sexta-feira, 18 de janeiro de 2019



O Circo Pede Passagem
Nesses dias brumosos que envolvem a "loura desposada do sol" de Paula Ney, salta do chão feito visagem as claras lonas de um "visitante da ilusão " trazendo de volta os folguedos da infância: um novo circo.
Na intimidade do bicho - homem residem a música, a dança e a inebriante alegria de um saltimbanco. 
Um noctívago que dobrado em si, vagueia solitário na chuva ; um pássaro que risca o azul do firmamento; uma folha que a balouçar cai nos braços da terra ; tudo emana graça e poesia.
No gigantesco mundo microscópico, no coração do átomo, bailam febris os elétrons e nos infinitos astros vibram as sinfonias da natureza.
Sejam bem vindos os rostos pintados dos nobres palhaços a nos mostrar que o riso e a lágrima, irmãos gêmeos, fazem companhia a todos nesse fugaz périplo terreal.
"Heróis da gargalhada, ó nobres saltimbancos, /eu gosto de vocês, /porque amo as expansões dos grandes risos francos/e os gestos de entremez, /e prezo, sobretudo , as grandes ironias/das farsas joviais/que em visagens cruéis, imperturbáveis, frias /à turba arremesssais!/ alegres histriôes dos circos e das praças, /ah, sim , gosto de vos ver /nas grandes contorçôes, a rir ,a dizer graças/de o povo enlouquecer, /ungidos pela luta heróica, descambada,/de giz e de carmim,/nas mímicas sem par, heróis da bofetada, /titãs do trampolim !/correi, subi, voai num turbilhão fantástico/por entre as saudações/ da turba que festeja o semideus elástico/nas grandes ascensões, /e no curso veloz , vertiginoso, aéreo, /fazei por disparar/na face trivial do mundo egoísta e sério, /a gargalhada alvar!/ depois , mais perto ainda, a voltar no espaço, /pregai - lhe , se podeis, /um pontapé furtivo, ó lívidos palhaços, /luzentes como reis !/
Eu rio sempre , ao ver aquela majestade, /os trágicos desdéns/com que nos divertis, cobertos de alvaiade, /a troco duns vinténs!/mas rio ainda mais dos histriôes burgueses, /cobertos de ouropéis, / que tornam neste mundo, em longos entremezes, /a sério os seus papéis. /são eles, almas vãs, consciências rebocadas, /que enfim merecem mais/ o comentário atroz das rijas gargalhadas/que às vezes disparais!/portanto, é rir, é rir, hirsutos, grandes, lestos, /nas cômicas funções, /até morrer, em desmanchados gestos, /de riso às multidões!/e eu, que amo as expansões dos grandes risos francos/e os gestos de entremez, /deixai- me dizer isto, ó nobres saltimbancos:/ eu gosto de vocês!"
Os Palhaços, da autoria do poeta português Guilherme de Azevedo ( 1839 - 1882 ).

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