terça-feira, 27 de junho de 2017

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: UMA DURA REALIDADE




Uma bela mulher de cabelos azuis da cor do mar e portando um largo sorriso juvenil adentrou, iluminando o sisudo consultório de um velho parteiro de aldeia.

“- Vim iniciar um pré-natal. E trouxe meu primeiro filho para participar deste momento sublime”. Calvin, era o nome do pimpolho, um cãozinho da raça pinscher miniatura, quieto e atento a toda conversa, muito bem aconchegado ao morno colo “ materno”.

Após o preenchimento do Cartão da Gestante com rigorosa anamnese, o doutor avisou que precisaria examinar a novel cliente. De pronto, ela pediu licença para chamar o seu companheiro que ficara na sala de espera, trabalhando freneticamente num computador de mão.

“ – Aí vozão! Tudo em cima? “

Na maior informalidade do mundo, o jovem com um coque preso no alto da cabeça e pejado de dragões espalhados pelo pescoço e membros superiores deu início a um papo surreal mostrando surpresa pela infinidade de lápis, canetas, borrachas e papéis espalhados em cima da mesa de trabalho do esculápio e, inacreditável, sem nenhum sinal de vida inteligente conectado na Web. Apenas um pequeno aparelho de som gemia maneiro um chorinho de Pixinguinha.

O velho parteiro falou de sua alegria ao participar junto desta família híbrida e jovial, exato naquele momento fundamental da vinculação pré-natal: a primeira ultrassonografia com a visualização do concepto e a ausculta dos batimentos cardíacos fetais. Calvin, agora nos braços do “pai” ensaiou um breve momento de ciúme com uma mistura de grunhidos e choro baixo. Uma pândega!

Em seu meio século de labuta em três turnos, aquele parteiro já vivenciara (quase) todo tipo de situação no consultório.

 “- Vamos aprender juntos, caros amigos, nesta longa jornada de nove meses, às vezes, navegando em mar tranquilo e em outras ocasiões enfrentando fortes tempestades. Não importa, estaremos trabalhando no acompanhamento psicológico da gravidez, na consecução do parto e na enriquecedora relação de pais e filhos na construção de sua autonomia, uma dinâmica de alteridade, transformadora da família”. Pregou, paternalmente, o velho homem de jaleco branco rezando para que aquela família ali à sua frente entendesse e aceitasse o tipo de assistência pré-natal por ele ofertada.

“ A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que a gravidez na adolescência ocorre entre dez e dezenove anos, e as que engravidam com catorze anos ou menos são especialmente vulneráveis e mais expostas à morbimortalidade. Cerca de dezesseis milhões de adolescentes entre quinze e dezenove anos, e cerca de um milhão com menos de quinze anos dão à luz a cada ano – 95 % dos casos se dão em países menos desenvolvidos “ (Maldonado, M.T., 2017)

Ainda cabem sonhos diante daquela situação não planejada de uma gravidez na adolescência? O “poetinha” Vinícius de Moraes com larga experiência no ramo do amor, destila sua opinião em versos:

“ Filhos...Filhos?/ melhor não tê-los !/mas se não os temos/como sabe-los?/se não os temos/que de consulta/quanto silêncio/como os queremos !/banho de mar/diz que é um porrete.../cônjuge voa/transpõe o espaço/engole água/fica salgada/se iodifica/depois, que boa/que morenaço/que a esposa fica !/resultado: filho/e então começa/a aporrinhação :/cocô está branco/cocô está preto/bebe amoníaco/comeu botão/filhos ? filhos ?/melhor não tê-los/noites de insônia/cãs prematuras/prantos convulsos/Meu Deus, salvai-o!/ filhos são demo/melhor não tê-los.../mas se não temos/como sabê-los ?/como saber/que macieza/ nos seus cabelos/que cheiro morno/na sua carne/que gosto doce/na sua boca !/chupam gilete/bebem xampu/ateiam fogo/no quarteirão/porém, que coisa/que coisa louca/que coisa linda/que os filhos são!”       

Poema Enjoadinho de Vinícius de Moraes (1913- 1980).


Nenhum comentário:

Postar um comentário