domingo, 21 de dezembro de 2014

Medo segundo Belchior, lenine e Julieta Venegas

“ Eu tenho medo e medo está por fora / o medo anda por dentro do teu coração / eu tenho medo de que chegue a hora / em que eu precise entrar no avião / eu tenho medo de abrir a porta / que dá pro sertão da minha solidão / apertar o botão : cidade morta / placa torta indicando a contramão / faca de ponta e meu punhal que corta / e o fantasma escondido no porão / medo , medo ,medo , medo , medo , medo / eu tenho medo de Belo Horizonte / eu tenho medo de Minas Gerais / eu tenho medo de Natal , Vitória / eu tenho medo Goiânia , Goiás/ eu tenho medo Salvador , Bahia / eu tenho medo Belém , Belém do Pará / eu tenho medo pai , filho , Espírito Santo, São Paulo / eu tenho medo , eu tenho sede de voar / eu tenho medo um Rio , um Porto Alegre , um Recife / eu tenho medo Paraíba , medo Paranaguá / eu tenho medo Estrela do Norte , paixão , medo é certeza / medo Fortaleza , medo Ceará / medo , medo , medo , medo ,medo / eu tenho medo e já aconteceu / eu tenho medo e ainda está por vir / morre o meu medo e isto não é segredo / eu mando buscar outro lá no Piauí / medo , meu boi morreu , o que será de mim/ mando buscar outro maninha no Piauí “ / . A. C. Belchior .
Medo, o grande mal do nosso século, este sentimento cruel que prende o indefeso ser humano em suas garras, nas suas entranhas, numa masmorra escura que apavora. Há o medo do tempo: do ontem (porão de coisas velhas) e do amanhã (da certeza da finitude); o medo do outro, aquele desconhecido que perambula suspeito na rua de nossa mente; o medo da solidão, mesmo sabendo que ninguém nasceu para viver só, pois nenhum homem é uma ilha. Apenas a partida definitiva faz-se sem companhia; o medo da violência urbana, com sua presença incômoda e, o pior de todos os medos, o atroz medo de amar:
“ Amor é fogo que arde sem se ver / é ferida que dói , e não se sente /é um contentamento descontente / é dor que desatina sem doer / é um não querer mais que bem querer / é um andar solitário entre as gentes / é nunca contentar –se de contente / é um cuidar que ganha em se perder /é querer estar preso por vontade / é servir a quem vence , o vencedor / é ter com quem nos mata , lealdade / mas como causar pode seu favor / nos corações humanos amizade / se tão contrário a si é o mesmo amor ? “ / . Luis Vaz de Camões ( 1524 – 1580 ) .
A forma única e inusitada de “ se encantar “ em busca do divino, faz-se naqueles seres sensíveis que “ morrem de amor “, algo corriqueiro no mundo da música, como no caso de Maysa, Antônio Maria e Dolores Duran.
Lenine, nascido em Recife, Pernambuco, em 1945, filho de pai comunista, daí a homenagem ao político russo Lenin, que junto a Stalin e Trotsky fizeram a Revolução Comunista de 1917. Cantor, compositor de largos recursos, escritor, que gravou com Julieta Venegas uma mimosa cantora e instrumentista nascida em Los Angeles, na Califórnia em 1970 e crescida em Tijuana no México, uma bela e longa canção que detalha o medo em diversas situações do cotidiano com frases feitas, do dia–a- dia das pessoas comuns, mas com um resultado estético invejável:
“ Têm medo do amor e medo de não saber amar / Têm medo da sombra e medo da luz / têm medo de pedir e medo de calar / medo que dá medo do medo que dá / têm medo de subir e medo de descer / têm medo da noite e medo do azul / têm medo de cuspir e medo de aguentar / medo que dá medo do medo que dá / o medo é uma sombra que o temor não esquiva / o medo é uma armadilha que prendeu o amor / o medo é uma alavanca que apagou a vida / o medo é uma fenda que aumentou a dor / tenho medo de gente e de solidão / tenho medo da vida e medo de morrer / tenho medo de ficar e medo de escapulir / medo que dá medo do medo que dá / tenho medo de acender e medo de apagar / medo de esperar e medo de partir / tenho medo de correr e medo de cair / medo que dá do medo que dá / o medo é uma linha que separa o mundo / o medo é uma casa aonde ninguém vai / o medo é como um laço que se aperta em nós / o medo é uma força que não me deixa andar / têm medo de rir e medo de chorar /têm medo de encontrar e medo de não ser / têm medo de dizer e medo de escutar / medo que dá medo do medo que dá / tenho medo de parar e medo de avançar / tenho medo de amarrar e medo de quebrar / tenho medo de exigir e medo de deixar / medo que dá do medo que dá / o medo é uma sombra que o temor não desvia / o medo é uma armadilha que pegou o amor / o medo é uma chave que apagou a vida / o medo é uma brecha que fez crescer a dor / o medo é uma linha que separa o mundo / o medo é uma casa onde ninguém vai / o medo é como um laço que aperta o nó / o medo é uma força que me impede andar / medo de olhar no fundo / medo de dobrar a esquina / medo de ficar no escuro / de passar em branco , cruzar a linha / medo de se achar sozinho / de perder a rédea , a pose e o prumo / medo de pedir arrego , medo de vagar sem rumo / o medo estampado na cara ou escondido no porão / o medo circulando nas veias ou em rota de colisão / o medo é de Deus ou do demo ? é ordem ou é confusão ? / o medo é medonho / o medo domina / o medo é a medida da indecisão /medo de fechar a cara , medo de encarar /medo de calar a boca , medo de escutar / medo de passar a perna , medo de cair / medo de fazer de conta , medo de iludir / medo de se arrepender / medo de deixar por fazer / medo de se amargurar pelo que não se fez / medo de perder a vez / medo de fugir da raia na hora H / medo de morrer na praia depois de beber o mar / medo que dá do medo que dá / medo que dá do medo que dá “ / .
Aproveitando a propícia época do ano, encerramos, sem medo de ser feliz, um recado de Victor Hugo:
“ Desejo primeiro que você ame / e que amando , também seja amado / e que se não for , seja breve em esquecer / e que esquecendo , não guarde mágoa / desejo ,pois , que não seja assim / mas se for , saiba ser sem desesperar / desejo também que tenha amigos / que mesmo maus e inconsequentes / sejam corajosos e fiéis / e que pelo menos num deles /você possa confiar sem duvidar /e porque a vida é assim/ desejo ainda que você tenha inimigos / nem muito , nem poucos / mas na medida exata para que , algumas vezes / você se interpele a respeito / de suas próprias certezas / e que entre eles , haja pelo menos um que seja justo / para que você não se sinta demasiado seguro / depois desejo que você seja útil / mas não insubstituível / e que nos maus momentos / quando não restar mais nada / essa utilidade seja suficiente para manter você em pé / desejo ainda que você seja tolerante / não com os que erram pouco , porque isso é fácil /mas com os que erram muito e irremediavelmente / e que fazendo bom uso dessa tolerância / você sirva de exemplo aos outros / desejo que você , sendo jovem/ não amadureça depressa demais / e que sendo maduro , não insista em rejuvenescer / e que sendo velho , não se dedique ao desespero / porque cada idade tem o seu prazer e sua dor e / é preciso deixar que eles escorram por entre nós / desejo por sinal que você seja triste / não o ano todo , mas apenas um dia / mas que nesse dia descubra / que o riso diário é bom/ o riso habitual é insosso e o riso constante é insano / desejo que você descubra / com o máximo de urgência / acima e a respeito de tudo , que existem oprimidos / injustiçados e infelizes, e que estão a sua volta / desejo ainda que você afague um gato / alimente um cuco e ouça um joão – de – barro / erguer triunfante o seu canto matinal / porque , assim , você se sentirá bem por nada / desejo também que você plante uma semente / por mais minúscula que seja / e acompanhe o seu crescimento / para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore / desejo , outrossim , que você tenha dinheiro /porque é preciso ser prático / e que pelo menos uma vez por ano / coloque um pouco dele / na sua frente e diga “ isso é meu “ / só que fique bem claro quem é o dono de quem / desejo também que nenhum de seus afetos morra / por ele e por você / mas que se morrer , você possa chorar / sem se lamentar e sofrer sem se culpar / desejo por fim que você sendo homem / tenha uma boa mulher / e que sendo mulher / tenha um bom homem / e que se amam hoje , amanhã e nos dias seguintes / e quando estiverem exaustos e sorridentes / ainda haja amor para recomeçar / e se tudo isso acontecer / não tenho mais nada a te desejar “ / .
Só um Feliz Natal e um belo 2015 ! . Acabou ! .
https://www.youtube.com/watch?v=ZQpmc6hiIBQ&noredirect=1

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