terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

UMA PEQUENA PAIXÃO CARNAVALESCA


Pirapora do Norte, uma pacata cidade banhada pelo verde atlântico oceano, integrante de Pindorama, abriga um pequeno hospital, lugar onde peleja um obscuro e lunático parteiro com ares de filósofo de boteco. Numa de suas sistemáticas rondas às enfermarias de puérperas do dito nosocômio, o tal esculápio encontra uma bela jovem aconchegando um robusto e voraz garoto ao seio.
Ele solicita que tal criatura continue naquele sublime ato de amor, deixando a visita médica para depois. A mãe resoluta, com um “mindinho “ no canto da boca do petiz interrompe aquele idílio prazeroso. Queria uma conversa particular com o dito parteiro. Relata ela que tal pimpolho recebera, simplesmente, um diagnóstico de nanismo. Um verdadeiro choque. 
O desolado homem de branco “ puxa conversa “ para amainar um pouco o pesado clima subitamente gerado.

- Um futuro promissor poderá estar diante deste garoto” obtemperou aquele filho de Hipócrates. “- Neste mundo líquido, pós-moderno, globalizado, passa a ser matéria prima de ouro, o conhecimento múltiplo, transversal, transdisciplinar, holístico, fluido e universal, capaz de destravar portas hermeticamente fechadas e desconstruir barreiras inexpugnáveis “. Ufa!
Da cartola de uma desparafusada cabeça, o homem de avental branco brandiu no ar exemplos a destacar: um gringo desprovido de braços e pernas que encanta o mundo inteiro proferindo palestras de cunho motivacional. Um pequeno gênio.  E aqui mesmo em Pirapora do Norte um simpático brincante com cerca de um metro e vinte de altura faz dupla com uma bela jovem porta-estandarte de uma agremiação carnavalesca, esparramando em derredor uma alegria contagiante.
Incontinenti, a puérpera fugiu, encobrindo-se sob o branco do lençol. O doutor, cheio de salamaleques pediu escusas sem entender patavina o motivo daquele alvoroço formado. A cliente emergiu em segundos do lençol com um sorriso solto e juvenil.

“ – Eu sou, simplesmente, a porta-estandarte desta história, meu doutor. Só tenho a acrescentar que meu dileto parceiro e brincante correu da raia, fugiu, escafedeu-se, quando soube de minha incipiente gravidez “.

- Nada não, senhora “, com um nó na garganta, balbuciou o lunático parteiro.
“ – Um dia ele volta, se Deus quiser, com farol baixo e para-choque duro como na música da Banda Blitz. Aí, sim, vai ser um real e duradouro carnaval de alegria, de perdão, num novo amanhã, como nos velhos contos de fadas “. Amém!

“ Longe de casa/a mais de uma semana/milhas e milhas distante/do meu amor/será que ela está me esperando/eu fico aqui sonhando/voando alto/perto do céu.../eu saio de noite/andando sozinho/eu vou entrando/em qualquer bar/eu faço meu caminho/o rádio toca uma canção/é o que me faz lembrar você/eu fico louco de emoção/e já não sei o que vou fazer/estou a dois passos do paraíso/não sei se vou voltar/estou a dois passos do paraíso/talvez eu fique/eu fique por lá/estou a dois passos do paraíso/não sei por que eu fui dizer bye-bye /bye-bye baby/

A Rádio Atividade leva até vocês/mais um programa da séria série/’dedique uma canção a quem você ama”/ eu tenho aqui em minhas mãos uma carta/uma carta de uma ouvinte que nos escreve/e assina com o singelo pseudônimo de /” mariposa apaixonada de Guadalupe “/ela nos conta que no dia que seria/ o dia do dia mais feliz de sua vida/Arlindo Orlando, seu noivo/um caminhoneiro conhecido da pequena/e pacata cidade de Miracema do Norte/fugiu,  desapareceu ,escafedeu-se/ oh! Arlindo Orlando/volte, onde quer que você se encontre/volte para o seio de sua amada/ela espera ver aquele caminhão voltando/ de faróis baixos, e para-choque duro/agora uma canção/ canta para mim /eu não quero ver / você triste assim... “

“ A Dois Passos do Paraíso “

música de autoria de Evandro Mesquita e Ricardo Barreto.







domingo, 26 de fevereiro de 2017

BRASIL TERRA DE CONTRASTES



“ Lourinha, lourinha/dos olhos claros de cristal/desta vez em vez da moreninha/serás a rainha do meu carnaval/loura boneca que vens de outra terra/que vens de Inglaterra/ ou que vens de Paris/quero te dar o meu amor mais quente/do que o sol ardente/deste meu país/linda lourinha tens olhar tão claro/deste azul tão raro como um céu de anil/mas tuas faces vão ficar morenas/como as das pequenas deste meu Brasil”        
 Linda Lourinha, de autoria de Braguinha (1907 - 2006).

No ano sabático de 1964 era lançado o livro “ Brasil Terra de Contrastes “ do sociólogo francês Roger Bastide (1898 – 1974) onde o autor vai um passo além do famoso “ Casa – Grande e Senzala “ do pernambucano Gilberto Freyre (1900 – 1987).
No período carnavalesco desenha-se no Brasil lindo e trigueiro uma metáfora do país do futuro que nunca chega. De braços dados numa insânia feérica desfilam ricos e pobres; brancos e negros; o luxo e a miséria num cadinho grotesco.

Neste transe de loucura coletiva insinuam- se bicheiros, policiais, gente de alto calibre integrante dos três poderes da república, irmanados com bandidos de alta periculosidade. Somem das telinhas da TV e da mídia em geral assuntos áridos como estados falidos, dívida pública, violência urbana, caos na educação e na saúde pública. Tudo segue junto varrido para baixo do tapete da irresponsabilidade. Importa a gandaia perfeita de curta e explosiva duração, posto que, ninguém é de ferro.

O Ministério da Saúde do Governo Federal disponibiliza 74 milhões de preservativos masculinos e 3,1 milhões de preservativos femininos na intenção de conter os alarmantes índices das Doenças Sexualmente Transmissíveis e da emergência imprópria de gravidezes indesejadas carregando em seu bojo as recorrentes tragédias anunciadas.

Logo mais irão inundar os ambulatórios de DST espalhados por todo o país os casos de “ esquentamento = gonorreia “ ; “cavalo de crista = HPV “; “ cancro duro = sífilis; “ cancro mole = H. ducreyi “, além de Hepatite B e C; Herpes oral e genital ; infecção por clamídia  e infecção por HIV.
Em distintos momentos: em dois meses surgirão os episódios de abortamento e em nove meses virá ao mundo uma leva de inocentes ”comedores de rapadura” e de “cabritinhas“ frutos da farra de momo. Ano após ano a tragédia se repete, incólume, tudo em nome de Baco e de um “ Zé Pereira que a ninguém faz mal! “.

“Até amanhã se Deus quiser/se não chover eu volto pra te ver /oh, mulher/de ti gosto mais que outra qualquer/não vou por gosto/o destino é quem quer/adeus é pra quem deixa a vida/é sempre na certa em que eu jogo/três palavras vou gritar por despedida :/até amanhã, até já, até logo! /o mundo é um samba em que eu danço/sem nunca sair do meu trilho/vou cantando o teu nome sem descanso/pois do meu samba tu és o estribilho “

Até amanhã de autoria de Noel Rosa (1910- 1937).








sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

UMA ESTÓRIA DE TRANCOSO



Era uma vez num burgo perdido nos cafundós de Judas, um pacato cidadão suspeito de cometer um crime foi encarcerado por cerca de seis anos, enquanto aguardava recursos de uma justiça lenta, burocrática e surreal. Depois, graduado em um modelar presídio/ universidade, legitimamente amparado por rígidas leis, o indiciado retorna ao seio da sociedade, devidamente “ recuperado “ e pronto para assumir funções tais como como senador ou deputado sob a legenda de um partido nanico qualquer. É a sociedade civil fazendo justiça a um cidadão acusado de um pretenso crime onde a vítima escafedeu-se, pulverizou- se e encontra-se até hoje em lugar incerto e não sabido. Um crime (quase) perfeito.
Este burgo não existe nem poderia existir e, é tão somente uma pífia estória de Trancoso !


UM PEDAÇO DE ARCO – ÍRIS COM ASAS


Na esburacada rodovia que rasga o lombo das dunas móveis no município de Aquiraz, neste iniciante período invernoso, voejam borboletas se esgueirando por entre os arrogantes e potentes veículos automotores. Elas representam um singelo pedaço de arco-íris com diáfanas asas ou como quer Clarice Lispector (1920- 1977):  “ a borboleta é uma pétala que voa “ ou uma vida efêmera que passa por aqui cumprindo um destino de voar, acasalar e sugar o néctar das flores.

“ Passa uma borboleta por diante de mim /e pela primeira vez no Universo eu reparo/que as borboletas não têm cor nem movimento/assim como as flores não têm perfume nem cor/a cor é que tem cor nas asas da borboleta/no movimento da borboleta o movimento é que se move/o perfume é que tem perfume no perfume da flor/a borboleta é apenas borboleta/e a flor é apenas flor “

Poema “ Passa uma Borboleta por Diante de Mim “ de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa), em “ O Guardador de Rebanhos “.

Celso Pedro Luft (Dicionário de Literatura Portuguesa e Brasileira), Editora Globo, 1967 assim descreve os heterônimos principais do bardo português Fernando Pessoa:

“ Alberto Caeiro é naturalista, instintivo, animal humano, poeta da natureza, das coisas reais, que são o que são e como são. Nega toda transcendência e metafísica... O tom frio, seco desses poemas dados à teoria e a considerações abstratas, compensa - se com uma encantadora naturalidade, fluência e súbitos relâmpagos de densa poesia concreta (desencaixotar as minhas emoções verdadeiras – o sol ainda não mostrou a cabeça/ por cima do muro do horizonte – sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito/e lá fora um grande silêncio como um deus que dorme) “

“ Ricardo Reis é pagão, epicurista e estoico, latinista e helenista... Esmerado na linguagem, elabora a sintaxe, é conciso, elíptico, e usa um vocabulário levemente alatinado ... Filia- se a Caeiro no amor à natureza, à vida rústica e simples “
 “Álvaro de Campos é outro discípulo de Alberto Caeiro. Menos intelectual, porém, e menos primitivo, rústico, é o cantor da urbe, da civilização moderna, o civilizado, engenheiro .
 Emotivo até à histeria, canta as sensações cotidianas, a exaltação e também o tédio do homem moderno “.






terça-feira, 21 de fevereiro de 2017


A SÍNDROME DA COUVADE, UM CASO


Para a Dra. Manuela Boyadjian


Nos idos dos anos 80 do século passado assumia a direção do Hospital Geral do Exército de Fortaleza, o coronel Wilson da Silva Bóia (1927–2005), médico, intelectual, músico, memorialista, boêmio nascido no Rio de Janeiro e que pertenceu a várias arcádias. Uma grande figura humana que lapidou um agradável ambiente de trabalho transformando o dito hospital numa verdadeira casa de amigos.

 Certa feita um casal buscou orientação no ambulatório de ginecologia e obstetrícia do Hospital do Exército: ele com 45 anos e ela com 42 anos de idade, casados há 20 anos e sem filhos. A montanha de exames apresentados, junto a uma minuciosa anamnese desenharam um quadro de esterilidade conjugal da parelha. Um jovem esculápio emitiu a prescrição simplória de um indutor de ovulação. Dois meses depois o maduro casal retorna ao ambulatório com um ultrassom evidenciando gravidez. Surpresa: gravidez de gêmeos.

A gestante mostrava severo quadro de náuseas, vômitos e astenia. Nova surpresa: o marido também estava acometido de vômitos incoercíveis do mesmo padrão da esposa. O obstetra afoito e sem pestanejar parabenizou o “ casal grávido “ mas fez uma ressalva: o cônjuge abrira um quadro patológico raro e bizarro, uma Síndrome da Couvade.

“ – O que? covarde, eu, um cabra da peste nascido nas brenhas da Serra Talhada. Me respeite, seu fedelho de uma figa “.
“ - Não, sargento, eu falei Couvade, e não, covarde “

“ – Vamos embora, mulher, que este doutorzinho não diz coisa com coisa “.
Teve assim um fim prematuro a assistência pré-natal ao casal grávido sobre a responsabilidade daquele esculápio. Um grupo de profissionais do Rio de Janeiro naquela época já defendia o pré-natal psicológico: Maria Tereza P. Maldonado (psicóloga), Jean Claude Nahoun (médico) e Paulo Belfort (médico) todos atuando em conjunto tratando corpos e mentes num momento de crise.
Um belo dia retorna o tal sargento, sem a esposa, solicitando uma licença de maternidade no nome dele. O obstetra elaborou uma licença de cinco dias e entregou ao portador. Ele, incontinenti, rasgou o documento recém elaborado, solicitando um outro de cento e vinte dias, conforme mandava a legislação.

“ - Quem pariu, suportando todas as dores fui eu. Quero o que tenho direito, ou o senhor se responsabiliza pela quebra do meu resguardo? 
Foi, a contragosto, refeito o atestado pois a Síndrome da Couvade, pelo visto, ainda se apresentava firme.

Denomina-se Síndrome da Couvade um distúrbio psicossomático onde, simbolicamente, o pai assume na gravidez, no parto e no puerpério o lugar da companheira grávida (Trethowan,1965). Para Perseval (1981) o ritual da Couvade seria um processo de identificação do homem com o bebê e a crença na existência de um elo muito forte entre pai e filho ( Maldonado , T. ; Psicologia da Gravidez ,9° Edição ,1988 .

 O ventre começa a estufar, náuseas e vômitos se apresentam, sonolência e vontade de comer alimentos exóticos. É isso mesmo, sintomas sugestivos de gravidez incipiente. Certo, mas nesse caso trata-se de um homem, companheiro de uma gestante. O médico na primeira consulta pré-natal já parabenizara o “ casal grávido “. A presença de sintomatologia típica de uma grávida no homem caracteriza a Síndrome da Couvade ( Trethowan, 1965 ).


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

UM SÉCULO DA MORTE DO FILÓSOFO FARIAS BRITO


Raimundo de Farias Brito (1862-1917) nasceu em São Benedito, na Serra da Ibiapaba, no interior do estado do Ceará. Seus pais foram Marcolino José de Brito e Eugênia Alves Pereira que moldaram uma pequena prole de dois filhos: Raimundo e João, fato um pouco destoante das tradicionais famílias sertanejas, quase sempre numerosas. Aos três anos de idade, Raimundo põe em marcha sua sina de retirante indo morar na Vila de Ipu, ali vizinho a São Benedito. Depois, num pulo segue para Sobral, onde sua família instala um pequeno comércio.

Em 1874 encontramos o garoto Raimundo frequentando o Ginásio Sobralense e em pouco tempo faz-se destaque em matérias como francês, latim e matemática. O fenômeno climatérico da grande seca de 1877 e 1878 que se abate sobre o sofrido chão cearense obriga a família de Raimundo a novamente migrar, desta feita para Fortaleza, a capital do estado, destino final de milhares de almas sedentas. Em 1880 Raimundo de Farias Brito conclui o curso secundário no legendário e severo Liceu do Ceará. Logo em seguida a família Farias alça voo na direção de Recife onde o jovem Raimundo ingressa na Faculdade de Direito, celeiro de intelectuais influentes na vida pública e cultural de Pernambuco e berço da nascente filosofia na região com a Escola do Recife de Silvio Romero (1851- 1914) e Tobias Barreto (1839 –1899).  A graduação de Farias Brito deu-se em 1884.  Em 1893, Farias Brito contrai núpcias com a Sra. Ana Augusta Bastos. O casal gera dois filhos: Raimundo, com o mesmo nome do pai, e que viveria apenas 10 meses, e, Filomena. Poucos meses depois Farias Brito torna -se viúvo. Em 1901, Farias Brito casa-se com a Sra. Ananélia Alves, vinte anos mais nova que ele. O casal gera cinco filhas.

O Dr. Farias Brito exerce os cargos de Promotor Público em Viçosa do Ceará e Aquiraz. Foi nomeado Secretário de Governo do Ceará nas administrações de Caio Prado e do General Clarindo de Queiroz. Entre1902 e 1909 Farias Brito regeu a Cátedra de Filosofia da Escola Jurídica do Pará. O destino cigano de Farias Brito joga-o em direção ao Rio de Janeiro para participar de um concorrido concurso para Catedrático de Lógica no Colégio Pedro II, a mais importante instituição de ensino secundário do país. Farias Brito travou renhida batalha em provas oral e escrita com 14 nomes de peso, incluindo o célebre autor de “Os Sertões “, Euclides da Cunha (1866-1909). O julgamento do concurso deu-se em 7 de junho de 1909   concluindo que todos os candidatos foram considerados habilitados, mas destes apenas cinco continuaram no páreo: Farias Brito, Euclides da Cunha, Graciano Neves, Júlio Novaes e Monsenhor Rangel. No final do embate Farias Brito alcança com méritos o primeiro lugar e Euclides da Cunha fica em segundo plano. O desconhecido e valoroso cearense venceu a disputa mas, infelizmente, não levou o troféu. Injunções políticas levaram o segundo lugar, o polêmico Euclides da Cunha a assumir um cargo que de fato não era seu.

No dia 15 de agosto de 1909, menos de um mês depois do famigerado concurso público acontece a triste Tragédia da Piedade: Euclides da Cunha invade uma residência suburbana onde se encontravam o militar Dilermando Cândido de Assis (1888 – 1951) e Anna Emília Ribeiro da Cunha (1872- 1951), amante de Dilermando e esposa de Euclides da Cunha. Após troca de tiros perde a vida o infeliz Euclides da Cunha alvejado por Dilermando que tinha expertise em armas no exército. Como fecho de tal infelicidade dois outros filhos de Euclides da Cunha morreram assassinados, um dos quais pelo mesmo Dilermando de Assis. Depois , Ana e Dilermando casaram-se, constituíram prole e ambos morreram no mesmo ano (1951).

Farias Brito, enfim, foi nomeado em 02 de novembro de 1909 para a Cátedra de Lógica do Colégio Pedro II com toda honra e mérito onde tornou-se, também, um exemplar professor de História da Filosofia e Psicologia.
Farias Brito foi um dos fundadores da Academia Cearense de Letras, sendo um de seus patronos, o da Cadeira de número 31. O nome de Farias Brito ergue- se no horizonte da cultura nacional como o maior filósofo brasileiro conforme reconhecimento de figuras como Padre Leonel Franca (1893- 1948), Jackson de Figueiredo (1891-1928) e Alceu de Amoroso Lima (1893- 1983), a ponto de se dividir a história da filosofia no Brasil em dois estágios: antes e depois de Farias Brito.

Farias Brito publicou as seguintes obras:

Cantos Modernos (1889); Pequena História Sobre os Fenícios e Hebreus (1891); A Filosofia Como Atividade Permanente do Espírito Humano (1895); A Filosofia Moderna (1899); Evolução e Relatividade (1905); Finalidade do Mundo: A Verdade como Regra das Ações (1905); A Base Física do Espírito (1912) e Mundo Interior (1914) - as quais formam a série – Ensaios Sobre a Filosofia do Espírito.
Em 16 de fevereiro de 1917, há um século, portanto, parte para a eternidade o nobre filósofo , causídico e literato cearense Raimundo de Farias Brito.







domingo, 12 de fevereiro de 2017

ENQUANTO A CHUVA CAI


Ao poeta José Dirceu Vasconcelos

Domingo do pé do cachimbo na loira desposada do sol com o céu bonito para chover. Nuvens plúmbeas com carrancas, vagueiam lentamente engolindo os serrotes que emolduram Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção. O rei- sol cabreiro, ainda não deu seu ar da graça, talvez receando uma vaia do tipo Ceará – moleque: “ arrocha, negrada! “.
 Roguemos a São Pedro que providencie o maneiro pisca-pisca alumiando tudo, derrube cadeiras a granel e abra com força as torneiras do céu fazendo jorrar o milagroso líquido salvador. Minore, de vez, o sofrimento de uma gente que é antes de tudo forte e temente a Deus!

“ A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto ... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como a bailar.
Torvelinhai, torrentes do ar!
Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh ‘alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.
Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.
Volúpia dos abandonados...
Dos sós... – ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...
Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!
A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!
Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!
E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.
É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas d’água! ”

Poema “ Enquanto a chuva cai “ de autoria do mago pernambucano Manuel Bandeira (1886 – 1968) integrante do centenário livro “ A Cinza das Horas “ de 1917.









sábado, 11 de fevereiro de 2017

                              GREVE INÍQUA OU ORDINÁRIO, MARCHE


Pindorama em uma de suas províncias do Sul vive uma irracional greve ou motim conduzida por uma categoria imprescindível para a manutenção da ordem pública em um estado de direito. Além do que a combinação de leis frouxas e governo inepto cria um explosivo artefato reverberando numa onda de crimes contra a população civil e o patrimônio alheio. Fica a prova cabal que “ o hábito não faz o monge “. Vestir um uniforme nem sempre qualifica quem o utiliza. Áreas como transporte coletivo, saúde e segurança públicas exigem legislação específica com vistas a minimizar ao máximo os danos a terceiros em decorrência de tais movimentos paredistas.

 A propósito, em tom burlesco, conta- se que certa feita na cidade do Crato, no interior do Ceará, dois sargentos conversavam numa pracinha quando foram interrompidos por um prosaico cantador a solicitar uma ajuda pecuniária. Um dos militares entregou uma pequena contribuição ao poeta popular enquanto o outro não colaborou e ainda recriminou o colega pela inadequação do óbolo. O violeiro agradeceu e mandou um petardo certeiro:

“As notas deste sargento
Eu folgo em recebe-las 
Permita Deus que essas divisas
Se transformem em três estrelas 
E passem do braço pro ombro
E eu esteja vivo para vê-las 
Este outro não será
Nem capitão nem tenente
O galão que ele merece
É um galão diferente
É um pau com duas latas
Uma atrás, outra na frente”




quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

O INTIMORATO RODOLFO TEÓFILO


Rodolfo Marcos Teófilo (1853 – 1932), filho de Marcos José Teófilo (médico) e de Antônia Josefina Sarmento, nasceu no dia 5 de março de 1853 em Salvador, na Bahia. Com pouco mais de mês de vida, sua família mudou-se para Fortaleza, onde o garoto Rodolfo foi batizado na Igreja do Rosário. Cedo, aos 4 anos de idade, ficou órfão de mãe. O Dr. Marcos, seu genitor casou com uma cunhada, Guilhermina que lhe deu mais três filhos, perfazendo uma prole de sete almas. Aos 11 anos de idade Rodolfo tornou-se órfão com o desaparecimento do Dr. Marcos Teófilo. A partir de então sérias dificuldades financeiras sua família enfrentaria. Os estudos primários de Rodolfo foram bancados por um tio comerciante, José Antônio da Costa e Silva, junto ao Colégio Atheneu Cearense. Aos 14 anos de idade, Rodolfo passa a trabalhar na Casa Albano, pertencente ao futuro Barão de Aratanha, ocupando função de Caixeiro – Vassoura. Com pretensões de seguir a profissão do pai e do avô, ambos médicos, o jovem Rodolfo Teófilo tomou o rumo da Bahia onde frequentou, no entanto, o curso superior de Farmácia.

 Concluindo os estudos com distinção, Rodolfo Teófilo retorna em 1875 ao Ceará onde instala uma botica na cidade de Pacatuba. Em 1877 transfere-se para Fortaleza, passando a trabalhar na Rua da Palma, atual Rua Major Facundo, em uma farmácia de sua propriedade. Rodolfo contrai matrimônio com a Sra. Raimunda Cabral, filha do Comendador Antônio Cabral de Melo, de Pacatuba.
 Rodolfo Teófilo assistiu com pesar a terrível seca de 1888, quando num só dia foram sepultadas 1004 pessoas. Outras tragédias ao longo da vida fariam parte da luta inglória deste bravo lutador, a despeito dos escassos meios que a medicina de então oferecia a todos. Em 1900 Rodolfo realiza um estágio no Instituto Vacinogênico da Bahia e de pronto traz a novidade para Fortaleza onde constrói um laboratório (Vacinogênico Rodolfo Teófilo) em sua residência na atual Avenida da Universidade. O ambiente político na época mostrava- se, particularmente carregado com figuras públicas truculentas e controversas como o jornalista João Brígido e o governador do estado Antônio Pinto Nogueira Accioly a moverem ferrenha perseguição ao valente nascido baiano, mas o mais autêntico cabeça – chata: “ Sou cearense porque quero “.

Rodolfo Teófilo, um verdadeiro Dom Quixote, praticamente isolado terça armas contra males que abatem há séculos a sofrida população cearense. Peregrina de casa em casa vacinando e tratando almas, retirando tais infelizes criaturas das mãos da Parca.
Em meio a todo um insano trabalho contra as intempéries, o bravo quixote tecia uma vigorosa obra literária enfeixada em 28 livros entre ensaios, crônicas, romances e poesias. Com frio bisturi da razão corta a carne putrefata dos diversos males empregando uma linguagem bem urdida e facilmente entendida por todos.
 Assim surgiram:

 História da Seca do Ceará ( 1883 ) ; Monografia de Mucunã (1888 ); Ciência Natural em Contos ( 1889 ); Botânica Elementar ( 1889 ); A Violação (1889 ); A Fome ( 1890 ); Cartas Literárias (1895 ) ; Os Brilhantes ( 1895 ); Maria Rita ( 1897 ) ; O Paroara (1899 ); Secas do Ceará  - Segunda Metade do Século XIX ( 1901 ); Varíola e vacinação no Ceará ( 1904 ); Violência (1905 ) ; O Conduru ( 1910 ) ; Varíola e Vacinação no Ceará – 2° Parte ( 1910 ); Memórias de um Engrossador ( 1910 ) ; Lira Rústica ( 1913 ) ; Telésias ( 1913 ) ; Libertação do Ceará ( 1914 ); A sedição de Juazeiro ( 1915 ) ; Cenas e Tipos ( 1919 ) ; Reino de Kiato ( 1922 ); A Seca de 1915 ( 1922 ) ; A Seca de 1919 ( 1922 ) ; Os Meus Zoilos (1924 ) ; O Caixeiro ( 1926 ) ; Coberta de Tacos ( 1931 ).
A Participação de Rodolfo Teófilo em entidades culturais foi múltipla:
Fundação do Clube Literário em 1886 junto com outros intelectuais de destaque: Farias Brito, Justiniano de Serpa, Juvenal Galeno, Antônio Bezerra e Antônio Martins.
Padaria Espiritual, o mais importante movimento literário cearense fundado em 1892 onde Rodolfo Teófilo adotou o nome de Marcos Serrano e exerceu o digno cargo de Padeiro Mor (1896- 1898).
Instituto do Ceará, ingressando em 24 de dezembro de 1912.
Academia Cearense de Letras: admitido em 1892 para a Cadeira de número 36.

A Cajuína, uma bebida não alcoólica de sabor agradável foi uma invenção do irrequieto Rodolfo Teófilo, assim como o vinho do caju. Vacinas, xaropes, pomadas faziam parte da rica produção  farmacêutica de Rodolfo Teófilo.
As seguintes comendas foram outorgadas ao nobre cearense Rodolfo Teófilo:
Comenda do Oficialato da Rosa, por sua atuação na luta pela libertação dos escravos, conferida pelo Imperador Pedro II.
O título de Varão Benemérito da Pátria outorgado pelo Congresso Nacional.
Em 02 de julho de 1932, aos 79 anos, parte o intimorato Rodolfo Teófilo para prosseguir sua batalha noutras plagas deste multiverso deixando imenso vácuo nas Letras e Ciências deste sofrido chão do Ceará.








domingo, 5 de fevereiro de 2017

GÊMEOS SIAMESES E UM POEMA




Tratam- se de indivíduos que nascem unidos entre si por alguma porção do corpo (cabeça ou cefalópago; tórax ou xifópago; abdome ou onfalópago; e, coluna ou pigópago ). Todos resultam de uma gravidez de gêmeos verdadeiros. São do mesmo sexo e geneticamente idênticos. Incide em 1: 100.000 partos. Toma a denominação de gemelidade imperfeita e representa 1 :600 nascimentos de gêmeos.

Popularmente conhecidos como siameses para lembrar o país de origem dos mais famosos gêmeos da história deste tipo de anomalia: Sião, ou estado siamês, antiga denominação da atual Tailândia. Chang e Eng nasceram no Sião em 1811 e percorreram o mundo durante 63 anos. Casaram-se com duas irmãs, Adelaide e Sarah Anne Yates. Compartilharam a mesma casa durante longo tempo até que as ditas irmãs brigaram e foram cada qual, as irmãs é claro, para o seu lado. A partir de então, Chang e Eng faziam o percurso rotineiro entre as duas casas. A tempo, geraram 22 filhos ,10 um e 12 outro, respectivamente. Destes rebentos, apenas dois portavam deficiência auditiva.
Chang e Eng, inteligentes e astutos, trabalharam em atividades circenses como acrobatas, mágicos e humoristas, em várias temporadas no famoso Circo Barnum & Baily.
Na época em que viveram, as cirurgias de separação dos corpos, quase sempre, resultavam em morte. Em 1870 Chang sofreu um derrame cerebral que deixou paralítico a parte direita de seu corpo. Em 1874, aos 63 anos de idade Chang morreu de pneumonia. Eng não permitiu a cirurgia para a urgente separação de corpos e poucas horas depois, faleceu de causas naturais.

“ Mulher, nasci , quando contigo casei./ eu era, na imaturidade inupta / o feto inconcluso/teu amor me deu à luz/ e, na teratologia humana/ não sei de caso igual: / eu e tu ficamos xifópagos/os nossos corações estão pregados / os nossos olhos , idem/ os nossos lábios , idem./e se nessa união ,mais que visceral /sempre andamos juntos/ vendo eu o que tu vês / sentindo tu o que eu sinto/outro fenômeno de natureza superior/ vem conosco ocorrendo:/nossas almas se entrelaçam/ e , caminham , mãos postas , para Deus./ viajo agora./asas metálicas/ como lâminas de tesoura cirúrgica/ me separaram de ti materialmente, fisicamente/foi a operação – xifopagia /milhares de milhas aéreas nos separam/ todavia, o milagre da justaposição continuou/ continuou espiritualmente / continuou sublimadamente/ nunca , mulher / estive mais próximo de ti/ sinto nas veias teu sangue correr/ sinto no cérebro as tuas ideias afins/sinto no peito o ritmo do teu pulso/ sinto na fiel ausência/ a tua castidade conjugal/e nos teus ouvidos surdos como os meus/às vozes da sedução e do tumulto/ hás de estar escutando/ na mais alta ciclagem/ a música da saudade/ o apelo do carinho/ e o tropismo recíproco e real/ dos irmãos siameses/ somos, na verdade , mais que destinos gêmeos/que linhas paralelas/ que corpos bivalentes :/o mistério ou o impossível matemático da soma de unidades heterogêneas ... “

Operação – Xipofagia , mimoso ramalhete de flores saído das mãos castas do fortalezense João Jacques Ferreira Lopes (1910 – 1999), jornalista, cronista, poeta e pintor . Tal poema encontra-se inserido no livro” A Grande Viagem “ editado em 1966, com apresentação do príncipe Artur Eduardo Benevides.
O tal livro trata de uma viagem  de “ mil e uma horas “ aos Estados Unidos da América realizada por João Jacques e outros seus colegas de trabalho, como cortesia do governo americano para aprofundar a amizade entre os povos latinos  que estavam , na época , sob a ameaça da 
“ foice e do martelo “ !



sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

FLORBELA ESPANCA (1894 – 1930)


“ Quando morrer, é possível que alguém, ao ler estes descosidos monólogos, leia o que sente sem o saber dizer, que essa coisa tão rara neste mundo – uma alma -  se debruce com um pouco de piedade, um pouco de compreensão, em silêncio, sobre o que fui ou julguei ser. E realize o que eu não pude: conhecer – me”
Florbela Espanca (1894 – 1930) veio ao mundo no dia 8 de dezembro de 1894 no Alentejo, em Vila Viçosa. Seus pais foram João Espanca, fotógrafo e antiquário, e Antónia Lobo, uma criada de servir. Florbela foi registrada como filha de pai incógnita e viveu sua infância e foi educada pelo casal João Espanca e pela madrasta Mariana Espanca que era infértil. O romance proibido de João com Antónia ainda gerou um segundo rebento: Apeles Espanca, três anos mais novo que Florbela.
Ainda no curso primário a garota passa a assinar o nome como Flor d’ Alma da Conceição Espanca. Por volta de 1903, aos 8 anos de idade escreve uma poesia sobre um tema nada infantil “ A vida e a Morte “ mostrando a todos o que viria mais adiante.
“ O que é a vida e a morte / aquela infernal inimiga/ a vida é o sorriso /e a morte da vida a guarida/a morte tem os desgostos/a vida tem os felizes/a cova tem as tristezas/ e a vida tem as raízes/a vida e a morte são/o sorriso lisonjeiro/ e o amor tem o navio/e o navio o marinheiro “
Florbela casou- se cedo, aos 19 anos, em 1913, com Alberto Moutinho. Estudou no Liceu de Évora e em 1917 concluiu Letras do Curso dos Liceus. Em 1919 como estudante de Direito, Florbela publica sua primeira obra poética, o Livro de Mágoas, que obtém fria acolhida junto ao público. Neste período sofre um golpe cruel para sua alma sensível, um sofrido abortamento que lhe deixa como sequela uma renitente depressão. Logo em seguida o seu casamento desmorona.
Em 1921 Florbela enfrenta novo casamento, desta feita com um jovem militar, Antônio Guimarães e passa a viver em Matosinhos. Novo abortamento ocorre em 1923, e uma vez mais, Florbela desfaz sua relação marital e penetra na escuridão do quadro depressivo. Mário Lage, um médico, aparece na vida de Florbela em 1925 nascendo daí um novo romance de curta duração. Neste período Florbela sofre um profundo golpe, a perda num acidente aéreo do seu único irmão, Apeles Espanca , ocorrido em 6 de junho de 1927. A partir de então, Florbela não mais encontrará forças para se desfazer da tristeza e da falta de vontade de viver. Assim mesmo a poesia não abandona a sofrida alma de Florbela.
“ Minh’alma , de sonhar-te , anda perdida/meus olhos andam cegos de ti ver/não és sequer razão do meu viver/pois que tu és já toda minha vida!/ não vejo nada assim enlouquecida .../passo no mundo , meu amor , a ler/ no misterioso livro do teu ser/ a mesma história tantas vezes lida!/” tudo no mundo é frágil , tudo passa ...” / quando me dizem isto , toda a graça/duma boca divina fala em mim !/ e, olhos postos em ti, digo de rastros:/” ah! Podem voar mundos, morrer astros/ que tu és como Deus: Princípio e Fim “ /   Poema “ Fanatismo” musicado pelo cearense Raimundo Fagner (1949 -) .
“ Morte, minha Senhora Dona Morte/tão bom que deve ser teu abraço! /lânguido e doce como um doce laço/e como uma raiz , sereno e forte/não há mal que não sare ou não conforte/ tua mão nos guia passo a passo/ em ti , dentro de ti, no teu regaço/não há triste destino nem má sorte/ Dona Morte dos dedos de veludo / fecha- me os olhos que já viram tudo!/prende – me as asas que voaram tanto !/vim de Moirama , sou filha do rei/ má fada me encantou e aqui fiquei/à tua espera ... quebra -me o encanto !”
“ Eu quero amar, amar perdidamente! /amar só por amar : aqui ... além../ mais este e aquele, o outro e toda a gente.../amar !amar! e não amar ninguém!/ recordar? Esquecer? Indiferente!.../prender ou desprender? é mal? é bem?/  quem disser que se pode amar alguém / durante a vida inteira é porque mente !/ Há uma primavera em cada vida : é preciso cantá – la assim florida/ pois  se Deus nos deu voz , foi para cantar ! / e se um dia hei de ser pó , cinza e nada / que seja a minha noite uma alvorada/ que me saiba perder... pra me encontrar ..”
Às duas horas do dia 08 de dezembro de 1930, dia do seu aniversário, Florbela Espanca cai nos braços de Morfeu e segue viagem definitiva para dourar versos noutra dimensão, costurando um mar de saudades.
“ Deixa dizer -te os lindos versos raros/ que a minha boca tem pra te dizer!/são talhados em mármore de Paros/ cinzelados por mim pra te oferecer/tem dolências de veludos caros/são como sedas brancas a arder.../deixa dizer-te os lindos versos raros /que foram feitos pra te endoidecer!/mas , meu amor, eu não tos digo ainda.../que a boca da mulher é sempre linda/ se dentro guarda um verso que não diz!/amo-te tanto !e nunca te beijei.../e , nesse beijo , amor , que não te dei/ guardo os versos mais lindos que te fiz !”
Obras publicadas de Florbela Espanca:
 Poesia: Livro de Mágoas (1919); Livro de Sóror Saudade (1923) ; Charneca em Flor (1931); Juvenília ( 1931 ) ; Sonetos completos (1934).
Prosa: As Máscaras do destino (1931); Diário do último ano (1981); O dominó preto (1982).
Pouco dias antes da visita da Parca, Florbela sentencia:
“ – Sou pagã e anarquista, como não poderia deixar de ser uma pantera que se preza. Nem saúde, nem dinheiro, nem liberdade. A pantera está enjaulada e bem enjaulada, até que a morte lhe venha cerrar os olhos “.
Ponto final!.