segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Urubus

Neste sábado ensolarado na Praia do Japão, no litoral leste do Ceará dois nobres urubus prestam inestimável serviço à natureza , arejando o terreno para um novo Brasil que desponta. Que essas majestades negras que pairam acima da contingência da terra sirvam de lição para uns semideuses togados aqui neste pedaço de mundo , num delicado momento histórico.
" Não sei se todos, em criança, tivemos esta casta volúpia. - Olhar urubus voando ... Naqueles tempos, quando a sombra da velha do "Canto Alegre" crescia na calçada da frente, eu me estirava num couro de ovelha , e pascia a vista no côncavo do azul.
Mais longe , bem no alto, onde a distância vai matando o agudo dos contornos , passa sereno um camiranga. Fisgo - lhe os olhos, dando linha no infinito, qual fora um encantado papagaio de papel.
E a nódoa mingua num ponto, enterrando - se no céu, como alfinete em almofada de veludo. Outros surgem penetrando no ar , gizando curvas morosas, virguladas de reentrâncias e pontuadas de indecisões, até que rumam o horizonte sem fim.
Vezes há, tolda o levante um entrecruzar de asas delgadas como lâminas sarjando o espaço.
Por vezes, no equilíbrio do vôo, retratem de momento os encontros ,num espreguicar de cansaço. De raro , da altura, num arremesso de frecha, asas fechadas, dispara um tinga tinindo.
São urubus em raid.
Monótonos, negros, na majestade do vôo, pairam acima da contingência da terra.
Hoje , espelham a imagem da vida. Altos e inacessíveis, perpassam como as ilusões intangíveis e fugidias.
Quem , desgraçado mortal, ousa alcançá- las, objetivando um sonho, sente o fastio do real, a decepção talvez de ver um urubu em marcha..."
Composição " Urubu" , de Otávio Lobo ( 1892 - 1962 ) , médico , professor universitário, politico , escritor , pertencente à Academia Cearense de Medicina 

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