segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

RELEMBRANÇAS




05 de janeiro de 1968 , na Loira desposada do sol um grupo de álacres estudantes revoava rumo ao Colégio Militar de Fortaleza ou para a Escola Normal Justiniano de Serpa. Era o início da maratona do vestibular de medicina da UFC. Cerca de novecentos candidatos para cem vagas. Primeiro obstáculo : prova de português com caráter eliminatório. Para o texto de redação a escolhida foi a cearense Rachel de Queiroz (1910-2003) com o poema "Telha de Vidro":


"Quando a moça da cidade chegou/veio morar na fazenda/na casa velha.../tão velha !/quem fez aquela casa foi o bisavô. ../deram - lhe para dormir a camarinha/uma alcova sem luzes, tão escura !/mergulhada na tristura /de sua treva e de sua única portinha /a moça não disse nada/mas mandou buscar na cidade /uma telha de vidro.../queria que ficasse iluminada /sua camarinha sem claridade.../agora/o quarto onde ela mora/é o quarto mais alegre da fazenda/tão claro que ao meio dia, aparece uma renda de arabesco de sol nos ladrilhos vermelhos /que - coitados - tão velhos/só hoje é que conhecem a luz do dia. ../à luz branca e fria/ também se mete às vezes pelo clarão da telha milagrosa. ../ou alguma estrela audaciosa /careteia no espelho onde a moça se penteia / que linda camarinha! /era tão feia/ - você me disse um dia/que sua vida era toda escuridão / cinzenta/fria/sem luar, sem um clarão. ../por quê você não experimenta? /a moça foi bem sucedida.../ponha uma telha de vidro em sua vida !"


Hoje, cinquenta anos depois seguimos viagem como irmãos e cúmplices, de braços dados, numa vereda íngreme, com os pés descalços empoeirados, as mãos cobertas de calos, nuas, mas limpas. Trazemos ouro e prata, no olhar e nos cabelos , tintos pelos beijos do luar. É a nossa grande fortuna terreal. 


Deste modo, queremos um dia nos apresentar na Mansão dos Bons e dos Justos e dizer, humildemente : - "Senhor, eis Seu pequeno servo, que pelo mundo afora pelejou consolando almas, lancetando feridas, receitando meizinhas e realizando curas com Sua intercessão. Conceda-nos o perdão pelo não -feito ou pelos momentos em que fraquejamos"
Não lembro o que o jovem da foto abaixo, que confecciona esta crônica,  escreveu na dita redação. Sei que " um rapaz latino americano sem dinheiro no banco e vindo interior - Belchior" - recebeu a nota máxima nesta prova de português. 

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