terça-feira, 26 de abril de 2022

 O Juiz Ladrão

" De vez em quando, eu esbarro num saudosista . É um sujeito esplêndido, que vive enfiado no passado. Direi mais : - vive feliz e realizado no passado como um peixinho num aquário de sala de visitas. E convenhamos que isto é bonito , é lindo. Outro dia , um deles atracou - se comigo no meio da rua ; arrastou - me para o fundo de um café, com o olho rútilo e o lábio trêmulo, pôs - se a falar do assassinato de Pinheiro Machado e do campeonato que o Botafogo tirou em 1910... De mim para mim ,compreendi essa nostalgia , louvemos essa fidelidade ao passado. Amigos , eis uma verdade eterna : - o passado sempre tem razão...
Hoje , os jogadores, os juízes e os bandeirinhas se parecem entre si como soldadinhos de chumbo. Não há um craque , um árbitro ou um bandeirinha que se imponha como um símbolo humano definitivo. Outrora havia o " Juiz Ladrão ". E hoje ? Hoje , os juízes são de uma chata , monótona e alvar honestidade ... E vamos e venhamos - a virtude pode ser muito bonita , mas exala um tédio homicida e , além disso causa as úlceras imortais ...
Mas ponha - se um árbitro insubornável diante de um vigarista. E verificamos isto : falta ao virtuoso a feérica , a irisada ,a multicolorida variedade do vigarista . Vejam vocês que coisa melancólica e deprimente: um jogo de futebol tem 22 homens . Com o juiz e os bandeirinhas, 25. Acrescentem - se os gandulas e já teremos um total de 29. Vinte e nove homens e nem um único e escasso vigarista!
Mas em 1918 , 17 ou 16 , os gatunos constituíam uma briosa fauna, uma luxuriante flora ... Certa vez , foi até interessante : - existia um juiz que era um canalha em estado de pureza, de graça, de autenticidade. Um domingo , ele vai apitar um jogo decisivo. Que fazem os adversários? Tentam suborná - lo.
E o homem optou pela solução mais equanime : levou bola dos dois lados - roubou da maneira mais desenfreada e imparcial dos dois quadros . Ao soar o apito final , os 22 jogadores partiram para cima do ladrão. Mas o gángster já se antecipara, já estava pulando muros e galinheiros . Era uma figurinha elástica, acrobática e alada . Isto foi em 1917. O juiz gatuno está correndo até hoje ".
Excertos da crônica " O Juiz Ladrão " , da autoria do gigante dramaturgo, jornalista , romancista e memorialista pernambucano Nelson Rodrigues ( 1912 - 1980 ).
E hodiernamente , falar de um assunto desses , tipo nitroglicerina pura, no medieval ambiente polarizado : ôps ! , dá cadeia , tornozeleira , e sem direito a indulto .
O gênio Nelson Rodrigues relata em outra crônica do passado , um fato hilariante , acontecido num subúrbio da Cidade Maravilhosa : um pobre homem vendendo um livro recém saído - a nova Constituição da República do Brasil , assim alertando os transeuntes com o livro verde na mão : " - Aproveitem , a nova " Prostituição " , em módico preço !
Ponto Final !
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Elmar Pereira

sábado, 23 de abril de 2022

 Sem , Sem , Mil Vezes Sem !

Nesta manhã de sábado chuvoso , sem sol , sem pressa , no Ceará ,Terra da Luz , numa telinha luminosa meio sem graça, vendo pasmo , e ouvindo comentários, alguns sem pé nem cabeça, sobre um desfile de escolas de samba , sem sal , sem suingue , sem aquele sabor natural de antanho , e parecendo deveras amargo.
Num carregado e pitoresco ambiente , tipo samba do crioulo doido do impagável Stanislaw Ponte Preta ( 1923 - 1968 ) , todos sem máscaras, sem álcool - gel e , sem nenhum distanciamento social , sem medo de ser feliz . Seguindo , obviamente , as recomendações de certas autoridades !
Enfim , convenhamos , uma apetitosa festa de mão cheia para a disseminação viral.
Mas a virose traiçoeira se finou !
Será verdade ? Claro que não !
Sem delongas :
Sem perigo iminente ? É óbvio que não !
Sem presença de vírus? É óbvio que não!
Sem possibilidade de ocorrência de um novo surto viral ? É óbvio que não!
Quem então ganha com esta festa momina fora de época? :
Certas autoridades ? , os carnavalescos ? , os hoteleiros ? , os vendedores ambulantes ? , a mídia? O povão?
Ninguém sabe ao certo ! Ou finge que sabe ?
Provavelmente , vencerá , e tomara que NÃO , um microscópico ser tinhoso , em constante mutação, na espreita do vulnerável bicho - homem !
E Viva Zé Pereira , que a ninguém faz mal !!!
Sem , Sem , Mil Vezes Sem !
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quinta-feira, 21 de abril de 2022

 Estouro da Boiada , 2022

" Já vistes o estouro da boiada ? Vai o gado em sua estrada mansamente, chá e larga , batida e tranquila, ao tom monótono dos eias ! dos vaqueiros . Caem as patas no chão em bulha compassada . Na vaga doçura dos olhos dilatados , transluz a inconsciente resignação das alimárias, oscilantes as cabeças, pendentes à margem dos perigalhos , as aspas no ar em silva rasteira sobre o dorso da manada . Dir - se - ia a paciência em marcha abstrata de si mesma , ao tilintar dos chocalhos , em pachorrenta andadura , espetada automaticamente pela vara dos boiadeiros . Eis senão quando , não se atina porque , a um acidente mínimo, um bicho inofensivo que passa a fugir , o grito de um pássaro na capoeira , estalido de uma rama no arvoredo, se sobressalta uma das reses , abala , desfecha a correr , e após ela se arremessa em doida arrancada , atropeladamente , o gado todo. Nada mais o reprime . Nem brados , nem aguilhadas o detém, nem tropeços, voltas ou barrancos por davante. E lá vai , incessantemente , o pânico em desfilada , como se os demônios o tangessem , léguas e léguas, até que , exausto o alento , esmorece e cessa afinal a carreira , como começou, pela cessação de seu impulso ".
O Estouro da Boiada , texto da autoria de Rui Barbosa ( 1849 - 1923 ) , o grande jurista , jornalista , político, orador e diplomata baiano.
E hoje , em certas comunidades de uma república de bananas , um Carnaval fora de época e desmiolado , apocalíptico, apoiado por alguns descompromissados setores da mídia, " comitês de araque " , carnavalescos , e certa rede hoteleira , dentre outros , ébrios e de braços dados com o " vírus diabólico espiculado " redesenham um novo Baile da Ilha Fiscal " , versão 2022 , e claro , sem máscaras, sem álcool- gel , sem distanciamento social , do jeito que o diabo gosta !
E , queima rapaziada !
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Emanuel Carvalho Melo e Elmar Pereira

domingo, 17 de abril de 2022

 Ainda o Aniversário de Fortaleza

Comemorando o aniversário de Fortaleza, na admirável companhia do excêntrico vate Raimundo Varão que viveu em Fortaleza entre 1911 e 1915. Segundo Dolor Barreira , o poeta não nasceu no Ceará, e sim , no vizinho estado do Piauí. Já Otacílio de Azevedo afirmava que ele era paulista .
Ateu , usava roupas pretas , portando seis dedos em cada mão. Trabalhava na Fotografia Olsen, e teve como colegas de trabalho , os grandes , Otacílio de Azevedo , e , Herman Lima .
Segue o soneto " Fortaleza " da autoria de Raimundo Varão:
"Lá, sob um claro céu de azul - turquesa
Onde o Sol seu tesouro em luz descerra,
Lá fulge a legendária Fortaleza
Como um raro brilhante sobre a Terra.
Como um sacro penhor da Natureza,
Como um beijo auroral que a vida encerra,
Longínqua e bela - a lânguida princesa ,
Arfando o peito, geme e os olhos cerra.
Porque nos batem temporais medonhos
E tivemos no mundo a mesma sorte,
Ó casta Fortaleza - dos meus sonhos,
Meu derradeiro e desvelado anseio
É ter a paz na comunhão da Morte,
Dormindo a sete palmos do teu seio..."
Ilustra a crônica, uma foto desta sexta - feira na Beira - Mar , em Fortaleza , assistindo a carruagem do Rei Sol , cair nos braços de Netuno , lá na risca .
Aleluia !
Pode ser uma imagem de natureza, crepúsculo, praia, oceano e céu
Bia Medeiros, Lúcia Brandão e outras 15 pessoas
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quinta-feira, 14 de abril de 2022

 Minha Amada Fortaleza : Um Preito de Saudade

Para o Poeta e Mestre Martinho Rodrigues
Rua Rodrigues Júnior, Rua Pero Coelho , Avenida Dom Manuel , e , Avenida Heráclito Graça. Um quadrilátero mágico. Meu berço, meu pequeno mundo, o mundo de minha infância e juventude. Um mágico pomar de lembranças de onde nunca saí, mesmo rolando ao longo da vida na poeira de muitos chãos. Lugar onde enterrei meu umbigo , e tolamente pensei que não houvesse vida fora daquele paraíso.
Uma parteira ( Dona Bárbara ) , me acolheu numa fria madrugada do mês de janeiro, na sala de uma modesta casa na Rua Rodrigues Júnior, 986, vizinha à Mercearia do Sr. Cavalcante. Era eu , o último rebento de uma família de cinco criaturas : Rita , Diana , Stela , Neto e Chico. Num Castelo de tom amarelo , defronte da minha casa , vivia um Rei , Luizão Primeiro e Único, da folia de momo. Na esquina da Rua Pero Coelho com a Rua Rodrigues Júnior, três irmãs balzaquianas , habitavam um belo bangalô , não voavam em vassouras , e pouca bola davam para os inconvenientes vizinhos . Colado à minha residência habitava um casal sem filhos , o Sr. Ernani , e D. Altair , que gentilmente me apresentaram às canções melosas de Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Dalva de Oliveira , Anísio Silva , Nat King Cole , e , Paul Anka.
Compunham o insólito quadro de figuras do bairro , um delegado de Polícia , o Sr. Oliveira , montado em seu garboso cavalo, como um perfeito Roy Rogers.
Junto a um bando de garotos arteiros, descobri as delícias de um banho , pelado , no mimoso Riacho Pajeú, que ali perto serpenteava o chão, farejando o mar lá pelo poço das dragas, e nos ofertava carás e muçuns. Os Circos Nerino e Garcia pontuaram com frequência no areal próximo à Rua Pinto Madeira , com os seus impagáveis palhaços " de boca suja " .
Revestiam - se de uma pompa grandiosa as austeras e ricas procissões do Senhor Morto da Igreja Católica. Tal liturgia era carregada de todo um simbolismo que impressionava àqueles que de terço na mão se comprimiam ao longo da Avenida Dom Manoel.
A marcha fúnebre de Chopin, executada pela Banda de Música da Polícia Militar , acompanhada do rasgado seco de matracas nas mãos dos seminaristas da Prainha, compunha um quadro que nos remetia a era medieval.
Neste dia as rádios apenas tocavam músicas sacras , numa pungente tristeza , e as pensões alegres tinham suas portas lacradas.
Na Avenida Dom Manoel , situava - se o Colégio Castelo Branco , da Arquidiocese de Fortaleza . Fundado em 1900 , com o nome de Instituto Miguel Borges , passou a chamar - se Colégio Castelo Branco , após o falecimento de seu fundador . Plantado num prédio horizontal , como uma rica incubadora acadêmica , que deu origem a futuros parlamentares , médicos, agrônomos, juristas , jornalistas , e outras figuras importantes da sociedade cearense .
Compunham uma amorosa família: Padre Jorgelito Cals de Oliveira Padre Jonas Barros, Padre Hortêncio, Padre Gerardo, e Padre Jessé.
O plantel de mestres leigos do Colégio Castelo Branco , vário e heterogêneo era exemplar :
Prof. Muller, Prof. Tarcísio, Prof. Iago , Prof. Serra , Prof. Agnelo , Prof. Eleutério Costa , Prof. Américo, Prof. Guilherme Ellery, Prof. Batista , Prof. Viana , Prof . Cid Paracampos , e , um gentil mestre , Prof. Martinho Rodrigues , médico, poeta e humanista .
Não esqueci , claro , do querido Bedel Chiquinho, um verdadeiro pai para os alunos .
Nas esquinas da vida por onde pelejo , ao avistar caminhando um daquelas anjos , mestres de outrora , contrito , rogo - lhes , humildemente , perdão por não poder resgastar , a gigantesca dívida que tenho em vida para com eles . Carrego , sim , contente , todos comigo , bem junto ao peito.
" Ô leva eu , eu também quero ir / quando chego na ladeira tenho medo de cair / leva eu , minha saudade / menina , tu não te lembras daquela tarde fagueira/ tu te esqueças e eu me lembro/ ai , que saudade matadeira/ leva eu , minha saudade / na noite de São João/ no terreiro uma bacia / que é pra ver se para o ano / meu amor ainda me via / leva eu , minha saudade "
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Dias de Paiv