segunda-feira, 27 de abril de 2020



A História do Rei Vesgo
"Na frente do Palácio de certo rei do Oriente, havia um morro que lhe estragava o prazer. Esse rei , apesar de ser vesgo, tinha uma grande vontade de "dominar a paisagem "; vontade tão grande, que ele não pôde resistir, e lá um belo dia, resolveu sinceramente arrasar o morro. Tratava - se , porém, de um morro sagrado , chamado o Morro da Democracia, e defendido por leis básicas do reino. Nem essas leis, nem o povo jamais consentiram em sua demolição, porque era justamente o obstáculo que limitava o poder do rei. Sem ele o rei dominaria ditatorialmente a paisagem, o que todos tinham como um grande mal. Mas aquele rei, que além de vesgo era malandro, tanto espremeu os miolos que teve uma ideia.
Piscou e chamou uns cavouqueiros, aos quais disse: - Tirem um pouco de terra desse morro, ali onde há uma touceira de cagroatá espinhento. Se o povo protestar contra a mexida no morro, direi que é para destruir o cagroatá espinhento; e que se tirei um pouco de terra foi para que não ficasse no chão nem uma raiz ou semente. Os cavouqueiros arrancaram os pés de cagroatá e removeram várias carroças de terra. O povo não protestou; não achou que fosse caso disso. Só alguns ranzinzas murmuraram, ao que os apaziguadores responderam : Foi muito pequena a quantidade de terra tirada; não fará falta nenhuma. Vendo que não houve protesto, o rei , logo depois, deu nova ordem aos cavouqueiros para que arrancassem outro pé de qualquer coisa, mas com terra - Ele fazia muita questão de que a planta condenada saísse sempre com um bocadinho de terra...
Continuando o povo a não protestar, prosseguiu o rei por muito tempo naquela política de "extirpação das plantas daninhas do morro" e as foi arrancando sempre "com terra", até que um dia...- Que é do morro ? Já não havia morro nenhum no Reino.
Desaparecera o Morro da Democracia e o rei pôde, afinal estender o seu olho vesgo por todo o país e governa- lo despoticamente - não pelo breve espaço de apenas quinze anos, mas pelo de trinta e tantos, segundo rezam as crônicas históricas. Isto foi no Oriente. Mas nada impede que aqui aconteça o mesmo, porque também temos o nosso morrinho da Democracia, cheio dessas plantas más que costumam crescer em tais morros. É preciso pois , que o povo se mantenha sempre vigilante , para nossos reis vesgos não as arranquem "com terra". Do contrário, o morro se acaba - e ...como é? Ditadura outra vez ? Paisinho dos Pobres outra vez ? Este comício tem uma significação. É um protesto do povo contra as primeiras carroçadas de terra que o nosso rei, sob o pretexto de arrancar o cagroatá espinhento do comunismo, tirou do nosso Morro da Democracia. Cesteiro que faz um cesto faz cem.
Quem tira uma carroçada de terra, tira mil. Se não reagirmos energicamente, um dia estaremos privados de nosso morro e com um terrível soba dominando toda planície. E, se tal acontecer e se esse soba instituir o relho como instrumento de convicção, será muitíssimo bem feito, porque outra coisa não merece um povo que deixa seus governantes despojarem - no pouco a pouco de suas mais belas conquistas liberais. O preço da liberdade é uma vigilância barulhenta como a dos gansos do Capitólio "
A História do Rei Vesgo, da autoria de Monteiro Lobato (1882 - 1949).
Hodiernamente , num burgo situado na América Latina , um reizinho de papel, vesgo , cego, nu, cambaleando no vernáculo, babando ódio, tenta destruir o nosso débil morrote da democracia, buscando para tal , o amparo do baixo clero do parlamento e "arrancando plantas do bem" , como possíveis ameaças a seus arroubos de perpetuação do poder .
Quem tira uma " carroçada de terra" , tira mil , e depois , adeus "Morro da Democracia !"

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