salvai o Ceará !/quem é o presidente da República? /depressa, uma pinça hemostática em Orós /homens - o Ceará está morrendo /está esvaindo - se em sangue. ../ninguém o escuta, ninguém o escuta /e o gigante dobra a cabeça sobre o peito enorme /e o gigante curva os joelhos no pó /da terra calcinada /e -nos últimos arrancos /vai morrendo e resistindo. .. morrendo e resistindo. ...morrendo e resistindo. .."

Poema épico da autoria de Demócrito Rocha ( 1888-1943 ), O Rio Jaguaribe.

Nos tempos hodiernos , sem se utilizar qualquer metáfora, nosso sofrido Ceará se esvai em sangue de sua gente , outrora pacata , na Messejana, na Gentilândia, na Avenida da Universidade, no entorno do Estádio Castelão. Onde vamos parar?
Ai de ti, Ceará, cadê a " pinça hemostática?

quinta-feira, 5 de abril de 2018

O Estouro da Boiada
Para o Dr. George Magalhães


" Já vistes o estouro da boiada? Vai o gado sua estrada mansamente, rota segura e limpa, chã e larga, batida e tranquila, ao tom monótono dos eias! dos vaqueiros. Caem as patas no chão em bulha compassada. Na vaga doçura dos olhos dilatados, transluz a inconsciente resignação das alimárias, oscilantes as cabeças, pendentes à margem dos perigalhos, as aspas no ar em silva rasteira sobre o dorso da manada. Dir-se-ia a paciência em marcha abstrata de si mesma, ao tilintar dos chocalhos, em pachorrenta andadura, esperada automaticamente pela vara dos boiadeiros. Eis senão quando, não se atina porque, a um acidente mínimo, um bicho inofensivo que passa a fugir, o grito de um pássaro na capoeira, estalido de uma rama no arvoredo, se sobressalta uma das reses, abala, desfecha a correr, e após ela se arremessa em doida arrancada, atropeladamente, o gado todo. Nada mais o reprime. Nem brados, nem aguilhadas o detém , nem tropeços, voltas ou barrancos por davante. E lá vai, incessantemente, o pânico em desfilada, como se os demônios o tangessem, léguas e léguas, até que, exausto o alento, esmorece cessa afinal a carreira, como começou, pela cessação se seu impulso " .
Crônica de autoria de Rui Barbosa (1849 -1923), jurista, jornalista, político, orador e diplomata baiano, denominada O Estouro da Boiada.
Pindorama vive hoje um grave momento em que pode se desencadear um estouro da boiada, dependendo da vontade de uma dezena de semideuses. A se acreditar que Deus é brasileiro, chegou a hora Dele acudir Seu sofrido rebanho. Tomara que o braço da Justiça alcance a tempo todos os tartufos dos podres poderes da gigante nação agonizante. Queremos paz , senhores de toga, e ouçam nossos queixumes, enquanto é tempo. A Nação penhorada lhes agradece!

segunda-feira, 2 de abril de 2018

O Ceará na Berlinda, segundo Pinocchio


Domingo a loira desposada do sol abriu um largo sorriso, meio desdentado, mostrando álacres trabalhadores vestindo verde -amarelo, carregando cestos de flores a colorir ruas e praças com Abraços, Sorrisos e Sonhos.
Os transportes públicos circulam com bandeirolas brancas presas às janelas e livres da cobrança de bilhetes. Presídios franquearam as portas deixando livremente passar pacatas "ovelhas sem partidos " a pisarem num tapete de paz misturando - se aos milhares de transeuntes numa gozosa e infantil alegria. Enfim, uma contagiante orgia cívica.
Os respeitáveis homens de farda e coturnos, protetores de todas as gentes, com sorrisos nos lábios, distribuem rosas e soltam barulhentos pombinhos rumo ao azul do infinito.
Nos hospitais públicos, as equipes de saúde, todas admitidas por rigoroso concurso, laboram livres de assédio de qualquer natureza.
Os políticos tupiniquins, outrora coronéis de trabuco, alguns que adoravam Marx, agora trajando imaculadas longas vestes brancas, cobrindo os maltratados pés sujos de lama, abrigam angélicas asinhas. Abraçados com liras entoam madrigais:
"Pela estrada a fora eu vou bem sozinha /levar esses doces para a vovozinha /ela mora longe e o caminho é deserto/e o lobo mau passeia aqui por perto/mas à tardinha, ao sol poente/junto à mamaezinha dormirei contente"
"Eu sou o lobo mau, lobo mau, lobo mau/eu pego as criancinhas pra fazer mingau /hoje estou contente, vai haver festança /tenho um bom petisco para encher a minha pança "
"Nós somos os caçadores e nada nos amedronta /damos mil tiros por dia/ matamos feras sem conta/o lobo mau já morreu /agora estamos em festa/podemos brincar com as crianças /e passear na floresta" ( Composição infantil de autoria de João de Barro )
Viva o dia primeiro de abril aí, gente!
E saiam dessa incomoda inércia, honrados patrícios!
Acorda Ceará, senão o bicho pega !