segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O Palhaço, o que é?

Neste final de tarde de domingo do pé de cachimbo, num certo trecho do bairro da Aldeota , um jovem palhaço brinca com uns malabares, em busca de uns trocados para a dura lida. Revi num breve lance, figuras de minha distante infância como , Carequinha , Arrelia e Trepinha , nos gozosos Circo Garcia ou Nerino. 
Abri vexado a carteira e nada de encontrar umas salvadoras moedas. Entreguei, com sincera alegria d'alma , uma graúda cédula ao homem de nariz vermelho que ,de joelhos e lágrimas nos olhos tristes , me agradeceu ,num portunhol arrevezado.
De onde vinha aquela patética jovem figura ?
Certamente, de algum vizinho país da América Latina que vive na contramão da História, penalizando seu pobre e sofrido povo .
"Heróis da gargalhada, ó nobres saltimbancos /eu gosto de vocês, /porque amo expansões dos grandes risos francos/e os gestos de entremez/e prezo , sobretudo, as grandes ironias/das farsas joviais, /que em viagens cruéis, imperturbáveis, frias,/ à turba arremessais!/
Alegres histriôes dos circos e das praças, /ah, sim , gosto de vos ver/nas grandes contorçôes, a rir ,a dizer graças/de o povo enlouquecer/ungidos pela luta heróica, descambada, / de giz e de carmim/nas mímicas sem par, heróis da bofetada, / titãs do trampolim !/
Correi, subi, voai num turbilhão fantástico/por entre as saudações/da turba que festeja o semideus elástico/nas grandes ascensões ,/e no curso veloz , vertiginoso, aéreo, /fazei por disparar/ na face trivial do mundo egoísta e sério/a gargalhada alvar!/depois, mais perto ainda, a voltear no espaço /pregai - lhe, se podeis,/ um pontapé furtivo, ó lívidos palhaços/luzentes como reis !
Eu rio sempre, ao ver aquela majestade,/ os trágicos desdéns/com que nos divertis cobertos de alvaiade/a troco de vinténs!/
mas rio ainda mais dos histriôes burgueses, /cobertos de ouropéis/que tomam neste mundo, em longos entremezes, / a sério os seus papéis/são eles, almas vãs, consciências rebocadas, /que enfim merecem mais/o comentário atroz das rijas gargalhadas/que às vezes disparais!/
Portanto, é rir, é rir, hirsutos, grandes, lestos,/nas cômicas funções/até fazer morrer, em desmanchados gestos,/de riso as multidões!/
e eu, que amo as expansões dos grandes risos francos /e os gestos de entremez ,/deixai - me dizer isto , ó nobres saltimbancos:
Eu gosto de vocês!"
Poema Os Palhaços, do português Guilherme de Azevedo ( 1839 - 1882 )

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