sábado, 2 de maio de 2015

 
 
AGNODICE E JOVITA FEITOSA   :   DUAS FEMINISTAS AFASTADAS NO TEMPO
Mundo  ,  vasto mundo , complexo e incongruente . Existe um universo  masculino e outro  feminino ? . Bem  , não era para existir , pois  somos uma só raça humana  que medra num  bólido chamado terra  girando  feito uma carrapeta  neste multiverso .  Ao longo da história as tentativas de segregar o homem da mulher apenas gerou conflitos e descriminação  descabida e besta .
 Duas mulheres que viveram em distintas épocas  não aceitaram passar em brancas nuvens pelo teatro da vida e  fincaram marcos de coragem e altivez mesclando  harmoniosamente o masculino e o feminino  : a grega Agnodice e a cearense Jovita Feitosa .
Agnodice :
 Viveu no século IV a. C. na Grécia onde estudou medicina em Atenas sob a orientação do famoso  Herófilo de Calcedônia ( 325-280 a.C. )  , um dos fundadores da escola médica de Alexandria . Credita-se a  Herófilo  o pioneirismo  na dissecação de cadáveres humanos  onde foram  descritos com detalhes uma  anatomia até então sujeita a erros  grosseiros  . As leis gregas de então  não  permitiam o exercício regular da profissão de medicina  a mulheres e escravos . Deste modo Agnodice  com consentimento paterno passou a vestir trajes masculinos e cabelos bem aparados para conseguir seu intuito de aprender  a arte  hipocrática como um “  homem de verdade “ . Uma vez descoberta a trama da jovem estudante   , a mesma foi levada a um tribunal no Areópago , onde segundo alguns , elevando o vestido à cabeça  mostrou sua verdadeira identidade . O mesmo desnudamento perante juízes foi praticado pela  cortesã grega Frinéia ( século IV a. C. ) e findando  com o mesmo resultado positivo .  A acusação que pesava sobre Agnodice constava de assédio masculino  às damas atenienses  .  Os juízes condenaram-na e em contraponto  as mulheres de Atenas intercederam em favor da  corajosa  dama de  branco.   Mas o crime permaneceu  , posto que ,  continuava   proibido o exercício da medicina por mulheres naquela sociedade mágica  em filosofia , arte e ciência , mas retrógrada com o modo de vida do vasto   universo feminino  .
 Agnodice  seguiu  em frente servindo a toda comunidade das mulheres  e estabelecendo de vez  a prevalência feminina  na assistência à saúde da mulher  . As leis atenienses foram modificadas  , a partir de então ,  para permitirem  o acesso de mulheres aos estudos formais de medicina . A obstetrícia  laica , domiciliar e exercida por mulheres sobreviveu aos mil anos da Idade Média e por volta do século XVII a figura masculina na arte de partejar e o parto hospitalar passaram a ser norma na sociedade em quase todo mundo civilizado .
Embora Agnodice seja citada pelo autor romano  , Caio Júlio  Higino  ,  no século I de nossa era , alguns sustentam  que esta pioneira ginecologista da história  represente  apenas uma mera figura  mítica . Do mesmo modo  há referência no antigo  Egito a uma  figura  -  Merit Ptah -  como uma médica atuante naquele pedaço de mundo  ao redor de 2700  a . C .  .
Jovita Alves Feitosa  :
Jovita Alves Feitosa ( 1848 – 1867 ) veio ao mundo na localidade de Brejo Seco , no sertão dos Inhamuns , região do Ceará  que deu pouso  a famosa guerra sertaneja  de duas tradicionais famílias , os Montes e os Feitosas . Seus pais foram Maximiano Bispo de Oliveira e Maria Alves Feitosa   Jovita  , que de nascença  era Antônia ,  ficou órfã de mãe com a idade de 12 anos por conta da terrível epidemia de cólera que grassou nos sertões nordestinos no ano de  1860 .  A partir de então em companhia do pai seguiu para o município de Jaicós no vizinho estado do Piauí  , onde foi acolhida por um tio , Rogério , mestre de uma banda de música .
Jovita percorreu  , sem a anuência de seus familiares ,   70 léguas  a pé em busca de Teresina , capital da Província , com vestes masculinas e cabelos cortados , portando um chapéu de vaqueiro com o firme propósito de se apresentar no Palácio da Presidência e oferecer seus préstimos como Voluntário da Pátria , na sangrenta e desigual Guerra do Paraguai ( 1865 – 1870 )  .  Brasil  , Argentina e Uruguai esmagaram as forças do General  Solano Lopez do minúsculo e bravo Paraguai . Atrocidades e excessos foram cometidas de lado a lado manchando a história da sofrida América  Latina .
A garota cearense  com feições bugres  , acaboclada e  falar desassombrado tinha à época 17 anos de idade  . O Sr. Dr. Franklin Dória  , Barão de Loreto e Presidente do Piauí , de pronto aceitou a  reivindicação  da corajosa sertaneja , fato este  ocorrido em 9 de julho de 1865 . Seu verdadeiro sexo fora descoberto numa feira do Piauí onde seus seios foram palpados e suas orelhas furadas observadas por uma moradora  local . Levada para falar com as autoridades policiais confirmou a suspeita  , era sim , uma mulher que queria ir a luta “ bater –se com os monstros  paraguaios que tanta ofensa tem feito às famílias no Mato Grosso “ . Assim Jovita sentou praça recebendo as divisas de Primeiro – Sargento  .  A partir de então Jovita virou uma celebridade acolhida com festas e loas por onde passava  .
  O entusiasmo de Jovita  pouco durou  ,  pois a 16 de setembro de 1865 o Ministro da Guerra do governo Brasileiro , mesmo louvando o oferecimento  da jovem cearense indeferiu seu pedido , posto que , havia a proibição de mulheres como combatentes .  Aos poucos as festas e as homenagens minguaram cavando um fosso na alma sensível da valente  Jovita .
 Numa passagem por Recife  ,  no Teatro Santa Isabel  , a jovem cearense foi assim saudada por um poeta local na presença do Presidente da Província  :
 “ Peço palmas para a moça
Que ocupa um lugar ali
Ela vale uma epopeia  :
Erguei- vos  , nobre plateia !
Essa amazona  aplaudi !. “
 A nobre heroína dos vetustos rincões cearenses  finou-se em 1867 no estado do Rio de Janeiro  , aos 19 anos de idade e passou para a história figurando no panteão ombreando- se a   grandes nomes de nossa história  como  Bárbara Heliodora , Maria Quitéria , Ana Nery e Bárbara de Alencar  . Um luminosa estrela que continua a dar rumo a sonhadores peregrinos .

 

 

 

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