quinta-feira, 28 de abril de 2016


JORGE DE LIMA, UM SER PLURAL

 
 
Jorge de Lima, poeta parnasiano, modernista, prosador, médico, pintor, fotógrafo e político. Um belo ser humano plural que navegou por muitos mares.
Jorge Mateus de Lima veio ao mundo na cidade de União dos Palmares no estado de Alagoas no dia 23 de abril de 1893. Filho de um rico fazendeiro e comerciante pernambucano, José Mateus de Lima e de Delmira Simões de Lima. Jorge de Lima teve uma infância feliz ora numa casa-grande de engenho, ora num belo sobrado na pracinha da matriz de União dos Palmares.
No ano de 1900 transferiu-se para Maceió e estudou no Instituto Alagoano e no Colégio Diocesano de Alagoas, dos Irmãos Maristas. Em 1911 ingressou na Faculdade de Medicina de Salvador onde concluiu o curso em 1915. No mesmo ano retornou a Maceió onde iniciou sua trajetória de operoso esculápio. Em 1919 elege-se Deputado Estadual pelo Partido Republicano de Alagoas e assume a Presidência da Câmara por dois anos. O Rio de Janeiro acolhe Jorge de Lima no ano de 1930 após um atentado a sua integridade física ocasionado por divergências políticas. Seus trabalhos passaram a se dividir entre o exercício da Clínica Médica e da cátedra de Literatura Brasileira na Universidade do Brasil. Em 1944 tentou o ingresso, sem sucesso, na Academia Brasileira de Letras. Uma real perda para aquele sodalício, sem a menor dúvida.  Em 1952 participa da fundação da Sociedade Carioca de Escritores (SOCE) e tornou-se seu primeiro presidente. No dia 15 de novembro de 1953, partiu Jorge de Lima empreender sua viagem de retorno para junto às musas.
Segundo o crítico literário Afrânio Coutinho, “ Jorge de Lima é um poeta de múltiplos caminhos ,  que começou escrevendo sonetos , praticou o Modernismo descritivo e a poesia negra , incursionou pela poesia religiosa e terminou cultuando uma poesia quase abstrata , ou tirante a escrita automática” .
“ O Acendedor de Lampiões “
Lá vem o acendedor de Lampiões de rua! / este mesmo que vem, infatigavelmente, / parodiar o sol e associar- se à lua / quando a sombra da noite enegrece o poente / um , dois , três lampiões, acende e continua / outros mais a acender impertubavelmente / à medida que a noite, aos poucos , se acentua / e a palidez da lua apenas se pressente / triste ironia atroz que o senso humano irrita:/ele , que doira a noite e ilumina a cidade/talvez não tenha luz na choupana em que habita /tanta gente também nos outros insinua / crenças , religiões , amor , felicidade /como este acendedor de lampiões de rua !
“ Essa Negra Fulô “
Ora, se deu que chegou / ( isso já faz muito tempo) / num banguê do meu avô / uma negra bonitinha / chamada negra Fulô / essa negra Fulô !/ essa negra Fulô! /Ó Fulô ! Ó Fulô ! / (era a fala da Sinhá ) / - vai forrar a minha cama / pentear os meus cabelos / vem ajudar a tirar/ a minha roupa, Fulô!/essa negra Fulô / essa negrinha Fulô! / ficou logo pra mucama /pra vigiar a Sinhá / pra engomar pro Sinhô !/ essa negra Fulô!/ essa negra Fulô !/  Ó Fulô ! Ó Fulô / (era a fala da Sinhá ) /vem me ajudar , ó Fulô / vem abanar o meu corpo/que eu estou suada , Fulô !/vem coçar minha coceira /vem me catar cafuné/ vem balançar minha rede/vem me contar uma história / que eu estou com sono , Fulô !/essa negra Fulô !/” era um dia uma princesa / que vivia num castelo/ que possuía um vestido /com os peixinhos do mar /entrou na perna dum pato /saiu na perna dum pinto /o Rei- Sinhô me mandou / que vos contasse mais cinco “ /essa negra Fulô ! essa negra Fulô ! /Ó Fulô ! Ó fulô ! /vai botar pra dormir / esses meninos , Fulô !/” minha mãe me penteou/ minha madrasta me enterrou/ pelos figos da figueira/ que o sabiá beliscou “ /essa negra Fulô ! essa negra Fulô! /Ó Fulô ! Ó fulô! /(era a fala da Sinhá chamando a negra Fulô! )/ cadê meu frasco de cheiro/ que teu Sinhô me mandou ? /- Ah! Foi você que roubou !/Ah! Foi você que roubou ! / o Sinhô foi ver a negra / levar couro do feitor / a negra tirou a roupa / o Sinhô disse : Fulô!/( a vista se escureceu que nem a negra Fulô ) /essa negra Fulô ! / essa negra Fulô ! /cadê meu lenço de rendas/ cadê meu cinto , meu broche /cadê o meu terço de ouro / que teu Sinhô me mandou ?/ah ! foi você que roubou ! ah ! foi você que roubou ! / essa negra Fulô ! essa negra Fulô! / o Sinhô foi açoitar /sozinho a negra Fulô / a negra tirou a saia /e tirou o cabeção / de dentro dele pulou/ minha negra Fulô / essa negra Fulô ! / essa negra Fulô! /Ó fulô ! Ó fulô ! /,  cadê ,cadê teu Sinhô / que Nosso Senhor me mandou ?/ Ah ! foi você que roubou / foi você , negra Fulô ?/ essa negra Fulô !
 
 
 

quinta-feira, 21 de abril de 2016

DUMONT – O PAI DA AVIAÇÃO

O bicho – homem sempre sonhou com a conquista dos céus. O filho de Dédalo, Ícaro, fugira do labirinto de Creta portando duas asas presas ao corpo por cera e encontraria a morte nas profundezas do mar por erro de cálculo. A história está pejada de exemplos de mártires e heróis sonhadores com um mundo alado. Santos Dumont daria ao Brasil as maiores glórias como um gigante - mesmo com estatura de 1,60 metros e peso de 50 quilos-  no campo da navegação aérea, na ligação dos continentes pelos ares e no progresso da humanidade como um todo.
Alberto Santos Dumont (1837 – 1932), cientista, inventor e aeronauta brasileiro, nasceu no dia 20 de julho de 1837 em Palmira, no estado de Minas Gerais. Seus pais foram Henrique Dumont (engenheiro empreiteiro de construção de estrada de ferro) e Francisca Santos Dumont.
Alberto passa a infância desbravando o mundo das máquinas numa grande fazenda de café de propriedade paterna, incluindo a direção de uma locomotiva “ Baldwin “ que rasgava os cafezais daquelas plagas.  Em seguida matriculou-se no colégio “ Culto à Ciência “ localizado em Campinas no interior do estado de São Paulo e, posteriormente, terminou seus estudos básicos no estado do Rio de Janeiro. Henrique Dumont, após sério acidente equestre em sua fazenda, buscou ajuda médica na Europa, mais exatamente em Paris. Era tudo que o jovem Alberto queria: materializar seu sonho adquirido nas leituras de Júlio Verne, a conquista dos céus. Um novo e variegado mundo descortinava- se à sua frente: Luz elétrica, automóvel e telefone. Aquele franzino jovem introspectivo e tímido nunca frequentou um banco de universidade, embora, através de professores particulares tenha desenvolvido aprofundados estudos de física, química, engenharia mecânica e elétrica. Num pequeno laboratório, Alberto partiu para a experiência com um balão sem motor e apenas impulsionado pelo vento. Seguiu-se a elaboração de um novo artefato motorizado. Deste modo, o “ petit Santos“ abocanhou um prêmio de 100 mil francos, oferecido pelo milionário Deutsh de la Meurth , por conta de um exitoso voo em tono da Torre Eifel . Seguiram- se novos protótipos e muitos insucessos com acidentes pondo em risco a vida do piloto e de terceiros. Santos Dumont virou atração em Paris nos primeiros anos do século XX. Em 04 de janeiro de 1910, Santos Dumont sofreu um grave acidente com o Demoiselle, seu avião particular. O desencadear da Primeira Guerra Mundial abalou de vez a frágil saúde de Santos Dumont que não concebia o uso militar da aviação. Numa viagem ao Brasil em 1928, o grande inventor brasileiro a bordo de um navio, seria saudado em sua chegada ao Rio de Janeiro por doze ocupantes ilustres de um hidroavião que, explodiu, à sua frente, levando todos para o fundo do mar. Mais um baque para a sensível alma de Dumont.  No dia 23 de julho de 1932 em pleno curso da Revolução Constitucionalista, em São Paulo, partia  Alberto Santos Dumont para sua última viagem , agora em segurança nas asas de anjos para usufruir de um novo mundo num eterno “ céu de brigadeiro “ .
Para amenizar um pouco o ar pesado, segue uma crônica do grande escritor, advogado e jornalista José Cândido de Carvalho (1914 - 1989): “ Vai, Arubinha, que o céu não tem caroço“ :
“ E entusiasmado com o foguetão que jogou um punhado de gente na Lua, o vereador Arubinha Pinto, de São José do Pontal, trepado numa cadeira, fez comício na porta do Cine imperial. Quanto mais falava, mais subia nos móveis e utensílios. Da cadeira a aba da janela e da aba da janela as partes mais altas do Cine Imperial. De repente estava na cumeeira, agarrado na vara do para – raio. E era rente do céu, estrelado de entusiasmo, que Arubinha expedia seu discurso para o povo amontoado na Praça do Piolho. O ferreiro Lalau Paranhos, que muito gostava de Arubinha , aconselhou com voz de martelo na bigorna :
- Desce, compadre! Tu não é bem-te-vi, tu nem aeroplano é. Cuidado com tua chiada dos peitos. Olha o vento encanado, compadre Arubinha !
Nas alturas, sacudindo a vara do para – raio, Arubinha soltava patriotismo pelas tarraxas em defesa de Santos Dumont. Assim:
- Uma banana das graúdas para quem apregoar que o Dr. Santos Dumont não inventou a avionagem . Foi ele e mais ninguém! Rebento o focinho do primeiro que garantir que não foi. Viva o Dr. Santos Dumont! Se não fosse sua inventoria bem que esses gringos nunca que botavam o pé na Lua. Nunca!
Foi nessa hora que um gaiato da Praça do Piolho mandou para o para – raio um pedido:
- Isso mesmo, Arubinha ! mostra para a estrangeirada que a povoação de São José do Pontal não perde para outra terra alguma . Voa de aeroplano, Arubinha . Solta fumaça pela cauda, faz barulhinho de maxambomba, mete os peitos e ganha altura que a gente garante tua viúva com uma pensão do governo. Vai, Arubinha . Os Santos  Apóstolos já estão na boca de espera. Vai que o céu não tem caroço!
Entusiasmado, Arubinha abriu os braços, saltou e morreu. Como um ovo esparramado na Praça do Piolho.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

PÁTRIA – EDUCADORA

“ Última flor do Lácio, inculta e bela / és, a um tempo, esplendor e sepultura :/ ouro nativo, que na ganga impura / a bruta mina entre os cascalhos vela ../ amo-te assim , desconhecida e obscura ./ tuba de tão alto clangor , lira singela / que tens o trom e o silvo da procela / e o arroio da saudade e da ternura ! /amo o teu viço agreste e o teu aroma / de virgens selvas e de oceano largo !/amo-te ò rude e doloroso idioma / em que da voz materna ouvi:” meu filho ! “/e em que Camões chorou, no exílio amargo / o gênio sem ventura e o amor sem brilho! “ . Poema “ Língua Portuguesa “ de Olavo Bilac (1865- 1918).
Minha língua pátria – mãe gentil, desrespeitada e ultrajada por vozes agourentas, banhadas em puro ódio, atropelando substantivos, adjetivos, verbos e advérbios, desnudando uma deseducação digna de pena, tudo sob as luzes televisivas de uma atordoada Pindorama.
Quanta falta fez uma simplória “ palmatória “ e um vigoroso “ puxão de orelhas “  na adequada educação de uns cabras barbudos , ou de umas destemperadas cabritas, no tempo certo. Agora urgia uma boa e corretiva surra de cinturão. Isso sim! Que pátria – educadora que nada! Uma vergonha, senhores!
Uma singular  lição de ensino de bons modos como nos velhos tempos, encontra-se na crônica de José Cândido de Carvalho (1914 – 1989) , jornalista , advogado e escritor brasileiro : “ Verbos e Gerúndios pelas Pontas dos Dedos “:
“ E o mestre Severino Moscovo recordando, na porta da Colombo, seus heroicos tempos de professor de gramática em Crubixais do Alto:
- Aquilo é que era educação! A gente largava a palmatória na meninada de sair verbos e gerúndios pelas pontas dos dedos. Os mestres tinham o apoio dos pais. Chiquinho Cravo, que depois foi deputado e senador, aprendeu gramática com meia dúzia de aulas de palmatória. Antônio Barbirato , filho Desembargador Barbirato das Neves , na primeira cacetada que levou na raiz do ouvido desmaiou . E quando voltou do desmaio estava falando francês. Aquilo é que era ensino! Hoje, com essa mania de modernismo, o negócio virou da cabeça para os pés. O mestre agora apanha dos alunos. Um colega meu do Educandário Afonso Pena levou uma cabeçada tão ferina que ficou três dias sem fala. Quando recobrou a voz foi para gritar pela progenitora e pedir aposentadoria. Não falando no caso do Doutor Penedo Riscado. Pegou tanto bofetão nas bochechas que botou pela boca Os Lusíadas de Camões, fora outras obras de pequeno porte. Por essas e outras é que deixei o ensino. A gente amassa um aluno e vai preso. Só porque retirei do seu devido lugar um par de orelhas, levei processo, fui destratado pelos jornais e comi o pão que o diabo faz em sua padaria de desgraças. Ensino, nunca mais! “
-Pindorama, ouve o clamor dos teus filhos enquanto é tempo! Preste atenção!




terça-feira, 12 de abril de 2016


ORDEM E PROGRESSO, DOIS POEMAS

Nos estertores do século XIX, em 15 de abril de 1895, o jornal “ O Pão “ da Padaria Espiritual, no seu número 14, publicou o poema “ Ordem e Progresso “ da autoria do ”padeiro” Bruno Jaci:

“ Depois que a Realeza fez naufrágio,

A nau do Estado segue falsa rota,

O crédito se extingue, aumenta o ágio,

Medonha se aproxima a banca rota.

Alça a guerra civil o horrendo colo,

Brasíleo sangue inunda o pátrio solo, é confusão a lei, farsa o Congresso ...

E, no meio do caos em que vivemos,

E, no abismo onde agora nos sorvemos,

Procuro, embalde, a Ordem e o Progresso!

Tinha a bandeira imperial outrora

Vinte estrelas em círculo arrumadas,

A cruz de Cristo, que ainda ou pouco adora,

E duas verdes ramas enlaçadas.

Mas foi- se a monarquia em boa hora

E em vez das duas plantas cultivadas

Um gládio vê- se no estandarte agora,

Por entre cinco pontas aguçadas.

As estrelas ficaram mais dispersas,

À toa e de grandezas mui diversas,

Com letreiros, que diz: Progresso e Ordem

E em contrário ao que o mote está dizendo

Como triste ironia, vamos vendo

Estrelas a granel, tudo em desordem”.

José Carlos da Costa Ribeiro Junior (1860- 1896), paraibano de nascimento, Bacharel em Direito, Promotor e Juiz de Aracati e Ipu. Foi admitido no dia 28 de setembro de 1894 na Padaria Espiritual com o pseudônimo de Bruno Jaci.

Em 2016, bem longe da época em que foi lançado o poema de Bruno Jaci, a situação do país continua praticamente a mesma, à beira de um profundo despenhadeiro. Segue um novo poema “ Ordem e Progresso “, este de autoria do poeta Joésio Menezes, nascido em 16 de maio de 1961 em Sergipe. Um vate da melhor cepa nordestina, cultor da Língua Portuguesa e Membro Fundador da Academia Planaltinense de Letras (APL):

“ Que a justiça é cega, eu sei;

Que nada faça contra os “ fortes “, é lei;

Que funciona em prol de poucos, é fato.

Que respeitam a Constituição, é mito;

Que a Ordem está em desordem, admito;

Que o Progresso está bem perto, é boato.

Que o governo seja improbo, não se admite;

Que ele bem trabalha, há quem acredite;

Que o povo tem culpa, não duvido.

Que os desonestos dominam, é inegável;

 Que a sociedade permita, é inaceitável;

 Que somos enganados, é sabido.

Que o Brasil é rico, está comprovado;

Que a miséria aqui reside, fato consumado;

Que a desigualdade é social, já foi dito.

Que a política anda mal, certamente;

Que a corrupção impera, é evidente;

Que esses males tenham cura, não acredito ...”

Não queremos golpes urdidos pela direita, centro ou pela esquerda “ e dispensamos os serviços de falsos salvadores da pátria ‘; rogamos que a Constituição seja respeitada, mas convenhamos que os limites da tolerância foram ultrapassados.

 O dever de casa de todo brasileiro é passar urgente a Nação a limpo ou amanhã será tarde demais! Só restarão pó e cinzas !

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 9 de abril de 2016

UMA CRÔNICA DA DAMA RACHEL DE QUEIRÓZ

Ano de 2016, mês de “ abril chuvas mil “ o cearense, uma vez mais implora aos céus um tiquinho d’água para aplacar a sede das gentes e dos bichos. Numa crônica datada de 23 de agosto de 1947 a grande dama cearense Rachel de Queiróz (1910 - 2003) desenha numa mimosa folha de papel “ Um Alpendre, Uma rede, Um Açude “:
“ Claro que esses três são apenas os termos essenciais: o alpendre é o abrigo, a rede o repouso, o açude a garantia de água e vida. Mas fora isso há os complementos – a casa, por exemplo. Fica a cavaleiro do alto e além do alpendre largo de três metros que dê uma boa rede atravessada, tem a sala ladrilhada de tijolos de barro vermelho, com a mesa e os tamboretes; a camarinha com o baú e a outra rede que a gente procura nas horas frias da madrugada; o corredor e a cozinha, com o fogão de terra ao canto, o pilão deitado e a cantareira dos potes bem fresca, posta na correnteza de ar.
À mão direita da casa o roçado- só uma garra de terra com quatro pés de milho e feijão para se ter o que comer verde. O chiqueiro da criação, com a sua dúzia de cabeças, entre cabras e ovelhas. Talvez uma vaca dando leite.
E o açude pequeno e fundo, ali ao pé, tão perto que não seja um esforço apanhar uma cabaça de água ou descer de casa para mergulhar e refrescar o corpo, nas horas de sol mais forte.
Um anzol pequeno de cará, um anzol maior para traíra, talvez uma espingardinha de chumbo para atirar num mergulhão ou numa marreca. O pau de matar cobra, o caco de enxada, o facão, a cuia de tirar leite.
Nada mais. Nem trabalho, nem ambição. Nem algodoal de colheita rica, nem pomar, nem curral cheio de gado fino. Nem baixio plantado de cana, nem engenho, nem alambique. Logo adiante do terreiro batido, o mato cresce por si, sem carecer de plantio nem limpa – Deus o faz nascer em janeiro e o próprio Deus o seca em julho.
Só a paz, o silêncio, a preguiça. O ar fino da manhã, o café ralo, a perspectiva do dia inteiro sem compromisso nem pressa. Vez por outra, um conhecido que chega conta as novidades, bebe um caneco d’água, ganha de novo a estrada.
Qualquer coisa enche a panela e o estômago, que o corpo quando dá pouco, pede pouco.
O esforço maior será mesmo o roçado, que é mister cercar ao menos com uma ramada de garrancho espinhento, abrir as covas, plantar ao romper das primeiras chuvas, dar uma ou duas limpas de enxada antes de apanhar o feijão e quebrar o milho. Assim mesmo, se se atirar aqui e além umas sementes de melão, jerimum ou cabaça, a rama alastra entre as covas do legume e não deixa o mato crescer.
No mês de janeiro rebenta verdinha a babugem do chão e as galinhas-d’angola semi- selvagens que moram no juazeiro do quintal começam a tirar suas ninhadas. Com o crescer das águas cresce o pasto, as cabras e a vaca dão cria. Se o ano for de bom inverno, talvez então o açude sangre, e o peixe sobe em cardume pela cachoeirinha do sangradouro, tanto e tão desnorteado que até se pega com a mão. No mês de maio as moitas de mofumbo se abrem todas em flores amarelas e enchem o ar com o seu cheiro doce de mimosa; em maio, também devem estar em flor as aguapés na tona do açude.
Em junho se quebra o milho e em julho é a floração dos pau- d’arcos; quase ao mesmo tempo começa a murchar a rama. Em agosto o mato perde a folha, que em setembro já forma um tapete quebradiço e ininterrupto no chão.
Dai por diante, com a caatinga seca, o mato cor – de – cinza na terra cor – de- cinza, por baixo do céu limpo e azul, começa a grande paz do verão. Os bichos pastam o capim seco e vêm beber pacificamente, sempre no mesmo lugar e a horas certas. A rede no alpendre balança e refresca na hora do mormaço e recebe a gente no colo, maternalmente.
E embora aconteça que o verão se prolongue janeiro afora, e não venha chuva, e o ano for péssimo – para isso mesmo ali está o açude com água para três anos – e nunca houve seca mais longa do que três anos. Ali estão os juazeiros, o pé de mandacaru para de tarde se dar rama à vaquinha e ao garrote. As cabras deixe estar que elas cuidam de si – as ovelhas é que talvez morram – mas que falta faz uma ovelha?
O chão não se acaba – e afinal de contas só do chão precisa o homem – para sobre ele andar enquanto vivo, e no seu seio repousar, depois de morto “

sexta-feira, 8 de abril de 2016


JOUBERT DE CARVALHO: MÚSICA E MEDICINA

Joubert Gontijo de Carvalho (1900- 1977) nasceu na cidade de Uberaba em Minas Gerais. Filho do fazendeiro Tobias de Carvalho e de dona Francisca Gontijo de Carvalho. Aos nove anos de idade o garoto Joubert tomou contato íntimo com o piano. Sua primeira composição musical data de 1913 com uma valsa denominada “ Cruz Vermelha “. Morando com a família em São Paulo, frequentou o Ginásio São Bento. Em 1920 já no Rio de Janeiro, Joubert inicia seu curso superior em uma Faculdade de Medicina. Em 1925 defende a Tese de Conclusão de Curso (TCC) com o sugestivo título: “ Sopros Musicais do Coração “. Compartilhar música e medicina nunca constituiu uma tarefa fácil. Muitos tentaram e ficaram à beira do caminho como o cearense Antônio Carlos Belchior (1946) e o carioca Noel Rosa (1910 – 1937).

Cantores famosos como Gastão Formenti , Francisco Alves , Orlando Silva , Carlos Galhardo , Silvio Caldas e Carmen Miranda ajudaram a propagar as músicas que saiam em profusão do “ ouvido interno “ de Joubert de Carvalho . A ele, também, se agregaram grandes compositores como o poeta Olegário Mariano (1889 – 1858) e David Nasser (1917- 1980), dentre outros.

“ Eu não quero outra vida / pescando no rio de Jereré /tenho peixe bom/ tem siri patola/ que dá com o pé /quando no terreiro/ faz noite de luar/ e vem a saudade me atormentar/eu me vingo dela /tocando viola de papo pro ar/ se ganho na feira/ feijão, rapadura /pra que trabalhar/sou filho de homem/ e o homem não deve / se apoquentar “.  Música “ De papo pro ar “ do ano de 1931.

“ Taí , eu fiz tudo pra você gostar de mim /Ah ! meu bem, não faz assim comigo não /você tem , você tem que me dar seu coração ! / meu amor , não posso esquecer/ se dá alegria faz também sofrer /a minha vida sempre foi assim/ só chorando as mágoas que não têm fim /  essa história de gostar de alguém/ já é mania que as pessoas têm / se me ajudasse Nosso Senhor/ eu não pensaria mais no amor “ .  Letra da marchinha “Pra você gostar de mim “ do ano de 1930. Esta foi uma das 28 músicas de Joubert de Carvalho que Carmen Miranda gravou ao longo de sua curta, mas brilhante trajetória de cantora e atriz.

Em 1932 Joubert de Carvalho compõe “ Maringá “ gravada por Gastão Formenti , tornando- se um clássico do cancioneiro popular. Comenta-se que tal música foi feita por encomenda para agradar ao político e escritor José Américo de Almeida (1887- 1980), autor do clássico romance “ A Bagaceira “ .

“ Foi numa leva que a cabocla Maringá / ficou sendo a retirante que mais dava o que falar/ e junto dela veio alguém que suplicou / pra que nunca se esquecesse de um caboclo que ficou /Maringá , Maringá /  depois que tu partiste/ tudo aqui ficou tão triste / que eu garrei a imaginar /Maringá , Maringá /para haver felicidade / é preciso que a saudade vá bater noutro lugar /Maringá , Maringá / volta aqui pro meu sertão /pra de novo o coração / de um caboclo sossegar /antigamente uma alegria sem igual /dominava aquela gente da cidade de Pombal/mas veio a seca , toda chuva foi embora / só restando então as águas dos meus olhos quando choram “ 

Nas décadas de 60 e 70 Joubert de Carvalho continuou sua reta lida de curador de almas e produzindo músicas com regularidade. O mercado fonográfico, contudo, encontrava- se interessado num outro tipo de gênero (Rock e MPB). Que pena!

“ Foi num dia de tristeza/ que a cidade abandonei / sem saber o que fazer / na esperança de encontrar / pela vida , algum prazer/alegria em algum lugar / lá no alto da Tijuca /tem um sítio bem florido /onde agora estou morando / com os pássaros em festa / de galho em galho cantando / lá dentro , pela floresta / minha casa é tão bonita / que dá gosto a gente ver / tem varanda , tem jardim/ ainda agora estou esperando / uma rede para mim / a embalar de quando em quando / minha casa é uma riqueza / pelas joias que ela tem / minha casa aqui tem tudo / tanta coisa de valor / minha casa não tem nada / vivo só , não tenho amor “

Música “ Minha Casa “ de Joubert de Carvalho.

O legado de Joubert de Carvalho vai permanecer por muito tempo como exemplo de uma vida regular dedicada à difícil arte hipocrática em perfeita conjunção com o efervescente mundo da música e da boemia .

 

 

 

 

 

 

domingo, 3 de abril de 2016

SIR THOMAS MORE

Thomas More (1478- 1535), ou Morus em latim ou, melhor ainda, Moro, em português. Foi um advogado, estadista, humanista , mártir e santo inglês.  Thomas recebeu uma plural e rica educação básica e graduou-se com distinção como bacharel em direito.  Contraiu matrimônio com Jane Colt . O casal gerou quatro filhos. Após o falecimento da primeira esposa, Thomas casou- se novamente, desta feita com Alice Middleton.  Lorde chanceler da Inglaterra no período de 1529 a 1532. Em 1531 foi feito cavaleiro real. No ano seguinte enfrentou com coragem, fibra e determinação o despótico rei Henrique VIII( 1491- 1547 ) que à época casado com Catarina de Aragão , sob as bênçãos da Igreja Católica, queria, a todo custo desposar uma concubina de nome Ana Bolena ( 1507 – 1536) . Henrique VIII rompeu, de forma abrupta todos os laços com o catolicismo e fundou uma nova Igreja da Inglaterra. More recusou-se a assistir a pantomina da coroação de Ana Bolena , bem como a assinar uma Lei de Sucessão , dando legalidade a futura prole do dito casal Henrique VIII e Ana Bolena . Por conta disto, Thomas More foi injustamente condenado a quinze anos de cárcere e , posteriormente ,  a pena capital .
A trajetória política e humanista de More mostra- se apaixonante. Transformou sua residência em Chelsea (Londres) num celeiro de intelectuais da melhor estirpe: Erasmo de Roterdã, Hans Holbein , Juan Vives e J. Colet . Inspirado no livro “ Elogio da Loucura “ do amigo Erasmo de Roterdã (1467- 1536), More lança um clássico do humanismo cristão, a “ Utopia “ onde coloca os fundamentos do humanismo frente ao mundo. Nos planos moral e religioso a obra apoiava uma política de paz como um bem em si mesmo; a organização democrática da sociedade em que todos os cargos se façam com justiça; a condenação de todo proselitismo fanático; a religião toma parte da entranha e da natureza do homem, de forma que, quem não reconhece Deus, não pode exercer cargos públicos nem ser um bom cidadão.
A morte de Thomas More, condenado a pena capital por Henrique VIII é considerada pela Igreja Católica como modelo de fidelidade à Igreja e à própria consciência e representa, fielmente, a luta sem tréguas da liberdade individual frente ao poder despótico e arbitrário. Foi declarado beato em 29 de dezembro de 1886 através de decreto do Papa Leão XIII e canonizado em 19 de maio de 1935 pelo Papa Pio XI. No ano de 2000, Santo Thomas More foi declarado “ Patrono dos Estadistas e Políticos “ pelo Papa João Paulo II:
“ Esta harmonia do natural com o sobrenatural é talvez o elemento que melhor define a personalidade do grande estadista inglês: viveu a sua intensa vida pública com humildade simples, caracterizada pelo proverbial “ bom humor “ que sempre manteve mesmo na iminência da morte.
Esta foi a meta a que o levou a sua paixão pela verdade. O homem não pode separar- se de Deus, nem a política da moral: eis a luz que iluminou a sua consciência. Como disse uma vez, “ o homem é criatura de Deus, e por isso os direitos humanos têm sua origem n’Ele, baseiam- se no desígnio da criação e entram no plano da Redenção. Poder- se- ia dizer, com uma simples expressão audaz, que os direitos do homem são também direitos de Deus “.
É precisamente na defesa dos direitos da consciência que brilha com luz mais intensa o exemplo de Tomas More. Pode –se dizer que viveu de modo singular o valor de uma consciência moral que é “ testemunho do próprio Deus, cuja voz e juízo penetram no íntimo do homem até as raízes de sua alma”, embora, no âmbito da ação contra os hereges, tenha sofrido dos limites da cultura de então “ .
Traços fundamentais do caráter da maioria das pessoas são atemporais e universais como: honestidade, coragem, compaixão e perseverança. Como não nascemos prontos, eles precisam ser aprendidos ao longo da vida terrena.
Aos homens de boa vontade da pátria caída no chão da lama da corrupção desbragada e  que nunca se curvam aos podres poderes :
“ Aceitar o castigo imerecido/ não por fraqueza, mas por altivez /no tormento mais fundo o teu gemido / trocar um grito de ódio a quem o fez/ as delícias da carne e pensamento / com que o instinto da espécie nos engana / sobpor ao generoso sentimento /de uma afeição mais simplesmente humana /não tremer de esperança nem de espanto / nada pedir nem desejar senão/a coragem de ser um novo santo /sem fé num mundo além do mundo. E então/morrer sem uma lágrima, que a vida/ não vale a pena e a dor de ser vivida “. Soneto Inglês n° 2 da autoria de Manuel Bandeira (1886 – 1968).

sábado, 2 de abril de 2016

OS ZULUS, LÁ E CÁ

Para o carnaval brasileiro dos idos de 50, os compositores Antônio Almeida e Antônio Nássara lançaram a marchinha “ O rei Zulu “ gravada por Blecaute (1919- 1983), “ o general da banda “ :
“ Rei zulu-u, o rei zulu / não paga casa, nem comida e anda nu / pode não ter dinheiro para gastar / mas tem mulher para chuchu/ rei zulu não precisa de dinheiro para viver/ tem casa para morar /comida para comer / mulher para namorar / atrás do murundu/ vamos saravá , minha gente ! /salve o rei zulu ! “
Os zulus constituem o maior grupo étnico da África do Sul e foram em tempos pretéritos bravos guerreiros. Entre eles, os homens podem contrair matrimônio com até quatro mulheres. Tem um porém: faz-se necessário o pagamento de um “ dote “ de cerca de vinte mil dólares ao sortudo sogro. Outro porém: em caso da escolhida ser uma mulher branca, nada custa! Pelo visto os brancos, lá e cá, constituem as “ zelites “.
Os zulus adoram política e sofrem uma maléfica influência do comunismo, como lá e cá. E, sim, também, bebem barbaramente, como lá e cá. Caso uma serpente venha a invadir um lar, a mesma será adorada, pois representa o “ espírito “ de um antepassado morto.
Segundo o filósofo e gênio carioca do Meyer, Millôr Fernandes (1934- 2012), “ A história não é uma tragédia, nem se repete como farsa. Pois, individual ou coletivamente, é apenas, e sempre foi, uma velhacaria “ .... como lá e cá !