terça-feira, 21 de fevereiro de 2017


A SÍNDROME DA COUVADE, UM CASO


Para a Dra. Manuela Boyadjian


Nos idos dos anos 80 do século passado assumia a direção do Hospital Geral do Exército de Fortaleza, o coronel Wilson da Silva Bóia (1927–2005), médico, intelectual, músico, memorialista, boêmio nascido no Rio de Janeiro e que pertenceu a várias arcádias. Uma grande figura humana que lapidou um agradável ambiente de trabalho transformando o dito hospital numa verdadeira casa de amigos.

 Certa feita um casal buscou orientação no ambulatório de ginecologia e obstetrícia do Hospital do Exército: ele com 45 anos e ela com 42 anos de idade, casados há 20 anos e sem filhos. A montanha de exames apresentados, junto a uma minuciosa anamnese desenharam um quadro de esterilidade conjugal da parelha. Um jovem esculápio emitiu a prescrição simplória de um indutor de ovulação. Dois meses depois o maduro casal retorna ao ambulatório com um ultrassom evidenciando gravidez. Surpresa: gravidez de gêmeos.

A gestante mostrava severo quadro de náuseas, vômitos e astenia. Nova surpresa: o marido também estava acometido de vômitos incoercíveis do mesmo padrão da esposa. O obstetra afoito e sem pestanejar parabenizou o “ casal grávido “ mas fez uma ressalva: o cônjuge abrira um quadro patológico raro e bizarro, uma Síndrome da Couvade.

“ – O que? covarde, eu, um cabra da peste nascido nas brenhas da Serra Talhada. Me respeite, seu fedelho de uma figa “.
“ - Não, sargento, eu falei Couvade, e não, covarde “

“ – Vamos embora, mulher, que este doutorzinho não diz coisa com coisa “.
Teve assim um fim prematuro a assistência pré-natal ao casal grávido sobre a responsabilidade daquele esculápio. Um grupo de profissionais do Rio de Janeiro naquela época já defendia o pré-natal psicológico: Maria Tereza P. Maldonado (psicóloga), Jean Claude Nahoun (médico) e Paulo Belfort (médico) todos atuando em conjunto tratando corpos e mentes num momento de crise.
Um belo dia retorna o tal sargento, sem a esposa, solicitando uma licença de maternidade no nome dele. O obstetra elaborou uma licença de cinco dias e entregou ao portador. Ele, incontinenti, rasgou o documento recém elaborado, solicitando um outro de cento e vinte dias, conforme mandava a legislação.

“ - Quem pariu, suportando todas as dores fui eu. Quero o que tenho direito, ou o senhor se responsabiliza pela quebra do meu resguardo? 
Foi, a contragosto, refeito o atestado pois a Síndrome da Couvade, pelo visto, ainda se apresentava firme.

Denomina-se Síndrome da Couvade um distúrbio psicossomático onde, simbolicamente, o pai assume na gravidez, no parto e no puerpério o lugar da companheira grávida (Trethowan,1965). Para Perseval (1981) o ritual da Couvade seria um processo de identificação do homem com o bebê e a crença na existência de um elo muito forte entre pai e filho ( Maldonado , T. ; Psicologia da Gravidez ,9° Edição ,1988 .

 O ventre começa a estufar, náuseas e vômitos se apresentam, sonolência e vontade de comer alimentos exóticos. É isso mesmo, sintomas sugestivos de gravidez incipiente. Certo, mas nesse caso trata-se de um homem, companheiro de uma gestante. O médico na primeira consulta pré-natal já parabenizara o “ casal grávido “. A presença de sintomatologia típica de uma grávida no homem caracteriza a Síndrome da Couvade ( Trethowan, 1965 ).


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