quinta-feira, 12 de março de 2015

Ó ABRE ALAS PARA CHIQUINHA GONZAGA

Na última metade do século XIX  ,  o Brasil se abria a mudanças político- econômicas substanciais  necessárias a fundação de um grande país . Chiquinha Gonzaga tinha consciência plena de viver numa sociedade recém- saída da mancha negra da escravidão e com rígidos padrões morais para as mulheres  , consideradas objetos de cama e mesa dos seus patrões , o macho dominador . Era a vigência do milenar  patriarcado em seus estertores  . Chiquinha  , feminista de primeira fornada , virou aquele mundo de ponta- cabeça servindo de molde a  figuras que apareceriam ao longo do tempo  como Leila Diniz  , Elis Regina , Maysa Matarazzo ,  Patrícia Galvão ( Pagu ) , Olga Benário ,Adalgisa Neri , Ana Montenegro , Lota de Macedo Soares , Rose Marie Muraro  e tantas outras . O mundo  absolutista dos machos nunca mais teve  sossego , para o sossego  da humanidade  ! .
Francisca Edwiges Neves Gonzaga ( 1847 – 1935 ) , pianista , compositora , maestrina , abolicionista e republicana  , nasceu na cidade do Rio de Janeiro , no dia 17 de outubro de 1847 . Seu pai  , José Basileu Neves Gonzaga  , militar do Exército Brasileiro , era  parente de  Luis Alves de Lima e Silva , o futuro Duque de Caxias  . Sua mãe  , Rosa Maria Lima ,  filha de escravos  e pobre foi rejeitada pela família do militar . Assim  , Francisca Edwiges  nasceu bastarda , longe do pai que se encontrava trabalhando  em Pernambuco . De retorno ao Rio de Janeiro em 1848  , José Basileu conheceu a filha e assumiu enfim  a paternidade . Posteriormente  deu de presente mais três rebentos para  Rosa Maria  .
A garota Francisca Edwiges teve um primor de educação  , de igual forma  a uma integrante da corte portuguesa ,  com incursões em idiomas vários  , artes e música .  Para isso existiam o Cônego Trindade e o maestro Lobo que atapetavam o gracioso caminho de  Francisca  rumo a glória . Aos 11 anos de idade a garota precoce apresentou uma peça ao piano  , de sua autoria , uma loa ao Menino Jesus . Aos 16 anos casou- se com Jacinto Ribeiro do  Amaral , Militar da Marinha , um belo jovem de 24 anos . Agora  ,  presumia  – se ,erroneamente  , que seriam dois senhores ( o pai e  o marido ) para dominarem a inquieta dama .  Corria o ano de 1863  .  No ano seguinte nasceu João Gualberto que representaria uma agradável  companhia e um  porto seguro  para Francisca para toda a vida  .  Em 1865 apareceu  um segundo rebento  ,  Maria do Patrocínio  .  Neste mesmo ano estourou a desigual e infame  Guerra do Paraguai , palco de uma carnificina brutal .  Chiquinha Gonzaga teve que acompanhar o marido num  navio de guerra  até a foz do rio Paraguai  . Sem o insubstituível companheiro  piano , ela conseguiu como prêmio de consolação   um nada aristocrático  violão para acalentar seus dias naquele ambiente avaro  . O cônjuge  Jacinto colocou a companheira contra as cordas  do ringue  : “ -  Ou a música ou o casamento “ .  Resposta curta e fatal de Francisca  : - “ Senhor meu marido , eu não entendo a vida sem harmonia “ . Deixa claro a percepção de harmonia conjugal e na música  .  Na ocasião  , grávida de mais um filho , Hilário , a inquieta Chiquinha foi condenada pela família e declarada morta “ ad  aeternum “  . Partiu a jovem  alma penada  para uma vida  dura mas  independente , rompendo os grilhões que a prenderiam , se ficasse , pelo resto de seus dias,   levando consigo o filho mais  velho , João Gualberto . Cometera ela  uma grave transgressão social para uma época machista e impiedosa .
Como uma flor amorosa  , Chiquinha  foi acolhida no circuito da boemia no Rio de Janeiro por Joaquim Antônio da Silva Callado  , um flautista professor do Imperial Conservatório de Música .  Em 1869  a polca “ Querida por todos “ lhe foi ofertada pelo prestimoso  Callado .  O coração alado de Chiquinha  , contudo ,  já estava nas mãos do jovem engenheiro João Batista de Carvalho Jr . Passaram a viver juntos e  tiveram uma filha , Alice Maria em 1876 . O caso toma um rumo torto por conta de infidelidade do parceiro  , fogueteiro e chegado a um rabo de saia . Uma vez mais Chiquinha parte acompanhada apenas do filho João Gualberto para as peripécias do  mundo . Ministra aulas de piano  , português , francês , matemática , geografia e teatro para sua sustentação básica pois apenas a boemia não enche a  barriga de ninguém .
Aos 29 anos a compositora Chiquinha abre alas com o seu primeiro sucesso a polca “ Atraente“ e a seguir puxa outros sucessos como Desalento , Não insistas , Rapariga ! e Sedutor , tudo isso no ano de 1877 .
Já no século XX , na década de 70 o compositor Hermínio Bello de Carvalho põe letra na polca  “ Atraente “ de Chiquinha Gonzaga . Se viva estivesse a autora aprovaria a letra coquete  :
“ Rebola bola e atraente , vai / esmigalhando os corações com o pé / e no seu passo apressadinho /tão miúdo , atrevidinho /vai sujando o meu caminho / desfolhando o mau – me  - quer  / se bem me quer seja se quer ou não / bem reticente , ela só faz calar / ela é tão falsa e renitente , que até atrai só o seu pensar / como é danada , perigosa , vaidosa / desastrosa , escandalosa  e decorosa / rancorosa , incestuosa e tão nervosa / e bota tudo em polvorosa / quando chega belicosa / bota tudo pra perder / amour , amour / tu jour amour , trè bien /  mas joga fora esta conversa vã /não vem jogar fla- flu no meu Maracanã/ não sou Juju balangandã / meu coração porém , diz que não vai / suportar esta maldita inenarrável solidão /se assim for  , ela vai ter que esbodegar / e te ver despinguelar numa desilusão “ .
João Batista Fernandes Laje , um jovem mancebo português de 16 anos  , amante de música  e Chiquinha Gonzaga com 52 anos iniciaram um puro romance livresco  que durou até o findar dos dias da querida maestrina aos 87anos de idade . Uma bela mulher  , sensível , um fruto sazonado , despida de falsos pudores e  que derrubou com picareta  , falsos mitos acerca do tema  amor x idade . O tempo é feitura dos  deuses ; a medida do tempo sim é coisa do bicho – homem .
“  Formar uma paixão de duas paixões . Fundir em um direito dois direitos . Forjar um leito nobre de dois leitos e atar a uma ambição duas ambições . Juntar em um sonhar duas ilusões . Somar em um só amor dois corações . Juntar em um laço duas divisas e duas miradas fundir em um só olhar . Dois prantos enlaçar em uma só lágrima . Duas canções prender em um só canto. Isto representa unir- se verdadeiramente em amor sem as  rocas do tempo   e o demais  é nada ! “ . Parabéns  , Chiquinha e Joãozinho , heróis agem assim .
Antes de se despedir desta vida  , além de inundar o mundo de amor , Chiquinha Gonzaga recheou a terra com centenas  de canções , levou ao Palácio do Governo a Música Popular Brasileira , lutou pela Abolição dos Escravos , pela Proclamação da República  e fundou a Sociedade Brasileira de Autores  Teatrais . Sempre será exaltada pela autoria da primeira marcha carnavalesca “ O´Abre Alas “ de 1899 :
“ Ó abre alas / que eu quero passar / ó abre alas / que eu quero passar / eu sou da lira / não posso  negar / eu sou da lira / não posso negar / Rosa de Ouro / é quem vai ganhar ” .
No dia 28 de fevereiro de  1935 , no Rio de Janeiro  na véspera de um  carnaval , Chiquinha Gonzaga alçou voo rumo as estrelas , abrindo alas para uma eternidade gozosa , livre e sem preconceitos .


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