domingo, 26 de junho de 2016

UM ESQUECIDO DOUTOR DE ALDEIA 

Quando o espesso véu da noite abraçava aquela minúscula vila perdida no cocuruto da serra punha-se em marcha o recorrente pesadelo na vida daquele jovem esculápio de 23 anos, responsável pelas duas mil almas que ali mourejavam. Era o breu da noite de braços dados com a sensação de desamparo, desespero, iminência de morte e medo do desconhecido.
Aí por volta da meia-noite umas fortes batidas na porta da casa do médico acordaram o sonolento e tonto profissional de saúde.
 “ – Doutor, minha mulher não consegue pregar os olhos por conta de muita dor nas suas partes íntimas “.
A infeliz criatura gemia deitada no chão de uma carroça. Ela fora examinada pelo tal médico há poucas horas com uma queixa de “ coceira “ na vagina. Diagnóstico provável: vaginite por fungo, e saíra com a simplória prescrição de “ banho de assento “ com Bicarbonato de Sódio. Tudo muito simples.
Agora a paciente, agoniada, encontrava-se deitada na sala de exames do minúsculo hospital , em posição ginecológica . O pobre doutor mal podia acreditar no que via: um vigoroso espéculo bivalve aberto na vagina, o chamado “ bico de pato “ único causador de todo aquele estropício. Com extremo cuidado o tal instrumento foi removido e silenciosamente colocado no balde de lixo desacompanhado de qualquer comentário. 
“ – Pronto, minha senhora, vou aplicar uma pomada anestésica e o alívio será imediato “ 
Naquele recinto, somente o tal pobre doutor de aldeia e Deus sabiam do infausto ocorrido. No sereno lá fora o esposo viu, de queixo na mão, sua mulher andando lépida e de um pulo subir na carroça esboçando um largo sorriso no rosto.
“ – Doutor, só Deus nas alturas para lhe pagar o feito e eternamente abençoar estas suas divinas mãos “ falou o agradecido esposo da paciente em pauta.
Dali em diante nunca mais tal “ esquecimento banal “ se apresentou na vida daquele humilde filho de Esculápio que ainda ficou obrigado a ouvir maldosamente, aqui e acolá, o aforismo “ Deus cura e o médico recebe a conta “: nem sempre, senhores, nem sempre!
 Amém!










domingo, 19 de junho de 2016

RUBEM E MILLÔR: DOIS BICUDOS QUE SE BEIJAM

Com a nossa Pátria Mãe Gentil chafurdando no lodaçal da corrupção, no seio da mais perversa crise política e social desde a Proclamação da República, vale a pena conversar com Millôr Fernandes (1923- 2012) e Rubem Alves (1933- 2014), dois bicudos que se beijam: trabalhadores da palavra, polêmicos, inconformistas, iguais a Sócrates, fustigando aqueles que entendem que o povo não pensa e que a justiça é cega, surda e manca. Millôr e Rubem, dois gênios, bons de serem lembrados nestes tempos de trevas. 
Rubem Alves:
“ A política dentre todas as vocações é a mais nobre e dentre todas as profissões, é a mais vil “ 
“ O crime não começa com o dedo que puxa o gatilho. Ele começa naquele que fabrica armas” 
Quem são os terroristas e criminosos? aqueles que usam as armas , ou aqueles que as fabricam e se enriquecem com o seu comércio ? 
“ Quando a gente vê São Jorge e o Dragão estabelecendo alianças é porque eles abandonaram os seus sonhos “

“ Os ratos entram no quarto dos queijos porque nós, cidadãos, fazemos os buracos. Os ratos estão lá por culpa nossa. Os buracos através dos quais os ratos entram são os nossos votos. Os ratos entram no quarto dos queijos democraticamente “ 
“ O povo unido jamais será vencido. É disso que eu tenho medo “ 
Millôr Fernandes:
“ Colarinho Branco não esmoreça agora! aguente mais um pouco. A corrupção precisa de você”
“ Só louco rasga dinheiro? Bobagem. Nem louco rasga dinheiro. Experimente jogar uma nota de cinquenta (ou mesmo de um!) num pátio de insanos . Vai ter briga pra pegar “ 
“ Lucro ilícito é precaução mínima que você tem que tomar pra não ter prejuízo”
“ Os brasileiros, como sempre, foram mais longe: inventaram o espirit de porcs , e criaram o porcorativismo “ 
“ Patrulha Ideológica não quer dizer nada. Perigo mesmo é a Picaretagem Ideológica “ 
“ Mas fiquem tranquilos. Nenhum de nossos vereadores, deputados e senadores jamais ultrapassou aquilo que lhe permite sua falta de caráter “
“ Conheço alguns burocratas acima de qualquer suspeita: só roubam em defesa do país “
“ Só esqueceram uma coisa na construção de nosso edifício social: a pedra fundamental “ 



sexta-feira, 17 de junho de 2016


O PAPAGAIO QUE SE FAZIA DE MUDO


 


Era uma vez um papagaio, gordo e triste, que não verberava um ruído sequer, mudo que nem uma pedra. O seu dono, um político pertencente a um partido que nunca larga o poder ou dum sol que nunca se põe, empanturrava o pobre psitacídeo com alimentos nada saudáveis e cobrava em contrapartida que ele não “ abrisse o bico “ mesmo sob a maior ameaça, fazendo sempre vista grossa acerca de tudo que visse e ouvisse. A ave seguia à risca o conselho pois sabia o tipo de gente com que lidava. Naquele recinto de ar pesado, circulavam políticos de todas as matizes, que surgiam do nada, olhando para os lados com as “ mãos abanando “ e dali partiam com pacotes de dinheiro “ in natura “ novinho em folha. Ninguém podia em sã consciência imaginar que o balofo papagaio oriundo dum pequeno burgo perdido no meio das caatingas abrigasse uma memória prodigiosa de um elefante. No seu possante hardware, em pastas selecionadas estavam datas, nomes, empreiteiras e valores originários de propinas.

Um belo dia, como soe acontecer nestas tragédias urbanas a polícia federal estourou o lúgubre recinto levando pastas, computadores e outros objetos sob suspeição. De quebra, um perverso agente da lei achou por bem dar ordem de prisão ao gorducho papagaio. O bicho se mantinha mudo que nem uma tosca pedra. Até que saiu a sentença fatídica:

“ – Não vai ter comida “ e se persistir na incômoda mudez vai ser cozinhado vivo!

O velho e matreiro papagaio, tentando salvar a pele abriu a matraca e verberou um minucioso relatório delatando deuses e o mundo, sem piedade, num didatismo incomum àquele gênero de ave. Escorria dele feito uma baba de dar nojo, um negro líquido parecendo petróleo, com um odor nauseabundo insuportável, da mais pérfida corrupção. O imbróglio ainda não teve seu desfecho, mas o baboso papagaio vindo do Norte e jurado de morte já entrou para a história como um alcaguete de luxo que detonou um devasso reino perdido da terra dos papagaios. Bem feito!

Como se percebe, o relato trata-se de uma simples fábula, um conto de carochinha ou uma inocente história de Trancoso. Ainda bem!

 

segunda-feira, 13 de junho de 2016

JUSCELINO KUBITSCHEK, O PRESIDENTE BOSSA NOVA 


Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902 – 1976), nasceu no dia 12 de setembro de 1902 em Diamantina no interior do estado de Minas Gerais. Seus pais foram João César de Oliveira, um caixeiro – viajante e Dona Júlia, uma modesta professora primária. O casal gerou três filhos: Eufrosina, que viveu pouco meses; Maria da Conceição (Naná) e Juscelino (Nonô). Em 1905 a tuberculose engole João César, aos 33 anos de idade, promovendo sérios danos ao sustento daquela pequena e pobre família. Em 1914 Juscelino ingressa no Seminário Diocesano onde conclui o curso de Humanidades. Em 1921 inicia o curso superior na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais recebendo o diploma de médico em 17 de dezembro de1927. Fizeram parte desta turma: Pedro Salles, historiador da medicina brasileira e Pedro Nava, memorialista  e poeta . Durante a fase de estudante universitário, Juscelino trabalhou na Empresa de Correios e Telégrafos, como telegrafista- auxiliar, emprego conseguido através de concurso público. Com apenas um ano de formado, Juscelino foi nomeado professor – assistente na disciplina de Física Médica da Faculdade de Medicina de Minas Gerais. No ano de 1930 Juscelino rumou para a Europa com fins de especializar- se em Urologia, passando por Paris, Viena e Berlim. Ao voltar para o Brasil, em dezembro de 1931 contraiu matrimônio com Sarah Gomes de Lemos que lhe deu duas filhas: Maria Estela e Márcia, esta adotiva. 
Em 1932 Juscelino foi nomeado médico do Hospital Militar da Força Pública de Minas Gerais e como capitão – médico participou da Revolução Constitucionalista de 1932. Em 1934 Juscelino foi eleito deputado federal pelo Partido Progressista de Minas Gerais, com um curto mandato por conta do golpe do Estado Novo promovido pelo “Pai dos Pobres “ Getúlio Vargas. Em 1940 Juscelino foi nomeado prefeito de Belo Horizonte por Benedito Valadares. Cercado de grandes nomes como Oscar Niemeyer (arquiteto), Cândido Portinari (pintor), Burle Marx (paisagista) e Alfredo Ceschiatti (escultor), Juscelino, apodado “ Prefeito – Furacão “, realizou um conjunto de obras, incluindo Pampulha, uma mini – Brasília. Criou a Escola de Arquitetura, o Instituto de Belas-Artes e o Museu Histórico de Belo Horizonte. Em 03 de outubro de 1950 Juscelino derrotou seu concunhado Gabriel Passos e tornou-se governador de Minas Gerais dando ênfase na Industrialização, Transporte e Energia. Ali firmou o alicerce e atapetou o caminho para sua futura ida ao Palácio do Catete. Durante sua gestão foram criados 120 postos de saúde, 137 prédios escolares, instaladas 2 faculdades de medicina, 1 faculdade de direito, 1 faculdade de farmácia e odontologia, 5 conservatórios de música e 1 Escola de Belas Artes. Criou a CEMIG (Centrais Elétricas de Minas Gerais) e implantou cerca de 3 mil quilômetros de estradas.
No dia 3 de outubro de 1955 Juscelino Kubitschek elege-se presidente do Brasil, tendo como vice- presidente João Goulart (Jango) derrotando os candidatos Ademar de Barros, Juarez Távora e Plínio Salgado. O seu Plano de Metas era “ 50 anos de desenvolvimento em 5 anos “. Eram 30 metas distribuídas em 6 itens principais: Energia, Transportes, Alimentação, Industria de Base, Educação e Construção de Brasília. Juscelino realizou um governo para ficar na História da República do Brasil.
Em 31 de janeiro de 1961 passou a faixa presidencial para o histriônico Jânio da Silva Quadros, “ A UDN de porre “, um verdadeiro desastre com o epílogo da sua renúncia em agosto de 1961   abrindo caminho para a Revolução de 31 de março de 1964 com a ascensão dos militares ao poder onde ficaram até o ano de 1985. Em 8 de junho de 1964 Juscelino foi cassado e seus direitos políticos ficaram suspensos por 10 anos. Daí partiu para um doloroso e prolongado exílio. Em 1974 elege-se para uma cadeira de imortal da Academia Mineira de Letras. No dia 22 de agosto de 1976 morre junto com seu motorista num acidente automobilístico no KM 165 da via Dutra. De lá para cá os que assumiram o cargo de presidente do Brasil , nenhum  teve o charme, a determinação , a audácia e o carisma de Juscelino . 
“ Bossa Nova mesmo é ser presidente / desta terra descoberta por Cabral /para tanto basta ser tão simplesmente /simpático, risonho , original /depois desfrutar da maravilha / de ser presidente do Brasil /voar da Velhacap pra Brasília / ver a alvorada e voar de volta ao Rio/voar , voar , voar /voar, voar pra bem distante /até Versalhes onde duas mineirinhas valsinhas /dançam como debutantes , interessante !/mandar parente a jato pro dentista / almoçar com tenista campeão /também pode ser um bom artista exclusivista /tomando com Dilermando umas aulinhas de violão/isto é viver como se aprova / é ser um presidente Bossa Nova / Bossa Nova , muito nova / nova mesmo , ultra nova “   .            Presidente Bossa Nova de Juca Chaves 



quinta-feira, 9 de junho de 2016


O ALIENISTA E O SEMIDEUS

Um dos maiores vultos das letras brasileiras, o carioca Machado de Assis (1834 – 1908) lançou no ano de 1882 o conto “ O Alienista “. A história transcorre no município de Itaguaí no Rio de Janeiro onde um certo esculápio, o Dr. Simão Bacamarte, “ filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas “ entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência e da saúde das pessoas. Deste modo com a ajuda de estipêndios oriundos do poder público, o Dr. Simão Bacamarte fundou um asilo em Itaguaí com o nome de “ Casa Verde “ para recolher das ruas os lunáticos da localidade. Aos poucos o dito abrigo foi recebendo cada vez mais criaturas tornando Itaguaí uma cidade quase fantasma. Logo formou-se uma rebelião contra o despótico doutor. Um belo dia correu a notícia que os ocupantes da Casa Verde ganhariam a liberdade e para o espanto de todos, o Dr. Simão Bacamarte mudara suas teorias acerca da loucura e da sanidade mental. Assim, sem mais nem menos, o nobre esculápio tornou-se o único ocupante da Casa Verde e ali morreu exatos dezessete meses depois do internamento solitário. Muitos acreditam que nunca houve em Itaguaí nenhum louco além daquele ilustre alienista, o Dr. Simão Bacamarte.

 Agora em pleno século XXI numa pobre província situada abaixo do equador, uma casa de reclusão verde e amarela foi erguida sob os auspícios do poder público com a finalidade de dar abrigo compulsório a gentes com sérios distúrbios de conduta, loucos pelo vil metal, “ aquele que ergue e destrói coisas belas “, uns tais sujeitos engravatados, de anel de brilhante nos dedos, cheios de lábia e plenos de regalias a que nenhum cristão tem direito.

Um severo servidor público graduado, doutor de beca negra, um semideus   portando nome e sobrenome estrangeiro tem tocado horror recolhendo à dita casa de detenção verde e amarela, numa velocidade estonteante, figuras carimbadas do mundo da política planaltina entre peixões e bagres. A cidade encontra-se quase vazia e entregue às baratas e ratazanas. Por último até uma figura nipônica, folclórica e midiática que se prestava a acompanhar, por ocasião do flagrante, os novos moradores da tal casa de correção foi devidamente autuado. Um vexame, senhores!  Perambulam pelas ruas vazias, grogues , meia dúzia de “ perninhas e vermelhos desbotados “ mostrando os dentes uns para os outros em atitudes beligerantes .Não se sabe ainda o epílogo desta tragédia bufa mas alguns conjecturam para o tal doutor de beca negra, um fim idêntico ao do Dr. Simão Bacamarte do conto do “ Alienista “ de Machado de Assis, o bruxo do Cosme Velho. Duvido, mas vamos esperar sentados para ver!

 Que sina, meu Deus, o deste país do faturo! Cruz, credo!

segunda-feira, 6 de junho de 2016


ASCLÉPIO E QUIRON

Asclépio ou Esculápio, um personagem mitológico, de quem nos dá conta Hesíodo (sec. VIII a.C.) representa um deus protetor da saúde e precursor da medicina. Era filho do deus Apolo com uma ninfa, Coronis. Reza a história que o arcádio Ísquis teve um romance com Coronis, denunciado por um corvo profético que vigiava a dita ninfa. Foi confiada à deusa Diana o castigo a Coronis que morreu sob flechas da deusa em sua mansão em Lakeria . Quando o corpo de Coronis encontrava-se sobre a pira, Apolo extraiu por uma cesariana o pequeno Asclépio. Este foi conduzido ao monte Pelion e posto sob a guarda do centauro Quiron que o educou ensinando-lhe as artes da caça e da medicina, assim como a cura de todas as doenças. Asclépio casou-se com Epione , daí surgindo a seguinte descendência : Higéia (deusa da saúde ) , Panacéia ( deusa do tratamento ) , Macaon ( pai da cirurgia ) , Podalirio ( pai da medicina interna ) e Telesforo ( representando a convalescença ) . Asclépio além de curar as doenças, ressuscitava os mortos, como nos casos de Glauco, Tíndaro e Hipólito. Por conta disto Plutão levou uma queixa ao tribunal de Júpiter, posto que, havia acontecido uma drástica redução de mortos sob sua jurisdição. Foi por isso Asclépio fulminado com um raio por Zeus. E desde então passou a ser cultuado como deus da medicina, tanto na Grécia como em Roma, como Esculápio.

Quiron era na mitologia grega um centauro filho do deus Crono e de uma oceânide Filira. Nasceu metade homem e metade cavalo, que se chamou pela espécie Centauro e como indivíduo, Quiron.  Viveu no monte Pelion , na Tessália . Tornou-se o mais sábio dos viventes em medicina, magia, arte de adivinhar o futuro, astronomia e música. Foi preceptor de heróis como Aquiles, Teseu, Asclépio e Aristeu. Relata- se que Héracles disparou acidentalmente uma flecha com o sangue da Hidra que atingiu Quiron que ascendeu ao céu como a constelação sagitário.