segunda-feira, 5 de junho de 2017

TRAGÉDIAS DA VIDA COTIDIANA

Para o Dr. Luiz Carvalho Nogueira



O chamado era para se dirigir ao Bloco 200 do vetusto hospital- escola localizado numa praça do centro de Fortaleza nos idos de 70 do século passado. O jovem médico -plantonista puxou para si uma cadeira ao lado do leito da nova paciente. Fez uma breve apresentação e deu início ao internamento daquela criatura filha de Deus. Chamou sua atenção o sobrenome dela constante no prontuário médico. Tratava-se de uma família com poucos membros aqui no Ceará e era de origem europeia. A paciente relatou sua condição de desquitada e que agora vivia maritalmente com aquela bela morena que a estava acompanhando naquela enfermaria de indigente. Do ex-marido e da única filha que tivera com o mesmo, quase nada falou. Apenas citou o nome da filha, causando um profundo choque no esculápio que se tornou lívido tomando emprestado a cor de seu avental. Com a intimidade de seus botões o doutor confabulou que namorara com a filha daquela paciente e que ela o trocara fugindo com um boêmio idoso, desaparecendo ambos no breu do mundo. Nada foi relatado para a paciente sobre tal infausto e dolorido acontecimento. Da conversa e do exame físico minucioso realizados naquele momento firmou-se um diagnóstico: câncer de colo uterino em estágio avançado. Poucos meses depois findava o sofrimento aqui na terra daquela infeliz criatura.

Corridos já cerca de quarenta anos do acontecimento naquele hospital-escola, o agora sexagenário esculápio recebe um telefonema daquela outrora garota que namorara e filha da dita paciente do câncer de colo uterino. Ela buscava um auxílio financeiro, posto que, o tal marido boêmio e fujão fora consumido definitivamente pela temível Peste Branca, a tuberculose pulmonar. Ela agora estava sendo ameaçada de despejo de seu casebre por conta de três meses de atraso de aluguel. O velho doutor deixou na portaria do consultório certa quantia em dinheiro para aquela sofrida namorada do passado. No dia seguinte ela liga aos prantos querendo devolver parte do dinheiro dizendo que aquilo daria para pagar dois anos de aluguel. O doutor, claro, não aceitou a tal proposta. O pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada, confabulou consigo mesmo. Ela contou que ficara sozinha no mundo, posto que, não tivera filhos e que a mãe, longe e renegada pela família por conta de sua corajosa opção de vida, morrera de um câncer.

Mãe e filha nunca souberam daquela história escondida e da coincidência do encontro/desencontro no hospital no centro de Fortaleza naquele distante ano de setenta e quatro do século passado.  

Ah, a mão cega do destino como tosca pedra nos desvãos da vida a solapar sonhos e quimeras!

Poderia ter acontecido um sonho de amor , mas não aconteceu:

“ Somos dois, começo de vida

Nós dois e uma simples história de amor

Enquanto esta estrada estiver florida
Sonhemos, querida
Somos dois, seguindo na vida
Sentindo que em próximos dias
Diremos talvez
Com os olhos brilhando de felicidade

Fomos dois, somos três “        

Composição de Klecius Caldas e Luís Antônio.

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