quarta-feira, 29 de julho de 2015

 1968 – O LIMIAR DE UM SONHO PARA ALGUNS POUCOS




Como outros acontecimentos históricos , o ano de 1968 , instalou – se avassalador , pegando a todos de surpresa e trazendo em seu bojo mudanças comportamentais , políticas , sexuais e éticas . O Brasil desde 1964 encontrava- se sob um severo regime militar implantado através de um Golpe de Estado . No dia 28 de março de 1968 ocorre a morte de um estudante secundarista paraense , Edson Luiz , no restaurante universitário “ Calabouço “ , no Rio de Janeiro . Foi o estopim para duas gigantescas passeatas de protestos contando com cerca de 100.000 cidadãos indignados e acordando de vez o Brasil de norte a sul . Palavras de ordem eram gritadas pela multidão : “ O povo unido jamais será vencido “ ; “ Nesse luto começa nossa luta “ .
Protestos estudantis já pipocavam em várias cidades do mundo , como em Paris , com maior ênfase . No México , houve um massacre que contabilizou 26 mortes , 300 feridos e mais de 1000 pessoas presas .
Um discurso na Câmara dos Deputados proferido por um parlamentar , Márcio Moreira Alves , levava a inocente proposição de boicote à parada de 7 de setembro e sugeria que nos bailes em comemoração à Independência , as moçoilas desprezassem o convite dos cadetes para uma dança . A Câmara negou um pedido de punição ao incauto deputado ( 216 votos contra , 141 a favor e 24 abstenções ) .
O Alto Comando do Golpe Militar sob as ordens do marechal linha – dura Arthur da Costa e Silva , edita então o brutal Ato Institucional número 5 dando início a uma repressão total com intervenção nos estados , cassação de mandatos e suspensão dos direitos individuais . De quebra , a medida truculenta promove o fechamento do Congresso , com cassação de 110 deputados federais , 161 deputados estaduais , 163 vereadores , 22 prefeitos 4 ministros do Supremo Tribunal Federal . Dentre as milhares de prisões , destaque às figuras de Juscelino Kubitschek , Carlos Lacerda e o Marechal Henrique Teixeira Lott . Instalava – se deste modo , o inicio do desmantelamento da chamada Frente Ampla , um movimento da esquerda que articulava o retorno dos civis ao comando da nação . A esquerda executa Charles Chandler , um agente da CIA em São Paulo e põe em prática ousados assaltos e atentados , atacando a onça com vara curta . A resposta vinha com mais repressão . O Trigésimo Congresso Nacional da UNE realizado clandestinamente em Ibiúna , em São Paulo tem como epílogo a prisão de 700 rapazes e moças .
No cenário musical , põe – se em marcha o suplício duradouro do jovem compositor nordestino Geraldo Vandré , por conta de uma canção que logo se transformaria num hino contra a ditadura militar : “ Pra não dizer que não falei de flores “ :
“ Caminhando e cantando e seguindo a canção / somos todos iguais , braços dados ou não / nas escolas , nas ruas , campos , construções / caminhando e cantando , seguindo a canção / vem vamos embora / que esperar não é saber / quem sabe faz a hora / não espera acontecer / pelos campos há fome em grandes plantações / pelas ruas marchando indecisos cordões / ainda fazem da flor o seu mais forte refrão / e acreditam nas flores vencendo o canhão / há soldados armados , amados ou não / quase todos perdidos de armas na mão / nos quarteis lhes ensinam uma antiga canção / de morrer pela pátria e viver sem razão / nas escolas , nas ruas , campos , construções / somos todos soldados armados ou não / caminhando e cantando seguindo a canção / somos todos iguais , braços dados ou não / os amores na mente , as flores no chão / a certeza na frente , a história na mão / caminhando e cantando seguindo a canção/ aprendendo e ensinando uma nova lição / “ .
Na bucólica Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção , distante do fervilhante caldeirão de Rio – São Paulo , um grupo de 148 novos estudantes de medicina da Universidade Federal do Ceará tomam as primeiras aulas , não curriculares , sob a perturbadora realidade de um movimento estudantil focado na situação dura do regime militar vigente . Distintos jovens sonhadores , sem nenhum cacoete de guerrilheiros , seriam nossos “ professores “ com destaque para os seguintes nomes : João de Paula , Mariano Freitas , Chico Monteiro , Helena Serra Azul , Marco e Júlio Penaforte , dentre outros . Eles programavam as famigeradas passeatas – relâmpago em logradouros como as Praças do Ferreira e José de Alencar . Os protestos terminavam , quase sempre , apenas em sustos e correrias , sem feridos ou prisões . A barra pesada da repressão ainda não se estabelecera definitivamente entre nós .
O melhor ficava guardado para quando a noite cobria com seu manto a cidade , onde alguns jovens migravam para a avenida Beira – Mar em busca do Bar do Anísio , frequentado por artistas da terra ainda em busca da fama ( Belchior , Fagner , Ednardo , Fausto Nilo e dentre tantos ) . Outros seguiam rumo ao bairro do Farol , com suas ruas “ da frente e detrás “ pejadas de bares e cabarés , como o famigerado “ Forró da Bala “ . Naquele exótico laboratório social a céu aberto , esporadicamente , dava - de cara com algumas figuras que num futuro próximo seriam nossos queridos mestres na faculdade de medicina , o que nos causava a um só tempo , espanto e admiração . Apresentava – se ali uma rara oportunidade de estreitar laços de amizades com aquelas santas figuras humanas .
Para nós que integramos a turma que ingressou na faculdade de medicina naquele sabático ano , 1968 não foi “ um ano que não terminou “ e sim o marco – zero de nossa vida acadêmica de futuros filhos de Hipócrates , que hoje ainda seguimos pelejando pelos árduos caminhos da vida , cientes de que fomos bafejados pela sorte e , por isso , agradecemos a Deus por esta dádiva . Enfim , emergimos íntegros daqueles árduos tempos de chumbo .
“ Na Beira – Mar , entre luzes que lhe escondem / só sorrisos me respondem / que eu me perco de você / que eu me perco de você / você não viu a lua cheia que eu guardei / a lua cheia que eu esperei / você nem viu / você nem viu / viva o som , velocidade / forte praia minha cidade / só o meu grito nega aos quatro ventos / a verdade que eu não quero ver / e o seu gosto que ficando em minha boca / vai calando a voz já rouca / sem mais nada pra dizer / sem mais nada pra dizer / e eu fugindo de você / outra vez me desculpando / é a vida , é a vida / simplesmente e nada mais / e um gosto de você que foi ficando / e a noite enfim findando / igual a todas as demais / e nada mais e nada mais / meu amor na Beira – Mar / entre luzes se escondem / só sorrisos me respondem / e nada mais e nada mais / “ .

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