quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Um som para Cândido Portinari

                                            


" Para Cândido Portinari / mel e rum bom / e um violão de açúcar / e uma canção / e um coração / para Cândido Portinari / Buenos Aires e um bandoneon / ai , esta noite se pode / se pode / se pode cantar um som / sonha e fulgura / - um homem que tem mão dura / feito de sangue e pintura / grita na tela / sonha e fulgura / o seu sangue de mão dura / sonha e fulgura como talhado com vela / sonha e fulgura / como uma estrela na altura / sonha e fulgura / como voa a chispa bela / sonha e fulgura / assim como sua mão dura / feita de sangue e pintura / sobre a tela / sonha e fulgura / um homem que tem a mão dura / Portinari o desvela / e o magro peito lhe cura /ao homem que tem mão dura / que esta gritando na tela / feito de sangue e pintura / sonha e fulgura ".
 
Nicolas Guillen (1902-1989: poeta cubano, genuíno representante da cultura negra de  seu negro torrão natal. Compôs este "Som para Portinari", de forma magnifica  defendida pela diva da liberdade latina, Mercedes Sosa. Numa fria noite em Porto Alegre, em plena Ditadura Militar e tendo na plateia figuras como Caetano Veloso e Chico Buarque, a bela musa argentina teve que a pedidos, soltar a voz com: "Me encantam os estudantes":
 
" Que vivam os estudantes / jardim de nossas alegrias / são aves que não se assustam de animal nem de policia / e não lhes assustam as balas / nem o ladrar dos  cães /   Que viva a astronomia / me encantam os estudantes que rugem como os ventos / quando lhes metem aos ouvidos  ordens e regimentos / passarinhos libertários / igual que os elementos / que viva o experimento / me encantam os estudantes porque levantam  o peito /  quando lhes dizem que e farinha / sabendo-se que e resto / não se  fazem de surdo- mudo quando se apresenta o fato / viva o código do Direito / me encantam os estudantes porque são a  levedura do pão / que sairá do forno com todo seu sabor / para a boca do pobre / que come com amargura / viva a literatura / me encantam os estudantes / que marcham sobre as ruínas / com as bandeiras no alto / assim todos / são químicos e doutores , cirurgiões e dentistas / vivam os especialistas / me encantam os estudantes / que com mui clara eloquência / com a bolsa negra sacra lhe baixou  as indulgencias  / porque ate quando nos dura / senhores, a penitencia / que viva toda a ciência.
 
Cândido Portinari (Brodowski , Sao Paulo 1915- Rio de Janeiro 1962). Filho de imigrantes italianos , nasceu numa fazenda de café no interior de Sao Paulo, teve infância pobre e insuficiente em estudos formais, não chegando a concluir o ensino básico.  Começou a lidar com a arte pictórica aos 14 anos de idade, auxiliando um grupo de artistas na decoração da Igreja  Matriz da cidade. Aos 15 anos deixa São Paulo em busca de estudos no Rio de Janeiro onde cursa a Escola Nacional de Belas Artes. Em 1928 viaja para Paris por obra de uma bolsa de estudos, onde permanece por 2 anos tomando  contato com artistas que irão mudar sua pintura para sempre. Neste período conhece Maria Martinelli, uma uruguaia que se tornara sua companheira fiel e mãe  de seu único filho. Retorna em 1931 ao Brasil onde alem de quadros passa a pintura de murais e afrescos em vários lugares do mundo. Veio fazer companhia a gente do porte de Di Cavalcante,  Tarcila do Amaral, Anita Malfatti e  Jose Pancetti. Portinari foi um poeta bissexto, colorindo  alguns poemas temáticos como sua vigorosa pintura:
 
" Os retirantes vem vindo com trouxas e  embrulhos / vem das terras secas e escuras ; pedregulhos / doloridos como fagulhas de carvão aceso / corpos disformes , uns panos sujos / rasgados e sem cor  , dependurados / homens de enormes ventre bojudo / mulheres com trouxas caídas para o lado / pançudas , carregando ao colo um garoto / choramingando , remelento /  mocinhas de peito duro e vestido roto / velhas trôpegas marcadas pelo tempo / olhos de catarata e pés informes / aos velhos cegos agarrados / pés inchados enormes / levantando o pó da cor de suas vestes rasgadas / no rumor monótono das alpacartas / ha uma pausa , cai no pó / a mulher que carrega uma lata  de agua / só ha umas gotas - da uma só  -  / não vai arribar . E melhor o marido e os filhos ficarem / nos vamos andando / temos muito que andar neste chão batido / as secas vão a morte semeando".  
 Assim são os seus "Retirantes"  vertidos da tinta para  o papel.
As "mocinhas de peito duro" de Portinari, hoje amparadas por projetos soníferos do governo  federal, passeiam nas ondas da We , curtindo um som do  ex-Ministro/ Poeta Gil:
"Criar meu web site/ fazer minha home-page / com quantos gigabytes / se faz uma jangada / um barco que veleje / que veleje nesse infomar / que aproveite a vazante da infomare / que leve um oriki do meu velho orixá / ao porto de um disquete de um micro em Taipe  /  um barco que veleje nesse infomar / que aproveite a vazante da infomare / que leve meu e-mail ate Calcutá / depois de um hot-link / num site de Helsinque / para abastecer / eu quero entrar na rede/ promover um debate / juntar via Internet / um grupo de tietes  de Connecticut / de Connecticut para acessar / o chefe Mac Milicia de Milão / um hacker mafioso acaba de soltar / um vírus para atacar  os programas no Japão / eu quero entrar na rede para contatar / os lares do Nepal , os bares de Gabão / que o chefe da policia  carioca avisa  pelo celular /  que la da Praça Onze / tem um videopoquer  para se jogar /".

 Em 1954 Cândido Portinari foi diagnosticado com um grave quadro de intoxicação causado pela exposição excessiva ao chumbo contido nas tintas que usava em suas telas. Em 06 de fevereiro de 1962 Portinari falece por conta desta moléstia, aos 58 anos de idade, na cidade do Rio de Janeiro.
  Vinicius de Moraes, poeta, boêmio e cantor, mandou um amoroso recado para Portinari todo confeitado com expressões coloquiais:
" La vai Candinho / pra onde ele vai ? / vai pra Brodosqui / buscar seu pai . La vai Candinho / pra onde ele foi ? / foi pra Brodosqui juntar seu boi / la vai Candinho / com seu topete / vai pra Brodosqui pintar o sete / la vai Candinho tirando rima /vai manquitando ladeira acima /eh ! eh! Candinho / muita saudade / para Ze Claudio /Mario de Andrade / se vir Ovalle / se vir Ze Lins  , fale Candinho / que eu sou feliz / ouviu , Candinho ? / -Diabo de homem mais surdo "
Poetinha danado esse Vinicius!

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