quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Maysa Matarazzo/ Vita Brevis

     1936. O Estado Novo do “pai dos pobres“ Getúlio Vargas mostra suas garras ao mundo, ao prender no Rio de Janeiro o casal Luis Carlos Prestes - O Cavaleiro da Esperança - e a bela Olga Benário, alemã, judia e comunista. Esta, entregue aos horrores da Alemanha nazista , é executada em 1942 num campo de concentração em Bernburg. As duas pérolas cintilantes dos olhos da guerrilheira iriam renascer intactos no encantador olhar da cantora Maysa Matarazzo.
     Maysa Figueira Monjardim (193 –1977), filha de um boêmio, Alcebíades Guaraná Monjardim e de Inah Figueira, misse Vitória, Espírito Santo, nascida um pouco antes da eclosão da Grande Guerra na Europa (1939–1945). O nome Maysa representa a mescla dos nomes de uma amiga de sua mãe, chamada Maria Luysa. 
     A casa dos pais de Maysa acolhia, com frequência, carimbadas figuras da noite como os cantores Sílvio Caldas, o caboclinho  e a grande dama Elizeth Cardoso. Nestas ocasiões rolava a granel boleros, vodca e um bom carteado até o amanhecer. Maysa desde cedo mostrou-se arredia aos bancos escolares, terminando por viver sob regime de internato em um orfanato de rigorosas freiras francesas.
Precoce, sensível e temperamental, Maysa compõe sua primeira música , “Adeus“, depois de presenciar uma destemperada discussão entre seus pai:
Adeus palavra tão corriqueira
Que diz- se a semana inteira
A alguém que se conhece
Adeus logo mais eu telefono
Eu agora estou com sono
Vou dormir pois amanhece
Adeus uma amiga diz à outra
Vou trocar a minha roupa
Logo mais eu vou voltar
Mas quando
Este adeus tem outro gosto
Que só nos causa desgosto
Este adeus você não dá .
 
     Tudo muito inocente , como se percebe, mas nada mal para uma novel compositora de 12 anos de idade. Aos 15 anos a rebelde Maysa recebe uma forte repreensão no colégio por se trajar de forma inadequada com uma saia preta justa, aberta lateralmente, deixando suas torneadas pernas à mostra, no rosto coquete um batom vermelho vivo emoldurando os lábios e em uma das mãos um fumegante cigarro. Chocante!  A adolescente Maysa demorou três dias para retornar ao colégio com a caderneta assinada pelos responsáveis. Motivo constrangedor: a vida boêmia dos pais não permitia o encontro com a filha rebelde. Por essa época Maysa tomava aulas de piano e violão enquanto embalava seus sonhos de princesa.
     O primeiro encontro de André Matarazzo, filho do homem mais rico do país à época com Maysa, deu- se quando ela contava com 5 anos de idade e ele com 22, na casa dos seus genitores em São Paulo. Por isso, tempos depois, os pais de Maysa se espantaram com o inusitado interesse do adulto André pela sua filha adolescente. Não houve jeito e os pombinhos se uniram em matrimônio na Catedral da Sé, ela com 17 anos e ele com 35. O casal foi morar na nobre mansão dos Matarazzo na Avenida Paulista. Maysa a seguir teve uma gravidez atribulada pelo excessivo ganho de peso e uma cesárea malograda que findou trazendo- lhe uma esterilidade definitiva. Nascera-lhe o filho Jaime Monjardim , hoje produtor de cinema e televisão. 
     As inúmeras brigas do casal  tiveram um ápice  quando, em 1956, Maysa recebe o convite de um empresário para gravar um disco pela Casa Continental . Até então ela cantava apenas no banheiro  e, ocasionalmente. em inocentes festinhas na sua residência. O esposo  André fincou pé, não concordando pois, na altura do campeonato trabalhar em cinema, rádio, jornal ou televisão, colocariam Maysa e o nobre sobrenome Matarazzo em situação vulnerável. Maysa chuta o pau da bandeira seguindo em frente com o seu projeto musical e, de quebra, compõe o hino nacional da “ dor de cotovelo“, um portentoso cartão vermelho dirigido para o coitado André:
“ Ouça vá viver
A sua vida com outro bem
Hoje eu já cansei
De prá você não ser ninguém .
O passado não foi o bastante prá lhe convencer
Que o futuro seria
Bem grande só eu e você .
Quando a lembrança com você for morar
E bem baixinho de saudade
Você chorar , vai lembrar que um dia existiu um alguém
Que só carinho pediu e você fez questão de não dar
Fez questão de negar “ .
    
      Neste período deu-se o casamento para toda a vida de Maysa com a bebida alcóolica,  com  as  drogas para emagrecimento e com múltiplos fármacos tranquilizantes. Logo se  instalaram  também,  renitentes crises de depressão, e muitas tentativas de autoagressão. 
     Em 1958, logo após o carnaval, lança Maysa outra de suas composições marcantes e doridas, despindo à vista de todos sua vida privada:
“ Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim
Não sei se explico bem
Eu nada
Pedi
Nem a você nem a ninguém
Não fui eu que caí
Sei que você me entendeu
Sei também que não vai se importar
Se o meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar “ .
     
     Maysa saboreou com gozo muitos amores no Brasil e, também, no exterior onde realizou várias temporadas de shows, sempre marcadas com confusões desencadeadas por excessos etílicos. Depois outras figuras da música popular brasileira, como Ângela Rô Rô e Cássia Eller, com menor charme, convenhamos, apresentaram- se com idênticas performances. Em 1961 um de seus namorados, Ronaldo Boscoli, carregou Maysa à tira–colo para alavancar a emergente Bossa Nova. Quase deu certo. 
Em uma de suas raras entrevistas, Maysa respondeu a uma já esperada pergunta : “Você tentou se matar algumas vezes . Em qual delas foi sincera? “ .
“ – Em todas. Mas nenhuma eu queria morrer imediatamente. Por isso morria pouco. Só uma coisa me faria morrer até o fim: o amor “. Uau !
     Em 22 de janeiro de 1977, Maysa cai de vez nos braços da paz duradoura. Era um sábado e ela se dirigia para sua casa em Maricá quando perdeu o controle de sua Brasília, conduzida a 100 km por hora, sobre a ponte Rio–Niterói. Ponto final de sua aventura terrestre.
    Adoniran Barbosa e Vinicius de Moraes elaboraram uma “tatuagem“ para colar na doce pele de Maysa :
Bom dia tristeza
Que tarde tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando até meio triste
De estar tanto tempo longe de você
Se chegue tristeza
Se sente comigo
Aqui nesta mesa de bar
Beba no meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza 
Tristeza de amar

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