sexta-feira, 29 de setembro de 2017

PERGUNTAS SEM RESPOSTAS EM METAFÍSICA
Para Rosali Lemos




“ Há metafísica bastante em não pensar em nada.
Que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
De minha janela (mas elas não têm cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a saber o que é o sol
E a pensar muitas coisas cheia de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada.
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica tem aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que não o sabem?
“ Constituição íntima das cousas”
“ Sentido único do Universo”...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos ramos
Das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido único nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta a dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina ...
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores árvores e montes
E o luar e as flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?)
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora”
Fernando Pessoa (1888-1935) , Poesia de Alberto Caeiro.

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