segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

A Volta das Andorinhas l
"Dias antes o sol sanhudo e encandescente /havia fulminado inexoravelmente /com seu olhar de fogo e vastidão do solo/beijara doidamente o enfebrecido colo/da serrania adusta, e andara pelos montes/sugando a última gota às desoladas fontes/roubara de um só trago as pérolas do orvalho/a descorada flor/pusera em cada galho/um gesto de terror e desespero /enchera de dor e de nudez a altiva cajazeira /de folhagem despida /a amarelenta grama /parecia um lençol intérmino de chama/fumegante a ondular pela planície afora/
Mas que transformação e que mudança, agora/que frescura de espaço e que harmonia ingente /ai como tudo canta e ri gostosamente /do céu, tal qual uma taça azul, de porcelana, enorme, um sol bondoso e louro se espadana /sobre a floresta e o mar e o rio e o vale e a serra /- dourado elo de amor unindo o céu e a terra/foi - se o fulvo rancor do seu olhar radiante/agora ele é o fiel, o estremecido amante /da natureza, e tem um riso dulcoroso /que inunda de ebriez, de um amável gozo /de carícias gentis a terra e os corações /rejuvenesce o campo :em niveos borbotões /atravessando a estrada, o múrmuro regato /oculta - se a gemer, na densidão do mato/há pegadas de chuva impressas sobre a areia / e pela várzea afora o gado pinoteia /e muge festival. Tudo renasce/às cores das alfombras, do céu, das pedras e das flores/tem uma nitidez esplêndida e vibrante /o velho lavrador, feliz, risonho, diante do pujante /esplendor da natureza, sente/um raio de esperança enche - lo, e, ansiosamente, voa ao roçado e cava/eis plantado o legume /-um pendor da abundância! /
Em célere cardume, as borboletas vão, insôfregas, acesas/numa sede de aroma, a voar pelas devezas /confundindo o matiz das asas irrequietas/às flores do vergel -imóveis borboletas /há orgia de sons e luz pela espessura/e longe, os urubus adejam pela altura/- negros traços sutis na tela da amplidão /mais abaixo desliza a plácida legião /dos maranhões, descubro agora uma andorinha/pousada no beiral ondeado da casinha/e uma outra a recortar garbosamente os ares/Assim como a andorinha aos nossos doces lares/voltou de novo após saudosa romaria//que fez, quando uma dor terrífica pungia/este amado torrão, e agora o espaço cruza / e pousa nos beirais; também a minha musa/- que vive de verdadeiras esperanças minhas/saudosa regressou : voltou com as andorinhas!"A Volta das Andorinhas , de autoria do poeta cearense Antônio Sales (1868 - 1940) e publicado no jornal A Quinzena , propriedade do Clube Literário, em Fortaleza, no dia 31 de janeiro de 1888.
Viva !
TRIO LOS PANCHOS



“Já não estás mais a meu lado, coração/na alma só tenho solidão/e se já não posso ver-te/porque Deus me fez querer-te/para fazer-me sofrer mais/sempre foste a razão do meu existir/adorar-te para mim foi religião/e nos teus beijos eu encontrava/o calor que me brindava/o amor e a paixão/é a história de um amor/como não há outra igual/que me fez compreender/todo o bem, todo o mal/que  deu luz a minha vida/apagando-a depois/ai que vida tão escura/sem teu amor não viverei”
Composição A História de um Amor, gravada pelo Trio Los Panchos.

A música popular hispano-americana do século XX foi marcada pelo romantismo do Trio Los Panchos, que teve origem na cidade de Nova York em 1944, no Teatro Hispânico, interpretando música rancheira mexicana. Em sua composição inicial haviam dois mexicanos, Chucho Navarro e Alfredo Gil, e um porto-riquenho, Hernando Avilés Negrón. Em 1948 o Trio Los Panchos faz sua primeira viagem ao Brasil onde permaneceu por cerca de três meses. Deu-se início a época de ouro desse conjunto vocal que conquistou plateias em Cuba, Porto Rico, Venezuela, México, e Estados Unidos. O Trio teve participação em 35 películas cinematográficas ao longo de sua trajetória, e que findou no ano de 1999. Foram vendidos milhões de cópias de seus discos de 78 RPM e álbuns LP, onde constam um legado de, aproximadamente, 1.100 canções.

“Não... eu não devo pensar que te amei/é preferível esquecer que sofri/não... não concebo que tudo acabou/que este sonho de amor terminou/que a vida nos separou, sem querer/caminhemos, talvez nos vejamos depois/esta é a rota que estava marcada/sigo insistindo em teu amor/que se perdeu no nada/ai, vivo caminhando/sem saber onde chegar/talvez /caminhando a vida nos volte a juntar/não, não, não, não”
Caminhemos, composição original do carioca Herivelto Martins (1912- 1992), lançada em 1947, no auge de um drama sentimental, que saiu das quatro paredes para comover a nação, entre Herivelto Martins e a cantora Dalva de Oliveira (1917- 1972). Essa versão acima da música, é a tradução livre do espanhol, gravada pelo Trio Los Panchos. Segue abaixo a letra original da composição Caminhemos.

“Não, eu não posso lembrar que te amei/não, eu preciso esquecer que sofri/faça de conta que o tempo passou/e que tudo entre nós terminou/ e que a vida não continuou pra nós dois/caminhemos, talvez nos vejamos depois/vida comprida, estrada alongada/parto à procura de alguém, à procura de nada/vou indo, caminhando sem saber onde chegar/talvez que na volta, te encontre no mesmo lugar”.
O Trio Los Panchos influenciou com sua estupenda performance a criação de vários conjuntos vocais ao redor do mundo. No Brasil se destacaram:
 Trio Irakitan: formado por Paulo Gilvan (voz e afoxé) Edinho(violão) e Joãozinho (tantan), e que teve origem em Natal, no Rio Grande do Norte, na década de 50. A primeira perda dolorosa do trio deu-se com a precoce morte de Edinho, nos anos 60. Irakitan, em tupi, significa verde mel ou doce esperança. O Trio Irakitan gravou cerca de 50 discos.
Trio Nagô: formado pelos cearenses Evaldo Gouveia, Mario Alves e Epaminondas de Sousa.

“Saberá Deus , se tu me queres ou me enganas/como não adivinho/seguirei pensando que queres/tão-somente a mim/não tenho direito na realidade/para duvidar de ti, para não viver feliz/porém eu pressinto que não estás comigo/mesmo estando aqui/saberá Deus, ninguém sabe nunca nada/morrerei de pena se este amor fracassar, ainda mais/por meu engano/ e devo estar louco para atormentar-me/sem haver razão , porém vou lutar/até arrancar esta ingrata mentira/ de meu coração”
Composição Saberá Deus, gravada pelo Trio Los Panchos.
“Tanto tempo desfrutamos deste amor/nossas almas se achegaram tanto assim/que eu guardo teu sabor/porém, tu levas também, o sabor de mim/se negares minha presença em teu viver/ bastaria abraçar-te e conversar/tanta vida eu te dei/ que por força tem já, o sabor de mim/não pretendo, ser teu dono/não sou nada e não tenho pompa/de minha vida dou o melhor/sou tão pobre que outra coisa posso dar/passarão mais de mil anos, muito mais/eu não sei se existe , a eternidade/porém além, tal como aqui/ em tua boca levarás o meu sabor”
Composição Sabor de Mim, gravada pelo Trio Los Panchos.

“Contigo aprendi/que existem novas e melhores emoções/contigo aprendi/a conhecer o mundo novo de ilusões/e aprendi/que a semana tem mais de sete dias/a fazer maiores minhas alegrias/e a ser ditoso, eu contigo aprendi/contigo aprendi/a ver a luz do outro lado da lua/contigo aprendi/que a tua presença não a troco por nenhuma/aprendi/que pode um beijo ser mais doce e mais profundo/que posso ir amanhã mesmo deste mundo/as coisas boas contigo já vivi /e contigo aprendi/que eu nasci no dia em que te conheci”

Composição Contigo Aprendi, gravada pelo Trio Los Panchos.
Ponto final!





quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018



A GRIPE INFLUENZA EM POUCAS PALAVRAS

A gripe influenza caracteriza-se como uma infecção viral aguda que afeta o sistema respiratório, de fácil transmissibilidade, distribuição global, comumente vista em surtos anuais de extensão, gravidade e magnitude variáveis.
Myxovirus influenzae é o agente etiológico da gripe, também conhecido como vírus influenza. Tal denominação deriva da crença errônea que relacionava a pressuposta “influência” dos astros com a ocorrência de epidemias. Era a força da astrologia antiga permeando assuntos terrenos.
Os vírus são partículas inertes, uma vez que não têm vida própria, dependendo das células do hospedeiro para se replicarem. Os vírus da gripe se dividem em três tipos (A, B e C). Apenas os tipos A e B têm relevância para os seres humanos. Os vírus influenza A são divididos em subtipos conforme suas glicoproteínas de superfície: hemaglutinina (H), em número de 16 e neuraminidase (N), no número de 9. Assim temos os subtipos H1NI (gripe suína), H2N2 e H3N2 (gripe de Hong Kong ou Australiana), por exemplo.
No Brasil, a segunda estirpe mais comum é a H3N2. O estado do Ceará, vivendo no primeiro semestre de 2018 sua quadra invernosa regular, precisa se preparar para um eventual surto de gripe influenza. Os postos de saúde e as emergências dos hospitais já evidenciam um substancial aumento na frequência dos quadros de “viroses respiratórias, intestinais e oculares”.
Faz parte das queixas dos clientes: febre, calafrios, dor de cabeça, tosse seca ou cheia, congestão nasal, dor de garganta, vômitos, diarreia, dor muscular, lacrimejamento e conjuntivite.
Os quadros graves podem evoluir para pneumonia, meningite, encefalite e síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) demandando pronto internamento e cuidados intensivos.
O modo de transmissão da gripe influenza faz-se através de perdigotos (tosse ou espirro) ou contato direto das mãos ou dos olhos com as mãos dos portadores de vírus.
Os medicamentos antivirais disponíveis possuem melhor eficácia se tomados nas primeiras 48 horas do início dos sintomas. Existem 5 tipos de fármacos:
Oseltamivir (Tamiflu); zanamivir (Relenza); peramivir (Rapavid); Amantadina e Rimantadina.
O tamiflu, pela praticidade e melhor acesso no Brasil, continua sendo a mais prescrita medicação para o combate da gripe influenza A, entre nós. Cumpre salientar que a utilização de antibióticos de nada adiantará, a menos que haja uma infecção secundária bacteriana, posto que, tais fármacos não atuam sobre vírus.
Crianças, gestantes, idosos e portadores de doenças crônicas debilitantes, constituem os grupos de maiores riscos de morbimortalidade, exigindo redobrado cuidado e pronta administração de fármacos.
Para a prevenção da gripe influenza é disponibilizada uma vacina, que conforme orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS), deve contemplar pelo menos três estirpes dos vírus influenza: duas estirpes de influenza A (H1N1 e H3N2); e uma ou duas estirpes de influenza B. A prescrição da vacina é livre para grávidas.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

AS BATALHAS DA ILHA DO RETIRO E DOS AFLITOS 


Para o Jornalista e poeta Vicente Alencar



Os operários da Rede Viação Cearense (RVC) que trabalhavam nas oficinas do Urubu, no bairro da Barra do Ceará, em Fortaleza na década de 30 do século passado, improvisaram dois times de futebol de poeira, o Matapastos e o Jurubeba, nomes de ervas que medravam na região. Assim deu-se a origem da agremiação de futebol, o Ferroviário Atlético Clube, nascida no dia 09 de maio de 1933. O cearense de Pacoti, Valdemar Cabral Caracas, destacado nome na história do desporto cearense constitui o patriarca do time coral. De início o Ferroviário atuou na Liga Suburbana de Futebol, onde em 1937, sagrou-se campeão. A partir do ano de 1938 o Ferroviário passou a atuar na divisão principal do futebol cearense, a convite da Associação Desportiva Cearense (ADC).
Até os dias de hoje a trajetória do time coral mostrou-se permeada de retumbantes vitórias e feitos memoráveis:
1941: Na inauguração do Estádio Presidente Vargas, o Ferroviário vence o time do Tramways Sport Club, pelo placar de 1X 0, com o gol assinalado pelo atleta, Chinês.
1945: Ferroviário torna-se pela primeira vez, Campeão Cearense, contando com os seguintes jogadores: Zé Dias; Caranguejo; Babá; Alderir; Benedito; Chinês; Dandoca; Aracati; Charutinho; Almeida e Pipi.
1950: Pela segunda vez, Ferroviário chega a Campeão Cearense. Jogadores utilizados: Zé Dias; Manuelzinho; Nozinho; Índio; Vareta; Vicente; Nirtô; Três Orelhas; Zé Maria; Fernando e Pipi.
1952: Terceiro título de Campeão Cearense, do Ferroviário. Jogadores do elenco: Juju; Nozinho; Macaúba; Vicente; Mário Serejo; Manuelzinho; Nirtô; Três Orelhas; Zé Maria; Macaco e Fernando.
1953; 1955; 1960 e 1963: O Ferroviário tornou-se nessas ocasiões, Vice-Campeão Cearense.
1968: Quarto título de Campeão Cearense pelo Ferroviário. Jogadores utilizados: Edilson José; Douglas; Gomes; Wellington; Cavalheiro; Luiz Paes; Roberto Barra Limpa; Barbosa; Coca-Cola; Mano; Sanega; João Carlos; Ademir; Lucinho; Paraíba; Edmar e Raimundinho.
1970: Quinto título de Campeão Cearense pelo Ferroviário. Jogadores da equipe: Aloísio Linhares; Louro; Hamilton Aires; Gomes; Eldo; Coca-Cola; Mano; Paulo Veloso; Hamilton Melo; Edmar e Alísio. Talvez, em toda a trajetória vitoriosa do Ferroviário, a equipe mais consistente, pejada de craques, na verdadeira acepção da palavra.
1979: Sexto título de Campeão Cearense pelo Ferroviário. Jogadores do elenco: Edmundo; Lúcio Sabiá; Arimatéia; Celso Gavião; Jorge Luís; Jorge Henrique; Raulino; Geovar; Paulo César; Terto e Babá.
1980; 1981; 1982 e 1983: Novamente, nesses anos, o Ferroviário tornou-se Vice-Campeão.
1988: Sétimo título de Campeão Cearense pelo Ferroviário. Jogadores: Robinson; Silmar; Marcelo Veiga; Juarez; Arimateia; Djalma; Arnaldo; Alves; Jacinto; Mazinho e Barrote.
Em 21 de agosto de 1988, no Estádio Castelão, Ferroviário e Ceará disputavam a final do terceiro turno do campeonato cearense. O Ferroviário jogava por um empate e perdeu, de goleada (5x1), no tempo normal. Na prorrogação prevista, o Ceará se apresentava como franco favorito, em vista do baixo estado de ânimo dos atletas corais, em decorrência do elástico placar sofrido. No final, Arnaldo e Guina, fizeram os dois gols que deram a vitória ao Ferroviário por 2x0. Coisas do futebol!
1994: Oitavo título de Campeão Cearense pelo Ferroviário. Jogadores: Roberval; Naza; Batista; Lima; Santos; Branco; Ricardo Lima; Cícero Ramalho; Basílio; Batistinha e Reginaldo.
1995: Nono título de Campeão Cearense pelo Ferroviário, e o primeiro de Bi- Campeonato. Jogadores: Jorge Luís; Naza; Batista; João Marcelo; Santos; Alencar; Ricardo Lima; Roberval; Hilton; Piti; Robério; Biriba; Acácio; Paulo Adriano; Branco e Reginaldo.
Em 1998, deu-se a privatização da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) que ocupara o lugar da antiga Rede Viação Cearense (RVC). A nova empresa agora passou a se denominar Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN). Teve fim, de modo brusco, a ajuda financeira que o time do Ferroviário recebia, há tempos, da RVC e RFFSA. Desde então, os títulos do Ferroviário sumiram e sua fiel torcida foi minguando. Aqueles torcedores, que outrora enchiam vagões da sacolejante “Maria Fumaça”, sob a batuta da Dona Filó e do folclórico Zé Limeira, hoje não lotam um ônibus.
Ainda mostrando sinais de vida e fazendo das suas, o querido Ferroviário pregou uma peça no Sport Clube do Recife, em plena Ilha do Retiro, neste dia 15 de fevereiro. Perdendo de 3x0 até os 30 minutos do segundo tempo, chegou ao empate com gols de Mazinho (2) e Valdeci. Indo para os pênaltis, o Ferroviário levou a melhor (4x3).
Segue a formação dos valorosos jogadores corais que honraram a camisa do Ferroviário nesta peleja histórica: Bruno Colaço; Amaral; Jean (Valdeci); Túlio; Sávio; Erandir; Mazinho; Janeudo; Andrei; Valdo Bacabau, e, Mota.
Assim findou a” Batalha da Ilha do Retiro”. Uma outra “guerra” aconteceu num campo de futebol em Recife, fato passado há 10 anos, conhecido como a” Batalha dos Aflitos” quando o Náutico Pernambucano perdeu para o Grêmio Gaúcho, mesmo jogando com quatro jogadores a mais, e ainda desperdiçando um pênalti no transcorrer da refrega.
Coisas do futebol, coisas do Ferroviário!
Francisco Eleutério/Francisco Clayrton

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Domingo do pé de cachimbo, no Parque do Cocó, em Fortaleza. Onde há três meses conviviam plantas desvitalizadas e lagoas secas, hoje exubera a vida em cores, por conta do milagre aquoso caído dos céus. Trata-se da impermanência da vida. É Heráclito de Éfeso redivivo : "não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio". Quando retornamos ao rio, as águas e nós, seremos outros.

A cada segundo nossas células nascem e morrem. A natureza segue a mesma ordem.
Como diz o sábio vietnamita Thich Nhat Hanh :

"A minha natureza é envelhecer/não posso evitar o envelhecimento /a minha natureza é adoecer /não posso evitar ficar doente/a minha natureza é morrer/não posso evitar a morte /tudo que é querido por mim e todos os que amo/ têm a natureza da mudança /não posso ser separado deles/minhas ações são minhas únicas posses /não posso escapar às consequências das minhas ações /elas são o solo que me sustenta ".

Vale a pena buscar a utopia :

"Eu quero uma casa no campo /onde eu possa compor muitos rocks rurais /e tenha somente a certeza/dos amigos do peito e nada mais/eu quero uma casa no campo/onde de eu possa ficar do tamanho da paz/e tenha somente a certeza/dos limites do corpo e nada mais/eu quero carneiros e cabras pastando/solenes no meu jardim /eu quero a esperança de óculos /e um filho de cuca legal/eu quero plantar e colher com a mão /a pimenta e o sal/eu quero uma casa no campo/do tamanho ideal, pau a pique e sapé/onde eu possa plantar meus amigos/ meus discos e livros, e nada mais"

Composição : Casa no Campo, de autoria de Tavito/ Zé Rodrix.


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

ALUCINAÇÃO/BAHIUNO/BELCHIOR



No ano bissexto de 1976 acontece o lançamento do álbum “Alucinação” da autoria do cearense Antônio Carlos Belchior (1946-2017), que há pouco surgira no mundo da Música Popular Brasileira com a canção vencedora do IV Festival Universitário: “Na Hora do Almoço”, no ano de 1971, defendida por Jorginho Telles e Jorge Nery..

“No centro da sala, diante da mesa/no fundo do prato, comida e tristeza/a gente se olha, se toca e se cala/e se desentende no instante que fala/medo, medo, medo, medo, medo, medo/cada um guarda mais o seu segredo/a sua mão fechada, a sua boca aberta/o seu peito deserto, sua mão parada/lacrada e selada/e molhada de medo/pai na cabeceira: é hora do almoço/minha mãe me chama: é hora do almoço/minha irmã mais nova, negra cabeleira/minha avó reclama: é hora do almoço!/ei, moço!/eu inda sou bem moço/pra tanta tristeza/deixemos de coisa, cuidemos da vida/senão chega a morte ou coisa parecida/e nos arrasta moço, sem ter visto a vida/ou coisa parecida, ou coisa parecida/ou coisa parecida, aparecida/ou coisa parecida, ou coisa parecida/ou coisa parecida, aparecida”

Composição Na Hora do Almoço, autoria de Belchior.

Lançado pelo selo Phillips, o álbum “Alucinação” consagra a figura do compositor nordestino de voz anasalada, onde todas as dez faixas do disco, emplacaram no gosto popular como fecundos e duradouros sucessos. Uma característica desse beletrista cabeça-chata, se manteria como sua marca registrada: letras longas, vasadas num casto português, costurando temas poéticos, políticos, sociais e filosóficos, ligados à insatisfação da juventude, à rebeldia, à desumanidade da cidade grande e à dolorida solidão das pessoas destas capitais.

“Apenas um rapaz latino-americano”; “Velha roupa colorida”; “Como nossos pais”; “Sujeito de sorte”; “Como o diabo gosta”; “Alucinação”; “Não leve flores”; “A palo seco”; “Fotografia 3X4”; “Antes do fim”, compunham o singelo disco, hoje catalogado como um clássico da discografia nacional.
“Eu não estou interessado/em nenhuma teoria/em nenhuma fantasia/nem em algo mais/nem em tinta pro meu rosto/ou, oba-oba, ou melodia/para acompanhar bocejos/sonhos matinais/eu não estou interessado/em nenhuma teoria/nem nessas coisas do Oriente/romances astrais/a minha alucinação é suportar o dia-a-dia/e o meu delírio/é a experiência com coisas reais/um preto, um pobre, um estudante/uma mulher sozinha/blues jeans e motocicletas/pessoas cinzas normais/garotas dentro da noite/revólver : cheira cachorro/os humilhados do parque/com os seus jornais/carneiros, mesa, trabalho/meu corpo que cai do oitavo andar/e a solidão das pessoas/dessas capitais/a violência da noite/o movimento do tráfego/um rapaz delicado e alegre/que canta e requebra/é demais!/cravos, espinhas no rosto/rock, hot dog/play it cool, baby/doze jovens coloridos/dois policiais/cumprindo o seu duro dever/e defendendo o seu amor/e nossa vida/mas eu não estou interessado/em nenhuma teoria/em nenhuma fantasia/nem no algo mais/longe o profeta do terror/que a laranja mecânica anuncia/amar e mudar as coisas /me interessa mais “/

“Alucinação” composição da autoria de Belchior.

O rapaz latino-americano se desnuda num mar de verdades cruas, cortantes, feito faca, talhadas por um jovem que veio do Norte e que caiu na cidade grande, em tempos ásperos, no medonho redemoinho do Movimento Militar de 64, pondo fim a um juvenil sonho libertário para a triste América do Sul, do sal e do sol.

A partir de então, Belchior, quase que anualmente lança trabalhos, catapultado pela voraz mídia, até desaguar no enigmático CD “Bahiuno” da Gravadora Movieplay no ano de 1993, onde emergem cantos, desencantos e utopias, próprios dos turbulentos Anos 60 e 70 do século passado.

“Já que o tempo fez-te a graça de visitares o Norte/leva notícias de mim/diz àqueles da província que já me viste a perigo/na cidade grande, enfim/conta aos amigos doutores/que abandonei a escola para cantar em cabaré/baiões, bárbaros, bahiunos/com a mesma dura ternura/que aprendi na estrada e com Che/ah! Metrópole violenta que extermina os miseráveis/negros párias, teus meninos/mais uma estação no inferno/Babilônia, Dante eterno! Há Minas?/outros destinos ?/conta àquela namorada/que vai ser sempre o meu céu/mesmo se eu virar estrela/e aquelas botas de couro combinam com o meu cabelo/já tão grande quanto o dela/e no que toca à família/dá-lhe um abraço apertado que a todos possa abarcar/fora-da-lei procurado me convém/família unida contra quem me rebelar/cai o Muro de Berlim – cai sobre ti/sobre mim, Nova Ordem Mundial/camisa-de-força-de-vênus.../ah! Quem compraria, ao menos, o velho gozo animal/já que o tempo fez-te a graça de visitares o Norte/leva notícias de mim/o cara caiu na vida vendo seu mundo tão certo/assim tão perto do fim/dá flores ao comandante que um dia/me dispensou do serviço militar/ah! Quem precisa de heróis:/feras que matam na guerra e choram na volta ao lar/gênios-do-mal tropicais/poderosos bestiais/vergonhas de Mãe Gentil/fosse eu um Chico, um Gil, um Caetano/ e cantaria, todo ufano: ‘Os Anais da Guerra Civil”/ao pastor da minha igreja/reza que esta ovelha negra/jamais vai ficar branquinha/- não vendi a alma ao diabo.../o diabo viu mal negócio nisso de comprar a minha/se meu pai, se minha mãe se perguntarem, sem jeito/- onde foi que a gente errou?/elogiando a loucura/e pondo-me entre sonhadores/diz que o show já começou/trogloditas, traficantes, neonazistas, farsantes :/barbárie, devastação/o rinoceronte é mais decente do que essa gente demente/do Ocidente tão cristão”/  Composição Bahiuno, de autoria de Belchior e Francisco Casaverde.

O neologismo Bahiuno diz respeito a baiano, como eram denominados os nordestinos/nortistas que migravam para o Sul Maravilha, em busca da sorte grande, e, Huno, tribo nômade, bárbara, comandada pelo rei Átila, nominado “Flagelo de Deus”, que invadiu o Império Romano no século IV. Cumpre salientar, que em sua magnanimidade e doçura, Belchior põe-se ao largo, sendo um antípoda do sanguinário rei Átila.

 Em Bahiuno, o menestrel cearense faz chegar aos seus amigos e familiares notícias de sua aventura/desventura na Cidade Grande, referindo-se, também aos “doutores”, seus diletos companheiros da Faculdade de Medicina da UFC, Turma de 1973, apartados do compositor, de chofre, pela mão do destino, em 1971 com sua partida rumo a São Paulo. A letra faz clara menção ao guerrilheiro argentino/cubano Ernesto Che Guevara (1928-1967), trucidado na Bolívia; e a Dante Alighieri (1265-1321), poeta/ político florentino de quem Belchior tencionava traduzir a magna “Divina Comédia”.

Aparecem em “Bahiuno” as figuras de Chico(Buarque), carioca com fortes laços familiares em Pernambuco; Gil (Gilberto) e Caetano(Veloso), estes baianos, todos ídolos da MPB, a quem o cearense Belchior trata com a devida reverência (fosse eu um Chico, um Gil, um Caetano...).

Caetano, Gil, Betânia e Gal fizeram parte dos Doces Bárbaros e do Movimento Tropicalista, que influenciaram toda uma geração da moderna MPB. Não tardou a surgir na época, numa província do Norte, o “Pessoal do Ceará”, onde despontaram figuras como Augusto Pontes, Cláudio Pereira, Belchior, Raimundo Fagner, Ednardo, Rodger Rogério, Tetty, Fausto Nilo, Antônio José Brandão, Ricardo Bezerra, Ieda Estergilda, Cirino, Sérgio Pinheiro, Delberg, Francisca Neponuceno, Petrúcio Maia, Jorge Mello e Amelinha, dentre outros.
Do mesmo modo que o álbum “Alucinação” de 1976, põe em evidência a monumental figura do poeta, cantor, pintor e intelectual Antônio Carlos Belchior, Bahiuno, de 1993, fecha com chave de ouro a rica trajetória do bardo cearense, na história de nosso cancioneiro. Daí até 2017, ano de sua partida rumo às nuvens do divino, pouco foi acrescentado ao rico acervo musical talhado a cinzel pelo magistral” rapaz latino-americano, vindo do interior e sem parentes importantes”, mas que cravou sua marca indelével na moderna Música Popular Brasileira.

Francisco Clayrton/Francisco Eleutério.
  


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018



CARNAVAL DE ANTANHO EM FORTALEZA



“Este ano não vai ser/ igual aquele que passou/eu não brinquei/você também não brincou/aquela fantasia que eu comprei/ficou guardada, a sua também/ficou pendurada/mas esse ano está combinado/nós vamos brincar separados/se acaso meu bloco/encontrar o seu/não tem problema/ninguém morreu/são três dias de folia e brincadeira/você pra lá e eu pra cá/até quarta-feira”.
Até Quarta-Feira; composição de Humberto Silva/Paulo Sette.
“A estrela d’alva/no céu desponta/e a lua anda tonta/com tamanho esplendor/e as pastorinhas/pra consolo da lua/vão cantando na rua/lindos versos de amor/linda pastora/morena da cor de Madalena/tu não tens pena/de mim, que vivo tonto/com o teu olhar/linda criança/tu não me sais da lembrança/meu coração não se cansa/de sempre e sempre te amar”
As Pastorinhas; composição de João de Barro/Noel Rosa.
“Um pequenino grão de areia/que era um pobre sonhador/olhando o céu viu uma estrela/e imaginou coisas de amor, ô, ô, ô/passaram anos, muitos anos/ela no céu, ele no mar/dizem que nunca o pobrezinho/pode com ela encontrar/se houve, ou se não houve/alguma coisa entre eles dois/ninguém soube até hoje explicar/o que há de verdade é que depois/muito depois/apareceu a estrela-do-mar “
Estrela-do-Mar; composição de Marino Pinto/Paulo Soledade.
“Tanto riso/oh, quanta alegria/mais de mil palhaços no salão/Arlequim está chorando pelo amor da Colombina/nomeio da multidão/foi bom te ver outra vez/tá fazendo um ano/foi no carnaval que passou/eu sou aquele Pierrô/que te abraçou/que te beijou, meu amor/na mesma máscara negra/que esconde o teu rosto/eu quero matar a saudade/vou beijar-te agora/não me leve a mal/hoje é carnaval”
Máscara Negra; composição de Zé Keti/Hildebrando Matos.
“Confete, pedacinho colorido de saudade/ai, ai, ai, ai/ao te ver na fantasia que usei/confete, confesso que chorei/chorei porque lembrei o carnaval que passou/aquela Colombina que comigo brincou/ai, ai, confete/saudade do amor que se acabou”
Confete; composição de David Nasser/Jota Junior.
“Eu perguntei a um malmequer/se meu bem ainda me quer/e ele então me respondeu/que não/chorei, mas depois eu me lembrei/que a flor também é uma mulher/que nunca teve coração/a flor-mulher/iludiu meu coração/mas, meu amor/é uma flor ainda em botão/o seu olhar/diz que ela me quer bem/o seu amor/é só meu, de mais ninguém”
Malmequer; composição de Newton Teixeira/Cristóvão de Alencar.
“A sorrir você me apareceu/e as flores que você me deu/guardei no cofre da recordação/porém depois você partiu/pra muito longe e não voltou/e a saudade que ficou/não quis abandonar meu coração/a minha vida se resume/ó, Dama das Camélias/em duas flores sem perfume/ó, Dama das Camélias”
Dama das Camélias; composição de João de Barro/Alcyr Pires Vermelho.
Com a areia da saudade a arranhar minha cansada vista, percorro o antigo corso pela Avenida Dom Manuel e Duque de Caxias, no tríduo de Momo, numa Fortaleza coquete nos idos de sessenta do século passado. O Rei Luizão, Primeiro e Único, acompanhado de sua corte, abria a fuzarca animando os blocos oficiais: Prova de Fogo; Cordão das Coca- Colas; Garotas da Lua; Maracatus Ás de Paus/Espada/Ouro/Leão Coroado. 
Os Blocos dos Sujos, “os papangus” tangidos dos bairros da periferia, tocados pela cachaça, armados de serpentinas e confetes tiravam sarro com todos. No ar reinava o cheiro adocicado dos lança-perfumes da marca Rhodia, contrabandeados da vizinha Argentina. Não raro, um folião mais afoito, dava com as costas no Samdu ou na Assistência Municipal, nosso Palácio do Mercúrio Cromo.
“O Bloco da Vitória está nas ruas/desde que o dia raiou/venha minha gente/pro nosso cordão/que a hora da virada chegou/ô, ô, ô, ô /quando o povo decide/cair na frevança/não há quem dê jeito/aguenta o rojão/fica sem comer/mas no final, ei, tá tudo ok/neste carnaval/quá, quá, quá, quá/o negócio é gargalhar/e com bate-bate de maracujá/a nossa vitória vamos festejar”
O Bloco da Vitória; composição de Nelson Ferreira.
“É de fazer chorar/quando o dia amanhece/e obriga o frevo acabar/oh quarta-feira ingrata/chega tão depressa/só pra contrariar/quem é de fato um bom pernambucano/espera um ano/e se mete na brincadeira/esquece tudo quando cai no frevo/e no melhor da festa/chega quarta-feira”
É de Fazer Chorar; composição de Luiz Bandeira.
E viva Zé Pereira!

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Marchinhas Políticas de Carnaval



Tudo começou pelas mãos da maestrina Chiquinha Gonzaga(1847 -1935)com o magistral "Ó abre alas" em 1899. Desde então a política é um prato cheio para os compositores carnavalescos.
"Ó abre alas/que eu quero passar/eu sou da Lira /não posso negar/Rosa de Ouro/é quem vai ganhar".
Em seguida surge o "Cordão dos Puxa-Sacos ": 
"Lá vem o cordão dos Puxa-Sacos /dando vivas aos seus maiorais /quem está na frente é passado pra trás /e o cordão dos Puxa-Sacos/cada vez aumenta mais/Vossa Excelência /Vossa Eminência /quanta reverência nos cordões eleitorais /mas se o "doutor" cai do galho /e vai ao chão /a turma toda evolui de opinião /e o cordão dos Puxa-Sacos/cada vez aumenta mais"
Em Fortaleza, na Vila Morena, os rapazes com inveja dos militares americanos que namoravam as beldades da terrinha , apelidadas de garotas Coca-Cola, cantavam : "Lá vem o Cordão das Coca-Colas/dando vivas aos americanos " . Coisas do Ceará -Moleque .

Logo surgiu a música "Maria Candelária ", falando de um tipo, até hoje presente na dadivosa política brasileira :
"Maria Candelária/é alta funcionária /saltou de pára - quedas/caiu na letra"O", oh, oh, oh, oh/começa ao meio-dia/coitada da Maria /trabalha, trabalha, trabalha de fazer dó , oh, oh, oh, oh/à uma, vai ao dentista /às duas, vai ao café /às três, vai à modista /às quatro, assina o ponto e dá no pé /que grande vigarista que ela é! "
A marchinha seguinte era uma preparação para o retorno triunfal do camaleônico " Pai dos Pobres" , Getúlio Vargas (1883 -1954), aquele que "saiu da vida para entrar na História ":
"Bota o retrato do Velho, outra vez/bota no mesmo lugar/o retrato do Velhinho /faz a gente trabalhar /eu, já botei o meu/eu tu, não vai botar?/já enfeitei o meu/ e tu vai enfeitar?/o sorriso do Velhinho faz a gente trabalhar"

A próxima marchinha contempla o histriônico "salvador da pátria " Jânio Quadros (1917-1992), que governou o país por um breve período, deixando todos a ver navios:
"Varre, varre, varre, vassourinha /varre a bandalheira/que o povo já tá cansado /de sofrer desta maneira/Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado /Jânio Quadros é a certeza de um Brasil moralizado /alerta , meu irmão / vassoura , conterrâneo /vamos vencer com Jânio "

Hoje, 2018, estamos cansados e desiludidos, divididos entre "coxinhas e mortadelas", na pindaiba, mas com um mundo de motivos para banhar este carnaval com marchinhas políticas , incluindo candidatos a Presidente e Ministros. Estão excluídas do catálogo as músicas apelativas e grosseiras como " a cabeleira do Zezé; o teu cabelo não nega ", dentre outras.

E viva Zé Pereira!