sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

FLORBELA ESPANCA (1894 – 1930)


“ Quando morrer, é possível que alguém, ao ler estes descosidos monólogos, leia o que sente sem o saber dizer, que essa coisa tão rara neste mundo – uma alma -  se debruce com um pouco de piedade, um pouco de compreensão, em silêncio, sobre o que fui ou julguei ser. E realize o que eu não pude: conhecer – me”
Florbela Espanca (1894 – 1930) veio ao mundo no dia 8 de dezembro de 1894 no Alentejo, em Vila Viçosa. Seus pais foram João Espanca, fotógrafo e antiquário, e Antónia Lobo, uma criada de servir. Florbela foi registrada como filha de pai incógnita e viveu sua infância e foi educada pelo casal João Espanca e pela madrasta Mariana Espanca que era infértil. O romance proibido de João com Antónia ainda gerou um segundo rebento: Apeles Espanca, três anos mais novo que Florbela.
Ainda no curso primário a garota passa a assinar o nome como Flor d’ Alma da Conceição Espanca. Por volta de 1903, aos 8 anos de idade escreve uma poesia sobre um tema nada infantil “ A vida e a Morte “ mostrando a todos o que viria mais adiante.
“ O que é a vida e a morte / aquela infernal inimiga/ a vida é o sorriso /e a morte da vida a guarida/a morte tem os desgostos/a vida tem os felizes/a cova tem as tristezas/ e a vida tem as raízes/a vida e a morte são/o sorriso lisonjeiro/ e o amor tem o navio/e o navio o marinheiro “
Florbela casou- se cedo, aos 19 anos, em 1913, com Alberto Moutinho. Estudou no Liceu de Évora e em 1917 concluiu Letras do Curso dos Liceus. Em 1919 como estudante de Direito, Florbela publica sua primeira obra poética, o Livro de Mágoas, que obtém fria acolhida junto ao público. Neste período sofre um golpe cruel para sua alma sensível, um sofrido abortamento que lhe deixa como sequela uma renitente depressão. Logo em seguida o seu casamento desmorona.
Em 1921 Florbela enfrenta novo casamento, desta feita com um jovem militar, Antônio Guimarães e passa a viver em Matosinhos. Novo abortamento ocorre em 1923, e uma vez mais, Florbela desfaz sua relação marital e penetra na escuridão do quadro depressivo. Mário Lage, um médico, aparece na vida de Florbela em 1925 nascendo daí um novo romance de curta duração. Neste período Florbela sofre um profundo golpe, a perda num acidente aéreo do seu único irmão, Apeles Espanca , ocorrido em 6 de junho de 1927. A partir de então, Florbela não mais encontrará forças para se desfazer da tristeza e da falta de vontade de viver. Assim mesmo a poesia não abandona a sofrida alma de Florbela.
“ Minh’alma , de sonhar-te , anda perdida/meus olhos andam cegos de ti ver/não és sequer razão do meu viver/pois que tu és já toda minha vida!/ não vejo nada assim enlouquecida .../passo no mundo , meu amor , a ler/ no misterioso livro do teu ser/ a mesma história tantas vezes lida!/” tudo no mundo é frágil , tudo passa ...” / quando me dizem isto , toda a graça/duma boca divina fala em mim !/ e, olhos postos em ti, digo de rastros:/” ah! Podem voar mundos, morrer astros/ que tu és como Deus: Princípio e Fim “ /   Poema “ Fanatismo” musicado pelo cearense Raimundo Fagner (1949 -) .
“ Morte, minha Senhora Dona Morte/tão bom que deve ser teu abraço! /lânguido e doce como um doce laço/e como uma raiz , sereno e forte/não há mal que não sare ou não conforte/ tua mão nos guia passo a passo/ em ti , dentro de ti, no teu regaço/não há triste destino nem má sorte/ Dona Morte dos dedos de veludo / fecha- me os olhos que já viram tudo!/prende – me as asas que voaram tanto !/vim de Moirama , sou filha do rei/ má fada me encantou e aqui fiquei/à tua espera ... quebra -me o encanto !”
“ Eu quero amar, amar perdidamente! /amar só por amar : aqui ... além../ mais este e aquele, o outro e toda a gente.../amar !amar! e não amar ninguém!/ recordar? Esquecer? Indiferente!.../prender ou desprender? é mal? é bem?/  quem disser que se pode amar alguém / durante a vida inteira é porque mente !/ Há uma primavera em cada vida : é preciso cantá – la assim florida/ pois  se Deus nos deu voz , foi para cantar ! / e se um dia hei de ser pó , cinza e nada / que seja a minha noite uma alvorada/ que me saiba perder... pra me encontrar ..”
Às duas horas do dia 08 de dezembro de 1930, dia do seu aniversário, Florbela Espanca cai nos braços de Morfeu e segue viagem definitiva para dourar versos noutra dimensão, costurando um mar de saudades.
“ Deixa dizer -te os lindos versos raros/ que a minha boca tem pra te dizer!/são talhados em mármore de Paros/ cinzelados por mim pra te oferecer/tem dolências de veludos caros/são como sedas brancas a arder.../deixa dizer-te os lindos versos raros /que foram feitos pra te endoidecer!/mas , meu amor, eu não tos digo ainda.../que a boca da mulher é sempre linda/ se dentro guarda um verso que não diz!/amo-te tanto !e nunca te beijei.../e , nesse beijo , amor , que não te dei/ guardo os versos mais lindos que te fiz !”
Obras publicadas de Florbela Espanca:
 Poesia: Livro de Mágoas (1919); Livro de Sóror Saudade (1923) ; Charneca em Flor (1931); Juvenília ( 1931 ) ; Sonetos completos (1934).
Prosa: As Máscaras do destino (1931); Diário do último ano (1981); O dominó preto (1982).
Pouco dias antes da visita da Parca, Florbela sentencia:
“ – Sou pagã e anarquista, como não poderia deixar de ser uma pantera que se preza. Nem saúde, nem dinheiro, nem liberdade. A pantera está enjaulada e bem enjaulada, até que a morte lhe venha cerrar os olhos “.
Ponto final!.




Nenhum comentário:

Postar um comentário