quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

NATAL DE LUZES 2015

Acordei ontem com uma nostalgia batendo forte no peito e a saudade pedindo passagem. Calcei meu fonabor branco, limpo com alvaiade, vesti minha calça faroeste, uma supimpa camisa Ban- Lon vermelha com a gola levantada e caprichada cabeleira com a trunfa segura por brilhantina glostora. Pronto parti para um cavaco maneiro na Praça do Ferreira onde me afoguei naquele mágico mar de luzes e de lembranças. Sentei-me num tosco banco, quieto, antes de correr a vista estropiada caçando um agora inexistente Abrigo Central. Um fofo coro de anjinhos levitava nas sacadas do velho Excelsior Hotel. O cheiro do povo exalava naquele doce perfume de Água de Colônia provindo de algumas jovens senhoras com blusas justas coladas ao corpo deixando saltar largos pneus pelas cinturas balouçantes e suarentas. Acordei daquele sonho e parti em busca das lapinhas perdidas nos bairros distantes de Fortaleza, como no Cocorote ou Matadouro Modelo, mas servia, também, encarar os pastoris dos partidos azul e encarnado. Perdi-me em meio a nomes de logradouros que engoliram os originais e prosaicos: Rua da Palha, Rua da Cadeia, Rua de Cima, Rua do Pocinho, Rua das almas e Rua Formosa. Voltei sozinho, cantando o amor febril, mas não triste, pelejando com a memória um poema que marcou minha doce infância, já tão distante e que eu sabia de cor e salteado:
“ Eu não gosto de você, Papai Noel!
Também não gosto desse seu papel
De vender ilusão à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade
Soubessem de seu ódio a humildade,
Jogavam pedra nessa fantasia.
Talvez você não se recorde mais.
Cresci depressa, me tornei rapaz,
Sem esquecer, no entanto, o que passou.
Fiz-lhe um bilhete pedindo um presente
E a noite inteira eu esperei, contente.
Chegou o sol e você não chegou.
Dias depois, meu pobre pai, cansado,
Trouxe um trenzinho velho, empoeirado,
Que me entregou com certa apreensão.
Fechou os olhos e balbuciou:
“É para você, Papai Noel mandou “.
E se esquivou, contendo a emoção.
Alegre e inocente nesse caso,
Eu pensei que meu bilhete com atraso,
Chegara às suas mãos, no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda,
Ele partiu dando muitas voltas,
Meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez.
O resto eu só pude compreender quando cresci
E comecei a ver todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a seco:
“ Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro na cidade “.
Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar,
E como quem não quer abandonar
Um mimo que nos deu, quem nos quer bem,
Disse medroso: “senhor vai trocar ele?
Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele.
E por favor, não vá levar meu trem”.
Meu pai calou-se e pelo rosto veio
Descendo um pranto que, eu ainda creio
Tanto e tão santo, só Jesus chorou!  
Bateu a porta com muito ruído,
Mamãe gritou ele não deu ouvidos,
Saiu correndo e nunca mais voltou.

Você, Papai Noel, me transformou num homem
Que a infância arruinou, sem pai sem brinquedos.
Afinal, dos meus presentes não há um que sobre
Para a riqueza de um menino pobre,
Que sonha o ano inteiro com o Natal!
Meu pobre pai doente ,mal vestido,
Para não me ver assim desiludido,
Foi longe para trazer-me um lenitivo,
Roubando o trem do filho do patrão.
Pensei que viajara,
No entanto depois de grande,
Minha mãe, em prantos,
Contou-me que fora preso
E como réu, ninguém a absolve-lo se atrevia.
Foi definhando, até que Deus, um dia,
Entrou na cela e o libertou pro céu.
Porque você fez isso, porque, Papai Noel?“.
Monólogo do Natal, do poeta, jornalista, cordelista, compositor e publicitário alagoano Aldemar Buarque de Paiva (20.07.1925 – 04.11.2014).

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