sábado, 28 de fevereiro de 2015



CIGANOS EM FORTALEZA NOS ANOS 60
Despertou- se Chico Barrão  no breu da noite e ficou colado ao  postigo   saboreando o tilintar compassado do trote de cavalos  , chapinhando o chão defronte a  porta em busca do Campo do América logo ali perto junto ao Riacho  Pajeú . Barracos de lona saltaram do chão como num passe de mágica  . Uma sanfona chorou enquanto reinou a escuridão com uma  melodia plangente nem de longe parecida com o nosso velho forró pé de serra .  Uma gente bizarra   , colorida e festeira tomou conta do sonolento bairro da Aldeota , em Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção naquele ano da graça de 1960 . .
Era uma leva de ciganos  , vindos , sei lá , dos confins do mundo , nômades , com ouro escorrendo pelo corpo , até na fileira dos dentes  , cartomantes , quiromantes e , especialmente ,  cabras  que não levam desaforo pra casa  . Sua origem nos remete ao continente europeu, especialmente, ciganos calons da Península  Ibérica .  Por estas bandas os ciganos aportaram há  muito , inicialmente através de um decreto da Coroa Portuguesa que escolheu como o destino para degredados os Estados do Ceará e Maranhão . Faz- se menção  que o Presidente Bossa – Nova , Juscelino Kubitschek ( 1956 – 1961 )  , tinha ascendência tcheca e cigana : médico urologista , boêmio , pé de valsa , bom coração e uma personalidade cativante . Um só  pecado de J.K. , pois  ninguém é perfeito : construiu Brasília , a Capital Federal , morada de uma gente muito estranha não- cigana .
 Enfim estes seres peregrinos da diáspora – os ciganos -  ajudaram certamente com uma  razoável cota  no esperado  “ branqueamento da nação brasileira “  .Vivem no mundo cerca de 10 milhões de ciganos , a maioria nos países da União Europeia . Estima- se a existência hoje no Brasil de cerca de 1.000.000 destes  simpáticos imigrantes . Em 2006 foi instituído o Dia Nacional dos Ciganos  , através de decreto presidencial .
Muito bem  , naquele agrupamento em Fortaleza nos anos 60 do século passado , um adolescente curioso dispôs – se a jogar sua diminuta  mesada destinada  para a compra da Revista Rin- Tin- Tin na fogueira ou  melhor , na prática da quiromancia posta ali a sua disposição . Como numa lâmpada de Aladim alumiou-se  , súbito , a figura de um belo exemplar de mulher , cabelos negros presos num coque , olhos pecadores ,rosto  rabiscado com uns lábios cheios e exageradamente rubros . Ao lado  dela  , vigilante e severo , um homem vestido com roupa negra , bulindo  no leito das unhas com um punhal longo e brilhante . O jovem do bairro ofertou a mão  , o mais firme que  conseguiu para a bela quiromante . Entortou o rosto  e pensou , seja o que Deus  quiser !
“ – Filho , vejo um vermelho de sangue e fogo no seu futuro brilhante , você se projetando como um garboso bombeiro , ou um médico a curar feridas ou um rubro comunista .  -  Não puxe a mão , criança apressada , pois vem agora  a melhor notícia,  bobinho :  você vai atear como um Nero na velha Roma  , fogo em muito coração feminino por este mundo afora “ .
O jovem parecia fazer  ouvidos de mercador para a verborrágica  cigana ,  absorto que estava em duas maduras manga- rosas ali  a sua  frente querendo saltar da blusa branca tomara – que – caia da ardente cartomante .
“ A manga rosa , Maria Rosa / Rosa , Maria , Joana / peitos gostosos , Rosa dos doces / mana , mama , mamãe / teu sumo escorre da minha boca / entra aberta a porta por onde entra e por onde  sai / por onde sai o mundo , mundo / balança a fronde farta mangueira / e mata a fome , morto a fome /ou mata imensa , mata .. /nestes florados cachos / de verde amarelou / maduro fruto / que pro nosso gozo vem / amem , mamem , amém / “ .        Manga – Rosa de  Ednardo .
Chegando  em casa , num êxtase ,  ardendo em febre interna o jovem com o peito estufado  “ mode “ um petista danado   detonou , blefando  :
“  Mãe  , passei a noite sonhando a trabalhar como  um soldado do Corpo de Bombeiros  num daqueles carros barulhentos , sendo um comunista de carteirinha daqueles que comem crianças e amando todas as mulheres do mundo . E tem mais ,  não vou ficar queimando as pestanas em livros técnicos e terminar com um salário de fome numa repartição pública qualquer “ .
Não deu tempo nem de terminar o panfletário  discurso  e o moleque desapareceu debaixo de uma surra de cinturão para acordar do  destrambelhado  sonho  vermelho  :
“  - Você pensa que eu vou aturar umas sirigaitas  enchendo um filho meu  de doenças do mundo como  , Mula , Esquentamento  e Crista de Galo . “ . Você não tem fígado de fazer uma coisa vergonhosa dessas com sua  pobre mãe .  Prefiro a morte “ .
Dias depois  , quando o tropel de cavalos partiu numa madrugada fria com destino desconhecido  , avistava – se   o “ jovem bombeiro “  montando um ginete e  na garupa grudada no seu cangote uma bela princesinha morena , Margarida , um verdadeiro colibri ,  um arco- íris  de desejo que gorjeia  e ri cantigas flamencas
de amor e paz . Disposto estava o doidivanas  jovenzinho a atear o fogo da paixão pelas lonjuras deste mundo de meu  Deus . Mais um  cabeça – chata a engrossar o caudal de errantes a abrir caminhos nunca dantes navegados e um dia quando bater o banzo correr de volta ao estorricado solo do seu querido  Ceará .
“ Eu vou partir , pra cidade garantida , proibida / arranjar meio de vida , Margarida / pra você gostar de mim / essas feridas da vida Margarida / essas feridas da vida , amarga vida / pra você gostar de mim / veja você , arco- íris já mudou de cor / e uma rosa nunca mais desabrochou / e eu não quero ver você /com esse gosto de sabão ...na boca / Veja meu bem , gasolina vai subir de preço / e eu não quero nunca mais seu endereço / ou é o começo do fim ... ou é o fim / essas feridas da vida Margarida / essas feridas da vida , amarga vida / pra você gostar de mim .

                                                                                                              “ Margarida “  Vital Farias .

Nenhum comentário:

Postar um comentário