segunda-feira, 28 de janeiro de 2019


"Alguns anos vivi em Itabira,
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
Vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
É doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
Esta pedra de ferro , futuro aço do Brasil;
Este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
Este orgulho , esta cabeça baixa...
Tive ouro , tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público
Itabira é apenas uma fotografia na parede
Mas como dói!"
Confidência do Itabirano , da autoria de Carlos Drummond de Andrade ( 1902 - 1987 ) , poeta , cronista e contista , considerado o mais influente nome da poesia brasileira do século XX.
O quadro que ilustra este trabalho é da obra do pintor cearense Barrica ( 1908 - 1993 ).
E dói fundo , este corrosivo mar de sílica e lama emplastando o uberoso chão mineiro em mais uma tragédia anunciada, fruto da ganância do bicho - homem e de seu total desrespeito às leis da Natureza !

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019



Velhas Árvores
Para o poeta Martinho Rodrigues
" Olha estas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas ;
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera , e o inseto, à sombra delas
Vivem , livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam - se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade !
Envelheçamos rindo ! Envelheçamos 
Como as árvores fortes envelhecem :
Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem !"
Soneto da autoria de Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac ( 1865 - 1918 ) , jornalista, contista , cronista e poeta brasileiro , considerado o principal representante do parnasianismo no país. Membro fundador da Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira 15 da instituição.
Há pouco , num café matinal , sorvendo momentos de poesia com um mestre da vida , um grande pastor de almas e perfeito polidor de palavras rimadas: Prof Martinho Rodrigues , minutos antes de assistir a mais um milagre da natureza com o nascimento de um novo filho de Deus !
Prenúncio de um dia feliz !

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019



Soneto
"Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada, 
Como a lua por noite embalsamada, 
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada !
Era um anjo entre nuvens d'alvorada 
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim , meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando, 
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo !"
Soneto da autoria de Álvares de Azevedo ( 1831 - 1852 ) , poeta ,contista , ensaísta, integrante da segunda geração romântica brasileira. Recebeu influência de nomes importantes como , Lord Byron, Alfred de Musset, e François - René de Chateaubriand.
Viveu e amou , sendo abatido aos 20 anos idade, em pleno vôo pela peste branca, a tuberculose, numa era antes do advento dos antibióticos.
Que pena !
Viva a Vida

Fim de tarde no Porto das Dunas, apreciando um arco - íris beijando o mar , depois de um dia onde São Pedro fez descer muita água enchendo de alegria o meu Ceará. O astro - rei pouco se apresentou , fazendo ouvido de mercador àqueles que cultuam a sua bela carruagem de ouro.
Hora de reverenciar Netuno .
Viva a vida !
"Proezas não tenho
Na vida tão pau
Nem lances terríveis
Tragédias enfim
Com choros pesados
E mortes no meio
Senão que uma vez
Morrendo afogado
Gritei pros passantes
Me acudam me acudam .
Mas isso é tão simples
Acho isso tão besta
Tão sem novidade
A vida todinha
Eu passo dizendo
Me acudam me acudam "
Poema - A Vida - retirado do livro "Alguns Poemas " , ano 1938 , da autoria de Antônio Girão Barroso ( 1914 - 1990 ) : nascido em Araripe , Ceará : poeta , contista , crítico, jornalista e advogado. Pertenceu à Academia Cearense de Letras.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019



O Circo Pede Passagem
Nesses dias brumosos que envolvem a "loura desposada do sol" de Paula Ney, salta do chão feito visagem as claras lonas de um "visitante da ilusão " trazendo de volta os folguedos da infância: um novo circo.
Na intimidade do bicho - homem residem a música, a dança e a inebriante alegria de um saltimbanco. 
Um noctívago que dobrado em si, vagueia solitário na chuva ; um pássaro que risca o azul do firmamento; uma folha que a balouçar cai nos braços da terra ; tudo emana graça e poesia.
No gigantesco mundo microscópico, no coração do átomo, bailam febris os elétrons e nos infinitos astros vibram as sinfonias da natureza.
Sejam bem vindos os rostos pintados dos nobres palhaços a nos mostrar que o riso e a lágrima, irmãos gêmeos, fazem companhia a todos nesse fugaz périplo terreal.
"Heróis da gargalhada, ó nobres saltimbancos, /eu gosto de vocês, /porque amo as expansões dos grandes risos francos/e os gestos de entremez, /e prezo, sobretudo , as grandes ironias/das farsas joviais/que em visagens cruéis, imperturbáveis, frias /à turba arremesssais!/ alegres histriôes dos circos e das praças, /ah, sim , gosto de vos ver /nas grandes contorçôes, a rir ,a dizer graças/de o povo enlouquecer, /ungidos pela luta heróica, descambada,/de giz e de carmim,/nas mímicas sem par, heróis da bofetada, /titãs do trampolim !/correi, subi, voai num turbilhão fantástico/por entre as saudações/ da turba que festeja o semideus elástico/nas grandes ascensões, /e no curso veloz , vertiginoso, aéreo, /fazei por disparar/na face trivial do mundo egoísta e sério, /a gargalhada alvar!/ depois , mais perto ainda, a voltar no espaço, /pregai - lhe , se podeis, /um pontapé furtivo, ó lívidos palhaços, /luzentes como reis !/
Eu rio sempre , ao ver aquela majestade, /os trágicos desdéns/com que nos divertis, cobertos de alvaiade, /a troco duns vinténs!/mas rio ainda mais dos histriôes burgueses, /cobertos de ouropéis, / que tornam neste mundo, em longos entremezes, /a sério os seus papéis. /são eles, almas vãs, consciências rebocadas, /que enfim merecem mais/ o comentário atroz das rijas gargalhadas/que às vezes disparais!/portanto, é rir, é rir, hirsutos, grandes, lestos, /nas cômicas funções, /até morrer, em desmanchados gestos, /de riso às multidões!/e eu, que amo as expansões dos grandes risos francos/e os gestos de entremez, /deixai- me dizer isto, ó nobres saltimbancos:/ eu gosto de vocês!"
Os Palhaços, da autoria do poeta português Guilherme de Azevedo ( 1839 - 1882 ).

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Volta Às Aulas
( um retorno cada vez mais caro )


" Juvenal Ouriço olhou o cartaz na porta: Escolinha A Toca da Raposa . Entrou, sentou - se e alisando seus vastos bigodes ficou aguardando diminuir o movimento da secretaria. Quando a última mãe de aluno retirou - se , Juvenal levantou - se e dirigiu - se à secretária :
- Por obséquio, eu desejava fazer uma matrícula. 
Pois não - disse a moça, apanhando uma ficha de matrícula - como é o nome de seu filho ?
- Não. Não é para o meu filho.
- Não? Pra quem é então? Seu sobrinho ?
- Não senhora . É pra mim mesmo.
- O senhor ? Mas aqui nós só temos maternal , jardim, alfabetização, essas coisas. É uma escolinha de primeiro grau.
- Eu sei - respondeu Juvenal muito sério - Eu vim me matricular no jardim de infância...
A professora informou o preço da anuidade , deu o modelo do uniforme e forneceu a relação do material escolar . Juvenal leu com atenção a longa lista e observou:
- Esse material aqui é até pro dia do vestibular ?
- Não senhor. É só para esse ano ...
Terminadas as aulas , Juvenal sentou - se emburrado no degrau da escola e indagou : - E agora , como é que eu saio ? Tia Lúcia sugeriu que chamasse a mãe. - " Minha mãe está muito velhinha "...
Aguardando a chegada da empregada junto com Juvenal , tia Lúcia não conseguiu esconder sua curiosidade e perguntou : " O que o senhor está fazendo aqui na escola? O senhor já não sabe de tudo isso ?"
- Sei, mas meus filhos não sabem.
- E o senhor tem filhos ?
- Tenho , cinco , pequenos.
- E por que não os coloca na escola ?
- Porque eu teria que abrir falência. Achei que seria melhor assim : ao invés de mandá - los , eu venho e à noite quando chego em casa conto pra eles tudo o que eu aprendi.
- E dá resultado ?
- Pode não dar. Mas sai muito mais barato. "
Excertos de uma saborosa crônica do livro " Juvenal Ouriço Repórter " da autoria de Carlos Eduardo Novaes: romancista , contista , cronista e teatrólogo carioca , publicado em 1977.
Quatro décadas passadas, o cenário continua bastante sombrio em Pindorama .Os livros didáticos persistem com preços estratosféricos , inacessíveis à maioria das pessoas. Cito como exemplo uma publicação indicada para o ensino fundamental , no ano letivo de 2019 : um opúsculo sobre cidadania, constando de 29 páginas, ao custo de 50 reais, e um livro de Geografia ao preço de 190 reais . Crueldade !
" Um país se faz com homens e livros " , frase do grande Monteiro Lobato (1882 - 1948 ) cada vez fica mais distante dessa brutal realidade .Continuaremos sendo um país do faturo e não do futuro. Até quando ?
Uma lástima! Acorda , Brasil !

O livro didático Crestomatia, da autoria do professor Radagasio Taborda , em sua vigésima quinta edição, servia nos anos 50 do século passado ao ensino da Língua Portuguesa, nos vários recantos do país.

"A última flor do Lácio, inculta e bela " de Olavo Bilac , bailava solene diante da meninada inquieta e curiosa.
Uma das páginas dissecadas em sala de aula era uma poesia , "Degeneração " da lavra do padre Correia de Almeida ( 1820 - 1905 ), presbítero secular e poeta satírico mineiro.
Degeneração ( dedicada aos políticos do seu tempo ) :
" Dos homens de civismo a pura raça
No torrão brasileiro degenera;
A uberdade tornou - se tão escassa
Que o terreno parece que não gera.
Por mais irrigação que se lhe faça,
Os frutos já não há, como os houvera;
A lavoura de outrora hoje é fumaça,
Cultivada fazenda hoje é tapera.
A indústria nacional é quase nula,
E é só de cavalheiro a que regula,
Consistindo nas trocas e baldrocas.
A terra , enfim, não é como dantes;
Depois de produzir muitos gigantes ,
Produz agora lesmas e minhocas ."
Hoje , Pindorama, prestes a renovar as presidências do Senado e Câmara Federal , o poema " Degeneração " continua firme , forte e verdadeiro, a cutucar nossa frágil democracia , deitada eternamente em berço esplêndido!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019



Quando brota a escuridão medonha da noite os cães ladram e tornam - se mais inquietos e agressivos. Ao raiarem os primeiros sinais do dia eles retomam, contudo , a sua esperada placidez. O mesmo se observa com o comportamento arredio do bicho - homem.
Nesses ásperos tempos as labaredas do ódio gratuito lambem a tênue paz que une os cidadãos comuns , varrendo e anulando qualquer possibilidade de convivência pacífica entre as pessoas. 
Enfim , adeus ao cavaco maneiro às portas das casas , em cadeiras de balanço, jogando conversa fora ou ao inocente racha no campinho de areia.
Segurança em verdade fica restrita às autoridades em seus veículos blindados escoltados por batedores ou aprisionados em condomínios de luxo , fortificados com múltiplos aparatos eletrônicos. 
Quando raiar o sol de uma nova era , espera - se que haja tempo de recuperar o que se destruiu na negra noite da intolerância e do ódio. 
"Ó míseras mentes humanas ! Ó cegos corações!" , como lamenta Lucrécio ( 94 - 50 a.C ), poeta e filósofo latino , a insensatez dos homens que , em vez de gozarem com inteligência e moderação as boas coisas da vida , impõem a si mesmos mil sacrifícios, devorados pela ambição de dinheiro e pela ambição de mando .
E o Ceará morrendo e resistindo , resistindo e morrendo !

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

A Dentista Baiana

"Melhor notícia do que essa é a de ter sido aprovada , na Bahia, uma senhora que fez exame de dentista. Registro o acontecimento com o mesmo prazer com que tomo nota de outros análogos; vai - se acabando a tradição que excluía o belo sexo do exercício de funções, até agora unicamente masculinas. É um característico do século: a mulher está perdendo a superstição do homem. Tomou -lhe o pulso: compreendeu que, se ele fez a Guerra de Tróia, e se serviu quatorze anos a Labão, foi unicamente por causa dela; e , desde que o reconheceu, subjugou - o.
No entanto, se aprovo que as senhoras façam concorrência ao Napoleão Certain, acho perigoso que as outras senhoras entreguem a boca aos dentistas do seu sexo. Em primeiro lugar, há de ser preciso muita e rígida virtude para que uma mulher não despovoe a boca de outra, quando lhe vir uns dentes de pérola, que obscurecem os seus ; em segundo lugar, quem os trouxer postiços arrisca - se a ver o caso denunciado nos mais discretos salões. Imagine - se o caso de rivalidade amorosa ..."
Sintam , senhores, a acidez dessa crônica e o fino humor de quem a construiu. Maldade !Coisa típica de gente nazi - fascista , machista, misógino, tão comum nos dias hodiernos em Pindorama ?
Cruz , Credo !
Pasmem , a dita crônica, no entanto , foi escrita em 30. 06. 1878 , pela magistral pena da maior figura da literatura brasileira, o jornalista , contista , romancista, poeta e teatrólogo Joaquim Maria Machado de Assis ( 1839 - 1908 ).
Na época e nos atribulados dias de hoje , tal crônica permanece incólume compondo o rico mosaico de nossas belas letras.
O tempora ! o mores !

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Que venha a criança 2019

Há cerca de quatro décadas frequento esse bucólico santuário - embocadura do rio Pacoti no Atlântico Oceano , Porto das Dunas - agora no ocaso de mais um sagrado ano , genuflexo rogando paz e ventura para todos :
" O belo é uma alegria para sempre,
Cresce sempre o seu encanto,
Nunca está aniquilado,
Nos reservará sempre satisfação,
Refúgio tranquilo, transporte, restauração.
É por isso que,
Toda manhã,
Teremos uma grinalda para nos ligar à terra,
Apesar do desânimo,
Da grande penúria, dos dias sombrios,
Dos véus tenebrosos,
Das pesquisas vãs,
Dos espaços inúteis "
A Beleza : Caminho para Deus , poema de Keats ( 1795 - 1821 ).
Belo Belo


Belo Belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco - fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero rever Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo Belo
Mas basta de lero - lero
Vida noves fora zero
Belo Belo , de autoria de Manuel Bandeira ( 1886 - 1968 ) , poeta , crítico de arte e literário, professor de literatura e tradutor , nascido no Recife.
Minha Nova Era 70

De mãos dadas com "o meu presente de Deus " Ana Lis , palmilhando caminhos do bom viver e chegando aos setent'anos !
"Quando você faz 20 anos está de manhã olhando o sol do meio dia. Aos 60 são seis e meia da tarde e você olha a boca da noite. Mas a noite também tem seus direitos. Esses 60 anos valeram a pena. Investi na amizade , no capital erótico, e não me arrependo. A salvação está em você se dar , se aplicar aos outros. A única coisa não perdoável é não fazer. É preciso vencer esse encaramujamento narcísico, essa tendência à uteração , ao suicídio. Ser curioso. Você só se conhece conhecendo o mundo. Somos um fio nesse imenso tapete cósmico.
Mas haja saco ! "
Carta escrita por Hélio Pellegrino ( 1924 - 1998 ) dirigida a Fernando Sabino ( 1923 - 2004 ) ao completar 60 anos. Ambos fizeram parte do " quarteto de cavaleiros de um íntimo apocalipse " com Otto Lara Resende ( 1922 - 1992 ) e Paulo Mendes Campos ( 1922 - 1991 ).