domingo, 5 de abril de 2020

Amor Imortal Morre de Tarde 
"De tarde, ao dobrar uma esquina, aquele encontrão.  Mercedes Pires nem reparou nele, que foi sua paixão.  Aniceto de Castro, o Castrão das Rendas Aduaneiras, também em Mercedes não reparou. Esteve, na curva de 1922, a pique de meter uma bala no casco pela  beleza em flor de Mercedes. E  Mercedes, pelo bem -  querer de Castro,  quase abriu os pulsos com uma faca de cortar mortadela. Do talho aos jornais era pulo de periquito. E  até imaginou o berro das manchetes :
"Linda moça de Cordovil morre por um amor impossível. "

Mas entre o tiro que não houve e a faca  que não cortou, a folhinha da parede desfolhou quarenta bem passados anos. E de repente, na dobra de uma  esquina, aquele esbarrão.  Castro nem reparou em Mercedes. Falou para dentro , para o ouvido do seu suspensório :

- Uma ilha dessa tonelagem devia andar no meio da rua , com placa de caminhão nas costas. É páreo duro para ônibus e não para gente de calça e botina. 

Mercedes também não reparou em Castro. Falou sozinha:

- Cada tipo esquisito! Parece, de tão gordo, que está esperando criança.  Se tivesse espelho em casa devia reparar que aquela sua cara de engomador elétrico não pode usar óculos nem costeleta.  É cara para tomada de parede.

E assim um passou pelo outro. Perdidos na distância de quarenta anos."

Crônica "Amor Imortal Morre de Tarde" ,  que integra o livro " Porque  Lulu Bergantim Não Atravessou o Rubicon" - 1971 , da autoria de José Cândido de Carvalho (1914 - 1989) , jornalista , escritor , advogado , pertencente à Academia Brasileira de Letras. Sua obra de ficcionista é das mais originais , graças à linguagem pitoresca e aos personagens,  ora picarescos,  ora populares  do "povinho do Brasil."

" Não ame pela beleza pois um dia ela acaba. Não ame por admiração,  pois um dia você se decepciona.  Ame apenas , pois o tempo nunca pode acabar com um amor sem explicação "

Nenhum comentário:

Postar um comentário